FOUREZ, G. A construção das ciências. São Paulo: Editora Unesp, 1995.
A ciência e o poder
1. O poder humano sob à ciência
Na medida em que a ciência é sempre um “ poder fazer” , um certo domínio da
natureza, ela se liga, por tabela, ao poder que o ser humano possui um sobre o outro. A ciência e a tecnologia tiveram um a parte bem significativa na organização da sociedade contemporânea, a ponto de esta não poder prescindir das primeiras: energia, meios de transporte, comunicações, eletrodomésticos, etc. O conhecimento é sempre uma representação daquilo que é possível fazer e, por conseguinte, representação daquilo que poderia ser objeto de um a decisão na sociedade. A questão do vínculo entre os conhecimentos e as decisões se impõe, portanto que existe um vínculo, isto é indicado pelo bom senso: se se sabe que é possível construir um a ponte de um a margem à outra de um rio, pode-se questionar se ela é ou não desejável. Porém, pode o conhecimento indicar se se deve ou não construir essa ponte? Desde sempre supôs-se uma relação entre o conhecimento e o poder político: sempre se afirmou que um rei ou que um chefe devia ser “sábio”. O que isto significa? Até que ponto o saber é determinante quando se deve tomar uma decisão, seja ela de ordem política ou ética? Em outros termos, trata-se de saber se um a política ou um a ética pode ser determinada cientificamente. Que espécie de relações podem se vislumbrar entre a ciência e as decisões sociais?
2. Modelos tecnocrático, decisionista e pragmático-político
Uma sociedade desicionista considerará que cabe às instituições políticas determinar os
objetivos visados por esta sociedade. Cabe aos técnicos, após, encontrar os meios adequados. O sociólogo e filósofo Max Weber relacionou essa maneira de ver com uma teoria da racionalidade (Weber, 1971): de acordo com o que se denominou de racionalidade no sentido weberiano, um plano de ação é racional quando os meios correspondem aos fins escolhidos. Segundo essa teoria, os objetivos não podem ser determinados racionalmente; a sua escolha cabe aos tom adores de decisão, guiados por seus valores. O lugar da racionalidade seria então a determinação dos meios, a determinação dos fins, da esfera da pura liberdade. No terceiro modelo de interação, o que é privilegiada é a perpétua discussão e negociação existente entre o técnico e os clientes. Na prática, é frequente que o mecânico peça o número de telefone de seu cliente a fim de poder colocar-lhe questões e informá-lo sobre a situação técnica do carro, das implicações decorrentes do objetivo proposto; ele o questiona também de maneira a poder decidir em conjunto sobre os meios e mesmo sobre os objetivos. Contrariamente à abordagem decisionista, não se considera mais aqui que a distinção entre os meios e os objetivos seja sempre adequada (é claro, por exemplo, que o preço de um meio pode levar a rever os objetivos). Esse enfoque supõe uma discussão, um debate permanente, um a negociação interminável entre o técnico e o não-técnico.
Esse modelo pragmático-político assemelha-se ao modelo decisionista, exceto pelo fato de
que a relação entre os especialistas e os não-especialistas é permanente. Contudo, resta sempre uma decisão delicada: a partir de que momento considera-se (e quem considera?) que os técnicos compreendem de maneira suficiente a vontade de seus clientes para poder trabalhar sem consultá-los? O modelo pragmático-político insiste sobre o fato de que os meios escolhidos podem levar à modificação dos objetivos, mas não fornece nenhuma receita simples a fim de poder haver a decisão: ele remete às negociações (motivo pelo qual não o denominam os somente pragmático, mas também político!).