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Periodização
táctica: princípios estruturantes
e erros
metodológicos na sua aplicação no futebol
Resumo
A periodização táctica é uma metodologia de treino que privilegia a
contextualização do treino em função das características,
necessidades e princípios de um Modelo de Jogo, ou seja, da
organização do
jogo orientada pela dimensão tática e sua
inter-relação com as outras dimensões do jogo. Desta forma procuramos
abordar nesse artigo que para trabalhar dentro destes moldes torna-se
importante para além
de dominar o seu contexto teórico, estar ciente de
alguns riscos em que podemos incorrer ao adoptar esta metodologia.
Unitermos: Periodização
táctica. Futebol. Metodologia de treino
http://www.efdeportes.com/
Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 144 - Mayo de 2010
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1.
Introdução
O treino em futebol é de tal ordem complexo que
permite que as mais variadas concepções conduzam de forma igualmente
favorável ao sucesso desportivo. Muitas dessas,
ainda buscam controlar o
treino, pelo menos ao mais alto nível, através da dimensão fisiológica.
Outras apararentemente evoluídas, procuram apenas integrar as dimensões, ou
quase todas as suas dimensões, sem se preocuparem em entender o jogo como um
sistema dinâmico de interação e inter-relação. Neste contexto, percebemos
que essas
concepções ainda se baseiam em parâmetros parcelados para
responder aos problemas do jogo.
Mas se observarmos o futebol atentamentente, na medida que nos defrontamos com
novas realidades, uma ideia mais global, ampla, alargada parace demonstrar
realmente as
verdaderias características desse desporto. Precisamente em
Portugal ao longo dos últimos anos surgiu uma metodologia que ultrapassou
essas tendências citadas acima e
começou a intrigar, confundir e apaixonar o
ambiente futebolistico. Apelidada como “Periodização Táctica” (PT) a
abordagem é preconizada e defendida por treinadores como
Mourinho, Peseiro,
Carvalhal, Queiroz, etc. …
É exclusivamente sobre esta abordagem metodológica de treino que este artigo
irá se debruçar, procurando abordar alguns de seus pressupostos e
identificar algumas
limitações e precipitações na implementação da PT
como modelo conceptual de treino.
2.
Rompendo mitos e preconceitos sociais no treino
Quinta (2003) relativamente ao panorama desportivo português afirmava que “treina-se
pouco futebol e, quando se treina, tal realiza-se de uma forma aleatória, sem
objectivos, programações ou planeamentos a curto, médio e longo prazo. O
ensino-aprendizagem/treino do futebol, na maior parte dos casos, é efectuado
sem um programa e/ou
métodos definidos, não se estipulando a concretização
de objectivos individuais e colectivos, ou seja, não se procurando que os
jogadores e equipas atinjam determinado nível ou
saibam fazer da melhor forma
esta ou aquela acção individual ou colectiva”.
Não são raros os casos em que imperou (e, por vezes, continua a imperar) a
lei da “corridinha e a pelada” como método de treino primordial de uma
equipa de futebol. Em
alguns casos a “corridinha” evoluiu e/ou foi
mascarada com a introdução de uma bola de forma a ser visto como um treino
“na moda” e quem o aplica ser considerado um
metodólogo sempre atento aos
fenómenos evolutivos da performance desportiva, sendo utilizada a metodologia
do treino integrado de factores.
Aliás, este é um termo (treino integrado) que segundo Losa, et al. (2006)
está já quase desgastado de tanto uso, ainda que quase sempre, escassa,
ambígua e superfluamente
abordado. Escasso porque a questão não é que
tenha que incluir percepção, decisão, etc., mas sim que os estímulos,
podendo ser maiores ou menores, devem ser sempre
específicos do jogo.
Ambíguo porque uma coisa é treinar com bola e outra absolutamente distinta
é treinar futebol. Por último, supérfluo porque a prática sempre surgiu e
surgirá
da teoria prévia e profundamente organizada, e neste caso quase
sempre a proposta foi directamente prática. Para Oliveira et al. (2006) tal
como é normalmente utilizado o treino
integrado não rompe verdadeiramente
com a lógica da “norma de treinar”. O “treinar com bola” serve apenas
como um meio de simular o treino físico, e não como um imperativo
para
operacionalizar o modelo e os princípios de jogo que se querem para a equipa.
Guilherme Oliveira (2003) afirma que antes de qualquer outra tarefa, o
treinador deve fazer uma introspecção acerca das suas ideias de futebol.
Dessa auto-reflexão devem
ficar claras as ideias de como queremos que a “nossa”
equipa jogue, tanto nos aspectos mais gerais como nos aspectos mais
particulares. O futebol é considerado como uma
modalidade desportiva
eminentemente táctica (Teodorescu, 1984; Meinel y Scnabell, 1988; Deleplace,
1994 citados por Oliveira, 2006). Considerando que o futebol pode
apresentar
alguma regularidade, dentro da sua extrema complexidade e aleatoriedade
próprias de um jogo, ao treinador exige-se que modelize um tipo de jogo
(Fernandes,
2003).
Nesse contexto, segundo Garganta (2007) o futebol só faz sentindo entendido
dentro de uma proposta táctica, com o treino visando a implementação de uma
“cultura para
jogar”. Para o autor, a forma de jogar é construída e o
treino consiste em modelar os comportamentos e atitudes de jogadores/equipes,
através de um projecto orientado para o
conceito de jogo/competição.
Assim, antes da definição de uma qualquer metodologia ou “tipo” de
treino o treinador deve ter um modelo de jogo perfeitamente definido.
Guilherme Oliveira (2003) define
modelo de jogo como uma ideia / conjectura de
jogo constituída por princípios, sub-princípios, sub-princípios dos
sub-princípios, representativos dos diferentes momentos / fases
do jogo, que
se articulam entre si, manifestando uma organização funcional própria, ou
seja, uma identidade. Esse Modelo, como Modelo que é, assume-se sempre como
uma
conjectura e está permanentemente aberto aos acrescentos individuais e
colectivos, por isso, em contínua construção, nunca é, nem será, um dado
adquirido. Ou seja, o modelo
de jogo deve ser entendido com um sistema
auto-organizado e autopoiético, algo em aberto e dinâmico, contemplando
mudança, um aspecto determinante para emergi-lo da
criatividade dentro do
sistema, que, tendo subjacente um determinado padrão, permite aos jogadores,
evoluírem para níveis de complexidade mais elevados, sem perda de
identidade
(MACIEL, 2008). Nesse preceito, o Modelo final é sempre inatingível, porque
está sempre em reconstrução, em constante evolução.
Este aspecto é também defendido por Faria (2003) pois se o objectivo é ter
uma equipa organizada para competir, essa organização só se consegue
através da utilização de
exercícios de jogo pertencentes a um modelo de
jogo e que permitem exacerbar um conjunto de princípios que definem esse
modelo.
Relativamente ao modelo de jogo é importante salientar que a táctica não
significa apenas uma organização no espaço de jogo e uma repartição de
missões específicas pelos
jogadores, mas sim a existência de uma
concepção unitária para desenvolver o jogo, ou em outras palavras, um tema
geral sobre o qual permite aos jogadores estabelecerem
uma linguagem comum
entre si (Martinez, 2003 citando Castelo, 1996). Para Faria (2003) o futebol
é táctica mas não um táctico qualquer. È um táctico modelo, táctico
cultura, é
táctico como entendimento colectivo de uma forma de jogar e uma
filosofia de jogo, definida claramente pelo treinador e que tem que ser a
relação entre cada um dos elementos
da equipa sob a qual todos se devem
orientar. Portanto, táctico sim, mas como modelo, cultura e linha de
orientação em termos de organização do jogar. (Figura 1)
Figura
1. Dimensão Táctica e suas inter-relacões
È partindo deste pressuposto que nos permitimos
a avançar para uma breve introdução à especificidade. Gibson (1979, citado
por Oliveira, 2006) define especificidade como um
conceito qualificador de uma
relação entre variáveis. Essas variáveis representam a informação
específica de determinado contexto. No treino em futebol de acordo com
Castelo
(2000) a especificidade pode ser definida como “um processo
pedagógico que visa desenvolver as dimensões tática,
cognitivas-perceptivas, técnicas, físicas, psicológicas,
estratégicas e
socio-culturais dos praticantes e das equipas no quadro específico das
situações competitivas através da prática sistemática e planificada do
exercício, orientada por
princípios e regras devidamente fundamentadas no
conhecimento científico”. Mourinho (2001) afirma que no processo de treino
deve existir uma “exponenciação do princípio da
especificidade. Uma
especificidade/Modelo de jogo e não apenas uma especificidade/modalidade.”
Para Tamarit (2007) a especificidade/Modelo de jogo relaciona-se com uma
determinada forma de jogar, distinta da especificidade/ modalidade que é
apenas composta por exercícios físicos, as vezes com bola.
Neste contexo, uma correcta metodologia de treino deve ser, segundo Mourinho
(2001), “orientada em função de grandes objectivos em que há uma
relação íntima entre o
modelo de treino e o modelo de jogo, no qual, os
jogadores, para perceberem o modelo de treino, têm de perceber o modelo de
jogo.” Ainda acerca do tema Losa et al. (2006)
consideram
que quando se fala de treino físico-técnico-táctico, físico-técnico,…
se trata de unir ou somar coisas ou partes, que para tal tiveram que ser
separadas previamente. É
aqui que reside o erro de base do planeamento
convencional. Garganta et al. (1996) refere de igual forma, que o futebol é
um fenómeno multidimensional e, por isso, requer uma
interacção constante
de suas dimensões. Ao referirem-se ao treino integrado, Losa et al. (2006)
remetem-no para a teoria dos sistemas dinâmicos, isto equivale a dizer de que
o
todo é mais que a simples somas das partes pois, tal como refere Garganta
(2001), nos sistemas de alta complexidade que operam em contextos aleatórios,
como aqueles que
coexistem num jogo de Futebol, a separação artificial dos
factores que concorrem para o rendimento desportivo parece revelar-se
inoperante. Nesta ideia o futebol deve ser
entendido como um sistema complexo
não linear, que se auto-organiza, tendo subjacente um conjunto de padrões
comportamentantais previamente definidos.
Jesualdo Ferreira (2006) refere que a grande alteração ao nível do treino
foi quando se viu, que para um jogador explorar todas as suas capacidades, era
preciso pensar. Para o
mesmo autor, no futebol é preciso tomar decisões
contantemente, ou seja, ter jogadores inteligentes que saibam pensar nos
vários momentos do jogo em busca de uma
identidade coletiva. Assim, a
essência do futebol está na dimensão táctica, em treinar exercícios que
visem a implementação e organização de um jogar.
Mas que exercícios utilizar? O que devemos treinar? Devemos treinar a
organização do jogo da equipa, através de padrões de acção, individuais
e colectivas (nas diferentes
escalas) com o objectivo de criar um conjunto de
referências decisionais para que os jogadores saibam o que fazer e possam ser
criativos nas diferentes situações do jogo
(GUILHERME OLIVEIRA, 2009). Assim
o modelo de treino, nesse caso a PT, deve permitir que esses padrões de
ação se transformem em hábitos.
Atendendo a todos os pressupostos anteriormente expostos é importante
reflectirmos acerca de alguns aspectos que consideramos importantes para que
exista uma correcta
utilização da PT. De forma a reforçar estas ideias,
apresentamos abaixo os princípios orientadores e alguns sub-princípios mais
pertinentes da PT, contrastando com seus erros e
equívocos cometidos na
aplicação destes pressupostos metodológicos.
3.
Princípios e sub-princípios metodológicos da periodização tática
Se observarmos os breves ideais apresentadas no tópico acima, percebemos a
importância na escolha de um modelo de jogo e uma metodologia que
operacionalize esse jogar.
Como citamos anteriormente, várias são
metodologias que podem obter êxitos desportivos. Algumas sequer possuem em
seu núcleo central um modelo de jogo definido, outras
até possuem, mas sem
os estímulos específicos correctos para o desenvolvimento do jogar
pretendido.
A partir disso, visualizando uma real evolução do treino em futebol,
entendemos que a PT disponibilizada um referencial inteligente para
operacionalização de uma forma de
jogar. Em cima dessa idéia, selecionamos
abaixo alguns princípios metodológicos dessa abordagem e posteriormente
contrastamos com alguns erros conceituais de aplicação. Em
suma, pautamos
todos os princípios metodológicos, já que o morfociclo padrão (Figura 2)
é somente atingível se esses princípios estiverem interligados a todo
instante e
contextualizamos alguns sub-princípios mais impactantes, da mesma
forma, interligados com os demais.
Figura
2. Inter e Intra-ralação entre os princípios e sub-príncipios
metodológicos e o Morfociclo da PT
3.1.
Princípio da “desmontagem” e hierarquização dos princípios de jogo
Dentro de um modelo de jogo, tem-se vários princípios para serem trabalhados
durante os treinos. Segundo Brito (2003) os princípios de jogo são linhas
orientadoras básicas que coordenam as atitudes e comportamentos táticos dos
jogadores quer no processo ofensivo, quer no processo defensivo, bem como nas
transições.
Assim, entra o conceito de desmontagem e hierarquização dos princípios para
eleger alguns objectivos parcelares a serem trabalhados. Nesse preceito,
devemos entender que apesar da supervalorização de alguns princípios o
sistema de interação se mantém. Em cima disso, os princípios são
hierarquizados e
desmontados para uma melhor compreensão didáctica dos
participantes do processo, sendo que a essência do jogo e do jogar da equipe
não são alterados,
apenas particularizados. (Figura 3)
Figura
3. Redução da complexidade do jogo em estruturas complexas
Basicamente o que este princípio metodológico defende é uma “simplificação
da estrutura complexa do jogo” e uma constante relação construtiva
alicerçada
em fundamentos tácticos progressivamente mais complexos com a
finalidade última de construir/consolidar o modelo de jogo adoptado. È a
aquisição
progressiva de vivências práticas de jogo que permitem um
aumento da complexidade dos movimentos colectivos, até porque ao mais alto
nível a relação
qualidade/complexidade é muito próxima. Hierarquizar
pressupõe também distinguir entre si os princípios mais e menos importantes
em determinada
situação/exercício pois só assim nos é possível intervir
coerentemente e seguir uma linha orientadora clara.
3.2.
Princípio da especificidade
Muita gente às vezes costuma dizer “ah, então não há nada mais
específico do que o jogo 11x11.” Não! Não é nada disso, isso é uma
blasfémia. Porque se
reconhecemos que o nosso jogar tem X princípios e X
sub-princípios, e deixamos em aberto a possibilidade de acontecerem uma
determinada quantidade de
sub-princípios dos sub-princípios, que são o
resultado desta inter-relação concreta, portanto em termos de treino, temos
que lhes dar, de uma forma
hierarquizada, sendo que umas são mais importantes
do que outras, mas temos que actuar sobre todas, sobre eles todos, para eles
melhorarem. A
especificidade cumpre-se aí, é no respeito que tenho por todos
os princípios, e o respeito em termos metodológicos. Agora isto não é
fácil, eu fazê-lo de modo a
todos melhorarem e sem se estorvarem, sem se
contaminarem negativamente uns aos outros” (Frade 2006).
Frade (2006) considera este como um supra-princípio do treino em futebol. O
principio de especificidade da periodicação tática PT , segundo Guilherme
Oliveira (1991) deve criar situações tácticas que o jogo da equipe
requisita, impicando nos jogadores o desenvolvimento de todas as dimensões,
através do
modelo de jogo adotado. Para Frade (2002), o que condiciona a
especificidade é o modelo de jogo da equipe e este possui suas
particularidades de acordo com
cada contexto. Rocha (2003) afirma que essa
especificidade requer uma adaptaçao oriunda de exercicios específicos de
determinada forma de jogar. Neste
contexto, devemos entender que cada jogar
exige sua especificade exclusiva, ou seja, existem várias especificidades.
Esse conceito de especificidade remete-te a idéia de que os exercícios
planejados, deverão ser baseados na estrutura do jogo da equipe, na forma de
jogar
pertencente a equipe ( TEODORESCU, 1977). Assim, percebe-se que todos os
momentos do processo serão contextualizados pelo jogar que pretendemos para a
equipa, até nos pequenos princípios de jogo deve-se promover a linguagem
comum, que o jogo da equipa deve aspirar (GOMES, 2006).
De acordo com Guilherme Oliveira (2009), na Periodização Tática, só se
considera algo específico, se estiver relacionado com o modelo de jogo
criado.
Segundo o mesmo autor, a sua operacionalização deve assumir várias
dimensões/escalas: coletiva, inter-setorial, setorial e individual. Além
disso, o cumprimento
do princípio de especificidade da Periodização Tática
é somente atingindo por inteiro se durante o treino: os jogadores mantiverem
um elevado nível de
concentração durante o exercício; o treinador
intervier adequadamente e a antecipadamente perante o exercício e os
jogadores entenderem os objetivos e as
finalidades do exercício (GUILHERME
OLIVEIRA, 2009). Frade (2006) sintetiza afirmando que mais do que transmitir
ideias, o treino é fundamental para fazer os
jogadores vivenciar essas
ideias. A vivenciação das ideias do treinador só se consegue através da
criação de situações de treino que lhes permitam realizar
inúmeras vezes
uma determinada acção.
3.3.
Princípio da alternância horizontal em especificidade
Segundo Gomes (2006), esse princípio reconhece que a operacionalização do
jogar tem exigências de esforço e, portanto, conseqüências específicas.
Na
concepção da mesma autora, é fundamental que a gestão do processo
assente numa relação de desempenho-recuperação que permita a melhor
adaptabilidade
dos jogadores. Tamarit (2007) confirma esse preceito ao afirmar
que esse princípio é o encarregado de regular a relação existente entre
esforço e recuperação.
Para que os jogadores se relacionem com qualidade,
tenham desempenhos positivos é preciso desenvolver o jogar por níveis de
organização, ou seja, variando a
complexidade do jogar ao longo da semana.
Assim, não existe sobreposição porque dentro do mesmo jogar que se quer, as
aquisições comportamentais são de
outro registo, em função da
complexidade do jogo (GOMES, 2006). Neste preceito, é necessário que se
obedeça a uma alternância horizontal ao nível do tipo de
contracção
dominante, segundo variáveis como tensão, velocidade e duração da
contracção muscular (TAMARIT, 2007). Percebe-se assim através desta
abordagem que a operacionalização incide em determinados aspectos do jogar
tendo em contas as exigências que cada “dimensão” comporta. Assim, ao
longo
da semana desenvolve diferentes escalas de organização (GOMES, 2006).
A alternância tem que ser horizontal e não vertical para escapar ao
sobretreino (num
dia uma coisa, noutro dia outra coisa, e não um pouco de
tudo em cada dia) – fazer alternância no mesmo treino não dá tanto
resultado.
Abaixo nas figuras (4 e 5), Aroso (2006) propõem um exemplo:
Figura
4. Dimensões do esforço – 2 jogos semanais
Figura
5. Dimensões do esforço – 3 jogos semanais
3.4.
Princípio da progressão complexa
Esse princípio pode ser caracterizado como a redução da complexidade ao
modelo de jogo, vivenciando princípios e subprincípios (TAMARIT, 2007).
Assim
procura-se “montar” e “desmontar” os princípios e os
subprincípios e hierarquizá-los durante o padrão semanal e ao longo dos
padrões semanais, consoante a
evolução da equipa (GUILHERME OLIVEIRA,
2009). A progressão deve fazer-se de acordo com estratégias de aquisição
de menor quantidade para maior
quantidade. Para Frade (2001), os princípios
articulam-se entre si, mas há os princípios principais e os secundários em
cada dia da semana, e em cada exercício
realizado.
Ao longo do padrão semanal de treino são transmitidas informações aos
jogadores que se pretendem transformar em aquisições de hábitos e padrões
de
jogo. Atendendo a este facto a complexidade de informação transmitida
deverá ser progressivamente aumentada, ou seja, por exemplo, estratégia
específica
para o jogo do fim-de-semana; Inicialmente deverão ser
transmitidas informações mais gerais de estrutura macro-tactica de forma a
dar uma visão global e
abrangente daquilo que se pretende. Após uma
vivenciação deste tipo de informação pede-se ao treinador que vá
pormenorizando as suas informações a
aumentando os seus critérios de
exigência, até aos pormenores micro-tacticos, para que os jogadores atinjam
a performance desejada.
3.5.
Princípio das propensões
Para Oliveira (2009) esse príncipio é definido com a densidade de
princípios, sub-princípios e sub dos subprincípios que se pretende treinar.
Segundo Tamarit
(2007), o princípio das propensões consiste em fazer
aparecer um grande número de vezes o que queremos que os nossos jogadores
adquiram, provocando
assim a repetição sistemática. Frade (2006) considera
que se um determinado comportamento acontece 10, 20 vezes no treino, até mais
do que em jogo, é isso
que me leva a maior facilitação em termos de
assimilação. Para Oliveira (2003) a repetição sistemática proporciona aos
atletas uma efetiva compreensão de
determinados príncipios e padrões de
jogo implemetados pelo jogar da equipa.
Nesse contexto deve-se dar enfase em alguns aspectos que o treinador queira
que apareça no jogo da equipa, condicionando os jogadores a repetirem
sistematicamente os comportamentos pretendidos.
3.6.
Sub-princípio da intensidade e concentração decisional
A grande “conquista” da PT relativamente a outros métodos de treino está
relacionada com o tipo de estímulos a que os jogadores são sujeitos durante
o
padrão semanal de treino. As questões relativas á intensidade de treino
são fundamentais para quem pretende aplicar esta metodologia pois a este
conceitos
está inerente não apenas as questões de âmbito fisiológico mas,
sobretudo, intensidades de concentração e de constante pressão competitiva.
Um exemplo
muito fácil para percebermos relaciona-se com a marcação de um
penalty, por exemplo, este é um exercício ou acção de jogo que em termos
de intensidade
fisiológica é quase insignificante é no entanto uma acção
que acarreta uma elevadíssima carga emocional e de grande intensidade para o
sistema nervoso
central. Aquilo que se pretende é que independentemente do
exercício provocar ou não grande desgaste energético, este seja capaz de
provocar nos jogadores
uma pressão competitiva o mais próxima possível da
realidade competitiva.
Devemos entender que a concentração também se treina e pode ser um factor
decisivo ao mais alto nível até porque a fadiga central é um dos grandes
problemas do Futebol, a denominada fadiga táctica (Carvalhal 2003) e que se
caracteriza pela incapacidade dos jogadores se concentrarem e dosearem o
esforço resultando em perda de entrosamento em situação de jogo. Para
Carvalhal (2003) impõe-se ao nível do treino uma inversão do binómio
volume-
intensidade, a intensidade é quem “comanda”, e o volume deve ser
gerido durante o microciclo como o somatório de fracções de máxima
intensidade (volume de
qualidade) de acordo com o modelo de jogo adoptado.
Podemos construir um exercício surpreendentemente intenso fisiologicamente
mas que dentro daquilo
que são as exigências do nosso modelo de jogo nada
acrescenta o que para nós significará zero em termos de intensidade na PT…
Assim a intensidade resulta
da necessidade de criar dinâmicas do jogar da
equipe (Carvalhal, 2002)
Carvalhal (2003) afirma que o treinar com base em intermitências máximas de
acordo o modelo de jogo adoptado, vai criar o hábito no organismo de se
cansar a realizar este tipo de esforço, mas também em função deste
esforço a recuperar mais rapidamente.
3.7.
Sub-princípios da descoberta guiada
O processo de transmissão de informação em futebol, tratando-se de um
sistema complexo de interacção entre seres racionais com emoções e
pensamentos
distintos deverá funcionar para além do simples processo de
transmissão/assimilação de conteúdos. O processo será tanto mais correcto
quanto maior for a
interacção entre os intervenientes directos.
Mourinho (2002) descreve o seu processo de treino aquando da passagem por
Barcelona afirmando que “jogadores com este nível não aceitam o que lhes e
dito apenas pela autoridade de quem o diz. E preciso provar-lhes que estamos
certos. A velha história do mister ter sempre razão não é aqui aplicável.
(...) O
trabalho táctico que promovo não é um trabalho em que de um lado
esta o emissor e do outro o receptor. Eu chamo-lhe a descoberta guiada, ou
seja, eles
descobrem segundo as minhas pistas. Construo situações de treino
para os levar por um determinado caminho. Eles começam a sentir isso,
falamos, discutimos
e chegamos a conclusões. Mas para tal, e preciso que os
futebolistas que treinamos tenham opiniões próprias. Muitas vezes parava o
treino e perguntava-lhes o
que eles sentiam em determinado momento.
Respondiam-me, por exemplo, que sentiam o defesa direito muito longe do defesa
central. Ok, vamos então
aproximar os dois defesas e ver como funciona. E
experimentávamos, uma, duas, três vezes, ate lhes voltar a perguntar como se
sentiam. Era assim até todos,
em conjunto, chegarmos a uma conclusão. É
isso que chamo de descoberta guiada”.
O sucesso dessa questão está no facto de os jogadores chegarem às
conclusões que nós queremos que eles cheguem, por isso é que se diz
descoberta
guiada, porque terá que ser direccionada num sentido que é aquele
que mais nos convém a nós treinadores e á equipa em particular. O trabalho
de um treinador
em última instância será sempre assegurar que a sua equipa
é autónoma e capaz de responder correctamente aos desafios que lhes vão
surgindo ao longo da
competição e isto consegue-se tendo jogadores e uma
equipa capaz de “pensar o jogo” e dando-lhes a liberdade de, sempre dentro
dos princípios de jogo
definidos, tomarem livremente as opções que mais
consideram correctas perante determinadas situações. Com a descoberta
guiada, pretende-se criar jogadores
inteligentes e críticos, condicionando-os
a descobrirem com suas próprias ações, reflexões e sentimentos os melhores
caminhos para chegar ao resultado final
(jogar da equipa).
Assim, o trabalho diário deve primar por dar pistas e não respostas,
responder a questões com outras questões, obrigar os jogadores a reflectir e
chegarem
por eles próprios às conclusões que pretendemos transmitir-lhes,
mais que “dar um peixe, devemos ensiná-los a pescar…”!
3.8.
Sub-princípio da liderança
Sobre o tema liderança poderiam ser escritas várias teses pois é
provavelmente um dos temas mais sensíveis para quem comando um grupo ou
equipa pois
está dependente de uma série de variáveis difíceis de
controlar como personalidade, forma de ser e estar de cada um, etc. Apesar
disto, muito resumidamente,
ao nosso ver, na PT devemos funcionar
implementando aquilo a que chamamos uma “Ditadura democrática”, ou seja,
sermos capazes de seguir o nosso plano
de trabalho e as suas linhas
orientadoras de forma rigorosa mas sempre dando a ideia de que todos são
parte fundamental no desenrolar do mesmo. Para
Goleman et al. (2002), o
objetivo central da liderença consiste em gerar e compartilhar sentimentos
positivos entre todos. Assim, o lider deve estar em
sintonia
com os seus liderados, influenciando-os e motivando-os em
todos os âmbitos do treinar/jogar.
O mesmo deve ter a capacidade de fazer com que as suas decisões pessoais
sejam encaradas ou compreendidas pelos jogadores como uma decisão de todos
e
conduzi-los na direcção que mais convém, para tal é fundamental demonstrar
competência técnica e ser uma parte sempre activa no desenrolar das
aquisições
vivenciadas dos princípios de jogo.
Após a definição dos pilares da PT, expomos
abaixo alguns “enganos” cometidos por metodólogos que afirmam utilizar
alguns preceitos da PT.
10. Como qualquer outro processo pedagógico têm que ser definidos
parâmetros de avaliação do trabalho desenvolvido e se segundo
determinadas lógicas
de treino o controlo das variáveis é facilitado, o
mesmo não acontece com a utilização da PT. Em metodologias que
privilegiam aspectos físicos existem
uma série de testes de controlo de
treino testadas cientificamente que permitem estabelecer “fórmulas”
de sucesso e ter uma noção clara da qualidade
do processo de treino. A
fórmula mais fácil de avaliação numa equipa de futebol é simples:
RESULTADOS… No entanto nem sempre que se ganha tudo
vai bem nem sempre
que se perde tudo vai mal, como tal o processo de treino terá que ser
avaliável segundo outros parâmetros de evolução que nos
permitam ter
dados relativamente á evolução do processo. Este avaliação de
processos deverá ser realizada em função da aquisição ou não de
determinados hábitos de jogo individuais,inter-sectoriais, sectoriais e
colectivos. Esta será sempre uma forma de avaliação sujeita alguma
subjectividade
e avaliação empírica, no entanto uma equipa que em cada
dez estímulos de uma determinada natureza executa oito vezes de uma forma
padronizada
será concerteza uma equipa que denota trabalho e evolução
de processo. Exige-se também uma avaliação em função da qualidade e
não apenas
quantidade de acções resolvidas pela equipa e este tipo de
controlo de treino é muitas vezes negligenciado em função de objectivos
de resultado ou
curto prazo. A análise simplista do processo de treino
dificulta o diagnóstico dos problemas essenciais e a correcta evolução
do mesmo.
4.
Considerações finais
Transceder
padrões instaurados na nossa sociedade, é uma inevitável batalha que
teremos que lutar incessantamente, especialmente no mundo no futebol, onde
ideias
ultrapassadas presas a velhos paradigmas confusos e incoerentes ainda
se fazem presentes no seu processo de ensino-aprendizagem/treino.
Nesse
preceito, buscamos através do presentre artigo demosntrar a nova tendência
de treino Periodização Táctica, estabelecendo seus verdadeiros pilares e
confirmando que a
mesma não tem nada a ver com integração de fatores, jogos
reduzidos que visam apenas evoluir físicamente e jogos anárquicos
(peladões).
Assim,
entendemos que o descobrimento e o entendimento da PT nos permite ser
realmente específicos e trabalharmos de acordo com as nossas crenças e
ideias próprias,
condicionando os atletas a estarem aptos “por inteiro”
para o jogar pretendido.
Como
sabemos, uma concepção de treino absolutamente correcta e coerente nunca
existirá. Existem, concerteza, diversos caminhos para chegar ao objetivo
pretendido; caberá
a cada profissional procurar aquele que melhor se adequa a
sua realidade e aos seus conhecimentos acerca do jogo e do treino. Não
existem receitas, apenas o dia-a-dia e a
evolução das inter-relações
estabelecidas nos darão as respostas que buscamos rumo ao sucesso.
Referências
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digital · Año 15 · N° 144 | Buenos Aires,
Mayo de 2010
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