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Tribunal: 1 SECÇÃO

Relator: ADRIANO CUNHA

Descritores: CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL


EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO

Sumário: I - Pelo menos desde 2017, a partir da alteração do


Código dos Contratos Públicos produzida pelo DL nº
111-B/2017, de 31/8 (por imposição do direito da UE,
nomeadamente da Diretiva 2014/24/UE), não é mais
possível defender que o risco de um preço ou custo
insuficiente pode correr apenas por conta das
empresas adjudicatárias, sem necessidade de
controlo, nesta sede, pelas Entidades Adjudicantes,
ou que basta uma declaração/compromisso de
cumprimento das obrigações legais, ou que
um preço insuficiente pode ser compensado com
recurso a outras fontes de rendimento de
financiamento das empresas adjudicatárias, ou a
outros contratos, ou que consubstancie um prejuízo
que as empresas adjudicatárias estejam dispostas a
suportar por razões de marketing ou estratégia
comercial em nome de uma sua “liberdade de gestão
empresarial”. O direito da UE, transposto para o
direito nacional, opõe-se claramente a este
argumentário, estabelecendo que o relevante é o
binómio relacional “preço/prestação” e não a maior
ou menor capacidade dos proponentes; o que
interessa aferir é, pois, se o preço proposto é, ou
não, objetivamente suficiente para cobrir os custos a
incorrer.
II - Embora um apoio de Estado, designadamente
por recrutamento de jovens à procura do primeiro
emprego ou desempregados de longa duração,
possa justificar um preço aparentemente
insuficiente, tal apoio tem que estar garantido, sob
pena de o risco/incerteza na obtenção desse apoio
ser deixado correr apenas por conta da empresa
adjudicatária, o que não é tolerável.

Nº Convencional: JSTA00071554
Nº do Documento: SA1202209220339/21
Data de Entrada: 03-08-2022
Recorrente: MUNICÍPIO DE COIMBRA
Recorrido 1: A………………., LDA. (E OUTROS)
Votação: UNANIMIDADE

Legislação Nacional: CCP ART1º-A N2 ART70 N2 AL.S E) F) ART71 N4 ALS, E) G)


Legislação Comunitária:DIRETIVA 2014/24/UE ART 18 N2 ART69 N1

Aditamento:

Texto Integral
Texto Integral: Acordam
em conferência na Secção de Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. O “MUNICÍPIO DE COIMBRA” interpôs o presente


recurso de revista do Acórdão proferido, nos presentes
autos, pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN),
em 29/4/2022 (cfr. fls. 1924 e segs. SITAF), que concedeu
provimento ao recurso intentado pela
Autora “A………………., Lda. (A………)” da decisão do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 12/11/2021,
que havia julgado a ação improcedente e mantivera o ato
de adjudicação impugnado (cfr. fls. 1732 e segs. SITAF),
assim revogando esta sentença e julgando a ação
procedente, anulou o ato de adjudicação impugnado e
condenou o (então Recorrido) “Município de Coimbra” a
excluir do concurso a proposta da adjudicatária
/Contrainteressada “B………………., Lda.” e a adjudicar a
prestação de serviços à Autora (“A……………….”).

2. Inconformado com este julgamento do TCAN, veio a


Entidade Ré “Município de Coimbra” interpor o presente
recurso de revista para este Supremo Tribunal
Administrativo, terminando as respetivas alegações com as
seguintes conclusões (cfr. fls. 1954 e segs. SITAF):

«I. Nos termos do artigo 150.º do Código de Processo nos


Tribunais Administrativos, pode haver, excecionalmente,
revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando
esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela
sua relevância jurídica ou social, se revista de importância
fundamental ou quando a admissão do recurso seja
claramente necessária para uma melhor aplicação do
direito;
II. Como vem entendendo esse Supremo Tribunal, a
importância fundamental da questão há-de resultar quer da
sua relevância jurídica quer social, aquela entendida não
num plano meramente teórico mas prático em termos de
utilidade jurídica da revista, e esta, em termos da
capacidade de expansão da controvérsia de modo a
ultrapassar os limites da situação singular;
III - Por outro lado, a “melhor aplicação do direito” há-de
resultar da possibilidade de repetição num número
indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de
uniformização do direito;
IV - Ora, as questões sobre que versa o presente litígio
foram, já por várias vezes, apreciadas quer pelo Tribunal
Central Administrativo, quer por esse Supremo Tribunal e o
que das decisões proferidas decorre é há, nestas matérias,
entendimentos claramente divergentes, o que, só por si,
justifica a admissão da presente revista;
V – Na verdade, e a título de exemplo, o STA, em acórdão
proferido em 3.12.2015, no âmbito do proc. n.º 0657/15,
entendeu, em sentido diametralmente oposto àquele em
que aponta o acórdão aqui recorrido, que “...o facto de uma
proposta refletir um preço que implicaria um custo inferior
aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis
do trabalho não implica que, face ao teor da proposta, a
entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação
vigente e nomeadamente a legislação de trabalho que vem
invocada como custos fixos a considerar na proposta;
VI – Na mesma linha, afirma-se no Ac. do TCA Norte de
19.06.2015, proferido no proc. n.º 01646/14.5BESNT, que
“...o facto de a concorrente adjudicatária ter declarado na
sua proposta a susceptibilidade de beneficiar de um
incentivo à contratação traduz um risco que recai sobre a
sua esfera jurídica: dentro da respectiva liberdade de
organização empresarial, a concorrente optou por
apresentar a proposta nos moldes em que o fez – correndo
assim por sua conta o risco de obter, ou não, o benefício à
contratação – estratégia que não lhe estava vedada nem
aos demais candidatos; se o benefício não vier a ser
concedido, a única consequência que daí advém é a
obrigatoriedade da concorrente manter o preço da
proposta e cumprir os encargos salariais e sociais
correspondentes, pagando a taxa social única ou a
retribuição do trabalhador por inteiro”;
VII – Acresce que atendendo à matéria em causa e à
circunstância de, com elevada frequência, as entidades
adjudicantes recorrerem à contratação pública para a
aquisição de serviços de segurança privada, parece ser
evidente que esta situação tem potencialidade para se
expandir a uma miríade de casos futuros, o que, também
por aqui, justifica a intervenção desse Supremo Tribunal;
VIII – O acórdão recorrido olha para o preço apresentado
pela contra-interessada B…………….. e conclui,
automaticamente, que são violadas obrigações legais em
matéria laboral, afirmando que é “...patente, do próprio teor
da proposta, o incumprimento das obrigações legais por
parte da Contra-Interessada”, mas o que é certo é que os
valores apresentados por esta têm por fito justificar
o preço proposto à entidade adjudicante, para com ela
contratar, sendo por isso apresentados sob o título
‘Metodologia justificativa do preço apresentado’;
IX – Esses preços não apresentam os termos em que a
contrainteressada se vincula a contratar com os
trabalhadores e a pagar esses contratos, tratando-se, sim,
de valores que, embora devam aproximar-se dos custos
mínimos da actividade em causa, não têm de lhe
corresponder exactamente, em cada item a que
corresponda um valor legal mínimo, para que o contrato a
celebrar deva ser conforme às exigências legais;
X - A contrainteressada está sempre vinculada, e estará
obrigada contratualmente, no âmbito da execução do
contrato objeto do concurso público, a manter os contratos
com os trabalhadores no respeito pelas exigências legais
aplicáveis;
XI - Não tem de ser o pagamento do preço proposto,
somente, a permitir à adjudicatária cumprir as suas
obrigações legais e contratuais na sua relação com os
trabalhadores que prestam o serviço, podendo para tanto
ser alocados os recursos de que a empresa dispõe na
globalidade, de sorte que os valores constantes da
metodologia justificativa do preço o que fazem é distribuir a
totalidade do valor do preço proposto pelos diversos custos
a suportar, sem que tal signifique que o preço proposto
tenha de cobrir todos os custos mínimos a suportar,
atendendo a que o cumprimento desses mínimos conta
com a totalidade dos recursos da empresa;
XII - Só se houver uma discrepância flagrante entre
o preço da proposta e a totalidade dos custos mínimos a
suportar pela empresa adjudicatária é que poderá ter de se
concluir pelo risco elevado de incumprimento,
nomeadamente, das exigências legais aplicáveis em
matéria laboral e social, podendo então considerar-se,
nesse caso, que ocorre a causa de exclusão prevista na
alínea f) do art.º 70.º n.º 2 do CCP;
XIII - No caso vertente, não existiam quaisquer indícios de
que a contrainteressada fosse incumprir as normas
relativas às suas obrigações laborais, tanto mais que teve o
cuidado de explicitar que o preço apresentado no âmbito
do concurso previa a possibilidade de obtenção de apoios à
contratação;
XIV – A obtenção, ou não, desses auxílios consubstancia
um risco, no âmbito da gestão da contra-interessada, que o
Recorrido não tem de controlar, tanto mais que aquela está
sempre vinculada a manter os contratos com os
trabalhadores no respeito pelas exigências legais
aplicáveis;
XV - O acórdão recorrido incorre, por aqui, em erro de
julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação do
71.º, n.º 2, do CCP, e violando, igualmente, o princípio da
liberdade de gestão empresarial contido no artigo 61.º da
CRP;
XVI – É errada a afirmação de que o apoio ou incentivos ao
emprego eram, neste caso, incompatíveis com a obrigação
constante da cláusula 12.3 das condições gerais do
caderno de encargos, e que resulta do artigo 285.º, n.ºs 1,
2 e 10 do Código do Trabalho, a de manter os
trabalhadores ao serviço, no mesmo posto, no Convento de
São Francisco, em causa neste procedimento;
XVII - O recebimento, pela contra-interessada, de apoios
referentes aos incentivos à empregabilidade pode
concorrer para a definição do preço proposto na medida
em que, reduzindo os custos da empresa no âmbito de
outros contratos de trabalho, elegíveis para essas medidas
de apoio, que aquela venha a celebrar, disponibiliza
recursos que viabilizam a contratação com a entidade
adjudicante pelo preço proposto;
XVIII – Acresce que a contra-interessada declarou no
mesmo documento em que fez aludida afirmação
‘justificativa do preço’, que se submetia, em tudo o que
respeitasse à execução do contrato, ao que se achar
prescrito na Legislação Portuguesa em vigor, pelo que se
vinculou, por aí, a cumprir com o conteúdo da proposta na
parte referente ao preço a receber da entidade adjudicante
e igualmente no referente ao cumprimento da legislação
em matéria da transmissão de estabelecimento,
designadamente à manutenção dos contratos;
XIX - O n.º 2 do artigo 71.º do CCP abre a possibilidade de,
mesmo nos casos em que no convite ou no programa do
procedimento não se tenham definido as situações em que
o preço ou custo de uma proposta deve ser considerado
anormalmente baixo, poder, ainda assim, considerar-se
como tal uma proposta que se revele insuficiente para o
cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental,
social ou laboral ou para cobrir os custos inerentes à
execução do contrato;
XX – No entanto, se a lei abre a hipótese de os
concorrentes justificarem um preço que, à partida, se
apresenta como anormalmente baixo, com a possibilidade
de obterem auxílios estatais, não é dado à entidade
adjudicante, pura e simplesmente, ignorar essa afirmação e
excluir, sem mais, a proposta;
XXI – Do que se retira do acórdão recorrido, a
apresentação, à partida, de um preço de que decorra,
prima facie, ser insuficiente para o cumprimento de
obrigações legais em matéria laboral é bastante para, por si
só, impor a exclusão da proposta, raciocínio que, porém,
retira qualquer sentido ou efeito prático aos n.ºs 3 e 4 do
artigo 71.º do CCP;
XXII - O acórdão recorrido viola os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo
71.º do CCP;
XXIII – Tendo em conta que a memória descritiva exigida
no Programa do Concurso é um documento contendo um
atributo da proposta, e a informação a que se reporta está
contida em documento que integra a proposta da
contrainteressada – ainda que não seja um documento
isolado, o que não releva, posto que a informação
requerida se apresenta perfeitamente identificável mediante
os títulos sob os quais está estruturada, não ocorre a
omissão de apresentação de atributo da proposta, que
daria lugar a exclusão nos termos 70.º, n.º 2, a) e 57.º, n.º
1, b) do CCP;
XXIV - De todo o modo, mesmo que se entendesse existir
aqui qualquer irregularidade – e não existe -, sempre teria
de se considerar, atenta a referência que é feita, no
documento “atributos da proposta”, ao “número de horas
por mês/posto”, que se estaria, no caso, perante uma
irregularidade formal não essencial que não carece de
suprimento, uma vez que a finalidade que com ela se
pretende atingir é facilmente atingível por outra via;
XXV – Para ser coerente com a exigência que quer extrair
para a contrainteressada de especificação do número de
horas nos exactos termos que constam do Caderno de
Encargos - memória descritiva respeitante aos preços
mensais por instalação, que inclua, no mínimo: número de
horas/mês por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis,
sábados, domingos e feriados) e custo unitário de
vigilante/hora por tipologia (diurna, nocturna, dias úteis,
sábados, domingos e feriados) -, nunca poderia o Tribunal
a quo condenar o ora Recorrente a adjudicar a prestação
de serviços à aqui Recorrida, uma vez que esta não
especifica, também ela, os preços para “sábados” e
“domingos”, mas sim para “fins de semana”;
XXVI - O acórdão recorrido incorre, também por aqui, em
erro de julgamento, fazendo errada interpretação e
aplicação dos artigos 57.º, n.º 1, alínea c) e 70.º, n.º 2,
alínea a) do CCP.

Termos em que,
Admitindo e considerando procedente o presente recurso,
com a consequente revogação do acórdão recorrido, farão
V. Exas.
Justiça!».

3. A Autora/Recorrida “A………………., Lda.” contra-


alegou, terminando com as seguintes conclusões (cfr. fls.
1984 e segs. SITAF):

«A. A Autora e aqui Recorrida A…………………… intentou


a presente acção de contencioso pré-contratual contra o
Município de Coimbra, pedindo a anulação do ato de
adjudicação da proposta da Contra-Interessada
B…………………., adotado pelo Sr. Presidente da Câmara,
em 16.07.2021, com a consequente anulação do contrato
eventualmente celebrado nessa sequência, bem como
peticionando que o procedimento em causa fosse
retomado, com a exclusão da proposta daquela Contra-
Interessada e consequente adjudicação do contrato a favor
da A………………...
B. Após Sentença da primeira instância, proferida em
12.11.2021, o Tribunal Central Administrativo Norte, por
Acórdão de 29.04.2022, concedeu provimento ao recurso
interposto pela A………………., revogando a Sentença
recorrida e concedendo total procedência à acção proposta
pela Autora, aqui Recorrida.
C. Não conformado, o Município de Coimbra vem agora
interpor recurso de revista do douto Acórdão do TCAN
alegando diversos erros de julgamento e fundamentando o
mesmo numa pretensa necessidade de que as
questões sub iudice sejam reapreciadas pelo Venerando
STA com vista a uma melhor aplicação do Direito com
relevância para casos futuros, atenta a alegada divergência
jurisprudencial.
D. Salvo o devido respeito, não se verificam os necessários
pressupostos para a admissão do presente recurso de
revista, previstos no artigo 150.º, n.º 1 e 2 do CPTA, já que
a discussão da presente causa não consubstancia uma
questão que, pela sua relevância jurídica ou social,
apresente uma importância fundamental para casos
futuros, nem a admissão deste recurso levará a uma
qualquer melhor aplicação do Direito.
E. De facto, só deve ser admitido o recurso de revista
quando se constate a existência de dúvidas sérias,
fundadas e reiteradas da parte da Doutrina e da
Jurisprudência quanto à interpretação e aplicação dos
regimes jurídicos e, que a não serem resolvidas, colocarão
em causa a estabilidade e a segurança decisória que deve
ser proporcionada pelos tribunais — e que cabe ao STA em
última instância garantir.
F. Se fosse admissível a intervenção do STA para uma
melhor aplicação do Direito no caso em concreto, este
transformar-se-ia numa 3.ª instância normal de recurso, em
termos contrários àquele que é o sistema recursório
instituído, em que a intervenção do tribunal de última
instância se justifica em termos excepcionais e como
verdadeira válvula de escape do sistema.
G. Ora, o Recorrido invoca para sustentar a pretensa
divergência jurisprudencial dois Acórdãos, já de 2015 – um
do STA (Acórdão proferido em 3.12.2015, no âmbito do
Proc. n.º 0657/15) e outro do TCAN (Acórdão proferido em
19.06.2015, no âmbito do Proc. n.º 01646/14.5BESNT), dos
quais, de acordo com o Recorrente, resultam os seguintes
entendimentos:
iii. o preço proposto pode não reflectir os custos que
derivam da aplicação das leis laborais, já que tal não
significa que essas obrigações não vão ser cumpridas
(Acórdão do STA acima referido);
iv. a concorrente que tenha reflectido no preço proposto
uma medida de apoio como sejam os incentivos à
contratação de jovens à procura do primeiro emprego e de
desempregados de longa duração não implica uma
qualquer falta de seriedade e firmeza da proposta (Acórdão
do TCAN acima referido).
H. No entanto, não procede o alegado pelo Recorrente já
que, a primeira questão acima indicada encontra-se
ultrapassada pela nova redacção do artigo 71.º, n.º 2 do
CCP, introduzida pela revisão ao CCP operada em 2021,
pela Lei n.º 30/2021, de 21/05, que passou a prever
expressamente, como consubstanciando uma proposta
com preço anormalmente baixo, a que “revelar insuficiente
para o cumprimento de obrigações legais em matéria
ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos
inerentes à execução do contrato”.
I. Nas palavras de Pedro Férnandez Sánchez in “A Revisão
de 2021 do Código dos Contratos Públicos”, AAFDL
Editora, 2021, pp. 145:
“Daqui resulta que, independentemente de qualquer outra
consideração, a mera comparação entre o  preço  proposto
e os custos necessários para cumprir as obrigações
imperativas do concorrente é tudo quanto basta para a
entidade adjudicante desencadear, de imediato, um
incidente de verificação de anomalia do   preço” (realces
nossos).
J. Esta mudança de regime, inclusivamente, já tinha sido
iniciada aquando da Revisão de 2017 ao CCP, operada
pelo DL. n.º 111-B/2017, de 31/08, que acrescentou 3
novas disposições que passaram a impor a correcta
fiscalização da seriedade das propostas – aditando as
alíneas f) e g) ao número 4 do artigo 71.º do CCP, bem
como aditando o número 2 ao artigo 1.º-A do CCP, o qual
expressamente afirma o seguinte:
“As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação
e na execução dos contratos públicos, que os operadores
económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em
matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de
género, decorrentes do direito internacional, europeu,
nacional ou regional” (sublinhados nossos).
K. Nestes termos, vide o Acórdão do STA, proferido em
10.02.2022, processo 01429/20.3BELSB, disponível em
www.dgsi.pt:
“Ora, o aditamento feito ao CCP pelo artigo 5º do DL n.º
111-B/2017 de 31 de Agosto ao artigo 1.º e que tem a
epígrafe “Princípios” refere que as entidades adjudicantes
devem assegurar, na formação e na execução dos
contratos públicos, que os operadores económicos
respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria
social, laboral, ambiental e de igualdade de género,
decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou
regional.
Não há, assim, dúvida que vem expressamente referido
que as entidades adjudicantes devem ter uma posição
ativa no sentido de assegurar o respeito pelas normas em
matéria laboral não só na execução do contrato mas
também na sua formação”.
L. Pelo que, não se vislumbram particulares litígios em
relação à interpretação da questão apontada pelo
Recorrente que mereça qualquer intervenção pelo STA em
sede de recurso de revista, face à actual legislação em
vigor (que sofreu alterações desde 2015, data do referido
Acórdão do STA).
M. Relativamente à segunda questão que o Recorrido quer
ver reapreciada, ie. o facto de ser admissível pelos
concorrentes formarem o seu preço proposto através de
apoios futuros, como sejam os previstos no DL. n.º 89/95de
06.05, também improcede, já que não está em causa, nos
presentes autos, apurar sobre a admissibilidade ou não de
um concorrente recorrer a estes apoios para formar
o preço proposto, mas sim, o facto de se prever, no
presente procedimento, nomeadamente na cláusula 12.3
das Condições Gerais, do Caderno de Encargos que os
concorrentes tinham a obrigação de assegurar a
manutenção dos postos de trabalho anteriores, a transmitir
para a nova adjudicatária.
N. Exigência que a B…………………. inobservou, já que se
irá recorrer a tais apoios, significa que não conseguirá
manter os trabalhadores ao serviço no posto, tal como
exigido na cláusula 12.3 das Condições Gerais, do CE.
O. Razão pela qual, o douto Tribunal a quo decidiu, e bem,
que tal apoio/auxílio era incompatível com a exigência
prevista no CE, determinando, por tal motivo, a exclusão da
B………………..
P. Em suma, a actual legislação, relativamente
ao preço anormalmente baixo em caso de violação das
obrigações legais em sede laboral, é clara não suscitando
quaisquer divergências jurisprudenciais e/ou doutrinais.
Q. Quanto à outra questão que o Recorrente alega como
reclamando a necessidade de intervenção deste
Venerando Tribunal, a mesma não é uma verdadeira
questão de direito, mas sim uma questão que se prende
exclusivamente com o facto de a proposta da Contra-
Interessada incumprir com o exigido no CE, relativamente à
obrigação de transmissão dos trabalhadores.
R. Não devendo o presente recurso ser admitido, por não
se verificarem os requisitos previstos no artigo 150.º, n.º 1
e n.º 2 do CPTA, mantendo-se o já decidido pelo douto
Acórdão do TCAN.
S. Ainda que se concedesse estarem verificados os
pressupostos da admissão do presente Recurso - o que se
pondera sem jamais conceder - sempre se dirá que o
Douto Acórdão do TCAM recorrido não comete qualquer
erro de julgamento.
T. Quanto ao primeiro erro de julgamento apontado pelo
Recorrente, o mesmo alega que o Tribunal a quo faz uma
errada interpretação e aplicação do artigo 71.º, n.º 2 do
CCP, em violação do princípio da liberdade de gestão
empresarial previsto no artigo 61.º da CRP, já que não
existiam indícios de que a proposta da Contra-Interessada
não fosse cumprir com as suas obrigações laborais.
U. Ora, salvo o devido respeito, mais do que indícios,
existem factos incontornáveis que levam a concluir pelo
desrespeito das obrigações laborais por parte da proposta
da Contra-Interessada B………………………, que
apresenta um verdadeiro preço anormalmente baixo, já
que da sua proposta resulta o seguinte:
d) a rúbrica atinente ao seguro de acidentes de trabalho da
proposta da B…………….. (obrigatório nos termos do artigo
283.º, n.os 1 a 8, do CT), de 0,08%, corresponde a um
valor ficcionado, divergindo da realidade, devendo, ao
invés, ter sido indicado o valor de 1,40% (6.374,16 : 452
650), cfr. cópia de um recibo do seguro de acidentes de
trabalho da B………………, que se encontra juntou à
pronúncia apresentada pela A……………….., em sede de
audiência prévia ao Relatório Preliminar, cfr. facto provado
12;
e) as rúbricas atinentes ao Subsídio de Férias e Subsídio
de Natal que a B………………. apresenta não remunera os
seus trabalhadores de acordo com a legislação em vigor,
aplicando o mesmo valor (0,42026 €) quer no trabalho
diurno, quer no trabalho nocturno. Ora, o trabalho nocturno
confere direito a uma retribuição superior (25%)
comparativamente com o trabalho prestado em regime
diurno, pelo que os subsídios de férias e Natal têm que
reflectir essa majoração, o que não ocorreu na proposta da
B………………….;
f) Acresce ainda que, partindo dos valores apresentados
pela Contra-Interessada o preço proposto não corresponde
ao preço mínimo que deverá ser suportado de modo a dar
cumprimento a todos os custos obrigatórios em matéria
social e laboral, atento o seguinte:
viii. O valor do salário hora do Vigilante resulta da divisão
do valor do salário mensal do vigilante pela carga horária
mensal do vigilante: 800,17€ / 173,33 = 4,62€ = valor hora;
ix. O custo mensal do Vigilante afere-se multiplicando o
valor do salário base do Vigilante pelos 14 meses de
salários auferidos num ano (considerando a
obrigatoriedade de pagamento de subsídio de férias e de
subsídio de natal), cujo resultado será dividido pelos 12
meses: 800,17€ x 14 : 12 = 933,53€;
x. O custo da Taxa Social Única/ “Encargos Sociais” a
cargo do empregador afere-se multiplicado ao custo
mensal do Vigilante a taxa devida pelo empregador, de
23,75%: 933,53€ X 1,2375 = 1.155,25€;
xi. O custo do subsídio de alimentação, cujo cálculo deve
considerar o valor fixado em Convenção Colectiva de
Trabalho (“CCT”) para um turno de 8 horas – para apurar o
incremento de remuneração do subsídio de alimentação,
não sujeito a TSU, no valor hora, basta dividir o valor de tal
subsídio por 8 horas de serviço: 6,12€ / 8 x 730 = 558,45€
(sendo aplicável à Contra-Interessada B………………., a
CCT celebrado entre a AES-STAD - cfr. Boletins do
Trabalho e Emprego, N.º 38, Vol. 84, Pág. 3673-3841 de
15.10 e n.º 4, de 29.01.2021, doravante designado “CCT”);
xii. Para aferir o custo com a remuneração do trabalho
nocturno, há que considerar que a prestação de trabalho
nocturno dá direito a retribuição especial igual a 25 % do
valor base hora de trabalho equivalente prestado durante o
período diurno. Assim, o valor do acréscimo de 25 % de
remuneração ao valor hora (valor do salário base/hora
atrás calculado com base na fórmula determinada na
Convenção Colectiva de Trabalho): 0,25 x 4,62 x 1,2375 =
1,43€ | 1,43 x 263,25 = 376,45€.
xiii. Para o cálculo dos custos com a remuneração do
trabalho em dia feriado, há que acrescer o valor de 4,62€,
que corresponde ao acréscimo de 100 % ao valor hora de
remuneração do trabalho em dia feriado. Sobre este valor
há que aplicar a contribuição obrigatória da taxa social
única, 23,75%: 4,62€ x 1,2375 = 5,72€ | 5,72 x 17,5 =
100,05€.
xiv. Para aferir o custo com a remuneração do trabalho
nocturno feriado, a qual dá direito a retribuição especial
igual a 100 % do valor base hora de trabalho equivalente
prestado durante o período nocturno, acrescido do
complemento nocturno: 7,14€ x 10,5 = 74,97€.
V. Deste modo, é possível concluir que o custo que uma
empresa de segurança privada tem que suportar com um
posto 24 Horas totaliza 6.424,07€ = (4,6 x 1 155,25€) +
376,45€ + 100,05€ + 74,97€ + 558,45€ - acima do valor
proposto de apenas 6.213,50€, que é manifestamente
inferior ao necessário para cobrir os custos mínimos legais
obrigatórios.
W. Jamais se podendo justificar tal incumprimento, como
pretende o Recorrente, no facto de a proposta da Contra-
Interessada prever na formação do preço proposto “a
possibilidade de obtenção de apoios à contratação” (cfr.
conclusão XIII das Alegações de Recurso do Município de
Coimbra), passando a existir, assim, uma margem
desconhecida dos valores em causa, capaz de justificar
sempre a apresentação de um preço abaixo dos custos
mínimos para o cumprimento das obrigações legais da
concorrente, verdadeira carta branca para incumprir as
referidas obrigações legais.
X. Tal subterfúgio não é admissível e consubstancia uma
clara violação ao princípio da concorrência e ao exigido no
artigo 1.º-A, n.º 2 do CCP, pretendendo o aqui Recorrente
eximir-se ao controle que tem de exercer ao conteúdo de
todas as propostas, mormente em fase de formação pré-
contratual.
Y. Acresce que a previsão na proposta da Contra-
Interessada do recurso a tais apoios à empregabilidade é
incompatível com o estabelecido na cláusula 12.3 das
Condições Gerais do CE e que resulta dos artigos 285.º,
n.º 1. 2 e 10 do Código do Trabalho, de manter os
trabalhadores ao serviço nos mesmos postos no Convento
de São Francisco.
Z. Ora, a Contra-Interessada B……………………. propõe
um preço mediante a aprovação de uma eventual
candidatura do IEFP, tal como afirma na sua proposta, cfr.
facto provado 10:
“Os valores apresentados pressupõem, para a sua
definição, que a estrutura de custos diretos inclui os
definidos no nº 4 do artigo 71º do CCP, nomeadamente os
incentivos à empregabilidade atribuídos pelo IEFP e pela
Segurança Social”.
AA. O que não se compagina com o exigido no CE, já que
se a execução da proposta da Contra-Interessada
B……………… depende dos apoios / incentivos à
empregabilidade, não poderá, obviamente, dar
cumprimento ao disposto na cláusula 12.3 das Condições
Gerais, do CE, ou seja, não conseguirá manter os
trabalhadores ao serviço no posto, objecto deste
procedimento.
BB. Fazendo a B……………….. depender o valor
do preço proposto às referidas medidas de apoio ao
emprego, que serão, no entanto, impossíveis de aproveitar
no presente contrato, atento o facto de a Adjudicatária ter a
obrigação de assumir o quadro de pessoal que já prestava
os serviços de vigilância, nas mesmas condições, em
cumprimento da referida cláusula 12.3 do CE e do disposto
no artigo 285.º, n.º 1, 2 e 10 do CT.
CC. Também não pode o Recorrente escudar-se na
declaração genérica que consta da proposta da
B…………………….. de que a mesma se submete, em tudo
o que respeita à execução do contrato, à Legislação
Portuguesa em vigor (conforme alegado no ponto XVIII das
Conclusões de Recurso do Recorrente).
DD. Esta declaração jamais poderia eximir o Município aqui
Recorrente de sindicar a conformidade da proposta da
B……………… com as obrigações legais laborais a que
está adstrita, ainda para mais, quando o contrário resulta
do teor da proposta apresentada, não sendo suficiente nem
podendo tal declaração ilibar a entidade adjudicante ou as
instâncias judiciais de fiscalizar o efetivo cumprimento da
legalidade da proposta apresentada pela Contra-
Interessada.
EE. Também não colhe o alegado pelo Recorrente de que
excluir a proposta da Contra-Interessada como julga o
Tribunal a quo comporta uma violação do princípio da
liberdade de gestão empresarial previsto no artigo 61.º da
CRP.
FF. Primeiro, porque tal princípio não é ilimitado, e deve
compaginar-se com outros princípios como seja, desde
logo, o princípio da legalidade. Atente-se ao Acórdão do
TCAS, Processo n.º 590/21.4BESNT, de 05.05.2022,
disponível em www.dgsi.pt:
“(…) a liberdade de formação de  preço  pelos concorrentes
do procedimento tem como limite, na contratação pública,
o  preço  anormalmente baixo. O  preço  da proposta com
prejuízo encontra-se previsto como causa, autónoma, de
exclusão das propostas, no art 70º, nº 2, al e) do Código
dos Contratos Públicos. E isto porque o princípio da
concorrência funciona como baliza do direito fundamental
de livre iniciativa económica. Por conseguinte as causas de
justificação que normalmente são apontadas para salvar
propostas, como a estratégia da empresa, politicas de
marketing, a subsidiação cruzada com outros contratos ou
segmentos de negócio ou o histórico de cumprimento
pontual de contratos, não têm qualquer relação com as
prestações objeto do contrato a celebrar e os órgãos
europeus que aprovam as Diretivas e os Tribunais da
União Europeia são unânimes em afirmar que o que se
compara é o preço proposto e as prestações a executar
(vg o custo a incorrer pelo concorrente) (cfr Ac do Tribunal
Geral de 28.1.2016, processo T-570/13, nº 55).
Aqueloutras justificações são exteriores ao contrato a
celebrar, não se relacionam com as prestações do contrato
a celebrar, mas sim com o concorrente que apresentou a
proposta. Reconduzem-se assim à capacidade
financeira do concorrente. Contudo não é possível à
entidade adjudicante atender a aspetos relevados da
capacidade financeira dos concorrentes para analisar e
avaliar uma proposta. (cfr Duarte Rodrigues Silva, Artigo
citado, pág 48).
Em suma, a liberdade de iniciativa privada e a liberdade de
gestão empresarial do concorrente não são
ilimitadas (…) (realces nossos).
GG. Perante o manifesto e comprovado incumprimento
pela proposta da Contra-Interessada das obrigações legais
a que está vinculada, não só na fase da execução, mas
também na fase da formação do contrato, deveria o
Recorrente Município de Coimbra ter excluído tal proposta,
tendo o Tribunal a quo bem decidido que “o incumprimento
de normas laborais, patentes na proposta da Contra-
Interessada, são fundamento legal, imperativo, para a
exclusão da sua proposta”.
HH. Deste modo, é notório que o Tribunal a quo não
comete qualquer erro de julgamento ou errada
interpretação da Lei, bem decidindo pela ilegalidade da
decisão de adjudicação e pela exclusão da proposta da
B……………….., nos termos do artigo 70.º, n.º 2, als. e) e
f), do CCP.
II. Por último, alega o Recorrente que o Tribunal a
quo cometeu ainda outro erro de julgamento, ao decidir
pela exclusão da proposta da Contra-Interessada, nos
termos dos artigos 57.º, n.º 1, al. c) e 70.º, n.º 2, alínea a),
do CCP, por não ter apresentado enquanto documento da
proposta, tal como exigido ponto 6.1, al. e) do PP, a
discriminação dos preços mensais e custo unitário de
vigilante/hora por referência aos sábados e domingos, já
que tal consubstancia uma mera irregularidade formal não
essencial que não carece de sanação.
JJ. Salvo o devido respeito também tal não pode colher já
que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não era nem
é indiferente englobar, tal como fez a Contra-Interessada,
dentro do mesmo preço/hora os dias úteis e os fins de
semana, sem discriminar os valores dos sábados e
domingos.
KK. De facto, a indicação e distinção do valor/ hora em dias
úteis e em fins de semana, demonstrava-se essencial,
razão pela qual fora exigida pelo Município Recorrente no
PP, existindo efectivamente uma necessária diferença de
valores que deve ser praticado relativamente ao trabalho
prestado em dia de descanso semanal obrigatório, cfr.
artigo 232.º do CT, que fixa o Domingo como descanso
semanal obrigatório (sem falar sequer do dia de descanso
complementar, que corresponde em princípio ao Sábado) e
a Cláusula 39.º do referido CCT que prevê para esses dias
uma “remuneração especial, a qual será igual à retribuição
em singelo, acrescida de 200 %”.
LL. Não cumprindo a B………………… com o exigido no
PP, ao não efectuar uma cabal discriminação
do preço apresentado, deveria ter sido excluída nos termos
do artigo 70.º, n.º 2, al. a) do CCP pelo Recorrente, em
respeito do princípio da auto-vinculação à regra que
estabeleceu no PP.
MM. Nestes termos atente-se ao Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo, de 18.09.2019, proferido no
processo n.º 02178/18.8BEPRT, pesquisável em
www.dgsi.pt, que é claro ao afirmar que a ausência de
indicação de um termo ou condição deve conduzir à
exclusão da proposta:
“A nova redação introduzida em 2017 ao CCP, procedendo
à sua revisão, veio acrescentar como causa material de
exclusão de apresentação de propostas, para além da falta
de atributos, a da falta de indicação de termo ou de
condição [cfr. art. 70.º, n.º 2, al. a), do CCP], sancionando
com a exclusão as propostas que não contenham ou em
que ocorra ausência/omissão de indicação de termo ou
condição respeitante à execução do contrato não
submetido à concorrência exigido pelo caderno de
encargos e relativamente aos quais a entidade adjudicante
pretende que o concorrente se vincule, sancionamento
esse que deriva da interpretação conjugada e concatenada
do regime legal contido nos arts. 42.º, 56.º, 57.º, n.º 1, als.
b) e c), 70.º, n.º 2, al. a), 146.º, n.º 2, als. d) e o), do CCP,
tanto mais que a causa de exclusão da proposta por falta
de indicação de termo ou condição [cfr. arts. 42.º, 70.º, n.º
2, al. a), e 146.º, n.º 2, al. o), do CCP] não se restringe,
nem está ou se mostra condicionada apenas às situações
de deficit de instrução documental” (realces nossos).
NN. E obviamente que esta omissão jamais poderia ser
considerada como uma mera irregularidade formal não
essencial que não carecia de suprimento, como alegado
pelo recorrente, já que tem implicações directas na
formação do preço proposto, “dado que é essencial essa
discriminação, para verificação do cumprimento ou não,
das obrigações laborais” (citação a página 17 do Acórdão
recorrido).
OO. Por tudo o exposto, não pode ser assacado qualquer
erro de julgamento ao douto Acórdão recorrido, devendo o
mesmo, por isso, manter-se nos seus exactos termos.

Nestes termos, não deverá ser admitido o presente


recurso, por falta de verificação dos respectivos
pressupostos, previstos no artigo 150.º, n.º 1 e n.º 2 do
CPTA, ou, caso assim não se entenda, deverá ser julgado
totalmente improcedente, com a consequente manutenção
do Acórdão recorrido nos seus precisos termos, só assim
se fazendo JUSTIÇA!».

4. O presente recurso de revista foi admitido pelo Acórdão


de 14/7/2022 (cfr. fls. 2022 e segs. SITAF) proferido pela
formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no
nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes
termos:

«(…) O Recorrente alega que o acórdão recorrido teria


incorrido em erro de julgamento por violação dos arts. 285°,
n°s 1, 2 e 10 do Código do Trabalho, 70°, n° 2 e 71°, n°s 2,
3 e 4, al. f), ambos do CCP, não ocorrendo as
irregularidades identificadas no acórdão como motivos de
exclusão, nos termos do ad. 70°, n° 2, al. a) e 57°, n° 1, al.
b), ambos do CCP.
Ora, as questões jurídicas suscitadas pela Recorrente na
presente revista, assumem inegável relevo jurídico e social,
ultrapassando o interesse do caso concreto, tendo
potencialidade para abranger muitos outros casos, nesta
concreta matéria da contratação pública que se reveste de
alguma complexidade, sendo de todo o interesse que o
STA sobre as mesmas se debruce, no sentido de manter
ou infletir a sua jurisprudência à luz das alterações
legislativas entretanto ocorridas (cfr. os acs. deste STA de
03.12.2015, Proc. n° 0675/15 e o recente de 10.02.2022,
Proc. n° 01429/20.3BELSB).
Assim, e tanto mais que as instâncias divergiram na
resposta que deram às questões suscitadas pelo
Recorrente, e o acórdão recorrido se mostrar
fundamentado de forma plausível e consistente, é
aconselhável a intervenção deste STA, para conhecimento
das mesmas, com afastamento da regra da
excecionalidade das revistas».

5. O Ministério Público junto deste STA emitiu parecer onde


se pronunciou pelo não provimento do recurso de revista,
nomeadamente nos seguintes termos (cfr. fls. 2034 e segs.
SITAF):

«(…) ao contrário do que se afirma na sentença do TAF de


Coimbra, o preço proposto para a execução do contrato
não pode ser suportado com base nos resultados globais
da empresa, nem é aceitável à luz da “esfera do risco a
suportar pela empresa” – sic. fls. da sentença - o que
dispensaria, desde logo, a obrigação de inclusão no valor
da proposta dos encargos decorrentes das exigências
legais aplicáveis, entre outras, em matéria laboral e social.
Como se decidiu, com acerto, no Acórdão recorrido, “…
face à imposição legal de a entidade adjudicante controlar,
logo na fase de formação do contrato, o cumprimento das
obrigações laborais – nº 2 do artigo 1º-A, do Código dos
Contratos Públicos - forçoso se torna concluir que é
um preço anormalmente baixo um preço que está abaixo
dos mínimos que o cumprimento das leis laborais impõe” –
sic. Circunstância que impõe a exclusão da proposta (após
cumprimento da formalidade do nº 3 do artigo 71º do CCP),
à qual acrescerá a omissão de apresentação do documento
exigido no ponto 6.1., alínea e) do Programa do Concurso,
nos termos dos artigos 70º, nº 2, alínea a) e 57º, nº 1,
ambos do CCP.
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão deste
Supremo Tribunal de 10 de Fevereiro de 2022, proferido no
recurso nº 1429/20.3BELSB cuja doutrina deve ser
reafirmada, porque importável para a situação em
presença».

6. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, mas


com prévia divulgação do projeto do acórdão pelos Srs.
Juízes Conselheiros Adjuntos, o processo vem submetido à
conferência, cumprindo apreciar e decidir.

*
II - DAS QUESTÕES A DECIDIR

7. Atentas as conclusões das alegações apresentadas pelo


Recorrente “Município de Coimbra”, constitui objeto do
presente recurso de revista apreciar e decidir se o
Ac.TCAN procedeu a um correto julgamento do recurso de
apelação interposto, em face dos erros de julgamento que
lhe foram apontados à sentença de 1ª instância, do
TAF/Coimbra, pela então Recorrente “A………………,
Lda.”, cumprindo nomeadamente decidir sobre se a
proposta da concorrente adjudicatária, Contrainteressada
“B……………………., Lda.”, não poderia ter sido admitida,
impondo-se a sua exclusão, nos termos, cumulativos, por
um lado, dos arts. 1º-A nº 2, 70º nº 2 e) e f) e 71º do CCP
e, por outro lado, dos arts. 57º nº 1 c) e 70º nº 2 a) do
mesmo CCP.

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos


dados como provados nas instâncias (na sentença do
TAF/Coimbra e, expressamente; “sem reparos”, pelo
Ac.TCAN) – arts. 663º nº 6 e 679º do CPC, aplicáveis “ex
vi” do disposto nos arts. 1º e 140º nº 3 do CPTA.

III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. No presente recurso de revista que a Entidade Ré


“Município de Coimbra” interpôs do Acórdão proferido pelo
TCAN em 29/4/2022, defende a mesma, em suma, que
este Ac.TCAN recorrido errou ao ter julgado que a proposta
da concorrente adjudicatária, Contrainteressada
“B……………….”, não poderia ter sido admitida, impondo-
se a sua exclusão, nos termos, por um lado, dos arts. 1º-A
nº 2, 70º nº 2 e) e f) e 71º do CCP e, por outro lado, dos
arts. 57º nº 1 c) e 70º nº 2 a) do mesmo CCP.

10. A questão da insuficiência do preço da proposta para o


cumprimento das obrigações legais em matéria laboral.

Tal como defendido pela Autora “A………………..” (aqui


Recorrida), quer em sede de pronúncia no procedimento
concursal, quer na p.i. da presente ação de contencioso
pré-contratual, o Ac.TCAN recorrido – revogando a
sentença de 1ª instância do TAF/Coimbra – decidiu que a
proposta da contrainteressada “B……………………” não
poderia ter sido admitida uma vez que resultava manifesto
que o preço nela apresentado era insuficiente para cobrir,
na execução do contrato, os compromissos legais em
matéria laboral.

O Recorrente “Município de Coimbra” – não negando essa


insuficiência do preço da proposta da
Contrainteressada/Adjudicatária -, defende, no presente
recurso de revista, que tal circunstância não é motivo para
exclusão da proposta, pois que não significa, por si, que a
Contrainteressada/Adjudicatária não vá cumprir todas as
suas obrigações legais em matéria laboral – como, desde
logo, por declaração formal se comprometeu. Acrescendo
que a mesma esclareceu pretender candidatar-se a
benefícios sociais (por recrutamento de jovens à procura do
1º emprego e de desempregados de longa duração), que
lhe farão baixar os custos inerentes às obrigações legais
em matéria laboral.

Invoca, a favor da sua tese, jurisprudência de 2015 e 2017


deste STA e do TCAN no sentido de que «o facto de uma
proposta refletir um preço que implicaria um custo inferior
aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis
do trabalho não implica que, face ao teor da proposta, a
entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação
vigente e nomeadamente a referida legislação de trabalho»
(Ac.STA de 3/12/2015, proc. 0657/15).

Alega ainda que, de todo o modo, sempre uma decisão de


exclusão da proposta da Contrainteressada/Adjudicatária
pressuporia a prévia oportunidade desta prestar
esclarecimentos, como imposto pelos nºs 3 e 4 do CCP,
que, por isso, também resultam violados pelo Ac.TCAN
recorrido.

10.1. Sucede que toda a argumentação esgrimida pelo


Recorrente “Município de Coimbra” no presente recurso de
revista se mostra totalmente incompatível com as normas
do CCP após a reforma de 2017, introduzida pelo DL nº
111-B/2017, de 31/8 – redação do CCP aplicável na
presente ação.

Argumenta, nomeadamente, o Recorrente:


- O preço da proposta vincula a Adjudicatária face à
Entidade Adjudicante, mas não pressupõe que a vincule
face aos trabalhadores (conclusão IX);
- A Contrainteressada está sempre vinculada às obrigações
legais em matéria laboral (conclusão X);
- Tais obrigações legais podem ser cumpridas através de
outros recursos da empresa, e não somente pelo preço do
contrato (conclusão XI);
- A obtenção, ou não, de apoios à contratação, corre por
risco da Adjudicatária, não cumprindo à Entidade
Adjudicante controlar este risco (conclusão XIV);
- De outro modo, estaria em causa a “liberdade de gestão
empresarial” da Contrainteressada, garantida pelo art. 61º
da CRP (conclusão XV).

Ora, toda esta argumentação é contrariada, como se disse,


pelas normas do CCP, designadamente após a reforma
nele introduzida pelo DL nº 111-B/2017 (em sentido que
viria a ser confirmado pela posterior reforma introduzida
pela Lei nº 30/21, de 21/5), em obediência, aliás, ao direito
da União Europeia (Diretiva nº 2014/24/UE).

Desde logo, o nº 2 do art. 1º-A do CCP (introduzido pelo DL


nº 111-B/2017) veio estipular que:
«As entidades adjudicantes devem assegurar, na formação
e na execução dos contratos públicos, que os operadores
económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em
matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de
género, decorrentes do direito internacional, europeu,
nacional ou regional».
Isto é, o dever de controlo exigido às Entidades
Adjudicantes não se reporta, apenas, à fase da execução
do contrato, mas deve focar-se, desde logo, na fase pré-
contratual da “formação dos contratos públicos”. É, pois,
insubsistente a argumentação do Recorrente “Município de
Coimbra” tendente a afastar de si, enquanto Entidade
Adjudicante, qualquer responsabilidade sobre o controlo do
“risco” de prejuízo consequente de uma proposta
com preço insuficiente, que alegadamente correria só por
conta da Adjudicatária.

Por outro lado, a alínea g) do nº 4 do art. 71º do CCP


(introduzida, também pelo DL nº 111-B/2017), ao
estabelecer que, na ponderação de um “preço ou custo
anormalmente baixo”, se hão-de ponderar, entre outras
circunstâncias, eventuais esclarecimentos relativos «ao
cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em
matéria ambiental, social e laboral, referidas no nº 2 do
artigo 1º-A», veio ligar as situações de eventual
insuficiência do preço apresentado para satisfação de
obrigações legais em matéria, designadamente, laboral –
prevista como causa de exclusão das propostas pela alínea
f) do nº 2 do art. 70º do CCP –, ao fundamento de exclusão
por “preço ou custo anormalmente baixo”, previsto na
alínea e) do mesmo nº 2 do art. 70º do CCP.

Ligação que viria, aliás, posteriormente, a ser claramente


confirmada com a redação dada pela Lei nº 30/21 ao nº 4
do art. 71º do CCP: «Mesmo na ausência de definição no
convite ou no programa do procedimento, o  preço  ou
custo de uma proposta pode ser considerado
anormalmente baixo, por decisão devidamente
fundamentada do órgão competente para a decisão de
contratar, designadamente por se revelar insuficiente para
o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental,
social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à
execução do contrato» (sublinhados nossos).

Como explica Nuno Cunha Rodrigues, a propósito da


reforma introduzida pelo DL nº 111-B/2017 (in “Jornadas de
Direito dos Contratos Públicos (16-17 de Maio de 2019,
FDUL)”, AAFDL, 2020, págs. 167 e segs.:
«O CCP passou a proceder a uma ligação intrínseca a
entre o regime do PAB [preço anormalmente baixo] e o
incumprimento de obrigações de cariz laboral, ambiental ou
social, procurando-se, dessa forma, ir ao encontro do
previsto na Diretiva-clássica.
Assim, as entidades adjudicantes passaram a estar
obrigadas a excluir a proposta caso determinem que esta é
anormalmente baixa por não cumprir as obrigações
aplicáveis a que se refere o artigo 18º nº 2 da Diretiva –
i.e., obrigações de cariz laboral, ambiental ou social.
Compreende-se, por isso, que o artigo 71º do CCP
estabeleça, no nº 4, alínea g), que, na análise dos
esclarecimentos prestados pelo concorrente, pode tomar-
se em consideração justificações inerentes,
designadamente, “ao cumprimento das obrigações
decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e
laboral, referidas no nº 2 do artigo 1ª-A”.
Trata-se, reitere-se, de uma novidade decorrente das
diretivas de 2014 e da revisão de 2017 que poderá
implicar, no futuro, a modificação da jurisprudência
administrativa relativa a PAB.
É que, até à revisão do CCP operada em 2017, os tribunais
administrativos consideravam que os operadores
económicos tinham o direito de fixar livremente o preço a
apresentar nos procedimentos concursais, tendo como
única limitação o preço anormalmente baixo.
Esta jurisprudência permitia a apresentação de propostas
abaixo do custo (ainda que dentro do valor do preço base)
atendendo, nomeadamente, à totalidade da atividade
desenvolvida pelo cocontratante que lhe podia permitir
compensar prejuízos decorrentes da execução de um
determinado contrato à luz da subsidiação cruzada com
outros contratos rentáveis».

E estas alterações legislativas decorrem, como se disse, de


imposição do direito da UE, no caso, em particular, da
Diretiva nº 2014/24/EU, de 26/2, a qual expressava no seu
considerando 40:
«O controlo da observância destas disposições ambientais,
sociais e laborais deverá ser efetuado nas fases
pertinentes do procedimento de contratação, ou seja, ao
aplicar os princípios gerais que regem a escolha dos
participantes e a adjudicação de contratos, ao aplicar os
critérios de exclusão e ao aplicar as disposições relativas
às propostas anormalmente baixas (…)».

Em face da atual normação do CCP – pelo menos desde


2017 -, não é mais possível defender que o risco de
um preço ou custo insuficiente pode correr apenas por
conta das empresas adjudicatárias, sem controlo, nesta
sede, por parte das Entidades Adjudicantes; ou que basta
uma declaração/compromisso no sentido do cumprimento
das obrigações legais; ou que um preço ou custo
insuficiente pode ser compensado com recurso a outras
fontes de financiamento das empresas adjudicatárias, ou a
outros contratos; ou que consubstancie um prejuízo que as
empresas adjudicatárias estejam dispostas a suportar,
nomeadamente por razões de marketing ou estratégia
comercial, em nome da sua “liberdade de gestão
empresarial”.

O atual direito nacional, por via do direito da UE, opõe-se


claramente a todo este argumentário em nome do
“interesse público” e em nome de uma “livre, clara e sã
concorrência”.

Assim é que o art. 69º nº 1 da citada Diretiva nº


2014/24/EU - “sempre que estes (preços ou custos
indicados na proposta) se revelem anormalmente baixos
para as obras, fornecimentos ou serviços a prestar” -
estabelece, para o efeito, a relevância da relação
“preço/prestação”, no sentido de que o eventual caráter
anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado
exclusivamente “face à prestação”, e não pela maior ou
menor capacidade dos proponentes, cabendo, em suma,
aferir se o preço proposto é, ou não, objetivamente
suficiente para cobrir os custos a incorrer.

Pelo exposto, improcedem os argumentos do Recorrente


“Município de Coimbra” atrás listados, designadamente
(conclusões IX, X, XI, XIV e XV das suas alegações)
quanto ao preço da proposta vincular a Adjudicatária face
à Entidade Adjudicante, mas não pressupor que o vincule
face aos trabalhadores; quanto à Contrainteressada estar
sempre vinculada às obrigações legais em matéria laboral;
quanto a tais obrigações legais poderem ser cumpridas
através de outros recursos da empresa, e não somente
pelo preço do contrato; quanto à obtenção, ou não, de
apoios à contratação, correr por risco da Adjudicatária, não
cumprindo à Entidade Adjudicante controlar este risco;
quanto a estar em causa a “liberdade de gestão
empresarial” da Contrainteressada, garantida pelo art. 61º
da CRP.

10.2. Defende, ainda, o Recorrente “Município de Coimbra”


que o Ac.TCAN recorrido errou ao não tomar em conta que
a Contrainteressada/Adjudicatária se propunha candidatar-
se a apoios ao recrutamento de jovens à procura do 1º
emprego e de desempregados de longa duração, o que, a
confirmar-se a sua obtenção, justificaria um custo inferior a
suportar na execução do contrato.

Mas, como bem julgou o Acórdão recorrido, esta alegação


do Recorrente improcede.

É que, para além de, neste caso específico, o caderno de


encargos impor, como termo ou condição, a manutenção
dos postos de trabalho – o que a
Contrainteressada/Adjudicatária se propôs cumprir – e tal
resultar incompatível com o recrutamento, para a execução
do mesmo contrato, de jovens em 1º emprego e de
desempregados de longa duração (pois tal pressupõe,
precisamente, a não manutenção dos anteriores
trabalhadores), a verdade é que nunca bastaria um mero
propósito de candidatura a tais apoios, sem qualquer
garantia, demonstrada, quanto à sua obtenção.

É certo que nada obsta a que uma empresa concorrente se


proponha executar um contrato público com recurso a
apoios públicos do género, e que possa refletir, e justificar,
no preço da sua proposta, os custos mais baixos daí
decorrentes. Aliás, a alínea e) do nº 4 do art. 71º do CCP
(redação do DL nº 111-B/2017) prevê a hipótese de
justificação de um preço baixo ou insuficiente através da
«possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo
concorrente, desde que legalmente concedido».

É necessário, todavia, como resulta desta norma, que


esteja garantida a obtenção de um tal auxílio.

De contrário – admitir a mera possibilidade de obtenção


desse auxílio -, seria fazer com que o “risco” da
(in)suficiência do preço apresentado corresse
exclusivamente a cargo do concorrente, com alheamento
da Entidade Adjudicante, o que já vimos não ser tolerado
pelo Direito da UE, e, em decorrência, pelo direito nacional.

10.3. Defende, ainda, o Recorrente “Município de Coimbra”,


que, de todo o modo, impunha-se que, antes da exclusão
da proposta da Contrainteressada/Adjudicatária, lhe fosse
dada oportunidade para esclarecimentos sobre a
(in)suficiência do preço proposto, pelo que o Ac.TCAN
recorrido, ao julgar a exclusão da proposta, terá, assim,
violado tal imposição constante dos nºs 3 e 4 do art. 71º do
CCP.

Desde logo, note-se que a Entidade Adjudicante – que é a


Recorrente no presente recurso de revista – não solicitou,
congruentemente, esclarecimentos no âmbito do
procedimento concursal porque entendeu (erradamente)
que não lhe competia controlar a (in)suficiência
do preço apresentado pela
Contrainteressada/Adjudicatária, já que, segundo o seu
(errado) entendimento, o “risco” da insuficiência deveria
correr exclusivamente a cargo daquela. Segundo esta
posição, qualquer preço apresentado seria sempre
aceitável, não havendo, logicamente, necessidade de
quaisquer esclarecimentos.
Ora, o Ac.TCAN recorrido, contrariamente ao alegado, não
desconsiderou esta questão dos esclarecimentos, como o
comprova a circunstância de ter expressamente referido
que:
«No caso concreto não se vê como poderia o Município
demandado assegurar o cumprimento da legislação laboral
por parte da ContraInteressada, logo na fase de formação
do contrato, que não fosse pela exclusão da sua proposta.
De acordo com os cálculos efetuados pela Recorrente,
resumidos na conclusão S) das suas alegações, o
cumprimento das obrigações laborais, designadamente do
pagamento dos acréscimos devidos pelo trabalho noturno
e em dias feriados, implicaria para a ContraInteressada
apresentar uma proposta com um mínimo de 6.424€07
para um posto 24 horas de vigilância, acima do valor
apresentado, de 6.213€50.
Daí que fosse essencial a apresentação, enquanto
documento da proposta, de uma “memória descritiva
respeitante aos preços mensais por instalação, que inclui
no mínimo: número de horas/mês por tipologia (diurna,
noturna, dias úteis, sábados, domingos e feriados) e custo
unitário de vigilante/hora por tipologia (diurna, noturna, dias
úteis, sábados, domingos e feriados)”.
Ora nem em sede de esclarecimentos poderia este
incumprimento da lei laboral ser superado pois tal se
traduziria numa proposta substancialmente diversa, sendo
certo que o valor da proposta era um fator decisivo e
essencial no concurso – n.º 2 do artigo 72º do Código de
Contratos Públicos.
Conclui-se que o incumprimento de normas laborais,
patentes na proposta da ContraInteressada, são
fundamento legal, imperativo, para a exclusão da sua
proposta».

Note-se que a Contrainteressada/Adjudicatária


(“B………………….”) não recorreu do Ac.TCAN – deste
tendo interposto recurso de revista, apenas, a Entidade
Adjudicante, “Município de Coimbra” -, pelo que a
Contrainteressada/Adjudicatária se conformou com o
julgamento do Ac.TCAN.

No entanto, a Contrainteressada/Adjudicatária, tendo sido


citada para a presente ação, apresentou oportunamente
contestação, onde pugnou pela improcedência da mesma.

Ora, nessa contestação (cfr. fls. 247 e segs. SITAF), a


Contrainteressada/Adjudicatária esgrime os mesmos
argumentos ora esgrimidos pelo Recorrente “Município de
Coimbra”, os quais, pelo que já dissemos, se afiguram
insustentáveis face à atual normação do CCP (em
resultado de imposição do direito e da jurisprudência da
UE).
Nomeadamente:
- “A Contrainteressada pode beneficiar das medidas de
redução e/ou isenção de contribuições a seu encargo,
através dos apoio concedidos pelo IEFP e Segurança
Social, não havendo qualquer limitação imposta por lei ou
pelo Caderno de Encargos. A Contrainteressada não tem
que demonstrar, em concreto, as situações que justificam
cada um dos apoios e como esse apoio se iria repercutir
objetivamente no preço proposto” – arts. 28º e 30º da
contestação;
- “O facto de o preço apresentado poder até ser inferior ao
custo dos encargos, o mesmo não significa que seja liminar
que vá incumprir o disposto na legislação laboral e de
segurança social” – art. 71º da contestação;
- “Não é a execução do contrato que tem de garantir o seu
pagamento, mas sim os resultados económico-financeiros
de cada contraente” – art. 72º da contestação;
- “Face ao princípio da liberdade de gestão empresarial
constante do artigo 61.º da Constituição da República
Portuguesa, da autonomia da estratégia empresarial e do
princípio da concorrência, os operadores têm o direito de
organizar a sua atividade como bem entendam, de acordo
com os seus próprios critérios e opções” – art. 85º da
contestação;
- “Nada obriga os concorrentes a organizarem a sua gestão
de custos de molde a imputar os custos com os
trabalhadores nos preços dos contratos celebrados com
os clientes aos quais esses trabalhadores serão afetos, já
que é a totalidade das receitas obtidas pela empresa no
cômputo geral da sua atividade (ou mesmo a totalidade do
seu património) que deverá cobrir a totalidade das
despesas geradas por essa atividade” – art. 86º da
contestação;
- “Cabe assim a cada concorrente construir e estruturar
livremente o preço que propõe, podendo tal preço,
simplesmente, espelhar a sua estratégia comercial” – art.
87º da contestação;
- “A redução do preço proposto fundada na atribuição de
apoios à contratação, constitui um risco que recai única e
exclusivamente sobre a concorrente adjudicatária,
situando-se na sua esfera de liberdade de organização
empresarial e de risco ou estratégia de gestão; (…) Daí
que, se estes benefícios não vierem a ser concedidos, será
unicamente a [concorrente] que terá de assumir, em sede
de execução do contrato, o acréscimo das despesas que
eventualmente não se venham a mostrar
“comparticipadas”.
Sendo todo este argumentário frontalmente contrário à
atual normação do CCP – pelo menos desde a reforma de
2017 – e certamente contrário ao direito e à jurisprudência
da UE, não se vê, como diz o Ac.TCAN recorrido, que a
proposta da Contrainteressada/Adjudicatária pudesse ser
salva através de quaisquer esclarecimentos, uma vez que a
sua defesa é efetuada através de posições ou teses “de
direito” que se mostram desconformes com a lei aplicável.

11. A questão do fundamento, cumulativo, de exclusão, por


incumprimento do exigido no ponto 6.1. alínea e) do
Programa do Concurso

Defende, por último, o Recorrente “Município de Coimbra”,


que o Ac.TCAN recorrido errou, ainda, ao julgar que se
impunha a exclusão da proposta da
Contrainteressada/Adjudicatária também por não ter
apresentado documento – expressamente exigido no ponto
6.1.alínea e) do Programa do Concurso – contendo uma
“memória descritiva respeitante aos preços mensais por
instalação, que inclui, no mínimo: número de horas/mês
por tipologia (diurna, noturna, dias úteis, sábados,
domingos e feriados) e custo unitário do vigilante/hora por
tipologia (diurna, noturna, dias úteis, sábados, domingos e
feriados)”.

Decidiu o TCAN que o documento apresentado pela


Contrainteressada/Adjudicatária não cumpria estas
exigências pois que não discriminava, em concreto, como
requerido, o trabalho prestado em dias úteis e ao fim de
semana, englobando tudo no mesmo preço/hora, o que
não satisfazia a necessidade dessa discriminação para
verificação do cumprimento, ou não, das obrigações
laborais.

O Recorrente alega que, embora não tenha sido


apresentada um documento autónomo com as informações
solicitadas, a proposta em causa não deixou de fornecer
estas informações no documento intitulado “Atributos da
proposta”. Defende, pois, que o Ac.TCAN recorrido violou,
com esta sua decisão, o disposto nos arts. 57º nº 1 c) e 70º
nº 2 a) do CCP.

Porém, o Ac.TCAN julgou, e bem, que as informações


prestadas pela proposta não satisfaziam o propósito de
controlar a legalidade das verbas calculadas, referentes às
obrigações legais em matéria laboral, para o que seria
imprescindível (e por isso vinha solicitado) informar
o preço/hora referente aos dias úteis e o preço/hora
referente aos fins-de-semana, o que a proposta não fez
(contrariamente à proposta da Autora/Recorrida).

E não se vê como essa discriminação omitida possa obter-


se da análise da proposta, “sem suprimento” (como
defende o Recorrente), sendo certo que qualquer
esclarecimento ou “suprimento” sempre redundaria, como o
Ac.TCAN também bem entendeu, numa alteração
substancial da proposta apresentada, em termos não
permitidos pelo nº 2 do art. 72º do CCP.

Assim, também improcede a crítica, nesta parte, ao


Ac.TCAN recorrido.

Em todo o caso, como decorre de tudo o acima exposto,


trata-se aqui de uma cumulativa causa de exclusão (e não
de uma causa única de exclusão) da proposta da
Contrainteressada/Adjudicatária.

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da


Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo
Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art.
202º da Constituição da República Portuguesa, em:

Negar provimento ao presente recurso de revista interposto


pelo Recorrente “Município de Coimbra”, confirmando-se,
assim, o Acórdão do TCAN recorrido.

Custas a cargo do Recorrente “Município de Coimbra”.

D.N.

Lisboa, 22 de setembro de 2022 – Adriano Fraxenet


de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) - José
Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa
das Neves.

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