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A Controvérsia de Agostinho e Pelágio

por

Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki

Aurélio Agostinho (354-430 d.C.), embora tenha nascido num


lar cristão, viveu uma vida dissoluta antes da sua conversão.
Durante nove anos foi maniqueísta, vindo a se converter à fé
cristã em 386 d.C., sendo batizado em 387 d.C. por Ambrósio,
em Milão. Em 391 d.C. foi ordenado ao sacerdócio, sendo
quatro anos mais tarde consagrado bispo coadjutor de Hipona.
Porém, em pouco tempo morreria o bispo Valério, e Agostinho
assumiria o seu lugar, como bispo de Hipona. Mas somente em
412 d.C., é que começa a controvérsia que dividiu
definitivamente as opiniões dentro da Igreja.

Ele é conhecido como um dos primeiros defensores das


doutrinas da graça no período da patrística. A discussão sobre
o livre arbítrio e predestinação já se estendia antes de
Agostinho, eram assuntos conflitantes no seio da Igreja.
Contudo, para o nosso objetivo sem mais delongas, basta dizer
que em Agostinho o assunto foi definido quando ele sumarizou
e sistematizou as opiniões já existentes, levando a Igreja a
tomar uma posição oficial, ainda que temporariamente. [1]

Quando Pelágio se fez notar dentro da Igreja Cristã, Agostinho


já era uma figura influente. Pelágio era um monge britânico que
apareceu em Roma, por volta do ano 400 d.C., para refutar as
doutrinas de Agostinho. Pelágio escreveu um comentário sobre
as epístolas paulinas em 409 d.C.. A sua posição teológica pode
ser denominada de “monergismo humano”, e esta foi expressa
de forma mais desenvolvida pelo seu principal discípulo
Celestius. Esse “monergismo humano” de Pelágio é assim
chamado porque para ele o poder da vontade humana é decisivo
e suficiente na experiência da salvação. Sua célebre frase
expressa claramente essa mentalidade, quando ele afirma “se
eu devo, eu posso”. [2]

A controvérsia entre Agostinho e Pelágio, se resumia em dois


pontos teológicos: a liberdade [capacidade] da vontade humana
(livre arbítrio), e na maneira como Deus opera sua graça.
Quanto ao livre arbítrio, a discussão era se o ser humano é
absolutamente capaz de exercer a sua liberdade, ou não.
Agostinho ensinava e defendia a doutrina “do pecado original”, e
os seus inevitáveis efeitos mortais sobre a vida de todos os
descendentes de Adão. Pelágio, contudo negava tal
contaminação, e afirmava a inocência da alma, como também a
absoluta capacidade de escolha tanto moral, quanto espiritual.

Parte da discussão teológica envolvia o modo como Deus opera


a sua graça. Agostinho, coerentemente com sua primeira
afirmação, ou seja, de que todo ser humano é escravo do seu
pecado e que o seu livre arbítrio possui uma fonte pecaminosa,
morta espiritualmente, afirmava que o homem carece
absolutamente da ação graciosa de Deus em todos os seus
aspectos para ser salvo, sendo exposta essa posição na doutrina
da predestinação. Pelágio, refutando Agostinho, afirmava que o
homem possuí tanto o poder volitivo para escolher ser salvo,
como para desistir desta salvação. Defendia que o ser humano
possui uma capacidade de decidir o seu futuro independente da
graça de Deus.

Agostinho falando explicitamente sobre a perseverança em sua


obra De Corruptione et Gratia (427) declarou que

no caso dos santos predestinados ao Reino de Deus pela graça


divina, a ajuda concedida para que perseverassem não foi
aquela dada a Adão, mas uma ajuda especial comportando
forçosamente a perseverança de fato, (...) sendo de tal maneira
forte e eficaz que os santos não podiam fazer outra coisa senão
perseverar de fato. [3]

Paulino, diácono de Milão, acusou Celestius, principal discípulo


de Pelágio, de seis erros doutrinários. Esta acusação recebeu a
sua forma escrita numa carta contendo as seguintes afirmações

(1) Adão foi criado mortal e teria morrido, quer tivesse pecado,
quer não; (2) o pecado de Adão contaminou só a ele e não a raça
humana; (3) as crianças recém-nascidas estão naquele estado
em que estava Adão antes da queda; (4) a raça humana inteira
nem morre por causa da morte de Adão, nem ressuscita pela
ressurreição de Cristo; (5) a lei, tanto quanto o Evangelho,
conduz ao reino dos céus; (6) mesmo antes da vinda do Senhor
houvera homens sem pecado. [4]
O próprio Agostinho percebeu incoerências em seu sistema
doutrinário registrado em sua obra Livre Arbítrio [5]. Decidiu
escrever um outro livro que expressasse suas idéias de modo
mais consistentes e amadurecidas, que ele intitulou Graça e
Livre Arbítrio [6]. Mesmo após essa revisão em sua teologia
Agostinho continuou contendo algumas inconsistências em seu
próprio sistema. Embora sustentasse a predestinação, em
alguns de seus escritos ele não a expressava com coerência,
pois esta doutrina estava comprometida com erros doutrinários
acerca de seu tendencioso sacramentalismo. [7]

O sacramentalismo afetava radicalmente a doutrina da salvação


de Agostinho. Wright concluí que “esse sacramentalismo tornou
a salvação dependente, na prática, da boa vontade e da
capacidade do indivíduo de obedecer à igreja. Assim, na prática,
a igreja e não as Escrituras tornou-se o locus final da
autoridade.” [8] Agostinho chegava a dizer que “as igrejas de
Cristo afirmam o princípio implícito de que, sem o batismo e a
participação na mesa do Senhor, homem algum pode chegar ao
reino de Deus, e à salvação, e à vida eterna.” [9] A maneira
como Agostinho tentou resolver esta incoerência foi afirmando
que a prova da eleição baseia-se não somente na regeneração,
mas também na perseverança, segundo ele “todo o que é
batizado é regenerado, mas é verdadeiramente eleito o que
possui a graça da perseverança.” [10] Mas isso não anulou a
sua inconsistência teológica, pois a sua afirmação continuou
sendo dúbia. Embora defendesse a predestinação, ele se
tornava incoerente fazendo a perseverança depender de sua
doutrina sacramentalista.

As idéias de Pelágio foram fortemente refutadas por Agostinho


numa série de tratados que se tornaram conhecidos como
escritos antipelagianos. O Pelagianismo foi condenado
oficialmente pela Igreja antiga nos concílios de Cartago (418
d.C.), de Éfeso (431 d.C.) e finalmente no Concílio de Orange II
(529 d.C.). A partir de então a Igreja Ocidental tornou-se
oficialmente agostiniana em seu entendimento da doutrina da
graça, todavia, essa oficialidade estava um tanto que longe da
realidade dos clérigos e igrejas locais.

As decisões dos concílios não puseram fim na controvérsia. O


Pelagianismo conseguiu sobreviver mesmo após a sua
condenação oficial. Alguns dos discípulos de Agostinho não
eram totalmente coerentes ou concordantes com Agostinho.
Sendo que o próprio Agostinho possuía incoerências em sua
doutrina, surgiu outro sistema doutrinário conhecido como
Semipelagianismo que procurava estabelecer um sincretismo
entre as doutrinas de Agostinho e Pelágio. O objetivo era de
acalmar os ânimos desta controvérsia, e resolver alguns
aspectos teológicos acerca da liberdade e responsabilidade
humana, que o sistema agostiniano não havia resolvido. O
Semipelagianismo tem sido a doutrina oficial da Igreja Católica
Romana. Foi este sistema teológico que os Reformadores
enfrentaram. E deste sistema Jacobus Arminius derivou a sua
teologia que ficou conhecida como Arminianismo.

NOTAS:

[1] - R.K. McGregor Wright, A Soberania Banida, (São Paulo,


Ed. Cultura Cristã, 1998) pp. 21-22.

[2] - Williston Walker, História da Igreja Cristã (Rio de Janeiro e


São Paulo, JUERP/ASTE, 2 a ed., 1980) vol. 1, p. 240.

[3] - Santo Agostinho, De Corruptione et Gratia citado por Henry


Bettenson, Documentos da Igreja Cristã (São Paulo, ASTE,
2001), p. 107.

[4] - Citado por Williston Walker, História da Igreja Cristã, p.


241.

[5] - Santo Agostinho, O Livre Arbítrio in: Patrística (São Paulo,


Ed. Paulus, 1995).

[6] - Santo Agostinho, A Graça in: Patrística (São Paulo, Ed.


Paulus, 1998).

[7] - William Cunningham, Historical Theological (London, The


Banner of Truth Trust, 1969) vol I, p. 356-358.

[8] - R.K. Mc Gregor Wright, A Soberania Banida , p. 24.

[9] - Williston Walker, História da Igreja Cristã, p. 238.

[10] - James Orr, El Progresso del Dogma (Terrassa, Ed. CLIE,


1988) p. 127.
Rev. Ewerton B. Tokashiki 
tokashiki@ronnet.com.br 
Pastor da Igreja Presbiteriana de Cerejeiras – RO 
Prof. de Teologia Sistemática do STBC – Extensão Ji-Paraná

Agradecemos o autor pelo envio e permissão da publicação do


presente artigo. O Rev. Tokashiki, pela graça de Deus, é um dos
nossos colaboradores. 

http://www.monergismo.com/

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