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PARTICULARIDADES FORMAIS DA SOBRESTADIA NO PROCESSO CIVIL

CONTEMPORÂNEO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA

Carlos Eduardo Trigo Nasser Felix


Graduando em Direito da Universidade Estadual Paulista
e-mail para contato: cadutnf@gmail.com

Érika Nery Duarte


Graduanda em Direito da Faculdade Presbiteriana Mackenzie
e-mail para contato: erika_duarte_2000@hotmail.com
N° TIA 32368526
Introdução, problema e marco teórico: O comércio marítimo sempre foi importante
para o Direito do Brasil, sendo previsto principalmente no Código Comercial Brasileiro de
1850. Com o advento de novas legislações, não tivemos muitas menções às especificidades do
Instituto, de forma a criar algumas dúvidas, em especial quanto à Sobrestadia, que retrata a
utilização além do pactuado de contêineres, sendo necessária a intervenção do Judiciário para
decidir certos aspectos formais. Nesse sentido, a dúvida quanto a prescrição para a propositura
de ação monitória para o recebimento de quantia indenizatória ocasionada pela permanência
do contêiner, e a legitimidade do consignatário para configurar como parte e pagar o débito,
andam sendo trazidas a litígio em grande quantidade. À vista disso, este trabalho tem a
finalidade de analisar quais foram as fundamentações utilizadas pelo Superior Tribunal de
Justiça (STJ) e o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) para definir e categorizar os
aspectos formais supramencionados, relativos a Sobrestadia.

Objetivo: Dessa forma, este estudo tem dois objetivos sequenciais: (i) levantar casos
relevantes que tratam sobre os conceitos da prescrição para a propositura de ação monitória
para o recebimento de quantia indenizatória ocasionada pela permanência do contêiner, e a
legitimidade do consignatário para configurar como parte e pagar o débito; (ii) identificar as
principais fontes de embasamento utilizadas pelos magistrados para fundamentar suas
decisões nesses conflitos; verificar as consequências jurídicas apresentadas nas conclusões
dos magistrados.

Hipótese: A hipótese é de que o Código do Direito Comercial foi superado para


conferir ao fenômeno da Sobrestadia aspectos mais condizentes com o Processo Civil
Contemporâneo. Ainda que o Código do Direito Comercial – muito ligado ao direito marítimo
– seja mencionado, muitos dos institutos serão adaptados para condizer ao Processo
Contemporâneo.

Metodologia: O método utilizado foi da técnica de documentação indireta, utilizando


as decisões do STJ e do TJ/SP até o ano de 2022, nos servindo como fontes seus acórdãos que
tiveram relação com o escopo da pesquisa, dessa forma para responder aos nossos objetivos
realizamos um estudo quantitativo jurisprudencial. Os tribunais selecionados foram o TJ/SP -
por julgar casos advindos de uma área com grande importância para o comércio marítimo
internacional - e o STJ - por se tratar da instância superior do setor judiciário, responsável por
uniformizar a jurisprudência pátria em matéria infraconstitucional. Nos limitamos a analisar
somente os julgados de primeiro grau do TJ/SP, pois suficientemente demonstram a
problemática trazida para pesquisa.
Como mecanismo de pesquisa, as palavras chaves utilizadas para os julgados do TJ/SP
foram “Sobrestadia”, “free time” e “empresarial”, no total foram encontrados 98 casos.
Para os julgados do STJ foram utilizadas as palavras-chaves “free time” e
“Sobrestadia”, não sendo necessário a palavra “empresariais”, uma vez que a aplicação do
CDC nessa instância se mostrou menos constante, no total foram encontrados 55 casos.

Conclusão e resultados: Acerca da problemática a respeito da configuração de


prescrição, foram observados 23 vezes nos casos do TJ/SP e 11 vezes nos casos do STJ, a
discussão se centrou em saber qual seria o tempo para se prescrever a ação de cobrança por
Sobrestadia, se seria de 1, 3, 5 ou 10 anos.
Deve ser evidenciado que sobre o assunto houve real superação jurisprudencial pois
houve um momento em que era certo que o prazo para a cobrança de Sobrestadia era de 1 ano,
como arguido em todos os casos em que foi discutido o período prescricional, mas após a
revogação do art. 449, 3, do Código Comercial, os tribunais passaram a deste período
divergir. Em nenhum caso foi verificado a utilização pelos magistrados do 1 ano como prazo
prescricional.
Já a utilização de 3 anos, foi vista somente em 1 caso do TJ/SP, um dos casos mais
antigos a serem analisados, a justificativa foi a incidência do art. 206, § 3º, V 1, do Código
Civil.
5 anos foi o período que representou 6 casos ao todo, sendo apenas um deles do STJ.
A justificativa para sua aplicação em muito se assemelhou ao de 3 anos, mas diferentemente
destes, os juízes afirmaram a aplicação do art. 206, § 5º, I2.
Já o prazo prescricional de 10 anos não foi utilizado de maneira isolada em nenhum
caso. Esse período, entretanto, foi utilizado de maneira subsidiária ao de 5 anos, em uma
forma condicional, caso houvesse previsão contratual ficaria em 5 anos, caso não, 10. A tese
se baseou no fato de que com a revogação do art. 449, 3, do Código Comercial, não mais teria
norma regendo o assunto, sendo então a prescrição regida pelo art. 205 3 do CC, foi assim
afirmado em um total de 28 casos. Essa aplicação subsidiária também recebeu grande apoio
dos julgados do STJ, ocorrendo 10 vezes.

1
Art. 206. Prescreve: (...) § 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil.
2
Art. 206. Prescreve: (...) § 5º Em cinco anos: (...) I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de
instrumento público ou particular;
3
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
Já no caso da ilegitimidade do mandatário para responder pela demora na entrega de
contêineres foi arguida 26 vezes no TJ/SP, mas em nenhuma delas o juízo acatou a hipótese.
Em 21 dos julgados não houve muito debate acerca do tema, pois havia Termo de
Responsabilidade de Devolução de Contêiner responsabilizando o consignatário pelo
pagamento. Assim, os casos mais interessantes a demonstrar as particularidades do judiciário
quanto ao assunto foram os 5 casos restantes.
No processo de nº 1014102-46.2018.8.26.0562 foi concluído que não haveria a
necessidade de se provar a parte ser consignatária para responsabilizá-la desde que ela o
aparentasse como se fosse.
Já nos processos de nº 1033502-51.2015.8.26.0562 e 4016434-08.2013.8.26.0562, foi
afirmado que não só o consignatário, mesmo sem termo de responsabilidade, seria
responsável, como também seriam o despachante aduaneiro e o agente da carga de forma
solidária.
Por fim, no processo de nº 0007743-35.2019.8.26.0248 foi afirmado que uma vez
confirmada a relação jurídica independeria de termo de responsabilidade assinado para se
caracterizar a responsabilidade do consignatário pelo pagamento da Sobrestadia.
Dessa forma, é possível verificar, ainda que com ressalvas pela baixa amostragem, que
há um caminho sendo traçado pelos tribunais para reconhecerem a responsabilidade do
consignatário para agir como parte e pagar o montante resultante da Sobrestadia, ainda que,
não haja termo assinado.
O STJ, embora tenha tido casos em que essa matéria lhe foi levada, não se pronunciou
sobre o assunto, pois seria necessário reexame de provas.
Toda a análise prospectiva dos julgados mencionados permite a conclusão de que os
tribunais em muito adaptaram os conceitos trazidos do comércio marítimo para o processo
civil contemporâneo.
Outro ponto a ser comentado, é que ainda que o código comercial tenha tido
importância para definir a sobrestadia e prever suas consequências e aspectos formais, como
também materiais para sua caracterização, hoje esse papel foi totalmente tomado pelos
institutos do Código Civil. Assim sendo, em nenhum julgado o código comercial foi
realmente utilizado, no máximo foi comentado, mas deixado sem relevância para a solução do
caso.
Por fim, através dos resultados da pesquisa é possível concluir que há altas chances de
um novo litígio sobre sobrestadia no comércio internacional marítimo encaminhado ao TJ/SP
ou ao STJ ter as seguintes características: ter período prescricional de 5 anos se expressa
contratualmente, de 10 caso não; e, ainda, ser legítimo o consignatário para o seu pagamento.

Bibliografia

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Processo nº 1033502-51.2015.8.26.0562. Requerente:


CONFIANÇA COMÉRCIO EXTERIOR LTDA.. Intimado COMPAÑIA SUD AMERICANA DE
VAPORES S.A.. Relator: ITAMAR GAINO. Sentença: Julgado em 23 de março de 2017. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Último acesso em: 7 de dezembro de 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Procedimento nº 1030841-65.2016.8.26.0562. Requerente:


SMA Comércio de Produtos Manufaturados Ltda. Intimado: Pil (UK) Limited. Relator: ALBERTO
GOSSON. Sentença: 29 de junho de 2017. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do.
Último acesso em: 7 de dezembro de 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Procedimento nº 1017053-52.2014.8.26.0562. Requerente:


OSX Construção Naval S/A. Intimado: MSC Mediterranean Shipping Company S/A. Relator: HENRIQUE
RODRIGUERO CLAVISIO. Sentença: 9 de agosto de 2016. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Último acesso em: 7 de dezembro de 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Procedimento n° 1021059-58.2021.8.26.0562. Requerente:


Centere Comércio e Distribuição Ltda. Intimado: Hapag-lloyd Aktiengesellschaft. Relator: MAURO
CONTI MACHADO. Sentença: 12 de janeiro de 2023. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Último acesso em: 7 de dezembro de 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Procedimento n° 1030808-12.2015.8.26.0562. Requerente:


Arrozeira Santa Lúcia Ltda. e outro; e Asia Shipping Transportes Internacionais Ltda. Intimados; os
mesmos. Relator: SANDRA GALHARDO ESTEVES. Sentença: 8 de novembro de 2018. Disponível em
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Último acesso em: 7 de dezembro de 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Procedimento nº 0069961-58.2019.8.26.0100. Requerente:


Romana Coralia Morariu. Intimado: ASG Wind Transport SRL. Relator: JOSÉ MARCOS MARRONE.
Sentença: 15 de setembro de 2021. Disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Último
acesso em: 7 de dezembro de 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Procedimento nº 1014102-46.2018.8.26.0562. Requerente:


RHEMA IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. Intimado: NORASIA CONTAINER LINES
LIMITED (REPRESENTADA POR COMPANHIA LIBRA DE NAVEGAÇÃO). Relator: EDGARD
ROSA. Sentença: 27 de agosto de 2019. Disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do.
Último acesso em: 7 de dezembro de 2022.

SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Procedimento nº 1033502-51.2015.8.26.0562. Requerente:


CONFIANÇA COMÉRCIO EXTERIOR LTDA. Intimado: COMPAÑIA SUD AMERICANA DE
VAPORES S.A. Relator: Itamar Gaino. Sentença: 23 de março de 2017. Disponível em
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Último acesso em: 7 de dezembro de 2022.

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