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All content following this page was uploaded by Rodrigo Nunes Ferreira on 31 March 2021.
Resumo
Entre as novidades trazidas pelo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil
(MROSC) está a exigência de especificação de indicadores, ou variáveis de resultado, nos
planos de trabalhos das parcerias. Trata-se de uma mudança de paradigma na relação entre o
Estado e as OSCs, ao priorizar os resultados da parceria e não o controle burocrático dos atos
praticados, na busca de maior qualidade e efetividade dos serviços prestados à sociedade. O
artigo oferece um referencial teórico/conceitual aos gestores e técnicos envolvidos na
elaboração e na avaliação dos planos de trabalhos, em especial dos termos de colaboração, com
o objetivo de contribuir com o aprimoramento do desenho das parcerias. Apresenta-se uma
breve revisão da literatura sobre os usos dos indicadores e seus limites, bem como os principais
conceitos envolvidos nos processos de monitoramento e avaliação de políticas públicas.
Também é apresentado um breve resumo das novas exigências da Lei 13.019/2014 para as
atividades de monitoramento e avaliação dos resultados das parcerias. Por fim, destaca-se como
exemplo o referencial conceitual utilizado pela PBH no monitoramento do Contrato de Metas
e Desempenho, que pode servir de modelo para o desenvolvimento de documentos de
orientação na elaboração dos planos de trabalho das parcerias.
*
Doutor em Geografia pelo Instituto de Geociências da UFMG; Gerente de Indicadores na Secretaria Municipal
de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de Belo Horizonte. rodrigo.nf@pbh.gov.br
Abstract
Among the innovations brought by the Regulatory Framework of Civil Society Organizations
(MROSC) is the requirement to specify indicators or outcome variables in the work plans of
the partnerships. It is a paradigm shift in the relationship between the State and CSOs,
prioritizing the results of the partnership and not bureaucratic control of the acts practiced, in
the quest for greater quality and effectiveness of the services rendered to society. This article
offers a theoretical / conceptual reference to the managers and technicians involved in the
elaboration and evaluation of the work plans, especially the terms of collaboration, with the
objective of collaborating with the improvement of the design of the partnerships. It presents a
brief review of the literature on the uses and limits of indicators, as well as the main concepts
involved in the processes of monitoring and evaluation of public policies. Also presented is a
brief summary of the new requirements of Law 13,019/2014 for the activities of monitoring
and evaluation of the results of the partnerships. Finally, the conceptual reference used by PBH
in the monitoring of the Performance and Goals Contract is an example, which can serve as a
model for the development of guidance documents in the elaboration of the work plans of the
partnerships.
1
O texto deste item reproduz parte de um capítulo da tese de doutorado do autor (FERREIRA, 2017).
isso a analogia proposta por Jean-Louis Besson (1995, p. 41), ao considerar o indicador como
uma figura de linguagem, uma sinédoque, pela qual a parte substitui o todo. Na concepção
empirista, cabe ao indicador mensurar a manifestação dos efeitos sensíveis do fenômeno
imaterial. Segundo Durkheim (1999, p. 31), para proceder tanto a classificação quanto a
comparação de fenômenos que não se prestam à observação exata e nem à medida, é necessário
“substituir o fato interno que nos escapa por um fato externo que o simbolize e estudar o
primeiro através do segundo”.
Segundo Milléo (2005, p. 98-99), nossa atual percepção sobre os usos possíveis dos
indicadores foi profundamente influenciada pela abordagem utilitarista prevalecente na
economia e em escolas do pensamento sociológico, como Escola de Chicago. Essas correntes
do moderno pensamento social influenciaram decididamente as escolhas através do qual o
social passou a ser estudado na ótica dos indicadores, como também a matriz de pensamento
que orienta a análise baseada em estatísticas. Focada numa análise consequencialista das
variáveis escolhidas para delimitarem o resultado das ações que visam o desenvolvimento
social, com pouca atenção dada às variações internas às unidades territoriais avaliadas. Outro
ponto destacado por Milléo está e dificuldade em lidar com temas como democracia3,
participação social e liberdade.
Se um por um lado a ‘matematização’ tem seus limites, pois, para usar um jargão muito
comum na área, nem tudo que pode ser contado conta e nem tudo que conta pode ser contado.
2
Bourdieu e seus colegas explicam sua posição da seguinte forma: “os que estão à espera de milagres a partir da
tríade mítica – ‘arquivos’, ‘data’ e ‘computers’ - ignoram o que separa esses objetos construídos que são os fatos
científicos (coletados por questionário ou inventário etnográfico) dos objetos reais que são conservados nos
museus e que, pela sua "excessiva concretude", oferecem à interrogação ulterior a possibilidade de construções
indefinidamente renovadas. Por esquecermos essas preliminares epistemológicas, ficamos expostos a tratar
diferentemente o idêntico e de uma forma idêntica o diferente, comparar o incomparável e deixar de comparar o
comparável, pelo fato de que, em sociologia, os "dados", até mesmo os mais objetivos, são obtidos pela aplicação
de grades (faixas etárias, de remuneração, etc.) que implicam pressupostos teóricos e, por esse motivo, deixam
escapar uma informação que poderia ter sido apreendida por outra construção dos fatos” (BOURDIEU et. al.,
2002, p. 49-50)
3
A observação do autor deve ser relativizada. Algumas iniciativas tentam superar o desafio de mensuração do
grau de democracia em determinada sociedade, como a proposta de indicadores apresentada por Saward (1994) e
as pesquisas do grupo inglês Democratic Audit (WILKS-HEEG, BLICK, CRONE, 2012).
Por outro lado, também é preciso entender que na sociedade moderna os indicadores são
elementos constitutivos das leituras intersubjetivas dos fenômenos sociais. “Os indicadores
econômicos e sociais não são apenas reflexos passivos dos fenômenos que pretendem resumir.
Eles também fazem parte daquilo que organiza nossas molduras cognitivas, nossa visão de
mundo, nossos valores, nossos julgamentos” (GADREY; JANY-CATRICE, 2006, p. 24).
Embora seja crescente no setor público brasileiro a importância dada às três dimensões
do desempenho mais tradicionais (eficiência, eficácia e efetividade), ainda são incipientes as
iniciativas de avaliação da satisfação dos usuários de serviços públicos (BRASIL, 2013). Mas
novos parâmetros regulatórios têm exigido uma mudança de postura dos gestores públicos,
como a Lei 13.460/17, que estabelece a necessidade de avaliação da satisfação do cidadão com
os serviços disponíveis na Carta de Serviços, e a própria Lei nº 13.019/2014, ao recomendar ao
gestor público a aplicação de pesquisa de satisfação dos usuários com os serviços prestados
pelas OSCs. As pesquisas de satisfação têm origem, inspiração técnica e metodológica no setor
privado, mas, dada a complexidade e a natureza dos serviços prestados pelas organizações
governamentais, e suas parcerias da sociedade civil, as metodologias devem ser adaptadas ao
contexto do serviço público. Reconhecer que a satisfação do usuário é importante componente
da avaliação dos serviços prestados pelo Estado é uma atitude de valorização da cidadania.
Deve-se compreender o usuário como um sujeito de direito e, como tal, deve se escutado no
momento de especificação dos serviços a serem prestados, seja para se levantar as expectativas
do público alvo, ou para avaliar a satisfação com a qualidade de prestação do serviço. Supera-
se dessa forma visões arcaicas que, muitas das vezes, compreendem o serviço público,
notadamente os sociais, como um favor, e não como um direito do cidadão.
3.2 - Definição e seleção de indicadores
Além de seguir o roteiro acima sugerido, a literatura recomenda que cada indicador
candidato à seleção deve ser avaliado segundo algumas características desejáveis, dentre as
quais as mais relevantes são4:
4
A lista das características desejáveis é baseada nas recomendações de diversos autores, em especial Jannuzzi
(2001, 2005), Armijo (2011) e Bonnefoy e Armijo (2005). Essas recomendações gerais para a seleção de
indicadores de desempenho também são resumidas no acrônimo SMART (em inglês): específicos (specific),
mensuráveis (measurable), atribuíveis (attributable), realistas (realistic) e direcionados (targeted) (GERTLER et
al., 2018, p. 47).
a) Validade/Relevância: deve ser útil no sentido de possibilitar a avaliação da estratégia
articulada pelo programa para solucionar o problema, sendo, por isso, coerente com o objetivo
do programa e sensível às suas ações;
b) Confiabilidade: o indicador deve ser apurado de tal forma a inspirar segurança sobre
metodologia de coleta de dados e de seu cálculo, e todos os procedimentos utilizados devem
ser auditáveis (importância dos registros/memória de cálculo);
c) Simplicidade: a informação disponibilizada pelo indicador deve ser facilmente
compreensível pelos gestores e pelos beneficiários;
d) Viabilidade: o indicador deve ser passível de mensuração, o órgão responsável deve ter
condições reais de apurá-lo, observando, quando necessário, os eventuais custos para a coleta
dos dados e cálculo do indicador;
e) Tempestividade: os indicadores devem ser apuráveis em tempo oportuno para informe
nos relatórios de monitoramento.
Embora sejam importantes aspectos a serem observados na seleção de indicadores, na
prática do monitoramento de projetos sociais é raro encontrar indicadores que atendam a todos
estes atributos. Nem sempre o indicador de maior validade é o mais confiável; o mais confiável
é o mais simples ou inteligível; o mais claro é o mais sensível; e, muitas vezes, quando o
indicador reúne todas estas qualidades, não é passível de ser obtido na abrangência requerida,
territorial ou populacional, e na periodicidade necessária. Por isso, o processo de seleção de
indicadores no monitoramento de programas e projetos no setor público, e em projetos sociais
de uma forma geral, precisa lidar com escolhas pragmáticas. Em diversas situações é preciso
trabalhar com aproximações, e construir indicadores a partir de dados já existentes e que
atendam a padrões aceitáveis de qualidade.
A inexistência de métricas que atendem a todos os requisitos desejáveis não deve ser
encarada como um limite intransponível para a implementação do monitoramento. Na maioria
dos casos, o uso de medidas aproximadas (proxies), em conjunto com outras variáveis, também
não completamente adequadas, permite traçar um cenário confiável para o monitoramento do
desempenho e dos resultados da intervenção. Como regra, uma boa avaliação sempre deve
contar com uma abordagem multimétodo como forma de estabelecer avaliações mais
completas. Como defendem Batista e Domingos (2017, p. 2), “diferentes técnicas respondem
a diferentes questões, mas em conjunto buscam o mesmo objetivo, que é a formulação de
políticas baseada em evidências”.
3.3 - Definição de metas de Desempenho
5
Um dos exemplos mais comuns dos efeitos disfuncionais é o denominado gaming, caracterizado pela
“deliberada distorção ou fabricação de números coletados com a intenção de melhorar a posição de um indivíduo
ou organização” (HOOD, 2007, p. 100, apud ASSIS, 2012).
necessidade do próprio chamamento público, sempre que possível, elencar entre os critérios a
serem observados as metas e os indicadores, quantitativos ou qualitativos, de avaliação de
resultados das parcerias. A seção VI, Do Monitoramento e Avaliação, retoma a questão da
necessidade de uso dos indicadores objetivos, explicitando que o relatório técnico de
monitoramento e avaliação de parceria, a ser emitido pela administração pública, deverá
basear-se na análise “do cumprimento das metas e do impacto do benefício social obtido em
razão da execução do objeto até o período, com base nos indicadores estabelecidos e aprovados
no plano de trabalho” (inciso II do § 1º do art. 59).
Além dos indicadores vinculados às metas do plano de trabalho, a Lei nº 13.019/2014
explicita seu alinhamento com as mais modernas técnicas de monitoramento no setor público,
e incentiva a adoção de metodologias de avaliação da satisfação dos usuários como instrumento
auxiliar de avaliação dos resultados da parceria. O § 2o do Art. 58 delega à administração
pública a responsabilidade pela aplicação da pesquisa de satisfação com os beneficiários do
plano de trabalho nas parcerias com vigência superior a 1 (um) ano, mesmo que de forma
facultativa e com a possibilidade de apoio técnico de terceiros. Quando realizada, os resultados
da pesquisa de satisfação devem ser utilizados como subsídio na avaliação da parceria
celebrada, devendo constar do parecer técnico emitido pelo Gestor da parceria (inciso III do §
4o do art. 67).
Diante dessas exigências, os gestores responsáveis pelas parcerias bem como os
integrantes das Comissões de Monitoramento e Avaliação devem atentar para as
especificidades de cada tipo de parceria no momento de definição ou aprovação dos indicadores
de monitoramento. Observar os aspectos particulares não implica que parâmetros gerais, e
conceituais, não possam ser estabelecidos para orientar a formulação dos planos de trabalho.
Pelo contrário, seguindo o princípio de parceria entre poder público e OSCs que prevalece na
Lei, sugere-se que os órgãos da administração pública ofereçam subsídios que balizem a
formulação dos indicadores e metas.
Um exemplo de como parâmetros conceituais podem favorecer o bom desenvolvimento
do processo de monitoramento, pode ser encontrado na experiência da Prefeitura de Belo
Horizonte com o Contrato de Metas e Desempenho (CMD). Instituído pela Lei Municipal nº
11.065/2017, o CMD é composto, dentro outros elementos, por um conjunto de metas de
desempenho, fixadas por indicadores objetivos e ações, com prazos de execução e meios de
apuração objetivamente definidos (inciso II Art. 22). Visando orientar a pactuação dos
indicadores do CMD, a Secretaria Municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão (SMPOG),
estabeleceu o referencial conceitual apresentado na Fig. 3, que definiu duas dimensões de
avaliação e quatro tipos de indicadores. A dimensão qualidade dos serviços, com indicadores
de desempenho operacional ou de satisfação, e a dimensão resultados, com indicadores de
produtos ou de impacto. Essa padronização apenas conceitual, sem especificar exemplos para
cada uma das áreas de resultado pactuadas, permitiu orientar e padronizar o trabalho das
equipes técnicas, uniformizando a etapa de seleção dos indicadores para o CMD.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TELLES, Vera. Medindo coisas, produzindo fatos, construindo realidades sociais. Mimeo.
Seminário Internacional sobre Indicadores Sociais para Inclusão Social ,15 e 16 de maio de
2003, PUC-SP . Mesa: Indicadores sociais entre a objetividade e a subjetividade (16/05/2003)
WILKS-HEEG, S., BLICK, A., CRONE, S.. How Democratic is the UK? The 2012 Audit.
Liverpool: Democratic Audit, 2012. Disponível em:
http://demaudituk.wpengine.com/?page_id=130, acessado em 23/04/2013.