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INSTITUIÇÕES*
Segundo Mirowski (1992), von Neumann esteve envolvido, Indo mais além, von Neumann acreditava que tanto o
nos anos 20, em dois projetos de pesquisa diferentes: um mundo natural quanto o mundo social compartilhavam a
deles, o conhecido programa de pesquisa do matemático característica de promover uma relação complexa entre o
alemão David Hilbert (1826-1943), que visava ao observador e o observado.4 Esta perspectiva o afastava das
desenvolvimento de uma axiomática compreensiva para a visões comportamentalistas acerca do mundo social, as
matemática, e o segundo, o projeto de pesquisa da física quais, não obstante professarem um monismo
quântica. O primeiro projeto sofreu de forma indelével metodológico, adotavam o princípio inverso de um sistema
com a prova de Gödel em 1930, a qual demonstrou que um observador-objeto "fechado" como sendo uma boa
sistema lógico não pode ser simultaneamente completo e representação dos dois mundos, onde o objeto de
consistente. Von Neumann acusou o golpe abandonando o investigação, quer natural, quer social, poderia ser analisado
primeiro projeto em sua forma original.3 O segundo de forma isolada, não sendo afetado pela observação.
projeto, entretanto, estava destinado ao sucesso e produziu
A virada metodológica da parte de von Neumann ensejou
efeitos sobre o trabalho matemático de von Neumann,
a elaboração de uma nova ferramenta de medição
especialmente no desenvolvimento dos jogos.
necessária para aferir o "novo" fenômeno, que havia
Na verdade, o desenvolvimento por von Neumann de uma sofrido uma mudança substancial: sistemas cientificamente
matemática para lidar com jogos testemunhou uma certa definidos acomodavam um elemento subjetivo em seu
persistência de sua ligação com o programa de Hilbert, interior e isto, evidentemente, requeria uma nova
menos óbvia mas nem por isso menos profunda, se percepção daquilo que se ignora; vale dizer, o que se ignora
não com o projeto de uma axiomática ao menos com o não pode mais ser considerado externo e alheio aos nossos
espírito mais geral daquele programa, cujo objetivo
próprios esforços de compreender, como supunham os aparato formal de von Neumann com novas e interessantes
comportamentalistas. intuições.
Nesse contexto, pode-se então entender a importância que Como se sabe, Morgenstern pertencia à escola austríaca de
a noção de probabilidade, como ferramenta matemática economia, cuja principal característica consiste na ênfase no
aparentemente adequada ao trabalho de aferição de problema da limitada capacidade de previsão dos agentes
sistemas abertos, passa a assumir no trabalho de von econômicos numa sociedade extensa, em virtude da
Neumann. Ela parece derivar da visão de ignorância interdependência generalizada, e, correlativamente, em
implícita na definição de um sistema aberto. Dessa forma, indicar a oportunidade de uma noção de equilíbrio
a noção de probabilidade, o desenvolvimento de medidas econômico adequada a este cenário.
5
O interesse de von Neumann por problemas econômicos A equação da interação estratégica, nos termos propostos
já era acentuado quando de seu encontro com Morgenstern por von Neumann e Morgenstern, consistia na conciliação
em Princeton, no ano de 1938, o que pode ser estabelecido de dois elementos aparentemente contraditórios, quais
por uma cuidadosa revisão do debate em teoria econômica sejam, a incerteza e a imprevisibilidade que, segundo eles,
nos anos 30. Contudo, a colaboração com Morgenstern e, eram características da interação humana e a técnica
em particular, a visão de economia professada por este matemática que permitiria a representação formal desta
proveram campo fértil para a cultura dos jogos, nutrindo o interação. Tratava-se, para von Neumann, de elaborar uma
teoria da racionalidade (estratégica) que pudesse ser mundo social. Harsanyi (1982) afirmara que o esforço da
publicamente conhecida e que este conhecimento" teoria dos jogos deveria ser na direção de transformar um
público"7 não provocasse nenhum desvio por parte dos jogo em um problema de teoria da decisão, um puzzlecom
agentes com relação às prescrições da teoria portanto, uma solução determinada. Contudo, Anderson e Moore
teoria imune a problemas de recursividade e de regressão insistem em que há diferenças por demais profundas entre
ao infinito. Morgenstern, de modo similar, estava as duas situações de sorte a estabelecer limites às ambições
interessado em incrementar a relevância da teoria a partir de qualquer teoria em fornecer soluções determinadas. A
do desenvolvimento de conceitos de equilíbrio mais aptos presença de intencionalidade é talvez o aspecto mais
a refletir a natureza complexa e, portanto, incerta das interessante apontado por ambos a emprestar
atividades econômicas. Esperava-se que os novos conceitos complexidade problemática à interação. Assim, a
de solução fossem capazes de "descontar" os efeitos da possibilidade de conversão de um jogo em um puzzletorna-
incerteza sobre as regras dos jogos e sobre o se no mínimo desinteressante.
comportamento dos jogadores.
A presença de intencionalidade complexifica o horizonte
3a aproximação: o problema de Anderson-Moore de previsão necessário à racionalidade dos indivíduos, uma
vez que torna a aleatoriedade uma hipótese menos atraente
[Um jogo tem a capacidade de] alterar-se repentinamente tendo em vista obstruir
para dar conta do tipo de incerteza a ser engendrado em
nossos esforços para alcançar uma solução [...] (Anderson e Moore, 1962, p. 413;
ênfase minha)8 interações entre atores sociais, dificultando, portanto, a
"estratégia" teórica de" descontar" a incerteza. Diferentes
Anderson e Moore (1962) também recorrem à imagem de intenções poderiam ser invocadas para dar conta das
um jogo para expressar o que eles consideram ser a possíveis reações dos indivíduos às possíveis ações de
representação mais adequada dos fenômenos sociais, os outros com quem interagem em situações estratégicas,
quais envolvem a interação entre atores sociais, em assim como as mais variadas motivações poderiam ser
oposição à representação oferecida pelas abordagens atribuídas a estes últimos em suas possíveis escolhas
comportamentalistas. Para melhor desenvolver o seu ponto estratégicas. O fato de os atores estarem conscientes de que
de vista, eles contrastam o método comportamentalista são objeto das conjecturas de outros leva-os a adotar
com o da teoria dos jogos, usando uma analogia com o comportamentos que podem ter múltiplos
contraste entre um jogo e um enigma (puzzle). significados.9 Como saber? E, talvez mais interessante:
como sabê-lo sem afetar os próprios parâmetros do
Assim sendo, um puzzle caracteriza uma situação de problema de decisão?
incerteza exógena, em que há algo que se ignora e cujo
conhecimento implica a solução do problema, e o processo Nesse caso, a teoria dos jogos vale mais como uma
pelo qual este conhecimento é adquirido, bem como a heurística do que como uma teoria de conceitos
própria solução, não afetam os termos do problema. Em matemáticos de solução para situações estratégicas. Indo
termos contemporâneos, o puzzle é uma representação mais além, a teoria dos jogos pertenceria ao conjunto de
adequada de um problema típico da teoria da decisão, um teorias que circulam no mundo social, afetando
ramo da teoria da escolha racional sob incerteza. indelevelmente este mundo ao mesmo tempo que
refletindo conceitos dele, conceitos sociais cujas raízes
Um jogo, contrariamente, representaria uma situação de dificilmente poderiam ser encontradas por meio de um
incerteza endógena, na qual as próprias tentativas de se exame dedutivo das exigências da racionalidade ou da
alcançar a solução afetariam os termos do problema que se psicologia dos indivíduos.
quer solucionar. Segundo Anderson e Moore, este é
tipicamente o caso das interações entre indivíduos no
Em resumo, a persistência de intencionalidade nas Informalmente, um evento é de conhecimento comum
interações entre os indivíduos poderia turvar seus quando ele é conhecido pelas pessoas, todas as pessoas
horizontes de previsão de forma a dificultar o tratamento sabem disso, e todas sabem que todas sabem disso, e assim
da incerteza como aleatoriedade, por um lado; por outro, por diante; resumidamente, um evento e é CC de
qualquer teoria sobre a interação social, mesmo a teoria dos ordem n toda vez que (todo mundo sabe)n e for verdade.12
jogos, cuja consciência mais atenta para a complexidade
dessa interação é sua própria raison d'être, é habitante deste Em segundo lugar, há vários sentidos atribuíveis à condição
mundo, e nessa condição não poderá ser completa como de conhecimento comum. O sentido original desta
teoria deste mundo. Esta última observação tem condição foi elaborado pelo filósofo David Lewis (1969)
implicações negativas sobre a condição de publicidade da no contexto de seu trabalho sobre convenções, onde ele
teoria, na forma de conhecimento comum pretendia estabelecer um argumento lógico que justificasse
(commonknowledge),um conceito que apresentarei na a possibilidade de coordenação social à la Hume, isto é, sem
próxima seção. recorrer ao artifício de um contrato social ou acordo
explícito entre as partes envolvidas. Lewis conclui ser
Em conclusão, aparentemente temos aqui dois programas racional para os indivíduos a adesão às convenções uma vez
de pesquisa divergentes: um que se aprofunda na busca de que de convenções se tratar a coordenação social, isto é, se
soluções determinadas para os jogos e outro que reivindica as pessoas preferirem coordenar suas ações a não
o menos ambicioso objetivo de descrever situações coordenar, se os pontos focais através dos quais elas
estratégicas sem solucioná-las, remetendo a um universo passam a coordenar suas ações tiverem origem arbitrária,
teórico que ultrapassa o ambiente puramente dedutivo e não resultando de um acordo explícito, e, finalmente, mas
determinístico. Na realidade, reivindico neste artigo que o não menos importante, se estes pontos focais bem como
programa formal (por convenção) só funciona se acoplado aquelas preferências forem de conhecimento comum.
ao programa informal (também por convenção); além Pessoas que preferem coordenar suas ações a não
disso, é possível considerar algumas possibilidades de coordenar, que são comumente conhecidas por esta
elevação do status teórico do programa informal, o que é preferência, que ademais conhecem e se conformam às
apontado na quarta seção do artigo com a incorporação de convenções que engendrarão a coordenação, sendo
uma breve consideração de ordem filosófica. comumente conhecidas por estas crenças e disposições,
promoverão coordenação social sem a necessidade de um
contrato explícito e de sanções.
Racionalidade estratégica (i): o suposto do Temos duas questões importantes aqui. A primeira diz
conhecimento comum respeito à origem arbitrária das convenções, que pode tanto
produzir "bons" quanto "maus" equilíbrios; isto é, as
Na busca de soluções determinadas para situações pessoas podem se conformar tanto a convenções que
estratégicas, considera-se usualmente10 que o suposto do resultarão em cooperação efetiva quanto àquelas que
conhecimento comum é a condição de conhecimento resultarão em prejuízo generalizado, e neste caso a
relevante. Nesse caso, a possibilidade de existência de um condição de CC não será suficiente para engendrar
equilíbrio em um jogo estaria também a depender do cooperação. A segunda questão é: em que sentido podemos
cumprimento da cláusula de conhecimento comum.
11 Esta dizer que crenças e disposições das pessoas são de
afirmação precisa ser qualificada, o que faço a seguir. conhecimento comum, no âmbito de nossa definição?
Em primeiro lugar, deve-se ter claro a definição de Com relação à última questão, Dupuy (1989) sugere dois
conhecimento comum (CC, daqui para diante). sentidos possíveis. O primeiro interpreta a condição de CC
como uma espécie de "senso comum", refletindo certas (maximizadora de utilidade); o equilíbrio representaria a
idéias convencionais que as pessoas compartilham de compatibilização dos planos e das decisões dos indivíduos,
forma mais ou menos igual. Esta interpretação, entretanto, a qual resultaria, por sua vez, de esforços consistentes de
não é a usual na teoria dos jogos. O segundo sentido maximização de utilidade por parte dos indivíduos tomados
sugerido por Dupuy parece corresponder melhor ao uso isoladamente.
que se faz da condição de CC na teoria, e trata-se da idéia
de que os jogadores conhecem a teoria dos jogos e tomam Os jogos não-cooperativos enfatizam, pois, o aspecto de
suas decisões de acordo com o que a teoria prescreveria compatibilização dos planos e decisões de agentes
para o tipo de jogo em que eles estão envolvidos. Este racionais, e portanto da possibilidade de
último sentido é, ainda, elaborado de duas formas um equilíbrio emergir, ao invés da questão da possibilidade
diferentes, correspondendo à versão clássica ou moderna dacooperação. Esta constatação já nos coloca um problema
da teoria: no primeiro caso as decisões dos atores são tidas interessante que é o da justificação
13 dos conceitos de solução
como independentes uma das outras e os atores são em teoria dos jogos, isto é, um conceito de solução deveria
presumivelmente possuidores de informação completa; no ser expressivo da racionalidade da escolha individual, do
segundo caso as decisões são de tal forma interdependentes equilíbrio e da eficiência das ações. Seria interessante
que configuram uma situação de incerteza generalizada. examinar, então, o conceito de solução clássico dos jogos
não-cooperativos, o equilíbrio de Nash (1951), tendo em
Jogos não-cooperativos e o conceito de equilíbrio de Nash vista a pedra de toque dajustificação.
O aspecto atraente do modelo de convenção de Lewis Como se sabe, os jogos não-cooperativos de soma não-zero
resulta da sugestão de que a coordenação das ações dos encontraram uma solução com o desenvolvimento de um
indivíduos adviria não de um acordo explícito entre eles conceito de equilíbrio por Nash em 1951. Desde então,
feito, o que implicaria problemas de visibilidade e segundo Kreps (1987), o equilíbrio de Nash tem sido
monitoramento das ações, mas sim do desejo dos considerado condição necessária para que um "acordo"
indivíduos de conformar-se ao comportamento do outro; entre pessoas racionais seja auto-imposto, isto é, dispense a
seguir a convenção seria então racional, dada a preferência intromissão de coerção externa. Nessa categoria classificar-
pela conformidade por parte dos indivíduos. Porém, se-ia, por exemplo, a própria coordenação social resultante
conformar-se ao que os outros estão fazendo pode da interação entre indivíduos racionais "não-cooperativos"
redundar em desastre coletivo, vide o comportamento de (isto é, para os quais a estratégia cooperativa é não-
mercados especulativos quando há uma súbita reversão do dominante): a coordenação social entre tais indivíduos só
estado das expectativas (ver Keynes, 1973; Dupuy, 1989; seria possível se passasse pelo teste de Nash. Apesar de
Orléan, 1989). necessário, o teste de Nash não seria suficiente para
assegurar a cooperação, pois uma situação de não-
O modelo de jogos não-cooperativos baseia-se em cooperação generalizada por parte dos indivíduos também
estrutura de preferências distinta. Em princípio, um passaria no teste. E ainda, segundo Kreps, em alguns jogos
equilíbrio em tais jogos refletiria o tipo de coordenação que não-cooperativos muitos equilíbrios de Nash poderiam
os indivíduos seriam capazes de engendrar sem recorrer a surgir e, na falta de um critério de seleção claramente
sanções externas, de um lado, e sem abdicar de sua definido, as decisões dos agentes baseadas nestes
racionalidade, de outro. Na realidade, a estrutura de equilíbrios poderiam redundar em desequilíbrio e
preferências implícita nos jogos não-cooperativos irracionalidade coletiva.
representa uma situação na qual as pessoas estão prontas a
cooperar com as outras apenas na medida em que a Um exame mais minucioso do conceito de Nash indica,
cooperação não conflitar com sua racionalidade individual entretanto, que, em acréscimo às suas lacunas quanto a
atender aos critérios de justificação de um conceito de decisões que ele toma baseado em conjecturas ou crenças
solução em teoria dos jogos, nomeadamente, escassas racionais no sentido forte, isto é, crenças que são
perspectivas de eficiência e equilíbrio único e determinado internamente consistentes e ao mesmo também
das soluções, o desenvolvimento deste conceito não liberou intersubjetivamente consistentes, pois são compatíveis com
a teoria dos jogos do peso de supostos substantivos. Ou as crenças simetricamente cultivadas pelos demais agentes
seja, a adoção, por razões de parcimônia, de uma estrutura em interação.
de preferências por parte dos indivíduos que não concede
à cooperação um papel proeminente como era o caso nos Este tipo de exigência quanto às crenças associado ao
jogos de coordenação ou convenção analisados por Lewis conceito de Nash tem despertado reações na teoria dos
não implicou a dispensa de supostos substantivos, dessa jogos. Uma das mais famosas é o conceito de solução de
vez confinados à hipótese implícita quanto à mútua "racionalizabilidade" (rationalizabiliy), desenvolvido
compatibilização das crenças de indivíduos racionais. Se simultaneamente por Pearce (1984) e Bernheim (1984),
não, vejamos. segundo o qual é racional a decisão de um agente que puder
ser "racionalizável", no sentido de as crenças que a
Segundo Kreps, um equilíbrio de Nash em estratégias puras sustentem serem internamente consistentes. Outro conceito
seria "um perfil de estratégias s tal que nenhum jogador de solução é o dos equilíbrios correlacionados (correlated
isolado, pela alteração de sua parte em s, pode obter uma equilibria), desenvolvido por Aumann (1987b), onde se
maior utilidade se os outros mantêm suas substitui a hipótese de crenças mutuamente compatíveis
estratégias." (Kreps,1987, p. 584; ênfase minha). pela assim chamada doutrina de Harsanyi, das
probabilidades anteriores comuns, o que explico mais
O equilíbrio de Nash caracteriza-se como o perfil de adiante. Seja como for, a noção de Nash aparece como
estratégias que representam a melhor resposta ao que os forte demais no que se refere às crenças dos agentes,
agentes consideram como certo que os outros que com eles revelando-se portanto pouco "robusta" (segundo o jargão)
interagem irão fazer; em particular eles consideram que em sua incapacidade de oferecer uma regra de decisão para
agentes racionais não jogarão estratégias dominadas. Esta o caso de erros ou desvios em relação às estratégias de
crença encontra respaldo na idéia de racionalidade dos equilíbrio.
agentes, que indica o comportamento maximizador de
utilidade como o comportamento racional, bem como na Em síntese, a solução de Nash para os jogos não-
idéia de conhecimento comum desta condição, vale dizer, cooperativos pode ser considerada, por um lado, fraca
os agentes numa interação estratégica sabem que são demais por sua incapacidade de fornecer equilíbrios únicos
racionais, sabem que isto é conhecido, e assim por diante, ou determinados14 e, em alguns casos, equilíbrios
o número de rodadas requerido correspondendo ao convincentes,15 além de oferecer esperança diminuta para
número de eliminações de estratégias dominadas possível a emergência de cooperação,
16 e por outro, forte demais na
no jogo. Está excluída, por exemplo, a possibilidade de erro medida em que implica a suposição de que existem crenças
por parte dos outros jogadores. racionais que serão inequivocamente perseguidas por
agentes racionais e cuja rationale é única. A solução parece
Implicitamente, portanto, as crenças racionais que ser, pois, duplamente má heurística, pois a hipótese heróica
sustentam a escolha da melhor resposta por parte de um que a sustenta a de que crenças internamente consistentes
jogador revelam simultaneamente uma compatibilidade são também mutuamente consistentes é incapaz de prover
mútua das crenças dos jogadores envolvidos na situação resultados únicos e determinados.
estratégica, como apontado por Heap e Varoufakis (1995).
Numa situação estratégica, portanto, o comportamento
racional por parte de um indivíduo caracteriza-se pelas
Tipos e erros racional a adotar diante de possíveis" irracionalidades"
cometidas por estes indivíduos?
A possibilidade de existência de informação incompleta
levou Harsanyi (1967/1968) a desenvolver um modelo de De acordo com Aumann (1987b), a incerteza é
transformação de um jogo com informação incompleta em caracteristicamente generalizada na interação estratégica,
um jogo de informação completa (na realidade, de sendo de tal modo pervasiva que se torna quase inócuo
informação imperfeita), modelo que ficou conhecido na acentuar o caráter independente das escolhas pessoais,
literatura como a "transformação de Harsanyi". Este como o faz a teoria dos jogos clássica. Dessa maneira, a
modelo deu origem ao conceito de equilíbrio de Nash informação que cada pessoa possui não é tão importante
bayesiano. De acordo com este modelo, os jogadores quanto as estimativas que ela faz quanto ao que supõe que
lidarão com a incerteza informacional através da atribuição os outros sabem sobre as informações de que dispõe, pois
de probabilidades aos "tipos" que podem ser assumidos é com base nestas conjecturas que os seus oponentes
pelos seus contendores. A noção de racionalidade tomarão decisões, as quais por sua vez afetarão as decisões
bayesiana implica que, na busca de maximização de dela. A epígrafe ao artigo de Aumann é esclarecedora a este
utilidade, os agentes são capazes de atribuir probabilidades respeito:
aos diferentes estados de natureza onde suas decisões
Se algum poder nos desse o dom
potencialmente se darão, e, em particular, probabilidades
De nos ver como os outros nos vêem!
epistêmicas (ver Good, 1990), números de probabilidades
que refletirão suas crenças pessoais quanto à ocorrência A ênfase nas informações possuídas pelos agentes, e em
daqueles estados mesmo na ausência de evidências particular na condição de informação completa, bem como
estatísticas. Segundo Heap e Varoufakis (1995, p. 29), no conhecimento comum dessas informações,
característica da teoria dos jogos na sua fase "clássica",
Tudo o que é necessário é que o jogador mantenha expectativas prévias comuns
em relação ao seu oponente [...] quanto à probabilidade de este se revelar um
estará sendo agora superada por uma abordagem que
tipo ou outro de jogador, e o jogo torna-se assim um jogo de informação admite a incerteza estratégica como característica inerente
completa. aos jogos, e na qual os conceitos de equilíbrio de Nash bem
como equilíbrio de Nash bayesiano serão considerados
A adoção de probabilidades subjetivas parece permitir a
como casos particulares.
definição de um comportamento racional mesmo sob
informação incompleta. Nesta circunstância, o
comportamento racional é aquele consistente com as
restrições impostas pela adoção de probabilidades Racionalidade estratégica (ii): conhecimento
subjetivas.17
comum da racionalidade bayesiana, segundo
Com relação à possibilidade de que os agentes errem em Robert Aumann
suas escolhas estratégicas, Harsanyi (1982) oferece uma
nova rationale para o uso de estratégias mistas, que as Em sua discussão dos equilíbrios correlacionados, Aumann
considera como o instrumento que reflete a sensibilidade alarga o espaço de incerteza de modo a abranger todos os
dos jogadores quanto à possibilidade de que seus pares aspectos que dizem respeito à tomada de decisão por parte
cometam pequenos erros ou desvios em relação ao perfil do agente em um jogo, inclusive a informação de que
Adicionalmente, caberia ainda justificar a possibilidade A adoção de supostos de racionalidade fortes, como na
prática de tal capacidade por parte dos jogadores, os quais, visão bayesiana, tem encontrado certa resistência entre os
ainda que radicalmente ignorantes, são dotados de ilimitada teóricos dos jogos. Uma dessas reações, aqui representada
inteligência cognitiva e computacional. Se o modelo estiver pelas posições do teórico alemão Fritz Scharpf, tem a
no caminho certo, o (meta)n-jogador dotado de hiper- intenção de prover uma nova justificativa, em bases
racionalidade terá assumido o lugar do cientista filosoficamente mais plausíveis, para a teoria dos jogos
behaviorista que imaginava o fenômeno social como clássica, vale dizer, para a manutenção do suposto de
materialmente alheio a si, e a interação estratégica terá sido informação completa. Uma outra, a qual também se faz
resolvida em termos de um experimento behaviorista. referência, é a da teoria dos jogos evolucionária, cujo
trabalho seminal é o livro de 1982 de John Maynard Smith,
Em um mundo menos-que-perfeito, a imagem sugerida por que faz objeção à aparente uniformização dos agentes
Aumann na epígrafe ao seu artigo de 1987 poderia econômicos promovida pela adoção do suposto de
acrescentar mais nuanças e meios tons do que plena luz: o racionalidade plena. Ambas as reações adotam a idéia de
fato de que temos de levar em consideração não tanto o racionalidade limitada por parte dos agentes individuais e
que sabemos que sabemos a nosso respeito quanto aquilo sugerem que algum mecanismo externo (à racionalidade)
que supomos ser conhecido dos outros não nos permite suplementará o comportamento individual de forma a
tomarmos os outros como espelhos onde podemos ver propiciar a emergência de equilíbrio e, possivelmente,
claramente; a imagem que os outros nos devolvem de nós também de cooperação.
mesmos deve sem dúvida ser afetada pela imagem que
fazemos deles, e ela já será obsoleta enquanto tentamos Segundo Fritz Scharpf, o suposto de racionalidade forte,
fixá-la. Em termos práticos, poderemos estar sendo isto é, de ilimitada capacidade computacional por parte de
inundados por um excesso de informação que será inútil seres humanos, é muito mais implausível do que a condição
como guia para a decisão racional; em termos de informação completa, algo que pode ser de alguma
epistemológicos, deveremos ser concebidos como agentes forma socialmente construído. Ele adota, então, o suposto
hiper-racionais (cujas crenças convergirão) capazes de de racionalidade limitada, e considera que a interação social
antecipar todas as contingências possíveis e de definir uma é capaz de engendrar mecanismos que permitam melhorar
política incondicional (uma distribuição de probabilidades) o nível de informação dos indivíduos, ampliando assim o
para lidar com elas. No primeiro caso, o modelo não é grau de previsibilidade na sociedade.
restritivo o suficiente; no segundo, é restritivo em demasia.
Estes mecanismos de interação podem ser individual ou
Uma suspeita permanece, e parece constituir boa razão para socialmente construídos de modo a aumentar o grau de
investigação posterior, qual seja: a de que estimar a previsibilidade mútua, e são as instituições, regras,
ignorância é apenas possível quando nossos esforços para convenções e hábitos que podem permitir a redução dos
custos de informação bem como a ampliação de opções O ponto de vista da teoria dos jogos evolucionária
estratégicas exeqüíveis. Estes mecanismos, diz ele, podem (Binmore,1993 e 1994; Kirman, 1992 e 1995) é sob certos
substituir a condição de conhecimento comum pela de aspectos bastante diferente daquele professado por
"senso comum"; eles tornam a cordenação possível ainda Scharpf, ainda que o ponto de partida comum seja a
que não necessariamente eficiente. descrença em relação à acurácia do suposto de full-blown
rationality por partes dos indivíduos.
Além dos mecanismos interindividuais que podem ser
engendrados pela interação entre os indivíduos e que têm Na realidade, a visão de interação social sustentada pelos
como efeito elevar o grau de previsibilidade recíproca na teóricos evolucionários, ainda que estratégica, difere
vida social, Scharpf faz referência ao fato de que as escolhas bastante da abordagem tradicional da teoria dos jogos não-
dos indivíduos são condicionadas por um elemento cooperativos (tanto em sua versão clássica quanto
subjetivo, qual seja, as percepções dos atores e suas moderna), representando uma reação à visão do sistema
preferências entre os resultados possíveis, as quais não econômico pela lente do indivíduo representativo.
23
10 Exceções serão examinadas mais adiante no texto, sendo 19 Binmore (1993 e 1994) cunhou o
a mais saliente a da teoria dos jogos evolucionária. termo Bayesianismists para designar aquelas pessoas que
usam inadequadamente a regra de Bayes como um
11 A ressalva deve ser feita em relação a jogos como o mecanismo de aprendizado. Para ele, a regra de Bayes é
"dilema dos prisioneiros", em que a eliminação de apenas um artifício para a computação de probabilidades
estratégias dominadas é suficiente para indicar o vetor de posteriores; em particular, ela calcula a probabilidade
estratégias de equilíbrio. condicional p(E/F) como a razão entre a probabilidade
conjunta p(E ÇF) e a probabilidade anterior p(F).
12 Para uma definição técnica, a referência seminal é
Aumann (1976). 20 O problema formal, segundo Morris, "is that assuming a
common, logical, prior about endogenous events makes the
13 Este termo me foi sugerido por Spyros Vassilakis, em
logical relation (if one existed) between information and
comunicação pessoal.
priors self-referential." (Morris,1995, p. 236). Se a relação
lógica entre informação e estimativa inicial é pouco clara, a
14 A este respeito, vale a referência à literatura de seleção de
diferença material, por assim dizer, entre elas parece sê-lo
equilíbrios. Ver Kreps (1990, p. 418). Kreps refere-se às
menos ainda. Tome-se o seguinte exemplo sugerido por
dificuldades próprias desse programa de pesquisa, que tem
Morris (1995, p. 240): "If you are an `expert' on U.S.
se mostrado bastante inconclusivo em sua tentativa de
politics, I may well want to alter my beliefs, on learning your
responder à questão: "how can we reason about what will
beliefs, about who will win the presidential election, even if
happen conditional on things that are not meant to happen
you have already told me all relevant `information' in the
in the first place?"
usual sense. Your `expert prior' is an information signal for
me, so we must interpret it as information."
15 Ver, por exemplo, o caso do Chain Store Paradox,
reportado por Selten (1978).
21 Nas palavras de Aumann:" Player i must take the
ignorance of the other players into account when deciding
16 Aqui vale a referência ao programa de pesquisa de jogos
on his own course of action, and he cannot do this if he
repetidos, onde a cooperação emerge como uma estratégia
does not explicitly include in the model signals other than
racional. Entretanto, em face da persistência de equilíbrios
the one he knows he got. The `outside observer' [...] is thus
não-cooperativos, segundo a avaliação de Binmore (1993,
a surrogate for the ignorance of the system as a whole the
p. 357), o resultado deste programa tem sido o de mostrar
lack of common knwoledge [of information in our sense] __________. (1987b), "Correlated equilibrium as an
of the signals received by each player." (Aumann,1987b, p. expression of Bayesian rationality". Econometrica, 55, 1: 1-18.
8).
BERNHEIM, D. (1984), "Rationalizable strategic
22 Este último suposto, por exemplo, diz ele, confia em behaviour". Econometrica, 52: 1.007-1.028.
demasia "on the communicative capacities of real life actors
who would need to recollect, specify, transmit, and BICCHIERI, C. (1993), Rationality and
correctly interpret all decision premises that are potentially coordination. Cambridge, Cambridge University Press.
relevant in characteristically ambiguous interaction
BINMORE, K. (1993), "De-Bayesing game
situations." (Scharpf, 1990, pp. 482-483).
theory", in K.Binmore, A.P.Kirman e P. Tany
23 Na visão de Kirman (1992, p. 132): "In reality, individuals (eds.), Frontiers of game theory, MIT Press.
operate in very small subsets of the economy and interact
__________. (1994), Playing fair: game theory and the social
with those with whom they have dealings. It may well be
contract. Cambridge, Mass., The MIT Press.
that out of this local but interacting activity emerges some
sort of self organization which provides regularity at the
COURNOT, A. (1838), Recherchessur les principes
macroeconomic level."
mathématiques de la théorie des richesses. Paris, Hachette.
AUMANN, R. (1976), "Agreeing to disagree". The Annals __________. (1982), Papersin game theory.Dordrecht,
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__________. (1987a), "Game theory". The new palgrave a HAYEK, F.A. (1949), Individualism and economic
dictionaryof economics,Londres, The Macmillan Press order. Londres, Routledge & Kegan Paul Ltd.
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