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A POSSIBILIDADE DE DISPENSA DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO,

INCLUSIVE NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

Os métodos de resolução de conflitos alternativos têm sido objeto de muito estudo e


propagação entre os operadores do direito nos dias atuais. Um dos motivos dessa difusão se dá
especialmente por se tratar de um mecanismo capaz de reduzir o enorme número de demandas
judiciais que assolam o Poder Judiciário brasileiro de tal forma que a celebração de acordo entre
as partes costuma diminuir o tempo de duração do processo ou até mesmo evitar a formação
deste.

A demora do trâmite processual no Brasil não é novidade alguma para o cidadão


brasileiro ou, inclusive, o jurisdicionado estrangeiro, o que, naturalmente, entre outros fatores
(corrupção, falta de infraestrutura, etc.), contribui sobremaneira para a descrença da sociedade
frente à eficiência da Justiça Brasileira.

Essa característica do nosso sistema processual, em que litígios se alongam


interminavelmente no judiciário, já nos acompanha desde tempos remotos, muito embora os
juristas e o legislador façam constantemente propostas de solução e alterações legislativas para
mitigar o problema.

No meio da década de noventa surgiu a lei que criou os Juizados Especiais para atender
as demandas de pequeno valor cujos princípios norteadores de seu rito processual são
exatamente os da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.
Como é de se extrair do próprio nome dos princípios, se pressupõe que estes quando aplicados
ao trâmite processual, venham a torná-lo bem mais rápido e prático.

Nesse intuito, a nova lei à época, estabeleceu que nas demandas judiciais, logo após
registrados os seus pedidos, independentemente de distribuição ou autuação, a secretaria do
juizado haveria de designar uma sessão de conciliação nos termos do art. 16 da Lei 9.099/95 1.

No ano seguinte, também surgiu a lei de arbitragem sob o n. 9.307/96 que, além de
trazer maior segurança aos julgamentos de questões de natureza eminentemente técnica as
quais fogem à especificidade da ciência jurídica, contribuiu, a princípio, para não sobrecarregar
o poder judiciário ao direcionar determinados pleitos ao juízo arbitral.

Duas décadas depois, o novo Código de Processo Civil também introduziu no


ordenamento jurídico, entre outras inovações, inúmeros mecanismos processuais que
contribuem para um trâmite processual mais rápido e dinâmico, haja vista, por exemplo, o
incidente do julgamento conjunto de demandas repetitivas, bem como a possibilidade da
realização do negócio jurídico processual entre os litigantes e a previsão expressa da realização
de audiências de conciliação2.

Isto é, a preocupação em adotar formas de acelerar o trâmite processual no sistema


jurídico brasileiro, entre outras questões de grande relevância, é objeto do constante foco dos
operadores do direito e tem exigido um contínuo desenvolvimento do nosso sistema processual.

1
Art. 16. Registrado o pedido, independentemente de distribuição e autuação, a Secretaria do Juizado
designará a sessão de conciliação, a realizar-se no prazo de quinze dias.

2
Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar
do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30
(trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
Contudo, há de se voltar a atenção para algumas distorções que vem ocorrendo na
persecução da redução do ajuizamento de ações e da celeridade processual, especialmente no
âmbito dos Juizados Especiais, responsável por um alto volume das ações em trâmite na justiça
brasileira.

A questão a qual se propõe reflexão neste momento se trata da obrigatoriedade da


designação de audiências de conciliação ou mediação nas demandas judiciais, especialmente no
âmbito dos Juizados Especiais que, muitas vezes, gera a equívoca impressão de propiciar às
partes um aumento das chances de uma composição amigável.

Quando da análise do número percentual de acordos realizados nos processos em


trâmite nos Juizados Especiais por intermédio das audiências preliminares de conciliação,
percebe-se uma quantidade de acordos muito pequena e, por conseguinte, é possível inferir que
existe um benefício ínfimo em termos de ganho de celeridade frente ao aumento da duração do
processo e dos provenientes custos econômicos causados pela obrigatoriedade da realização de
audiência de conciliação.

No ano de 2016, o Conselho Nacional de Justiça divulgou o relatório anual de 2015 com
a informação de que nos Tribunais de Justiça Estaduais do país a proporção dos acordos
frutíferos correspondeu a 9% das demandas totais que foram julgadas durante o respectivo
período. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por exemplo, esse valor foi de apenas
1,3%3.

Além desses índices, não se pode olvidar de outro fator que deveria ser levado em
consideração para permitir a dispensa da audiência de conciliação. Trata-se do fato de que nem
mesmo nas grandes capitais os fóruns têm estrutura física suficiente para, dentro de um prazo
razoável, viabilizar a realização das audiências de conciliação de todas as ações que são
distribuídas.

Ademais, há de se lembrar que, especialmente nos dias de hoje cujas tecnologias de


comunicação são diversas, o diálogo entre as partes, ou pelo menos entre seus advogados, não
encontra qualquer obstáculo para sua fruição e viabilização de tratativas de acordo. Ao
contrário, muitas vezes a exigência de um diálogo presencial, quando diante das circunstâncias
do litígio não for essencial a ocorrência de um encontro pessoal, a obrigatoriedade de uma
audiência de conciliação por si só já é desgastante aos litigantes que poderiam encerrar o
conflito sem incorrer com os custos de tempo e dinheiro para se encontrarem em uma sala do
fórum.

Evidente que a depender da natureza de algumas demandas como, por exemplo, uma
batida de carro ou um conflito familiar, esse raciocínio não poderia ser aplicado, porquanto a
pessoalidade nesses casos tem um grau de influência direta sobre o deslinde da causa.

Todavia, quando se trata de litígios que ocorrem em escala massificada cuja


pessoalidade entre as partes é inexistente, não há razão para a exigência de um encontro
presencial na expectativa das partes chegarem a um acordo, haja vista que se, porventura,
alguma delas tiver essa intenção, os meios de comunicação atual permitem o rompimento de
distâncias de forma prática, eficiente e sem grandes ônus financeiros.

3
http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/83676-relatorio-justica-em-numeros-traz-indice-de-conciliacao
Ademais, é essencial ressalvar que a dispensa de audiência de conciliação não implica
na renúncia de uma eventual composição, até mesmo porque por mais ineficiente que se deem
as tratativas de acordo entre os litigantes, o juiz sempre poderá convidar as partes para uma
tentativa de mediação extrajudicial4.

Entretanto, a partir de uma análise atenta aos julgados dos Juizados Especiais do Estado
de São Paulo, se percebe que quando o autor de um processo requer a dispensa de audiência
de conciliação, a maioria dos juízes indefere o pedido sob o fundamento de que a referida
audiência constitui etapa processual inerente ao rito dos Juizados Especiais de modo a não
deferir o referido pedido de dispensa.

Em contrapartida, ainda que em proporção escassa, é possível também encontrar


despachos em que o magistrado autoriza o pedido de dispensa da audiência de conciliação, ou
pelo menos, condiciona seu deferimento à anuência do réu.

Em proporção ainda menor, é possível encontrar situações em que o juiz de ofício deixa
de designar audiência de conciliação, muito embora essa tenha sido expressamente requerida
pelo autor.

Contudo, apesar dessa miscelânea de posicionamentos que se apresentam nos Juizados


Especiais, via de regra a audiência de conciliação tem ocorrido na grande maioria dos casos.

Não obstante, nota-se que uma parcela considerável de juristas defende que o
procedimento comum também adote a obrigatoriedade da designação das audiências de
conciliação ou mediação.

De todo modo, é imprescindível destacar que a possibilidade de tornar a audiência de


conciliação dispensável, pode beneficiar todas as partes envolvidas na relação processual com
a redução da estimativa de duração do processo, pois nem o autor ou mesmo o réu precisará
aguardar a disponibilidade de agenda dos tribunais para avançar para a próxima etapa
processual. Aliás, há de se levar em consideração que na maioria das vezes essas audiências de
conciliação não são frutíferas, sem considerar que a sua dispensa resulta em corte de gastos de
locomoção incorridos pelas partes, bem como economia do tempo útil dos litigantes e dos
funcionários da justiça.

Ou seja, além do benefício gerado às partes, o próprio Poder Judiciário também obtém
proveitos com a possibilidade de o magistrado permitir, nos devidos casos, a supressão da
audiência de conciliação, uma vez que a própria administração do processo resta desonerada.

Nesse escopo de conciliar a atual vida cotidiana e o direito vigente, mister se faz valer
do diálogo das fontes5 como critério de resolução de conflito de normas do ordenamento
jurídico para permitir a aplicação subsidiária do novo Código de Processo Civil ao procedimento
dos Juizados Especiais e, assim, flexibilizar a obrigatoriedade da designação de audiência de

4
I JORNADA “PREVENÇÃO E SOLUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE LITÍGIOS" - Enunciado n. 16: O magistrado pode,
a qualquer momento do processo judicial, convidar as partes para tentativa de composição da lide pela
mediação extrajudicial, quando entender que o conflito será adequadamente solucionado por essa forma.

5
O STF concluiu pela constitucionalidade da aplicação do CDC a todas as atividades bancárias ao
reconhecer a necessidade do atual Diálogo das Fontes. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de
Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2011.
conciliação nos Juizados Especiais em prol do rápido andamento processual, da desoneração de
custos às partes e ao Poder Judiciário.

A despeito do art. 16 da Lei 9.099/95 definir a designação de audiência de conciliação


como procedimento automático, há de se considerar que o novo CPC em seu art. 334, §4º, I, e
§5º6, traz expressamente a possibilidade das partes manifestarem seu desinteresse na audiência
de conciliação.

O art. 139, IV, do CPC, por sua vez, também corrobora a teleologia do novo código em
flexibilizar procedimentos do processo civil, ao prever a possibilidade do juiz "dilatar os prazos
processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades
do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito."

Nesse sentido, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados -


ENFAM, também veio a reforçar esse entendimento ao aprovar seu enunciado de n. 35 cujo
conteúdo autoriza o juiz a adaptar o rito processual conforme as especificidades da demanda7.

A própria corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo por meio do provimento CG


nº 17/2016, também possibilitou a dispensa da audiência de conciliação ao permitir que o juiz a
substitua pela apresentação de contestação no prazo de 15 dias, facultada a apresentação em
preliminar de defesa de proposta de acordo, sem que isto implique em reconhecimento do
pedido8.

Em consonância com esse entendimento, há de se reconhecer o mérito do Fórum dos


Juizados Especiais do Estado de São Paulo - FOJESP, ao editar o enunciado n. 30 cujo teor dispõe
que “Em se tratando de matéria exclusivamente de direito, não é obrigatória a designação de
audiência de conciliação e de instrução no Juizado Especial Cível.”

Portanto, por meio de uma interpretação sistêmica da legislação processual brasileira,


a dispensa de designação de audiência de conciliação no âmbito do procedimento comum, bem
como na esfera dos Juizados Especiais, há de promover os princípios da celeridade, da razoável
duração do processo e da economia processual, sem prejuízo de eventual adoção de métodos
de resolução de conflitos alternativos.

6
Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar
do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30
(trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
§ 4o A audiência não será realizada:
I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;
II - quando não se admitir a autocomposição.
§ 5o O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-
lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.

7
ENFAM - Enunciado 35 - Além das situações em que a flexibilização do procedimento é autorizada pelo
art. 139, VI, do CPC/2015, pode o juiz, de ofício, preservada a previsibilidade do rito, adaptá-lo às
especificidades da causa, observadas as garantias fundamentais do processo.

8
Art. 614, §6º. Nos casos de litigantes cuja postura seja de evidente desinteresse pela audiência de
conciliação poderá o juiz substituí-la pela apresentação de contestação no prazo de 15 dias, facultada a
apresentação em preliminar de defesa de proposta de acordo, sem que isto implique em reconhecimento
do pedido. (acrescentado pelo provimento CG nº 17/2016).

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