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Apresentação de um trabalho de natureza profissional

Avaliação de Risco e Práticas de


Intervenção:
Sensibilidade a diferenças Étnicas, Culturais e de Género

Catarina Bragança Fontes da Rocha

Bragança, Dezembro de 2016


Avaliação de Risco e Práticas de Intervenção: Sensibilidade a diferenças Étnicas, Culturais e de Género

“Ela era um mistério em todos os aspetos. Era quase impossível


acreditar que aquela mulherzinha insignificante e inofensiva
pudesse ter cortado a garganta ao seu pequeno irmão em
circunstâncias de tamanha atrocidade. Sem dúvida que havia
características no seu rosto que o antropólogo criminal teria
percebido como sugestivas de criminalidade instintiva - malares
salientes, testa baixa e igualmente saliente, olhos pequenos e
fundos; mas no entanto, as suas maneiras eram cativantes e a
sua inteligência de elevado nível”.

Kate Summerscale em “As Suspeitas do Sr. Wicher”,


Bertrand Editora, 2008

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Índice

Índice....................................................................................................................3

Índice de Siglas....................................................................................................4

1. A DGRSP e o conteúdo funcional dos TSRS...................................................7

2. Avaliação do Risco e Práticas de Intervenção...............................................10

2.1 Perspetiva Histórica e Enquadramento.....................................................................10

2.2 Procedimentos e modelo de Intervenção na DGRSP..............................................15

3.Questões Étnicas, Culturais e de Género.......................................................17

4.Considerações Finais......................................................................................24

Bibliografia..........................................................................................................27

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Índice de Siglas

CBT - Cognitive Behavioral Therapy

DGRSP – Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

LS-CMI - Level of Service/Case Management Inventory

NAT- Núcleo de Apoio Técnico

OIA - Offender Intake Assessment”

SARA - Spousal Assault Risk Assessment

TSRS – Técnico Superior de Reinserção Social

YLS-CMI - Youth Level of Service/Case Management Inventory

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Introdução
O presente documento visa descrever um trabalho de natureza profissional
desenvolvido no âmbito da atividade profissional exercida enquanto Técnica
Superior de Reinserção Social na Direção Geral de Reinserção Social e
Serviços Prisionais (DGRSP), para efeitos de candidatura a provas de
obtenção do título de especialista no âmbito da área das Ciências Sociais e do
Comportamento.

Este trabalho tem como principais objetivos não só a descrição e a


contextualização do trabalho desenvolvido enquanto Técnica Superior de
Reinserção Social mas também a intervenção específica que temos na
avaliação do jovem/adulto infrator bem como as dificuldades inerentes a esta
prática. Dificuldades estas que também são sentidas na implementação de
programas de intervenção específicos.

Os Serviços de Reinserção Social portugueses (atual Direção Geral de


Reinserção e Serviços Prisionais) têm vindo ao longo dos últimos anos a
desenvolver um conjunto de procedimentos técnicos no sentido de aproximar
às práticas quotidianas dos seus Técnicos às adotadas pelos serviços
congéneres internacionais, nomeadamente os serviços de Probation1 ingleses.

Neste sentido, conceitos como avaliação de risco e necessidades


criminógenas, níveis e programas de intervenção fazem já parte da
nomenclatura utilizada diariamente nas diferentes unidades orgânicas da
DGRSP e um conjunto de práticas têm vindo a ser adotadas com o objetivo de
orientar os profissionais desta instituição, pretendendo-se desta forma uma
intervenção mais objetiva, eficiente e eficaz junto dos seus utentes.

Não obstante o mérito do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido neste
âmbito, ainda estamos numa fase embrionária. Interrogamo-nos pontualmente
se este tipo de intervenção não descura a subjetividade inerente a cada

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Nome pelo qual são usualmente designados os serviços de reinserção social na literatura anglo-
saxónica.

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indivíduo e a sensibilidade que consideramos necessária ao exercício deste


tipo de funções.

Questões como se estas escalas estarão a contemplar um conjunto de fatores


de natureza cultural e étnica, se a intervenção desenvolvida é a adequada à
redução do grau de reincidência destes indivíduos, bem como se se justifica,
numa perspetiva meramente económica os recursos despendidos numa
intervenção deste tipo em agentes de crimes de gravidade diminuta, levaram-
nos a querer aprofundar este tema.

Para cumprir estes objetivos estruturamos este trabalho em quatro partes


distintas.

Na primeira parte fazemos uma breve caracterização da Direção Geral de


Reinserção e Serviços Prisionais bem como da função de Técnico Superior de
Reinserção Social.

Em seguida, abordamos, recorrendo a consulta bibliográfica, o conceito de


Escalas de Avaliação de Risco e Necessidades Criminógenas, focando os
princípios que orientam a sua aplicação e a forma como esta avaliação
condiciona a intervenção subsequente ao nível de programas específicos junto
dos infratores. Contextualizamos depois estas práticas na nossa atividade
enquanto Técnicos Superiores de Reinserção Social.

Na terceira parte fazemos uma pequena síntese do estado da arte sobre o


tema do trabalho, expondo a opinião de diferentes autores sobre a forma como
estas escalas e programas de intervenção contemplam fatores de ordem
cultural, étnica ou de género.

Por último efetuamos uma análise crítica das dificuldades que sentimos nesta
área e traçamos algumas considerações sobre o tema explorado procurando
fornecer algumas pistas a explorar em trabalhos futuros.

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1. A DGRSP e o conteúdo funcional dos TSRS

De acordo com o Decreto-Lei nº 123, de 29 de dezembro 2011 (Lei Orgânica


do Ministério da Justiça) e o Decreto-Lei nº 215, de 28 de setembro de 2012
(que regula a sua estrutura orgânica), a DGRSP tem como principais
atribuições, na jurisdição penal, a execução de penas e medidas privativas de
liberdade e na comunidade, incluindo-se também a vigilância eletrónica, e, na
esfera da justiça juvenil, a intervenção tutelar educativa, que inclui a medida de
internamento e medidas de execução na comunidade.

A sua Missão de acordo com o Plano de atividades de 2014, centra-se no “…


desenvolvimento das políticas de prevenção criminal, de execução das penas e
medidas e de reinserção social e a gestão articulada e complementar dos
sistemas tutelar educativo e prisional, assegurando condições compatíveis com
a dignidade humana e contribuindo para a defesa da ordem e da paz social”
(Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, 2014, p. 6).

A DGRSP dispõe de unidades orgânicas cujas atribuições se centram na


execução de penas e medidas, no âmbito penal e tutelar educativos, residentes
nos serviços centrais e nos serviços desconcentrados.

Os serviços desconcertados são constituídos por estabelecimentos prisionais e


delegações regionais de reinserção que integram as equipas de reinserção
social, equipas de vigilância eletrónica e centros educativos. Dispõe ainda de
um conjunto de unidades instrumentais, que suportam o desenvolvimento da
atividade operativa.

As delegações regionais de reinserção têm como principais atribuições


assegurar o acompanhamento, monitorização e controlo da atividade operativa
realizada pelas equipas de reinserção social.

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Integram Núcleos de Apoio Técnico (Nat’s), que asseguram funções de apoio e


supervisão técnica da atividade desenvolvida pelas equipas de reinserção
social e de monitorização do cumprimento das orientações técnicas produzidas
pelos serviços centrais.

As Equipas de Reinserção Social asseguram, nas respetivas áreas territoriais


de competência, a assessoria técnica aos tribunais na fase de apoio à tomada
de decisão judicial e na execução de penas e medidas na comunidade, em
processos penais e tutelares educativos. Cobrem todo o território nacional,
numa lógica de proximidade com o cidadão.

Existem equipas de competência genérica (na área penal e tutelar educativa),


equipas de competência específica e especializada dentro na área penal e
equipas de competência especializada na área tutelar educativa.

A Equipa de Alto Trás-os-Montes tem a sede na cidade de Bragança e uma


extensão em Mirandela. É uma equipa de competência genérica que cobre as
comarcas de Alfandega da Fé, Bragança, Carrazeda de Ansiães, Macedo de
Cavaleiros, Miranda do Douro, Mirandela, Mogadouro, Torre de Moncorvo, Vila
Flor, Vimioso e Vinhais. É constituída por uma Coordenadora com formação
em Psicologia, nove TSRS com formação em Sociologia, Psicologia, Serviço
Social e Direito, dois Assistentes Técnicos e dois Assistentes Operacionais.

Aos TSRS compete de acordo com o estabelecido no anexo II do Decreto-Lei


nº 204-A/2001 de 26-07-2001 “Mediante investigação, estudo, conceção e
adaptação de métodos e processos científico-técnicos e aplicando normas e
orientações com elevado grau de qualificação e responsabilidade, desenvolver
tarefas na área operativa de reinserção social de delinquentes, prestando
assessoria técnica aos tribunais no âmbito dos processos penais e dos
processos tutelares educativos, executando medidas tutelares educativas e
medidas penais alternativas à prisão e desenvolvendo ações e projetos de
prevenção criminal, nomeadamente no domínio da prevenção da delinquência
juvenil. Neste âmbito elabora informações, relatórios, perícias e planos de

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execução de medidas decretadas pelos tribunais, presta apoio psicossocial a


crianças, jovens e adultos destinatários da ação do Instituto, supervisiona e
controla o cumprimento de obrigações, regras de conduta e tarefas ou trabalho
a favor da comunidade, assegura a ligação com o meio sociofamiliar dos
utentes e com serviços e entidades intervenientes no processo de reinserção
social e ou em ações e projetos de prevenção criminal. Desenvolve também
tarefas de assessoria técnica aos tribunais no âmbito das providências
tutelares cíveis, nos termos da legislação aplicável. Em centro educativo
assegura ainda tarefas de planeamento, execução e avaliação de programas
de despiste e orientação vocacional, de formação escolar e profissional, de
saúde, de animação sociocultural, desportivos e outros, de acordo com as suas
habilitações académicas, planeia e supervisiona a organização diária das
unidades residenciais, zela pela ordem e disciplina interna, bem como pelo
cumprimento das normas de higiene e segurança. Orienta e supervisiona o
trabalho de outros profissionais, designadamente técnicos profissionais de
reinserção social. Presta assessoria técnica de elevado grau de qualificação e
responsabilidade nas áreas da reinserção social de delinquentes e prevenção
criminal, assegurando tarefas de consultadoria, coordenação técnica e gestão
de equipamentos e programas, no âmbito das atribuições do Instituto. Quando
o exercício das suas funções implique deslocações, conduz viaturas afetas ao
serviço, desde que para tal possua habilitação legal.”

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2. Avaliação do Risco e Práticas de Intervenção


2.1 Perspetiva Histórica e Enquadramento

A compreensão dos princípios que regem a intervenção atual dos Serviços de


Reinserção Social só é possível se analisarmos historicamente a sua origem e
desenvolvimento.

A década de 70 foi marcada por um período de descrença perante o ideal


reabilitador do delinquente. Verificava-se nos meios académicos, ao nível de
políticas criminais e nos serviços de probation um ceticismo generalizado face
à possibilidade de recuperação dos agentes de comportamentos menos
normativos, baseada no argumento de que a intervenção não funcionava
porque não reduzia a delinquência, princípio que viria a ser conhecido pela
expressão inglesa “Nothing Works”. (Instituto de Reinserção Social, 2003)

“Entre os políticos esta posição era consensual, embora divergissem nas


soluções apontadas para prevenir a delinquência: a direita considerava que a
aposta deveria ser nas medidas punitivas e a esquerda enfatizava a
necessidade de mudanças sociais estruturais” (Instituto de Reinserção Social,
2003, p. 29).

Contudo, nos finais da década de 80 e na sequência de investigações


efetuadas sobre a eficácia dos programas de reabilitação, verificou-se uma
inversão desta visão pessimista, defendendo-se progressivamente e em
alternativa a perspetiva “What Works”.

A revitalização do ideal de reabilitação e o fenómeno What Works foi associada


especialmente ao trabalho desenvolvido por um conjunto de académicos e
psicólogos canadianos, Bonta, Andrews, Hoge, Zinger entre outros, a trabalhar
com população reclusa. Estes autores colocaram como principal objeção ao
argumento atribuído à ineficácia do modelo reabilitador, o facto do mesmo não
ser empiricamente fundamentado (Shaw & Hannah-Moffat, 2013).

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O seu trabalho surgiu inicialmente no final dos anos 70 em artigos editados em


revistas científicas por Paul Gendreau, Robert Ross e Don Andrews, mas muito
deste trabalho data dos anos 80 e início dos anos 90 (Shaw & Hannah-Moffat,
2013).

Estes investigadores utilizaram uma técnica específica, denominada de meta-


análise2 e reviram e avaliaram os estudos existentes, chegando à conclusão
que alguma coisa funcionava, e por este motivo tentaram verificar o que
funciona, com quem e em que contexto (Shaw & Hannah-Moffat, 2013).

Efetuaram meta-análises de um número alargado de programas entre os anos


60 e 80 na América do Norte, e argumentaram que era com certeza evidente
que certos tipos de tratamento podiam reduzir a reincidência quando
direcionados a determinado tipo particular de ofensor. Concluíram ainda que
programas baseados na Psicologia Cognitiva, eram os mais eficazes,
rejeitando os programas que se centrassem no aconselhamento individual, ou
numa perspetiva “mais clínica” (Shaw & Hannah-Moffat, 2013).

Os resultados destas meta-análises, citada por Shaw (Shaw & Hannah-Moffat,


2013), foram publicados em dois artigos em 1990 por Andrews et al. e por
Andrews, Bonta et Hoge e foram seguidos por numerosos estudos sobre este
tema.

Nas últimas décadas este grupo tem promovido, de forma ativa, a eficácia do
tratamento, baseado em princípios da psicologia cognitiva, combinados com
instrumentos de avaliação de risco/necessidades dos ofensores.

Nos anos 90 estes trabalhos começaram a influenciar a prática no sistema


prisional do Canadá e a ganhar terreno no Reino Unido, Austrália e Nova
Zelândia e a abordagem promovida pelo movimento What Works domina
atualmente os documentos penais e as políticas em vários países (Shaw &
Hannah-Moffat, 2013).

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Técnica esta que permite que os programas sejam codificados em termos das suas características, tamanho da
população tratada, conteúdo e estilo de tratamento adotado, possibilitando um maior nº de comparações em termos de
reincidência ou efeitos secundários.

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Existe desta forma uma associação intrínseca entre o recuperado ideal de


reabilitação com o debate What Works no tratamento prisional e o
desenvolvimento de uma nova geração de técnicas para avaliação do risco e
de programas de intervenções focalizados, baseados sobretudo em
abordagens cognitivo-comportamentais (Shaw & Hannah-Moffat, 2013).

Os primeiros instrumentos de avaliação do risco datam dos meados do século


XX, e eram baseados num juízo estritamente clínico formulado através de
instrumentos não estruturados e de métodos não sistemáticos. Era uma
abordagem que implicava uma tomada de decisão baseada na experiência
profissional dos clínicos, no seu poder para sintetizar e interpretar a informação
com a finalidade de produzir uma conclusão ou decisão (Guerra, 2009).

Esta abordagem foi criticada por ser considerada subjetiva, mas tinha como
vantagem permitir ao psicólogo clínico tornar as avaliações flexíveis, dado que
levavam em linha de conta as especificidades de cada caso. A principal
limitação desta perspetiva, que foi a adotada até à década de 70, foi o facto de
não se poder replicar nas mesmas condições, já que seria extremamente difícil
(Shaw & Hannah-Moffat, 2013; Instituto de Reinserção Social, 2003; Bonta,
LaPrairie, & Wallce-Capretta, 1997; McGrath, 2008) a dois psicólogos
chegarem exatamente às mesmas conclusões numa avaliação clínica não
estruturada.

Nas décadas de 70 e 80 e na sequência dos estudos efetuados na área da


criminologia (movimento What Works) foram introduzidos métodos atuariais
tendo em vista colmatar as várias limitações apresentadas pela chamada “1ª
geração de instrumentos de avaliação de risco”, no sentido de conferir a estes
instrumentos maior validade científica e possibilidade de replicação, estes fora,
denominados pela 2ª geração de instrumentos de avaliação de risco.

“A abordagem atuarial detém um conjunto de regras pré-determinadas e


explícitas de tomada de decisão estatisticamente derivadas, que permitem a
formulação de um juízo final” (Dawes et al. 1989 citado por (Guerra, 2009)).

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Os instrumentos atuariais contêm preditores cuja validade empírica tem que ser
demonstrada anteriormente à sua utilização, isto é durante o processo de
construção e validação do instrumento. Estes instrumentos consideram itens
individuais, em relação aos quais já foi demonstrado que aumentam o risco de
novas agressões.

Esta abordagem apresentava e apresenta contudo algumas limitações, uma


vez que a maioria dos itens se centra na história criminal e mesmo os itens de
natureza comportamental são igualmente de carácter histórico, isto é, são itens
considerados como estáticos ou fatores de risco imutáveis, facto que leva a
que não seja contemplado a probabilidade de um indivíduo diminuir os seus
fatores de risco. Apesar de tudo esta abordagem permite uma maior replicação
das avaliações obtidas do que as obtidas com a utilização de instrumentos de
primeira geração (Guerra, 2009).

De forma a ultrapassar estas limitações surgiu a chamada “3ª geração de


instrumentos de avaliação de risco – O Juízo Profissional Estruturado”. Estes
instrumentos apresentam como maior vantagem a inclusão de fatores de risco
dinâmicos (necessidades criminógenas), os quais podem variar ao longo de
diversos momentos de avaliação, “fornecendo ao avaliador informações muito
importantes acerca da subida ou descida dos níveis de risco e
consequentemente, dos perfis de risco dos agressores” (Bonta & Wormith,
2007 citados por (Guerra, 2009)).

Esta 3ª geração de instrumentos de avaliação, porque é sensível às mudanças


que vão ocorrendo nos agressores, fornece ao mesmo tempo às equipas
técnicas a informação necessária sobre as necessidades que devem ser alvo
de programas de intervenção. Estes métodos “colocam a ênfase na gestão do
risco por oposição à predição do risco, têm uma ligação objetiva com a
avaliação, a tomada de decisão e o tratamento, há um elevado grau de controlo
sobre os indivíduos após a avaliação inicial e têm uma forte implicação para a
planificação e para o tratamento” (Dolan & Dole, 2000 citado por (Guerra,
2009)).

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Mais recentemente surgiram alguns instrumentos que são por alguns


considerados uma “4ª geração de instrumentos de avaliação de risco”. Estes
foram concebidos de forma a integrar o processo de gestão de risco, a seleção
dos métodos e objetivos a atingir no tratamento e a avaliação do tratamento.
São contudo ainda muito recentes não existindo grande número de publicações
sobre a sua validade e fidelidade.

A evolução dos instrumentos de avaliação de risco/necessidades tem sido


acompanhada por um crescente desenvolvimento de programas específicos
que visam a intervenção nas necessidades diagnosticadas (principio das
necessidades), com o objetivo último de diminuir o risco de reincidência do
ofensor.

Estes programas são normalmente de cariz cognitivo-comportamental, uma vez


que as investigações desenvolvidas, sobretudo pelos investigadores
canadianos que promoveram a utilização de instrumentos de avaliação de risco
atuariais, sugerem que, este tipo de programas serão os mais eficientes e
eficazes na redução do risco dos ofensores.

Estes programas focam os antecedentes do crime e as escolhas feitas pelo


ofensor com o objetivo de o transformar num sujeito prudente e normativo que
faz boas escolhas. Focam os padrões de pensamento que parecem estar
associados com a probabilidade de voltar a transgredir. Usam grupos restritos
e controlados e são hoje em dia utilizados grandemente em prisões, em
acompanhamentos e intervenções comunitárias em vários países.

Os manuais dos programas cognitivo-comportamentais elaborados pelos


investigadores canadianos foram traduzidos em cinco línguas e os programas
são utilizados em 10 países (Kendall 2002: 191 – 2 citado por ( (Shaw &
Hannah-Moffat, 2013)).

Em suma, os princípios do movimento What Works levaram a que nas últimas


décadas se tenha verificado um desenvolvimento significativo nos métodos de
avaliação do risco pelo que os instrumentos que se utilizaram até aos anos 70

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são hoje vistos como métodos de classificação subjetivos e discricionários,


tendo sido substituídos por ferramentas “objetivas” e medições atuariais que
criam respostas estandardizadas e perfis de risco derivados da pesquisa em
grandes amostras da população. Estas ferramentas são vistas como sendo
eliminadoras da arbitrariedade na tomada de decisão, levando a uma
classificação mais eficiente e imparcial e mais racional que a intuição.
Argumenta-se que estas ferramentas são melhores na predição do risco e
reincidência que as medidas anteriores (Shaw & Hannah-Moffat, 2013).

Em paralelo tem-se verificado o desenvolvimento de programas de intervenção


focalizados nas necessidades identificadas no infrator, programas que se
centram sobretudo em intervenções ao nível das competências cognitivo -
comportamentais, já que a evidência parece apontar que estas serão áreas que
deverão ser trabalhadas de forma a reduzir o risco de reincidência.

2.2 Procedimentos e modelo de Intervenção na DGRSP

Se há alguns anos atrás, as funções desenvolvidas pelo Técnico Superior de


Reinserção Social (TSRS) se baseavam sobretudo no seu bom senso, na
experiência adquirida ao longo dos anos e no conjunto de boas práticas
instituídas nestes serviços, presentemente espera-se que o Técnico Superior
de Reinserção Social siga rigorosamente um conjunto de procedimentos
estabelecidos em manuais próprios, procedimentos estes que têm vindo a ser
desenvolvidos, muitas das vezes em articulação com a comunidade científica,
e que procuram basear-se nas práticas que sabemos que funcionam neste tipo
de intervenção de acordo com os postulados do movimento What Works.

O modelo de intervenção adotado atualmente pela DGRSP baseia-se no


pressuposto de que a intervenção diferenciada junto dos delinquentes é a que
tem maior probabilidade de ser eficaz no sentido da redução da reincidência e
segue o modelo Risco-Necessidades-Responsividade (RNR) desenvolvido por

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Andrews, Bonta e Hoge que enuncia um conjunto de princípios comuns às


intervenções que têm resultados favoráveis na redução da reincidência criminal
(Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, 2016).

Os princípios postulados pelo Modelo RNR podem ser sintetizados da seguinte


forma:

 Princípio do Risco: a intensidade da Supervisão deve ser proporcional


ao nível de risco que o delinquente apresente;
 Princípio da necessidade: A intervenção deve dirigir-se à redução das
necessidades criminógenas específicas do indivíduo e à promoção dos
fatores de proteção;
 Princípio da responsividade: A intervenção deve ser baseada em
métodos comprovadamente eficazes (estratégias cognitivas
comportamentais, baseadas em princípios de aprendizagem social); a
intervenção deve ser adequada à capacidade de resposta do individuo.

A adesão a estes princípios tornou necessário e indispensável a existência de


um sistema de avaliação do risco do infrator/condenado, sobre as suas
necessidades criminógenas e sobre os fatores que podem condicionar a sua
responsividade. (Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, 2016)

Desta forma, grupos de trabalho específicos, de acordo com as diferentes


áreas de intervenção, têm revisto nos últimos anos a bibliografia existente e
aferido para a população portuguesa Instrumentos de Avaliação de Risco,
como o SARA para indivíduos indiciados por crimes de violência doméstica, o
YLS-CMI para jovens agressores e o LS-CMI para adultos. (Direção Geral de
Reinserção e Serviços Prisionais, 2016; Pimentel, Quintas, Fonseca, & Serra,
2015). Foram também criados programas específicos para problemáticas
específicas como a Violência Doméstica e crimes rodoviários, entre outros.

Na atividade desenvolvida enquanto Técnica Superior de Reinserção Social na


Equipa de Alto Trás-os-Montes estamos habilitados e utilizamos atualmente na

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área Tutelar Educativa nas fases pré e pós sentencial a versão portuguesa do
Youth Level of Service/Case Management Inventory (YLS/CMI).
O YLS/CMI é um instrumento de avaliação do risco e das necessidades
criminógenas de quarta geração, que avalia o risco de reincidência criminal,
identifica as necessidades criminógenas e guia a gestão de casos de jovens
delinquentes. (Pimentel, Quintas, Fonseca, & Serra, 2015)

Na área penal utilizamos o Level of Service/Case Management Inventory


(LS/CMI) que “…é um sistema de avaliação e gestão de risco/necessidades
dirigido à criminalidade em geral que foi especificamente desenhado em torno
do modelo Risco-Necessidades-Responsividade…”. (Direção Geral de
Reinserção e Serviços Prisionais, 2016, p. 14)

Com base na avaliação efetuada através destes instrumentos identificamos o


risco, as necessidades criminógenas, os fatores de proteção e os fatores de
responsividade do jovem/adulto, o que nos permite a sua subsequente
classificação consoante o nível de risco/necessidades e posterior definição do
grau de supervisão/tipo de intervenção a seguir bem como o enquadramento
em programas específicos.

3.Questões Étnicas, Culturais e de Género

Após termos abordado de uma forma genérica o conceito de Escalas de


Avaliação de Risco/Necessidades Criminógenas e as intervenções
subjacentes, iremos nesta segunda parte do trabalho, explorar o tema a que
nos propusemos inicialmente, isto é verificar o que é que a literatura existente
nos diz sobre a forma como estes instrumentos de avaliação e intervenções
decorrentes, contemplam na sua aplicação fatores relacionados com o contexto

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cultural e proveniência étnica dos ofensores bem como as diferenças ao nível


de género.

Na pesquisa bibliográfica que efetuamos conseguimos encontrar alguns


autores que abordam este tema, nomeadamente no que concerne à
intervenção junto de mulheres ofensoras, aborígenes canadianos e nativos
norte americanos que passaremos a expor sucintamente.

Bonta, LaPrairie e Wallace–Capretta (Bonta, LaPrairie, & Wallce-Capretta,


1997) falam especificamente sobre esta questão.

Estes autores desenvolveram uma pesquisa sobre se um determinado


instrumento de avaliação de risco/necessidades, o “Manitoba Risk-Needs
Scale”, poderia ser aplicado e ter validade preditiva numa amostra de
população ofensora aborígene, uma vez que foi concebido e aferido, tendo por
base uma amostra de população não aborígene.

Apesar de reconhecerem a pouca investigação sobre este tema, facto que


levaria a alguma resistência em aplicar este tipo de instrumentos de avaliação
de risco em ofensores aborígenes, estes autores consideraram, como ponto de
partida para esta investigação, o facto de existirem algumas evidências de que
a história criminal e as variáveis preditivas da reincidência são idênticas para a
população não aborígene e a aborígene.

Curiosamente este estudo além de contemplar amostras de indivíduos não


autóctones e autóctones também diferenciou a amostra de aborígenes em três
subgrupos, já que para estes investigadores a categoria de aborígenes não é
homogénea, pelo que sentiram a necessidade de distinguir três tipos de
aborígenes de acordo com o seu local de residência à data de reclusão
(inseridos em reservas, que já estiveram integrados em reservas ou que nunca
viveram em reservas).

A maior conclusão encontrada neste estudo foi a de que o instrumento,


desenvolvido originalmente tendo por base uma amostra de ofensores não
aborígenes, demonstrou validade preditiva quando utilizado em ofensores

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aborígenes, não obstante algumas diferenças encontradas nos três subgrupos


aborígenes criados, pelo que os investigadores concluem que os fatores de
risco dos infratores serão similares, independentemente da sua cultura e
origem racial.

Assim sendo, estes autores acabam por salientar que os fatores de natureza
racial e étnica, não põem em causa a lógica preditiva deste instrumento de
avaliação, ressalvam contudo que estes podem e devem ser considerados
como fatores de responsividade, isto é, que estes fatores podem condicionar a
forma como os diferentes ofensores aderem aos programas e tratamentos
propostos após a avaliação do seu grau de intervenção.

As conclusões deste estudo parecem ser reforçadas por um trabalho de


Michael P. McGrafh (McGrath, 2008) que descreve a implementação de
programas de intervenção baseados em terapias cognitivo-comportamentais
(Cognitive Behavioral Therapy - CBT) num distrito rural do norte do Dakota, em
que mais de metade da população é nativa americana.

Neste artigo, o autor refere que embora a bibliografia académica ofereça às


equipas de intervenção (Correctional Agency) um conjunto vasto de testes
empíricos e intervenções específicas com o objetivo de reduzir a reincidência
do infrator, cada equipa enfrenta a difícil tarefa de implementar estes
instrumentos e programas em áreas de intervenção com características e
composições particulares, pelo que para este autor as intervenções têm que
considerar as diferenças étnicas e culturais.

Com base neste argumento, descreve a experiência efetuada com o intuito de


adaptar programas de cariz cognitivo-comportamentais a uma população
específica de infratores residentes numa zona rural do norte de Dakota com
características específicas não só de origem étnica (crenças e valores
específicos dos nativos americanos) como de natureza geográfica e cultural:
distância física, isolamento, falta de recursos e forte coesão social. Concluindo
sumariamente que esta experiência demonstrou, ao nível da avaliação da
implementação dos programas e estratégias adotadas, resultados positivos e

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promissores pelo que se deverá continuar a apostar na adaptação de


estratégias de intervenção específicas de acordo com as características
culturais e étnicas da população alvo de intervenção (McGrath, 2008).

Os trabalhos até agora abordados, defendem ou partem da assunção de que


os instrumentos de avaliação de risco têm validade preditiva quando aplicados
a populações ou grupos específicos, pelo que as diferenças étnicas, culturais
devem apenas ser contempladas como fatores de responsividade aos
programas de intervenção, isto é deverão apenas ser tidas em conta na fase
em que procuramos através de programas específicos ir de encontro às
necessidades criminógenas (fatores dinâmicos) identificadas, já que poderão
fazer a diferença na adesão ao tratamento por parte dos infratores e desta
forma alterar a sua probabilidade de reincidência.

Contudo, outros autores como Shaw (Shaw & Hannah-Moffat, 2013) vão mais
longe na sua crítica à validade preditiva dos instrumentos de avaliação de
risco/necessidades criminógenas, já que consideram que esta pode estar a ser
posta em causa pela forma como estes instrumentos são desenvolvidos e
aplicados.

Este artigo da autoria de Shaw e Hannah–Moffat foi publicado no livro “What


Matters in Probation” e lança um conjunto de questões que nos parecem
relevantes para a compreensão do tema em análise.

Tendo como base um estudo das implicações da aplicação de uma escala de


avaliação de risco/necessidades, “Offender Intake Assessment” (OIA) em
mulheres reclusas em prisões federais canadianas e a revisão de um conjunto
de estudos que tratam este tema, estes autores levantam questões sobre a
corrente vaga de instrumentos de avaliação de risco/necessidades dos
ofensores bem como dos programas cognitivo-comportamentais.

Questionam os pressupostos teóricos, metodológicos e éticos da pesquisa e


práticas desenvolvidas numa disciplina académica, que segundo estes é
baseada em meta-análises de populações maioritariamente masculinas.

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Para estes autores a literatura e práticas subsequentes ignoram e desvalorizam


os efeitos do género e diversidade, ou os constrangimentos sociais e
económicos da vida dos ofensores.

Começam por abordar a subjetividade da natureza do risco, explicando que as


práticas de avaliação e classificação baseiam-se em construções de condutas
subjetivas e que não têm por base o género e/ou raça e que requerem que
quem as aplique faça um julgamento moral sobre os comportamentos
passados e prováveis comportamentos futuros dos ofensores, apreciação esta
que representa os valores morais e as referências estandardizadas do homem
de classe média caucasiano.

Desta forma ao utilizarmos estes critérios para avaliar todos os ofensores sem
exceção em relação ao seu género ou raça, podemos reproduzir desigualdades
sociais e algumas injustiças em determinados grupos sociais.

Alertam ainda que o grau de risco ou perigosidade de um infrator pode ser


influenciado pela forma como este indivíduo é tratado pelo próprio sistema
prisional, pelo que o clima de uma instituição e os sistemas de suporte
disponíveis poderão ser maneiras mais importantes para reduzir o risco do que
contar com as melhores ferramentas e programas (Shaw & Hannah-Moffat,
2013).

Assim, para estes autores a noção de risco é subjetiva uma vez que a cultura
dominante e as regras/normas relativas ao género e raça condicionam os
pontos de vista dos técnicos que aplicam os instrumentos de avaliação, mesmo
quando estes receberam treino específico para não o fazer, e a intervenção
dos agentes institucionais, pelo que as avaliações efetuadas não serão assim
tão objetivas e consistentes como os promotores destas escalas advogam já
que dependem fortemente de juízos clínicos, bem como não-clínicos sobre um
infrator.

A postura crítica destes autores, não se resume contudo à forma como estes
instrumentos são aplicados. Estes consideram ainda que os instrumentos de

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avaliação de riscos/necessidades tais como o OIA não foram desenvolvidos


especificamente para avaliar mulheres ou minorias étnicas e culturais.

Para estes investigadores, este é um aspeto especialmente crítico uma vez que
as características das mulheres e das minorias étnicas e culturais são
diferentes das da população prisional masculina caucasiana e que as tentativas
de contemplar estas características se resumem frequentemente à adição de
um conjunto específico de fatores preditivos do risco às listas estandardizadas,
facto que é contrário ao que a pesquisa sobre o género sugere, já que esta
operação não reflete as diferenças entre homem e mulher, uma vez que não
desafiam a lógica masculina e não contemplativa das questões étnicas e
culturais inerentes à construção das escalas.

Defendem que apesar de haver poucos estudos sobre ofensoras, a evidência


sugere que a natureza da ofensa feminina é qualitativamente diferente da
masculina, mesmo em situações semelhantes. As atividades criminais nas
quais as mulheres se envolvem, o seu percurso até ao crime, os seus padrões
de adaptação institucional e os seus riscos de fuga são diferentes.

Por estes motivos tudo levará a crer que o crime é uma atividade fortemente
condicionada pelo género e que as motivações para o crime, o contexto da
ofensa e o acesso a oportunidades para delinquir, bem como as respostas em
meio prisional, são moldadas por diferenças entre a vida dos homens e das
mulheres.

Para estes autores este problema aumenta quando consideramos as


diferenças étnicas e culturais, uma vez que se pouco se sabe sobre mulheres
ofensoras, menos se sabe ainda sobre as diferenças qualitativas entre
mulheres brancas e não brancas, apesar de, também neste ponto, haver
algumas investigações e relatórios governamentais, como por exemplo o
Arbour Report de 1996, que sugerem que as necessidades particulares destes
grupos são frequentemente desvalorizadas e que estas experienciam diversas
formas de racismo direto e sistemático e descriminação.

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Por último este artigo faz também referência ao crescente desenvolvimento de


programas de intervenção de cariz cognitivo – comportamental, tendo em vista
a diminuição do risco de reincidência avaliado.

Para Margaret Shaw e Kelly Hannah-Moffat (Shaw & Hannah-Moffat, 2013), a


lógica que suporta os modelos de tratamento também não contempla ao
contexto social e questões étnicas ou de género, dado que estes programas
são construídos tendo como base um estereótipo de ofensor. Isto é, o ofensor
é visto como alguém problemático que falhou na aquisição das competências
necessárias, pelo que estas pesquisas ignoram os contextos sociais mais
alargados do crime, privilegiando uma intervenção junto das características
individuais do ofensor (competências cognitivas e comportamentais).

Por outro lado e mais uma vez, as avaliações sobre a eficácia destes
programas são baseadas em estudos que incidem sobre a população prisional
masculina e o problema de género e diversidade é visto como ultrapassável
pelo ajustamento do conteúdo do programa (Gorman, 2001 citado por (Shaw &
Hannah-Moffat, 2013)), lógica esta que é compreensível uma vez que ambos
as técnicas de avaliação de necessidades/risco e os programas cognitivos
assumem uma personalidade criminal geral que transcende o género, a raça, o
grupo étnico e o estatuto socioeconómico.

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4.Considerações Finais

No presente trabalho procuramos caracterizar e contextualizar o trabalho


profissional desenvolvido enquanto Técnicos Superiores de Reinserção Social
na Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, numa área cujos
procedimentos e técnicas têm vindo a sofrer alterações significativas nos
últimos anos, como reflexo da evidência científica.

O modelo RNR adotado nas últimas décadas pela DGRSP e os subsequentes


instrumentos de avaliação de risco, bem como os programas de intervenção
desenvolvidos constituem ferramentas valiosas no sentido de garantirem uma
intervenção mais fundamentada e direcionada às reais necessidades dos
ofensores, com reflexos positivos na sua reinserção

Contudo estes procedimentos suscitam-nos, não obstante a sua utilidade,


algumas dúvidas sobre a sua adequação à nossa realidade específica, uma
vez que estamos integrados numa zona rural, de baixa densidade populacional,
com uma população envelhecida, cujos valores e tradições diferem das
populações de zonas mais urbanas, fatores que por vezes parecem
condicionar o nível de risco e grau/adequação da intervenção subsequente
indicado pelas escalas utilizadas.

Também na aplicação destas escalas a indivíduos de outras etnias, como por


exemplo os pertencentes à etnia cigana a avaliação efetuada enquadra-os
muitas vezes num grau de intervenção intensiva, já que o conjunto de itens
analisados (história de vida, condições atuais de subsistência, grau de
envolvimento em atividades convencionais, etc.) obtêm normalmente uma
frequência muito elevada. Esta população é uma daquela na qual, no nosso
quotidiano enquanto TSRS sentimos mais dúvidas sobre a forma como intervir.
Isto porque, e especialmente no caso de intervenções junto de menores
infratores, nos parece por vezes que todas as indicações/orientações dadas
são substancialmente diferentes das recomendadas pelos seus progenitores e

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grupo de pares, já que não parecem respeitar os valores e costumes


defendidos por esta etnia.

Os programas propostos também nos parecem, por vezes pouco ajustados à


realidade da equipa em que trabalhamos, já que a população-alvo da nossa
intervenção apresenta baixo nível de literacia e está dispersa geograficamente,
facto que condiciona a implementação dos programas de cariz
cognitivo/comportamentais propostos.

Na revisão bibliográfica que efetuamos não encontramos literatura específica


sobre a aplicação de Escalas de Avaliação de Risco a indivíduos de etnia
cigana. Foi no entanto possível constatarmos que alguns autores abordam as
questões relativas à sensibilidade destas escalas (bem como das práticas de
intervenção subsequentes) às diferenças culturais, étnicas e de género.

A literatura revista evidenciou que este é um assunto que não é simples e que
envolve diversas variáveis, que incluem não só a forma como os instrumentos
de avaliação de risco são desenvolvidos, mas também os condicionalismos
inerentes à sua aplicação e os princípios que regem o desenvolvimento de
programas de intervenção estruturados, condicionados fortemente pela
avaliação de risco efetuada. Destacando-se duas perspetivas:

 A primeira, que defende que os instrumentos de avaliação de risco não


perdem a sua validade preditiva quando aplicados a populações ou
grupos específicos e que as diferenças étnicas, culturais e de género
devem apenas ser contempladas como fatores de responsividade nos
programas de intervenção.

 E uma segunda que considera que a lógica que rege a elaboração dos
instrumentos de avaliação de risco/necessidades dos ofensores é por si
só reprodutora de fatores de estigmatização social, já que se baseia em
estudos efetuados em população branca e masculina, não conseguindo
desta forma contemplar os fatores de risco/necessidades presentes na
população feminina e diferentes grupos minoritários. Esta abordagem

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também considera que os próprios programas de intervenção seguem a


mesma lógica de desenvolvimento, marcada por uma neutralidade ao
nível de género, proveniência étnica e contexto sociocultural, facto que
condiciona a avaliação da eficácia dos mesmos em grupos minoritários.
Por outro lado referem ainda que a incidência destes programas no
desenvolvimento de competências cognitivo-comportamentais dos
ofensores, leva a que o contexto social de existência dos mesmos seja
desprezado.

Os autores de ambas as perspetivas consideram, contudo que este é um tema


que deverá ser objeto de futuras investigações, dado a pouca evidência
existente sobre o mesmo.

Enquanto TSRS a procura de formas de intervenção mais eficazes junto da


população com a qual trabalhamos parece-nos essencial e a abordagem deste
tema neste trabalho possibilitou-nos uma reflexão sobre os procedimentos que
utilizamos diariamente. Consideramos que a adoção de Escalas de Avaliação
de Risco pela DGRSP não é questionável. A questão deverá ser quais as
escalas a utilizar e se neste momento as que temos contemplam e são
sensíveis a populações especificas.

A atuação dos serviços nesta área terá que passar, na nossa opinião
necessariamente pela procura de novas respostas, continuando a desenvolver
Instrumentos de Avaliação e Programas de Intervenção em articulação com a
Comunidade Cientifica, que sejam mais sensíveis e contemplem as variáveis
que salientamos, como condição indispensável a uma intervenção eficaz junto
do infrator, uma vez que o contexto aonde o mesmo está inserido e os valores
que preconiza (bem como os que lhe são próximos), não podem ser
descurados, porque não só, poderão condicionar a avaliação de risco como
toda e qualquer intervenção subsequente, pondo em risco o objetivo último de
reinserção do ofensor.

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