Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Abstract
Vidas and Razos are poetic prose chapters, conceived from poetry. These brief narratives
can be studied through the intertextual relations made with the troubadours songbook,
but they also show the intense geographical movement and circulation of information that
were part of the lives of those who fought and sang throughout the 12th and 13th centu-
ries. Although they never correspond to the paths covered, they would be unacceptable
expressions if they did not hold a recognizable condition among the public. This is one
of the possible relations to be explored when we ask: how to describe the landscape and
why?
Keywords: Vidas and Razos, geographical movement, circulation of information,
Occitan songbook.
1
Prost 2014:133-152.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
50 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Literários
2
Rüsen faz referência à Scherazade.
3
Indivíduos adultos e crianças que foram expulsos de suas habitações por situações
de extremo risco e que se deslocam por diversas paragens, acompanhando grandes ou
pequenos grupos.
4
Esse ensaio também propõe traduções das vidas.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
Um mapa poético nas Vidas e Razos do cancioneiro occitano 51
Como sintetizou Michel Zink sobre esses versos: “au milieu de tous ces
poètes narcissiques, plus attentifs à leur amour qu’à l’ être aimé, lui seul, le
premier de tous, lui seul, le trompeur de dames (...) sait que si l’amour est fragile
et menacé, c’est parce qu’il n’est pas ‘mon amour’, mais ‘notre amour’” (Zink 2013:
69). Então, o primeiro trovador conhecido é aquele que propôs uma relação muito
pouco explorada por seus continuadores, a de que toda a complexidade do amor
estaria no fato de unir dois seres diferentes, compreendidos em nosso amor. A
“ousadia” de ter visto primeiro o que poucos continuaram a ver depois encontra
paralelo na relação com o espaço. Assim, expressou-se o autor da vida do Duque
da Aquitânia e Conde de Poitiers:
5
Zumthor 1994: 54. Aqui, o subtítulo alude ao “lugar” de Guilherme da Aquitânia
como primeiro trovador conhecido.
6
Aquitânia 2009: 87. Destaque do primeiro verso, de nossa responsabilidade.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
52 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Literários
O conde de Poitiers foi um dos maiores cortesãos do mundo e um dos maiores enga-
nadores de mulheres; em armas, bom cavaleiro; pródigo nas manobras da sedução;
e sabia bem trovar e cantar. Por muito tempo, foi pelo mundo enganar as mulheres.
Teve um filho, que tomou por mulher a duquesa da Normandia, da qual houve uma
filha que se tornou mulher do rei Henrique da Inglaterra; mãe do rei João, do senhor
Ricardo e do conde Geoffroi da Bretanha. (Aquitaine 2013: 22-23)7
7
Tradução nossa.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
Um mapa poético nas Vidas e Razos do cancioneiro occitano 53
Ibérica até Jerusalém, e nele, foi um grande enganador de mulheres (dado refe-
rido duas vezes).
3. Trajetórias em movimento8
A vida de Jaufre Rudel é uma das mais conhecidas; inspirou poetas român-
ticos e uma ópera no início deste século (Zink 2013: 147).
Jaufré Rudel de Blaye foi gentil homem de grande nobreza e príncipe de Blaye; e ele
se enamorou da Condessa de Trípoli, sem vê-la, pelo bem que ouviu dizerem dela os
peregrinos que vinham de Antioquia; e fez sobre ela um grande número de poemas
com boa música e pobres palavras. E pela vontade de vê-la, cruzou-se e lançou-se ao
mar. E na embarcação caiu doente e foi conduzido a Trípoli, para uma hospedaria,
como morto. Isto foi sabido pela Condessa e ela veio ao pé dele, de sua cama e lhe
tomou nos braços. E ele soube que era a Condessa e imediatamente recuperou visão,
audição e olfato; e agradeceu a Deus por ter assegurado sua vida até que a tivesse
visto. E assim morreu entre seus braços; e ela o fez sepultar com grande honra na
Casa do Templo. E no mesmo dia, ela se fez religiosa pela dor que teve de sua morte.
(Gougaud 2009: 107)9
8
Por “trajetórias em movimento” compreendemos a circulação dos trovadores, como
a leitura das vidas comprova.
9
Tradução nossa.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
54 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Literários
reputação que se dissemina até alcançar o eu, revela uma rede de circulação de
notícias. Sua experiência como cruzado se afirma na declaração de que queria
ser cativo dela, no reino dos mouros. Levando em conta a convergência entre a
cantiga e a vida do trovador, Jerusalém ou a reconquista do condado de Edessa
(Fernandes 2006: 117) são pretexto, ou seja, o objetivo da viagem poética é chegar
onde está o amor longínquo tão somente. Indeterminado, porém, o espaço iden-
tifica a natureza do amor proposta pelo poeta, em permanente expectativa. Na
narrativa, por outro lado, o espaço é determinado, trata-se do Condado Trípoli,
um dos três principados resultantes das campanhas dos barões cruzados. Os
outros eram Antioquia e Edessa.
Por que justamente Trípoli? O condado cristão de Trípoli foi o último a ser
estabelecido pelos cruzados. Raimundo de Saint-Gilles (de Toulouse) trabalhou
com afinco pela sua conquista, mas só um de seus filhos, Bertrand de Saint-Gilles,
haveria de completar a campanha. Steven Runciman nos lembra que “trata-
va-se de um feudo rico e próspero, que, por sua afluência e posição, fazendo a
ponte entre os francos do Norte da Síria e os da Palestina, desempenharia um
papel crucial na história das Cruzadas” (Runciman 2002: 69). Além da opulência
e da importância estratégica do condado, é preciso destacar que o fato de esse
principado ter sido estabelecido por um senhor do Midi francês favoreceu o seu
caráter provençal (Laurent 1950: 281-282), como singularidade frente a Edessa,
Antioquia e mesmo Jerusalém. A leitura da vida, da poesia e a exploração da
história das cruzadas convergem para a importância do rumor, para a relação
do poeta com a Casa de Toulouse e para a especificidade de Trípoli como lugar
poético e empírico-histórico: o poeta só pode ouvir falar da condessa porque ela,
quem fala dela e ele próprio se expressam na mesma língua e, os braços da dama
distante podem ser, na verdade, o conforto da Casa estendida de uma cultura
comum.
Abordar a importância da língua como possibilidade de uma Casa esten-
dida ou como prova de uma cartografia poética nos leva ao descordo plurilíngue
de Raimbaut de Vaqueiras. O trovador escreve no século XII uma canção em 5
línguas: provençal, italiano, francês, galego-português e gascão. O que isso signi-
fica? A resposta foi dada por Souto Cabo: “o uso [do galego-português] no descordo
só se justifica pela existência de um público receptivo a esse idioma e à modali-
dade literária que nele se exprimia” (Cabo 2012: 214). Nessa resposta, fica claro
que o galego-português era uma língua poética reconhecida no contexto em que
o trovador viveu. Poderíamos acrescentar, como consequência da importância do
veículo, a necessidade de o poeta se exprimir para além da sua língua materna.
A vida do trovador narra uma série de espaços que também apontam para a sua
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
Um mapa poético nas Vidas e Razos do cancioneiro occitano 55
10
“Romanie”. Vincenzo 1899: 417-438.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
56 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Literários
Ele foi muito prezado e honrado pelo rei Ricardo11 e pelo conde Raimundo de
Toulouse, assim como pelo senhor Barral, seu senhor de Marseille.
Ele se encontrava bem e sua pessoa era muito agradável [a todos]. Ele cortejava
a dama de seu senhor, senhor Barral. Ele lhe suplicava amor e fazia para ela suas
cantigas. Mas nunca, nem por canções e súplicas, ele pode obter seu favor, de modo
que ela nunca lhe fez nenhum bem, em direito de amor. É por isso que ele se lamenta
sempre em suas cantigas.
E deu-se que sua dama morreu, e o senhor Barral, seu marido, e o senhor de Folquet,
que tanto lhe honrava, e o bom rei Ricardo e o bom conde Raimundo de Toulouse,
e o rei Afonso de Aragão. Então, por causa da tristeza com a morte de sua dama
e dos príncipes que lhes mencionei, ele abandonou o mundo; e entrou na Ordem
dos Cistercienses, com sua mulher e dois filhos que tinha. E foi feito abade de uma
rica abadia, na Provença, chamada Torondet. Depois foi feito bispo de Toulouse e lá
morreu. (Gougaud 2009: 145-146)
4. Conclusões parciais
11
Rei Ricardo Coração de Leão.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
Um mapa poético nas Vidas e Razos do cancioneiro occitano 57
Referências
Aquitane, Guillaume d’ (2013). Le Néant et la Joie. Présentation et traduction de Katy Bernard. Gardonne:
ÉditionsFédérop.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.
58 Revista Portuguesa de Humanidades | Estudos Literários
Aquitânia, Guilherme IX de (2009). Poesia. Tradução e introdução de Arnaldo Saraiva. Campinas (SP):
Ed. da UNICAMP.
Biographies des Troubadours (1950). Textes provençaux des XIIIe et XIVe siècles, publiés avec une
introduction et des notes, par Jean Boutière et A. H. Schutz. Toulouse: Privat; Paris: Didier.
Cabo, José António Souto (2012). Os cavaleiros que fizeram as cantigas: aproximação às origens
sócio-culturais da lírica galego-portuguesa. Niterói: Ed. da UFF.
Fernandes, Fátima Regina (2006). Cruzadas na Idade Média in MAGNOLI, Demétrio (org.). História das
guerras. São Paulo: Contexto.
Gauvard, Claude, Libera, Alain, Zink, Michel ((2004) 2012). Dictionnaire du Moyen Âge (2ª ed. 4ª tir.).
Paris: PUF.
La Circulation des Nouvelles au Moyen Âge. XXIVe Congrès de la S.H.M.E.S. (Avignon, juin 1993) (1994).
Paris : Publications de la Sorbonne.
Laurent V (1950). Compte rendu. Richard J., Le comté de Tripoli sous la dynastie toulousaine (1102-
1187). In: Revuedesétudesbyzantines, tome 8. pp. 281-282. Disponível em: http://www.persee.
fr/docAsPDF/rebyz_0766-5598_1950_num_8_1_1031_t1_0281_0000_2.pdf (acesso em 12 de
dezembro de 2016).
Les Biographies des Troubadours en Langue Provençale, publiées intégralement pour la premières fois
avec une introduction et des notes accompagnées des textes latins, provençaux, italiens et espagnols
concernants ces poètes par Camille Chabaneau (1885). Toulouse: ÉdouardProvat, Libraire-Éditeur.
Disponível em http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k4102n/f11.item.r=Biographies%20des%20
troubadours.zoom (acesso em 12 de dezembro de 2016).
Les Vies des Troubadours, Écrites em Roman par des Auteurs du XIIIE Seècle et Traduites em Français
par un Indigène (Magradoux). Librairieromane de Pierre d’em Sagnos. 1866. Disponível em: https://
books.google.fr/books?id=4e1AAAAAcAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_
summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false (acesso em 12 de dezembro de 2016).
Gougaud, Henri(2009). Poésie des troubadours. Anthologie présentée et établie par Henri Gougaud.
Texte français de René Nelli et René Lavaud, revu et corrigé par Henri Gougaud. Éditions Points.
Prost, Antoine. Doze lições sobre a História. (2ª ed., 2ª reimp.) (2014). Belo Horizonte: Autêntica Ed..
Runciman, Steven (2002). História das Cruzadas. Vol. II. Rio de Janeiro: Imago.
Rüsen, Jörn (2010). Jörn Rüsen e o ensino de História. Maria Auxiliadora Schmidt, Isabel Barca,
Estêvão Rezende Martins (orgs.). Curiitba: Ed. da UFPR.
Spina, Segismundo (1996). A lírica trovadoresca. São Paulo: Ed. USP.
Vincenzo, Crescini (1899). Rambaut de Vaqueiras et le marquis Boniface I de Monferrat (nouvelles
observations) In: Annales du Midi : revue archéologique, historique et philologique de la
France méridionale, Tome 11, N°44. pp. 417-438. Disponível em: http://www.persee.fr/docAsPDF/
anami_0003-4398_1899_num_11_44_3453.pdf (acesso em 12 de dezembro de 2016).
Zink, Michel (2013). Les troubadours. Une histoire poétique. Paris: Ed. Perrin.
Zumthor, Paul (1994). La Medida del mundo. Madrid: Ediciones Cátedra.
Provided for Personal License use. Not for reproduction, distribution, or commercial use.
© 2018 Aletheia - Associação Científica e Cultural. All Rights Reserved.