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MÉTODOS DE ENSINO NO FUTSAL

Dr. Rogério da Cunha Voser

Compreender um método de ensino é pensar em caminhos e perceber


que os significados mais comuns estão relacionados à maneira de ordenar ou
organizar uma ação em busca de um objetivo. Em se tratando de esporte, o
método de ensino trata do caminho que se percorre para ensinar e inserir os
alunos/atletas em suas práticas. Porém, quem está envolvido com o processo
de ensino do esporte deve ter conhecimento de sua complexidade,
especialmente pelas relações existentes em seu contexto – aluno-bola, aluno-
espaço, aluno-alvo, aluno-companheiro, aluno-adversário, aluno-regra, entre
outras.

Segundo Graça e Oliveira (1995), existem várias formas de ensinar o


desporto, havendo variações de acordo com a corrente que se quer seguir, o
período histórico e, o mais importante, a intenção e interpretação do educador.

Nos modelos tradicionais de ensino dos jogos desportivos coletivos é


enfatizada a aprendizagem dos elementos técnicos do jogo, e estes são
apresentados e exercitados em situações descontextualizadas. Nessa
perspectiva, o domínio dos fundamentos técnicos específicos é visto como
mais importante que os elementos táticos do jogo. A este respeito, Garganta
(2002) afirma que desde os anos 60 a didática dos jogos desportivos coletivos
repousa numa análise formal e mecanicista de soluções pré-estabelecidas,
centradas no ensino através de sucessões de gestos técnicos, empregando-se
muito tempo no ensino da técnica e muito pouco ou nenhum no ensino do jogo
propriamente dito.

Para Tavares (2013), a insatisfação com as limitações decorrentes do


modelo técnico, centrado no domínio da execução, antes de passar à tática,
tem motivado a procura de abordagens alternativas. Assim, segundo o autor,
um conjunto de investigações realizadas por vários autores interessados em
demonstrar a validade do ensino do jogo, tendo a tomada de decisão como
elemento central, permitiu confirmar as críticas endereçadas à abordagem
técnica e a necessidade de contextualizar as aprendizagens baseando-se no
jogo tal qual o aluno joga.

Garganta (1995) sugere que existem diferentes formas didático-


metodológicas de ensino dos Jogos Desportivos Coletivos, decorrentes de
diversas interpretações e sofrendo a influência, de várias correntes. O autor
classifica os diferentes métodos de ensino do esporte a partir de três grupos
com características didático-metodológicas particulares:

a) Centrada nas Técnicas, onde aprendizado acontece através do ensino das


técnicas analíticas para o jogo formal;

b) Centrada no Jogo Formal, onde o aprendizado existe uma utilização


exclusiva do jogo formal;

c) Centrada em Jogos Condicionados, onde aprendizado acontece através


do jogo para situações particulares.

Voser e Giusti (2015) descrevem que com base na didática, cada professor,
partindo de diretrizes metodológicas seguras e atualizadas, pode e deve
organizar seu próprio método. O bom professor é aquele que busca
constantemente um método melhor e mais adequado para seus alunos,
respeitando a realidade, o momento e, principalmente, suas características
individuais. É importante salientar que cada método tem suas vantagens e
desvantagens, mas todos são operacionais, e nenhum é desprezível.

Jogos de inteligência tática

É muito importante que o treinador busque sempre aproximar o treino das


situações que poderão ocorrer no jogo propriamente dito. Para tanto, atividades
e jogos que estimulem os aspectos cognitivos serão fundamentais nesse
processo de treinamento.

Os jogos para o desenvolvimento da inteligência tática ou atividades


direcionadas ao desenvolvimento das capacidades táticas básicas (KRÖGER;
ROTH, 2002) tem por finalidade a compreensão da lógica do jogo, a
compreensão do jogo na sua visão tática, o que fazer para obter melhores
resultados, o que fazer para superar o adversário, e o que fazer para ganhar
uma partida e etc.
Conforme a lógica dessa proposta, para ensinar qualquer jogo desportivo
coletivo, o processo deve estar centrado nos jogos condicionados, em que, a
partir do jogo, parte-se para as situações particulares. O jogo é decomposto em
unidades funcionais (e não em movimentos técnicos) e seu desenvolvimento
ocorre de forma sistemática e com complexidade crescente.

Os jogos condicionados são jogos de regras simplificadas ou modificadas, em


que podem ser alterados o tipo de bola, o número de jogadores, as traves, as
dimensões da quadra ou se pode, até mesmo, enfatizar algum componente da
técnica ou da tática. O objetivo desses jogos é promover a compreensão dos
componentes do jogo pela prática de situações reais.

Criam-se alternativas em que a finalidade é repetir essas circunstâncias por


diversas vezes. Nesse modelo, o aluno/atleta executa e aprende os objetivos
propostos, mas também pratica o desporto futsal e suas relações, ou seja,
ataque, defesa, fundamentos técnicos, regras... (BALZANO, 2007).

Segundo Garganta (1998), são jogos voltados para o todo, nos quais as
relações das partes são fundamentais para a compreensão da atividade,
facilitando o processo de aprendizagem da técnica. As ações técnicas são
desenvolvidas com base nas ações táticas, de forma orientada e provocada.

Tem-se, como consequência dessa proposta, o aparecimento das técnicas em


função da tática (ação desencadeada em função da lógica do jogo) de forma
orientada e provocada (pelas situações de jogos) e também o surgimento da
inteligência tática, que nada mais é do que a correta interpretação e aplicação
dos princípios do jogo, por meio da viabilização criativa da técnica nas ações
do jogo.

Ressalta-se que tomar uma decisão tática significa que o atleta deve concluir: o
que fazer, porque fazer, como fazer, quando fazer, onde fazer, ou seja, com
qual gesto técnico será realizada a tomada de decisão necessária para
solucionar a tarefa ou problema que o aluno se defronta na situação.

Ora, nos jogos desportivos coletivos, o problema fundamental apresentado ao


jogador é essencialmente tático. Trata-se de resolver as situações-problema
que ocorrem durante o jogo. Essa prática tem as seguintes vantagens:
proporciona um aprendizado prazeroso, inteligente e eficaz; serve para o
aquecimento ao treino ou à aula; aprendizado do jogo através de situações
reais; trabalha o coletivo; desenvolve a parte coordenativa; estimula a tomada
de decisão; favorece a leitura do jogo; estimula a visão periférica; estimula o
cognitivo; desenvolve a técnica individual; desenvolve os aspectos táticos;
desenvolve a capacidade técnica e tática de forma simultânea e estimula o
espírito competitivo.

Tática no Futsal

O futsal é um esporte coletivo de invasão, de colaboração-oposição


(esporte sociomotor) eminentemente tático. Todo o processo de habilidade
motora visa alcançar eficiência nas ações do jogo (capacidade para resolver
problemas específicos). O jogo é uma atividade tática, onde devemos perceber
e analisar a situação do jogo, tomar decisões para resolver os problemas que
surgem e endossam tais decisões com os padrões motores certos e
convenientemente executados para alcançar a Eficiência.

Numa equipe, é a tática que permite, a partir de um conjunto


heterogêneo de elementos, criar uma unidade homogênea, fazendo emergir
características próprias da equipe que podem não refletir em absoluto as
características dos seus elementos.

Com relação a esse ponto, não podemos deixar de referenciar


Teodorescu (1984) quando afirma que o papel da tática na obtenção da vitória
cresce paralelamente ao valor das equipes em disputa, em especial quando
são sensivelmente próximas física, técnica e psicologicamente.

Ao nos referirmos à tática, é importante salientar que nos jogos


desportivos coletivos (JDC), ao longo da história, valorizaram-se fatores
diferentes: primeiro a “técnica”, posteriormente a “condição física”. Ambos
tiveram pesos significativos na eficácia do jogo.

Atualmente a tática é entendida como fator integrador e


simultaneamente condicionador de todos os outros (a técnica e a parte física),
desempenhando um papel fundamental. Assim, a formação tática no esporte,
postulada em toda a sua abrangência, seja ela individual, de grupo ou de
equipe, deve merecer uma grande atenção, não podendo, naturalmente, deixar
de ter como referência as características específicas da modalidade.
Atuar taticamente no jogo, segundo Greco e Benda (1998), implica estar
capacitado para se sobrepor às exigências desse jogo. Isso requer a
elaboração de um adequado processo de “ensino-aprendizagem-treinamento”
que contemple o desenvolvimento das capacidades táticas, pois estas
representam o meio operativo de que o atleta dispõe para obter êxito na
competição.

Nesse sentido, o treinador no preparo de sua equipe tem que sempre


levar em consideração aos três tipos de tática que seguem:

Tática individual: função que cada jogadores deve desempenhar. Envolve as


atribuições individuais, movimentos de cada jogadores em sua postura ofensiva
e defensiva.

Tática em Grupo: função estabelecida entre 2 ou 3 jogadores. Envolve as


atribuições de cobertura, apoio e dobras de marcação, linhas de passe,
tabelas, triangulações, ocupações de espaços e aberturas.

Tática coletiva: função estabelecida acima de 3 jogadores. Envolve o


planejamento para toda a equipe com objetivo de interligar e conectar as ações
do grupo.

Perguntas para a conscientização tática:

•O que eu faço quando tenho a bola?

•O que eu faço quando meu colega está com a bola?

•O que eu faço quando marco quem tem a bola?

•O que eu faço quando marco quem não tema a bola?

Princípios fundamentais do jogo

No futsal, como na maioria dos esportes em equipe, é possível identificar


duas grandes fases, nas quais as equipes perseguem objetivos antagônicos: a
fase de ataque, quando a equipe tem a posse de bola e, procurando mantê-la,
tenta criar situações de finalização e a marcação de gols, e a fase de defesa,
quando a equipe não tem a posse de bola e, procurando apoderar-se dela,
tenta impedir a criação de situações de finalização e a marcação do gol.
Em termos globais, esses princípios podem fazer parte de uma
metodologia que deve ser aplicada sobre toda a iniciação e aprendizagem,
tanto em ataque como em defesa, permeando a ideia básica de ajuda coletiva
de oposição e de cooperação.

Lembrete: o praticante deve saber o que fazer (natureza tática) para poder
resolver o problema subsequente; o como fazer, selecionando e utilizando a
resposta motora mais adequada.

O bom jogador ajusta-se não apenas às situações que vê, mas também
àquelas que prevê, decidindo em função das probabilidades de evolução do
jogo.

A seguir são elencados os princípios do jogo.

•Ataque

1- Conservar a bola.

2- Progressão e avanço dos jogadores com a bola ao gol adversário.

3- Ataque e finalização à meta contrária para conseguir o gol.

•Defesa

1- Recuperar a bola.

2- Retardar ou impedir a progressão e o avanço dos jogadores com a bola até


o gol.

3- Proteção do espaço defensivo e da meta.

De forma geral, os princípios de ataque e de defesa refletem a


preocupação de não permitir a inferioridade numérica, evitar a igualdade
numérica e procurar criar a superioridade numérica.

Os Princípios Táticos Gerais do jogo têm em vista o equilíbrio ou o


desequilíbrio de situações de igualdade, superioridade ou inferioridade
numérica, estão relacionados com as relações espaciais e numéricas, entre os
jogadores da equipe e dos adversários, nas zonas de disputa da bola. Já os
Princípios Específicos representam um conjunto de regras que orientam as
ações dos jogadores e da equipe nas duas fases do jogo (defensiva e
ofensiva), com o objetivo de criar desequilíbrios na organização da equipe
adversária.

É necessário que cada jogador, para além de tomar consciência da


superfície de campo de jogo, dos seus limites e das suas funções específicas
de base, conheça igualmente as missões dos seus companheiros e se prepare
para ajudá-los em quaisquer situações do jogo, apoiando ou assumindo as
suas funções (CASTELO, 1994).

Adaptação e iniciação tática

Como em qualquer início de uma atividade nova, é necessário um


período de adaptação. Geralmente a primeira semana de iniciação é um
período destinado à ambientação ao esporte (bola, quadra, professor, colegas,
regras). Para a criança, é um momento muito difícil, em que ela deverá sentir
um clima de afeto e segurança para que se estabeleça um bom nível de
relacionamento com o professor e os colegas. Nesse período, deve-se evitar
um grau elevado de exigências. As aulas e os treinos poderão ter tempos
reduzidos, se necessário. Nesse caso, as atividades mais indicadas serão
aquelas que possibilitam a interação do grupo, através de atividades
recreativas, de familiarização com a bola e quadra para que, mais tarde, o
aluno possa adaptar-se ao jogo.

Fases importantes nessa adaptação: eu e a bola; eu, a bola, o colega e


o espaço de jogo; eu, o colega, o adversário e o espaço de jogo.

Tem-se observado um despreparo muito grande nos professores


(treinadores) que desenvolvem o trabalho de iniciação nas escolinhas
desportivas e em equipes de menores. Talvez a ansiedade de repetir os
trabalhos realizados pelas equipes adultas, a falta de entendimento e a
percepção de que a criança tem características, interesses e necessidades
diferentes dos adultos, e a pouca referência bibliográfica sobre o trabalho tático
para crianças sejam os principais motivos desse trabalho mal orientado.

Não se pode, nessa fase inicial, obscurecer e impedir a criatividade e a


espontaneidade. Sabe-se que as idades cronológica e biológica, em geral, não
coincidem exatamente. Através de metodologias apropriadas para a criança,
temos de proporcionar o maior número possível de vivências motoras, que
incluem não só os fundamentos técnicos, mas também a liberdade de
ocupações de todos os setores da quadra, bem como o entendimento real da
concepção do jogo. É indicado, inclusive, que seja proporcionada ao jovem
iniciante a oportunidade de vivenciar todas as posições do jogo.

Observa-se, também, que muitas vezes, no trabalho técnico, é colocado


um garoto de frente para outro, exigindo que realizem uma série de tipos de
passes. Através de movimentos repetitivos e automatizados, eles conseguem
com certa facilidade, executá-los; no momento do jogo, contudo, começam a
aparecer as dificuldades.

Baseado no exposto acima proponho algumas reflexões. Será que a


tarefa proposta naquela atividade, de um de frente para o outro (na maioria das
vezes parados), corresponde a uma situação real de jogo? Na maioria das
vezes, a dificuldade do menino reside na seleção da técnica mais apropriada
para aquele tipo de situação.

Como outro exemplo, pode-se citar a condução de bola. Verifica-se que,


durante o jogo, quem conduz a bola utiliza-se, a todo o momento, de uma
variedade de tipos de condução (solado, parte interna, externa, etc.), que são
executados em velocidades diferentes, em sentidos diferentes, com proteção
da bola, dependendo do lado que vem o marcador. É preciso a cabeça erguida,
referencial de espaço da quadra e, acima de tudo, já prever qual a próxima
técnica que deverá ser executada (chutar a gol, passar, driblar, etc.).

Nenhuma técnica acontece de forma isolada durante o jogo. É


extremamente importante que se proporcione ao iniciante e ao atleta a
aquisição da leitura do jogo (compreensão da mecânica do jogo). A
consequência didática das considerações acima citadas remete à criação de
situações de aprendizagem, nas quais as crianças/alunos/atletas tenham uma
interação motora em relação ao sentido do jogo. O “jogo” é o veículo que
possuímos para implementar os conhecimentos táticos dos participantes.

Considerações Finais

A importância da inclusão do “jogo” desde o processo de iniciação


esportiva, nesse caso no contexto do futsal, se justifica pela flagrante redução
dos “jogos de rua”, “brincadeiras”, dos espaços onde a capacidade de criar e
improvisar para construir o jogo e resolvê-lo (tática) era fundamental. A
aprendizagem incidental da rua tinha uma contribuição enorme no processo de
aprendizagem motora/técnica e cognitiva/tática de nossas crianças.

Sendo assim, o contexto atual aponta para uma maior responsabilidade


do professor/treinador quanto ao planejamento e operacionalização de
processos de ensino que oportunizem o desenvolvimento do potencial de
compreensão e capacidade de resolução dos problemas impostos pelo jogo.
Para tanto, somente a experiência de “jogar” é que irá permitir tal
aprendizagem. E para jogar (a partir de diferentes configurações de jogo), é
preciso que o professor/treinador definitivamente rompa com a ideia de que a
abordagem metodológica excessivamente centrada na técnica, especialmente
em idades precoces, é o único e melhor caminho na formação de jogadores
competentes.

Por fim, espero que a partir deste referencial teórico apresentado surjam
novas perspectivas aos profissionais, incentivando-os na busca incessante do
conhecimento e por mudanças em sua prática pedagógica.
Referências

BALZANO, O.N. Metodologia dos jogos condicionados para o futsal e


educação física escolar. Porto Alegre: Ed. Autor, 2007.

CASTELO, J. Futebol: Modelo Técnico-Táctico do Jogo. Lisboa: Edições F.M.H.


da Universidade Técnica de Lisboa, 1994.

GARGANTA, J. Para uma teoria dos jogos desportivos coletivos. In: GRAÇA, A.;
OLIVEIRA, J. (Orgs.) O ensino dos jogos desportivos. Porto: Faculdade de
Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, 1995. p.11-25.

GRAÇA, A.; OLIVEIRA, J. O ensino dos jogos desportivos. Porto: Faculdade de


Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, 1995.

GRECO, Pablo Juan; BENDA, Rodolfo Novellino. Iniciação esportiva


universal: da aprendizagem motora ao treinamento técnico. Belo Horizonte:
Editora da UFMG, 1998.

KROGER, C.; ROTH, K. Escola da bola: um abc para iniciantes nos jogos
esportivos. Rio de Janeiro: Phorte. 2005.

TAVARES, F. Jogos Desportivos Coletivos: ensinar a jogar. Porto: Faculdade de


Desporto Universidade do Porto, 2013.

TEODORESCU, L. Problemas de teoria e metodologia nos jogos desportivos.


Lisboa: Livros Horizonte, 1984.

VOSER, R.C.; GIUSTI, J. G. M. O futsal e a escola: uma perspectiva pedagógica.


Porto Alegre: Penso, 2015.

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