Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Zuleica Porto –
https://brasiliarios.com/colunas/68-zuleica-porto/1485-a-queda-do-ceu-a-natureza-mitica-das-coisas Page 1 of 9
A queda do céu – a natureza mítica das coisas - BRASILIÁRIOS.COM 27/03/22 06:42
https://brasiliarios.com/colunas/68-zuleica-porto/1485-a-queda-do-ceu-a-natureza-mitica-das-coisas Page 2 of 9
A queda do céu – a natureza mítica das coisas - BRASILIÁRIOS.COM 27/03/22 06:42
A estrutura do livro
Diante de tão vasto material, o que faço aqui, dadas as minhas limitações,
além das de tempo e de espaço, é um pequeno resumo do que me parece
mais relevante para um primeiro contato com toda esta sabedoria.
Os xapiri
Davi diz que nós os chamaríamos de “espíritos”, mas são as imagens dos
ancestrais animais, que vieram à existência no primeiro tempo, quando a
floresta era bem jovem. Este primeiro tempo, é necessário esclarecer, foi
antes da primeira queda do céu. Pois ele já caiu uma vez, conta o xamã, e
hoje vivemos sobre as costas deste céu, ele é o chão onde pisamos,
sustentado por varas colocadas por Omama, o ser criador na cosmologia
yanomami. O céu que temos agora, alerta Kopenawa, se move e é
instável. As beiradas estão bastante gastas, e os xapiri trabalham sem
descanso para evitar o caos. Entre eles, destaca o macaco-aranha, que
não é um macaco da floresta, mas um espírito celeste, antigo e muito
poderoso. É, portanto, graças ao trabalho dos espíritos xapiri que o céu
ainda não caiu. E para que eles continuem existindo e fazendo suas
danças de apresentação, é necessário o trabalho dos xamãs.
São os xamãs, que fazem os xapiri dançar. Nas palavras de Davi: “Quando
o sol se levanta no peito do céu, os xapiri dormem. Quando volta a descer,
à tarde, para eles o alvorecer se anuncia e eles acordam. Nossa noite é
seu dia. De modo que, quando dormimos, os espíritos, despertos,
brincam e dançam na floresta. São muitos, mesmo, pois não morrem
nunca”. Para eles, nós somos fantasmas, porque somos fracos e
morremos com facilidade. São minúsculos como poeiras de luz, mas se
parecem com os humanos. Dançam sobre espelhos imensos, e seus
cantos são “magníficos e potentes”. Eles só podem ser vistos pelos
xamãs, que aspiram o pó de yãcoana, fabricado a partir da resina da
árvore Yãkoana hi (Virola elongata ou ucuuba vermelha). Chegam por
https://brasiliarios.com/colunas/68-zuleica-porto/1485-a-queda-do-ceu-a-natureza-mitica-das-coisas Page 4 of 9
A queda do céu – a natureza mítica das coisas - BRASILIÁRIOS.COM 27/03/22 06:42
chamados napë kraiwa pë, de pele tão branca como o papel. Moldou
depois, com uma espuma de um vermelho mais escuro, os napë pe wai,
ou “verdadeiros forasteiros”, os Makuxi, os Tukano, os Kaiapó e outros
povos, “gente que se parece conosco”, conta Davi Kopenawa.
https://brasiliarios.com/colunas/68-zuleica-porto/1485-a-queda-do-ceu-a-natureza-mitica-das-coisas Page 6 of 9
A queda do céu – a natureza mítica das coisas - BRASILIÁRIOS.COM 27/03/22 06:42
O ouro canibal
“O que fazem os brancos com todo esse ouro? Por acaso eles o
comem?” - perguntou Kopenawa ao Tribunal permanente dos povos
sobre a Amazônia Brasileira, em Paris, em 13 de outubro de 1990.
Considera os garimpeiros outra gente, “comedores de terra, seres
maléficos”, de pensamento vazio e impregnados de epidemia. É urgente
expulsá-los da floresta, e todos sabemos disso.
https://brasiliarios.com/colunas/68-zuleica-porto/1485-a-queda-do-ceu-a-natureza-mitica-das-coisas Page 7 of 9
A queda do céu – a natureza mítica das coisas - BRASILIÁRIOS.COM 27/03/22 06:42
https://brasiliarios.com/colunas/68-zuleica-porto/1485-a-queda-do-ceu-a-natureza-mitica-das-coisas Page 8 of 9
A queda do céu – a natureza mítica das coisas - BRASILIÁRIOS.COM 27/03/22 06:42
acabar matando o que resta dos nossos xamãs mais antigos. E no entanto
esses homens que sabem se tornar espíritos têm um valor muito alto.
Bebem o pó de yãkoana para nos curar e proteger. Repelem os espíritos
maléficos, impedem a floresta de se desfazer e reforçam o céu quando
ele ameaça desabar. (…) Então, quase todos os nossos grandes xamãs
morreram. Isso é muito assustador, porque, se desaparecerem todos, a
terra e o céu vão despencar no caos. É por isso que eu gostaria que os
brancos escutassem nossas palavras e pudessem sonhar eles mesmos
com tudo isso, porque, se os cantos dos xamãs deixarem de ser ouvidos
na floresta, eles não serão mais poupados do que nós”.
Tais palavras foram ditas bem antes que a Grande Xawara Covid-19
assolasse o planeta.
https://brasiliarios.com/colunas/68-zuleica-porto/1485-a-queda-do-ceu-a-natureza-mitica-das-coisas Page 9 of 9