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Studio Ghibli: a apparatus about the technical illustrative and oriental


philosophy in main feature films of Hayao Miyazaki (PT-BR)

Article · November 2014

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2 authors:

Samanta Aline Teixeira Milton Koji Nakata


São Paulo State University São Paulo State University
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Ano 2012 - V.16 – N0. 02

ISSN 2179-7374

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ESTÚDIO GHIBLI: UM APARATO SOBRE AS TÉCNICAS ILUSTRATIVAS E


FILOSOFIA ORIENTAL DOS PRINCIPAIS LONGAS-METRAGENS DE HAYAO
MIYAZAKI
Samanta Aline Teixeira 1
Milton Koji Nakata 2

Resumo
Frente ao uso vasto e generalizado das novas tecnologias em animação 3D
atualmente, esta pesquisa visa traçar um panorama adjacente às grandes produções
cinematográficas com o estúdio Ghibli e seu principal diretor/animador: Hayao
Miyazaki. Mostrando-se como uma interessante exceção de sucesso mundial, os
longas-metragens de Ghibli são feitos com o predomínio da técnica 2D desenhado a
mão. Seu processo remonta às primeiras animações criadas no início do século XX e,
ainda que tais ferramentas tenham sido “superadas” por grandes estúdios como Walt
Disney, Pixar e Dreamworks, os trabalhos de Miyazaki ainda conseguem destaque
considerável, preferindo o lápis e papel do que o computador. Com o auxílio de alguns
autores em específico como McCloud e os fundadores do Anima Mundi, além de
outros teóricos do design e da filosofia subjetiva, algumas análises são traçadas para
melhor entender a conexão entre os trabalhos de Miyazaki e sua contribuição para o
âmbito da ilustração e originalidade como um todo. Objetiva-se encontrar pontos-
chaves nas animações de Ghibli que alavanquem novos parâmetros entre a
criatividade, ilustração e a práxis ocidental e oriental.
Palavras-chave: animação ; ghibli ; miyazaki ; ilustração.

Abstract
In front of the vast and widespread use of new technology in 3D animation currently,
this research aims to give an overview adjacent to major film productions with Studio
Ghibli and its main director/animator: Hayao Miyazaki. Showing up as an interesting
exception to worldwide success, the Ghibli feature films are made with the
predominance of 2D hand-drawn art. Its process dates back to the first animations
created in the early twentieth century, though such tools have been "overcome" by big
studios like Walt Disney, Pixar and Dreamworks, the works of Miyazaki still get
considerable highlight, preferring the pencil and paper than the computer. With the
aid of some authors in particular as McCloud and the founders of Anima Mundi, and
other theorists of design and subjective philosophy, some analyzes are mapped to
better understand the connection between the work of Miyazaki and his contribution
to the field of illustration and originality as a whole. The objective is to find the key
points of Ghibli animations which will drive new parameters between creativity,
illustration and Western and Eastern praxis.
Keywords: animation ; ghibli ; miyazaki ; illustration.

1
Bacharela em Design Gráfico, FAAC – UNESP, laranjasat@gmail.com
2
Professor Doutor, Departamento de Design - FAAC – UNESP, milton@faac.unesp.br
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Estúdio Ghibli: um Aparato Sobre as Técnicas Ilustrativas e Filosofia Oriental dos Principais Longas-Metragens de Hayao Miyazaki

1. Introdução
Esta investigação visa traçar e analisar um panorama apurado com relação ao mundo
artístico de Hayao Miyazaki, principal dono e diretor de uma das mais importantes e
destacadas indústrias de animação em longas-metragens japonesa a nível mundial: o
estúdio Ghibli. Tal estúdio de animação japonesa apresenta peculiar trajetória e
repercussão em torno do globo. Isso porque, diferentemente dos outros estúdios de
animação globais como Pixar (“Toy Story”, 1995; “Monstros S.A.”, 2001; “Procurando
Nemo”, 2003), Blue Sky (“A Era do Gelo”, 2002) e Dreamworks (“Shrek”, 2001), que
utilizam o que há de maior e melhor na computação gráfica em 3D, as animações de
Ghibli são quase 100% feitas a mão, sob a técnica de animação tradicional frame a frame
bidimensional.
Ao contrário das opiniões generalizadas, entre elas estúdios de animações,
designers e parte do público em geral, que julgam o método frame a frame ultrapassado
e superado, a Ghibli prova a cada novo filme lançado que há muitos outros fatores a
serem levados em consideração e que as animações tradicionais certamente garantem
tanto destaque e reconhecimento quanto as animações computadorizadas. Fazendo
sucesso e adquirindo novos fãs assíduos todos os anos com seus filmes clássicos como
“A Viagem de Chihiro” (no original Sen to Chihiro no Kamikakushi, 2001), ”Meu vizinho
Totoro” (no original Tonari no Totoro, 1988), entre outros, Ghibli mostra ao público o
que há de melhor no mundo dos desenhos animados. Isso porque suas animações,
desde o início de sua ascensão, são feitas com enorme detalhismo e complexidade
ilustrativa.

Figura 1: O filme “Castelo Animado” (no original Howl no Ugoku Shiro), lançado em 2004.

Fonte: Miyazaki (2004).

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Figura 2: O filme “Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar” (no original Gake no Ue no Ponyo),
lançado em 2008.

Fonte: Miyazaki (2008).

Figura 3: O Filme “A Viagem de Chihiro” (no Original Sen to Chihiro no Kamikakushi), Lançado
em 2001.

Fonte: Miyazaki (2001).

Em complementação às ilustrações (muitas vezes com leve interferência e realce


da computação gráfica), os roteiros, trilhas sonoras, a constituição psicológica de cada
personagem e os concept arts são cuidadosamente construídos e desenvolvidos,
conferindo aos filmes animados uma conexão visceral com a originalidade
cinematográfica. Somando a essa características, há ainda a práxis profissional do
principal diretor do estúdio, Hayao Miyazaki, que demonstra desde o início de sua
carreira um foco atípico e inédito para o mundo criativo ocidental. Por isso, cabe a esta
pesquisa apurar um pouco mais sobre a essência de trabalho do estúdio Ghibli, em
especial nas animações específicas dirigidas e produzidas por Miyazaki, e investigar as
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origens de tal originalidade, buscando sob a ótica do design a inovação e o “fazer”


dentro das ilustrações, técnicas e filosofia criativa do Japão. De início, comecemos pelo
histórico do estúdio.

2. Histórico do Estúdio Ghibli


Para o levantamento histórico, leva- se em consideração os relatos dos autores Aida
Queiroz, Cesar Coelho, Léa Zagury e Marcos Magalhães, os criadores do festival anual
brasileiro Anima Mundi, que juntamente com o editor Julius Wiedemann, vem
contribuindo consideravelmente no Brasil para a seriedade da pesquisa dos desenhos
animados em geral.
Em 1974, Hayao Miyazaki já era um animador de desenhos animados com
experiência. Nesta época, ele trabalhou com Isao Takahata durante a produção do
anime “Heidi” (no original Arupusu no Shoujo Haiji), o primeiro cuidava da parte de
layout dos episódios e o segundo dirigindo as séries. Miyazaki fazia um trabalho
extremamente detalhista para cada episódio e logo percebeu, com a orientação de
Takahata, que tal arte meticulosa não poderia ser executada dentro dos prazos de
entrega estabelecidos. Foi então que o diretor e o animador uniram forças para criar
seus próprios preceitos da animação cuidadosamente desenhada em cima de projetos
mais pessoais. O primeiro teste animado antes dos dois animadores se oficializarem
como estúdio aconteceu na adaptação do mangá (quadrinho japonês) Nausicaä, que
Miyazaki desenhava desde 1982. Com o auxílio financeiro do diretor editorial Tokuma
Shoten, “Nausicaä no Vale dos Ventos” (Kaze no Tani no Naushika) foi ao ar como longa-
metragem e adquiriu enorme repercussão no Japão. Esse foi o primeiro indício que
tanto o público quanto os companheiros de trabalho Miyazaki e Takahata estavam
maduros para darem o próximo e decisivo passo: criar um estúdio de animação e dar
continuidade ao bem sucedido trabalho animado Nausicaä. O estúdio Ghibli foi fundado
então em 1985, junto ao produtor Toshio Suzuki, e seu primeiro título oficial foi “Laputa:
Castelo no Céu” (Tenkuu no Shiro Rapiyuta), longa que foi ao ar em 1986.

Figura 4: Da Esquerda para Direita.: Hayao Miyazaki, Toshio Suzuki e Isao Takahata, os
Fundadores do Estúdio Ghibli.

Fonte: Edwards (2013).


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“Laputa” levou 775 mil pessoas ao cinema (Cf. COELHO, 2014), tornando-se um
sucesso de bilheteria e crítica oriental. Este foi o primeiro indício da revolução animada
que se seguiria logo depois e que reforçou a autonomia criativa de Ghibli até os dias de
hoje. Em 1988, o estúdio surpreendeu o público japonês lançando dois filmes ao mesmo
tempo. Para muitos estúdios esse desafio seria impossível de se cumprir sem
comprometer a qualidade da animação ou a gestão dos recursos, mas ”Meu Vizinho
Totoro” (Tonari no Totoro), dirigido por Miyazaki, e “Túmulo dos Vagalumes” (Hotaru no
Haka), de Takahaka, se tornaram obras primas consideradas pela maior parte do público
mundial os melhores filmes do Estúdio Ghibli até hoje - especialmente Totoro que teve
tão grande repercussão e carinho por parte das crianças, que se tornou o logotipo do
estúdio Ghibli.

Figura 5: O Logotipo do Estúdio Ghibli. A Imagem do Personagem Totoro Tornou-se Marca


Registrada da Empresa e Aparece em Todas as Aberturas de seus Filmes.

Fonte: Miyazaki (2008).

O próximo longa-metragem lançado por Ghibli, em 1989, foi “O Serviço de


Entregas da Kiki” (Majo no Takkyubin), que levou em torno de 2,64 milhões de pessoas
aos cinemas - o filme mais visto no Japão nesse ano. Até então, o estúdio Ghibli não
mantinha funcionários fixos. Os serviços eram feitos por freelance: os desenhistas eram
pagos por cada célula desenhada. Apesar de ser considerado um procedimento comum
na indústria da animação, os desenhistas eram mal remunerados, ganhando menos do
que um salário mínimo apesar de trabalharem horas a fio. Por isso, depois do lucro
gerado pelo longa-metragem “Kiki”, os diretores de Ghibli decidiram regulamentar
todos os funcionários, fazendo com que trabalhassem em período integral e com salário
fixo, além da contratação de outros novos animadores para compor a equipe.
O presidente do Estúdio Ghibli, Yasuyoshi Tokuma, foi muito importante para
que essas mudanças fossem concretizadas, pois além de ter grandes expectativas na
evolução do estúdio em si, Tokuma conferia total liberdade criativa a Miyazaki e
Takahata, raramente interferindo nas decisões administrativas.
Conforme a produção animada crescia junto à presença constante e regular dos
funcionários, o limitado espaço físico do estúdio constituiu-se como um novo problema
a ser enfrentado: eram aproximadamente 90 pessoas em um espaço de 300 m². Durante
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considerável tempo, Hayao Miyazaki trabalhou sozinho na produção do longa-metragem


do estúdio “Porco Rosso” (Kurenai no Buta) e respectivamente na planta de um novo
estúdio físico. Ele foi o responsável pela arquitetura do prédio e organização da
construção do mesmo. Em 1992, foram concretizados o filme e a sede. O novo prédio,
de 1100 m² foi construído na cidade de Koganei, na província de Tóquio. “Porco Rosso”
teve a maior bilheteria do ano no Japão, superando clássicos como “A Bela e a Fera”, da
Walt Disney, que estreou no mesmo ano (Cf. COELHO, 2014).

Figura 6: O filme “O Serviço de Entregas da Kiki” (no Original Majo no Takkyubin), Lançado em
1989.

Fonte: Miyazaki (1989).

Em 1994, foi lançado “A Guerra dos Guaxinins” (Heisei Tanuki Gassen Ponpoko),
o primeiro filme de Ghibli utilizado a tecnologia CG3. Nesse ano, o estúdio contava com
noventa e nove funcionários: doze na direção e produção, doze nos desenhos iniciais,
quarenta e seis nas animações, oito nas pinturas, quatro na fotografia, cinco na área de
marketing e doze na administração. Com relação à inserção da Computação Gráfica
dentro do estúdio Ghibli, diz Wiedemann:
O estúdio adotou gradualmente as técnicas digitais a partir de Porco
Rosso, chegando a experimentar 100% de CGI em My Neighbors the
Yamadas (1999). Mas em grandes sucessos internacionais recentes,
como Princess Mononoke e Spirited Away, os computadores apenas
interferem suavemente em pintura digital e alguns cenários de
fundo. Os filmes do Ghibli conservam, assim, o sabor do desenho a
mão. (WIEDEMANN, 2007, p. 291).

3
CG é a abreviação para Computação Gráfica. Termo utilizado para as animações feitas em computadores, vale
tanto para a técnica 2D como 3D.

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Figura 7: O Filme “Porco Rosso” (no Original Kurenai no Buta), Lançado em 1992.

Fonte: Miyazaki (1992).

Tal característica de Ghibli com relação à preferência do uso das técnicas


tradicionais em contraste às novas tecnologias animadas deixadas para um segundo ou
terceiro plano (e o que isso acarreta em termos criativos) será mais bem analisada nos
capítulos a seguir.

3. O Perfeccionismo de Hayao Miyazaki


Hayao Miyazaki possuía desde o início de sua carreira um comprometimento visceral
com a ilustração. O animador sempre desejou colocar todo o seu empenho nos mínimos
detalhes, construindo cenários hiper-realistas em conjunto com cenas e animações
extremamente meticulosas, prevendo cada ação dos personagens, tornando-os mais
naturais e semelhantes ao nosso mundo cotidiano.
Tal desejo profissional foi o alavanque decisivo para a carreira de Miyazaki – foi
o combustível para a motriz de sua autonomia e de seu posicionamento no mundo da
animação japonesa. Por um lado, antes de fundar Ghibli, o detalhismo exacerbado de
Hayao em suas artes demonstrou-se como um claro obstáculo para que o maquinário
das animações de terceiros corresse de acordo com os prazos estabelecidos (todos
sempre muito curtos e corridos). Por outro lado, quando o animador se juntou a Isao
Takahata e tomaram o primeiro passo em direção aos seus próprios preceitos, o mesmo
detalhismo ilustrativo foi a impressão digital que fez com que o estúdio Ghibli fosse um
“a mais” diante de todas as outras empresas de animação orientais.
O desejo de perfeccionismo de Miyazaki era tanto que, até recentemente, seu
método de trabalho baseava-se em desenhar completamente sozinho todos os
primeiros storyboards do filme a ser animado. Seu empenho era tão grande e
meticuloso que quase nada era modificado desde o primeiro sketch até o produto final.

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Figura 8: Esquemas de Animação Desenhados por Miyazaki para Demonstrar Ilustrativamente


como um Desenho Pode Ser Animado Sob a Perspectiva de Câmeras Filmadoras
Imaginárias.

Fonte: Yonghow (2012).

O esquema acima demonstra a clara ambição cinematográfica de Hayao.


Miyazaki encarava a animação mais como uma ação concreta do que ação introspectiva.
Por isso, o diretor/animador adotava metodologias cuidadosamente esquematizadas
sob o foco do mundo real, suplantando dezenas de outras obras através do mérito de
conseguir retratar cenas das mais diversas variedades de ângulos e interações entre o
enquadramento, personagens, cenários e ações. Esses esquemas confirmam também a
importância da ilustração, pois ela explica com excelência aquilo que não fica
totalmente claro somente com palavras. Os textos generalizam, ao passo que as
ilustrações fecham o significado em algo claro, objetivo e mesmo lúdico, divertido,
cativante tanto para adultos quanto para crianças.

Figura 9: Comparação Entre os Storyboards de Miyazaki (à Esquerda) e a Animação Final (à


Direita).

Fonte: Yonghow (2012) e Miyazaki (2001).

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Figura 10: Comparação Entre os Storyboards de Miyazaki (À Esquerda) e a Animação Final (à


Direita).

Fonte: Yonghow (2012) e Miyazaki (2001).

Como as montagens acima demonstram, não há grandes mudanças entre os


storyboards e a animação final, excluindo os aspectos de cor e arte-finalização. Os
ângulos adotados, os cenários, o enquadramento e os elementos constitutivos das cenas
são os mesmos. Esse é o nível de detalhismo que Miyazaki conseguia alcançar, pois
conhecia e dominava tecnicamente todo o processo da animação e ilustração. O dia-a-
dia de Miyazaki, como relata Vary (2014) era intenso e corrido. Hayao acordava todos os
dias às 6h da manhã para se exercitar e tomar café. Às 9h, ele chegava ao estúdio e
começava a trabalhar, a maior parte do tempo nos storyboards iniciais feitos todos a
mão. O animador almoçava por volta das 15h da tarde e só então fazia uma pausa. O
diretor de Ghibli costumava ir embora às 21h da noite. Os sacrifícios que Hayao se
submeteu por tal rotina difícil rendeu bons frutos. Filmes como “Castelo Animado”, “A
Viagem de Chihiro” e “Princesa Mononoke” demonstram claramente essa ambição pela
animação de extrema qualidade gráfica e estética. Assim confirma Lee Unkrich, diretor
de Toy Story 3, em uma entrevista por telefone:
Seus filmes [de Miyazaki] são absolutamente deslumbrantes,
especialmente os cenários de fundo. Eu poderia pausar seus filmes e
ficar horas bebendo da beleza das pinturas que ele usa em seus
planos de fundo ou em qualquer outra cena. (UNKRICH apud VARY,
2014).
O colunista Vary confirma o destaque sem igual de Miyazaki frente à indústria
de animação em massa atualmente:
E hoje, com tantos recursos de animação criados para usufruir da
perfeição dos computadores de ponta, é impossível não se perguntar
se alguém leva em conta o lápis e papel para criar filmes animados
com tão fascinante - e sublime - imaginação. Ironicamente é
exatamente a devoção singular de Miyazaki à sua arte que o fez
deixar toda essa tecnologia para trás. (VARY, 2014).

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Figura 11: A aparição especial do personagem Totoro na animação Toy Story 3 foi uma pequena
homenagem do diretor criativo da Pixar, John Lasseter, ao trabalho de Hayao Miyazaki.

Fonte: Anderson (2010).

O produtor executivo Al Jean, do seriado satírico “Os Simpsons” também tem


grande admiração pelo estúdio Ghibli, o que demonstra a grande expansão que os
filmes de Miyazaki alcançaram, conquistando o reconhecimento de grandes diretores de
animação nos Estados Unidos e, consequentemente, no resto do mundo. Enquanto
Lasseter e Unkrich apontam que são os minuciosos detalhes e meticulosas ilustrações
dos filmes de Miyazaki um dos seus maiores pontos de sucesso, Al Jean pontua, em
contrapartida, para os concept arts dos personagens:
O design de personagens [de Miyazaki] é maravilhoso. O design dos
personagens é, para mim, uma das coisas mais difíceis na animação.
[com Miyazaki] Você tem personagens que combinam animais ou
espíritos com qualidades humanas, e de uma forma que realmente se
encaixa. Você não acha que eles possuem uma aparência ridícula.
Você acha que são de fato criaturas com aparência perfeita. Ele faz
isso várias e várias vezes. É uma característica enraizada das
tradições animadas, mas ainda assim ele o faz como ninguém. (JEAN
apud VARY, 2014).
Mas as animações do estúdio Ghibli não se destacam apenas por sua arte visual,
mas também em suas trilhas sonoras (todas muito bem ambientadas, compostas por
orquestras e compositores originais), e principalmente por suas histórias e personagens.
As animações de Miyazaki não subestimam a inteligência da criança, são animações que
entram no universo infantil e pairam sobre ele, utilizando em quantidades generosas
elementos como a magia, o convívio com o meio ambiente e o companheirismo. Em
outras palavras, são longas-metragens feitos com a linguagem infantil e não para o
público infantil. A linguagem do “com”, típica dos orientais, nasce e medra dentro do
processo criativo desde o início, o lucro e destaque vem em consequência. Já a

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linguagem do “para”, mais semelhante aos ocidentais, é um produto esquematizado,


objetivo ao lucro e à programação. Por que as animações tradicionais do estúdio Ghibli
fazem sucesso até hoje? Por que Hayao Miyazaki não adere totalmente às técnicas em
CG e 3D digitais e a tantos outros novos adventos da tecnologia animada? Para entender
essas questões é preciso, antes de tudo, conhecer o universo em que as animações de
Ghibli estão imersas. Uma análise um pouco mais apurada em cima deste universo, que
é o da estética oriental, será tratada a seguir para entender melhor a essência
profissional do estúdio Ghibli e suas práxis.

Figura 12: O Desenho Animado “Os Simpsons” Fez uma Homenagem ao Estúdio Ghibli em
sua 25ª Temporada, no Episódio 10 “Married to the Blob”.

Fonte: Jean (2014).

4. A Estética Oriental
Quando se fala da cultura oriental no seu modo abrangente de manifestação,
praticamente todo e qualquer tipo de arte/projeto/ações permeia pelas mesmas
características básicas e gerais: silêncio, subjetividade, intervalo, passividade, invisível,
dissolução, respeito e calmaria suprema. Como McCloud relevantemente observa, há
em nosso mundo ocidental um quê de imediatismo, de clareza exacerbada, rapidez e
acúmulo de informações e imagens que são totalmente avessos aos olhos orientais. De
um lado, os ocidentais procuram formular e fundamentar uma teoria escrita para depois
colocá-la em prática de maneira objetiva e imparcial; do outro lado, os orientais buscam
na prática experimental e no fazer do dia-a-dia o conhecimento necessário para
entender o mundo, ou melhor, para senti-lo e vivenciá-lo. Assim constata Flusser:
Podemos observar como surgem formas entre as mãos dos orientais, por
exemplo, ideogramas escritos com pincel, flores de papel (...). Em todos esses casos não
se trata de uma ideia imposta sobre algo amorfo; trata-se de fazer surgir de si mesmo e
do mundo circundante uma forma que abarque ambos. (FLUSSER, 2007, p. 208).

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Figura 13: O Mundo Oriental dos Quadrinhos Segundo Scott McCloud.

Fonte: McCloud (1995).

Não tomemos aqui um pensamento como certo e o outro como errado, isso
tornaria a análise rasa e simplista, preferimos antes adotar a metodologia da
complexidade indiciada por Morin:
A dicotomia não era mais possível. Foram necessárias estas últimas
décadas para que nos déssemos conta de que a desordem e a ordem,
sendo inimigas uma da outra, cooperavam de certa maneira para
organizar o universo. (MORIN, 2006, p. 61).
Portanto, focaremos no paradigma oriental, não como correto, mas como
objeto investigativo que intriga e fascina e, com seu comportamento subjetivo, pode vir
a enriquecer e medrar com o nosso lado ocidental. O pensamento complexo, detentor
do caos e ordem em sincronia, constitui-se como alicerce principal à criação oriental,
como afirma Flusser:
O designer japonês surge de um contexto cultural caracterizado pela
figura de Buda como aquele que salva da vida. (...) Em todo design
desse tipo se expressa a peculiar qualidade estética da fusão com o
ambiente, da dissolução do eu. (FLUSSER, 2007, p. 209).
Através destas características de dissolução e fusão, nota-se que o oriental é
mais maleável ao seu ambiente e realidade. Isso causa paradoxos que, ainda que não
façam sentido em um primeiro momento, não deixam de ser reais. Um exemplo disto é
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o Japão, que foi uma das últimas nações a sair do regime feudal, e ainda assim é a
primeira do mundo em artigos tecnológicos hoje em dia, especialmente no ramo da
robótica. Azevedo também constata essa característica intrigante:
Buscar inspiração na natureza é uma tarefa difícil nos tempos de
hoje, mas os japoneses parecem lidar com a eletrônica com a mesma
facilidade com que seus antepassados ouviam o vento. (AZEVEDO,
1994, p. 75).
Portanto, essa mutabilidade inata aos japoneses faz com que saiam à frente de
todos os tipos de projetos grandes ou pequenos. Por conseguinte, começamos a
repensar nossa maneira de encarar o mundo e o que fazemos dele. O silêncio é outro
sistema estético a ser considerado. Nos Estados Unidos (e com ele, as suas principais
influências no restante do globo), o silêncio dentro do ramo midiático e comunicacional
é evitado, é considerado um defeito ou falha de processo. Em contrapartida, “No
Oriente, além da palavra, o próprio silêncio passou de pai para filho, e, no que tange à
questão da tradição, o silêncio é compreendido como informação” (AZEVEDO, 1994, p.
75). A prioridade dos sentidos à frente do racionalismo também é outro fator
importante à estética/cultura oriental, principal por conta do budismo: “A lógica zen,
que predomina no oriental, não pode ser dita, explicada e muito menos discutida, tem
que ser sentida, e, para isso, tem que haver consciência dos sentidos” (AZEVEDO, 1994,
p. 75).
No mundo ocidental, especialmente por conta da influência americana e das
revoluções industriais (e logo após as revoluções comunicacionais, com o advento do
computador e internet), deixou-se de lado o contato dedicado à natureza e o fazer
manual para entrar em vigor o fazer em série com maquinários. Passou a ser prioridade
o lucro, a demanda versus procura e o desejo de bens materiais generalizados. O design,
com Walter Gropius e a Bauhaus, surgiu em prol deste novo mundo, tudo precisava ser
feito mais rápido, em maior quantidade, com menos gastos e ainda possuir um valor
artístico (ARGAN, 2005, p. 254). Com os estudos de forma e função, passou a ser
adotado de que o homem deveria decidir o rumo de todas as coisas. O mesmo não
ocorreu aos japoneses e chineses, que ao mesmo tempo em que crescem
economicamente a níveis estratosféricos, preservam com vigor suas tradições e
costumes, e isso inclui o seu “fazer”, que lhes é todo particular. Assim afirma Flusser:
Enquanto no Ocidente o design revela um homem que interfere no
mundo, no Oriente ele é muito mais o modo como os homens
emergem do mundo para experimentá-lo. Se considerarmos a
palavra estético em seu significado originário (isto é, no sentido de
“experimentável”, de “vivenciável”), podemos afirmar que o design
no Oriente é puramente estético. (FLUSSER, 2007, p. 209).

5. Considerações Finais
Quando Walt Disney lançou seu estúdio em meados dos anos 20, ele foi pioneiro em
tudo que envolvia e era lançado em termos de animações em desenhos. Disney foi o
primeiro a desenvolver diversas tecnologias até então inconcebíveis para a época, como
a animação em cima de layers ou camadas. Tal técnica consistia em separar o fundo dos
personagens, garantindo uma espécie de profundidade ilusória - ambientes eram
pintados em sulfite e eram sobrepostos por baixo dos personagens feitos em acetato.
Os estúdios Disney também foram os primeiros a lançar desenhos com som,
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cores, longas-metragens animados, e mais a frente, os primeiros também a lançar os


filmes em computação gráfica e em 3D, com a união da Pixar. Contudo, hoje, o mercado
da animação em massa se estabilizou e tudo que tem sido produzido de sete anos para
cá tem sido uma quantidade enorme de animações genericamente feitas em três
dimensões. Passou-se a vender mais o que é fantástico de se ver, mas não
necessariamente difícil de entender, ou de se refletir. As indústrias cinematográficas
adquiriram tal força e importância no mundo do entretenimento, que passaram a não se
arriscar tanto, a investir apenas nas chamadas “receitas de bolo” de sucessos passados.
Verdade é que a Pixar ainda tem alguns “suspiros” de arte puramente dita em seus
curtas-metragens. Aqueles 5 ou 10 minutos de animação descontraída que passam
antes da famosa mega produção animada cujos cartazes estão espalhados pelo mundo:
são aqueles minutinhos antecedentes que é onde o design se faz existir, ou neste caso,
persistir.
É nesta brecha também que o estúdio Ghibli se mostra como uma feliz exceção
dentro do mercado do entretenimento. As animações de Miyazaki ainda são construídas
com as técnicas antigas do frame a frame e à base do traço e colorização tradicionais.
Não que uma técnica seja superior à outra. É aqui discutido, em verdade e antes de
tudo, o que um profissional criativo pode fazer com aquela ferramenta seja ela qual for,
alcançando um produto animado extremamente rico em conhecimento, diversão e
surpresa. E isso não diz respeito somente ao autor de “A Viagem de Chihiro”, mas a toda
cultura oriental em si, que não possui todo o alcance de público que uma animação
Disney promove (até porque a indústria americana possui todo um suporte financeiro e
de marketing em seu auxílio), mas que lhe faz uma positiva oposição, especialmente sob
a ótica do mundo do design. Esse foi o principal objetivo desta pesquisa, abrir os
horizontes dos nossos olhos ocidentais para a sinceridade e esforço criativo oriental,
compondo-nos como animadores, ilustradores ou mesmo o público que fica atrás das
telas de cinema.

Referências
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Hara, direção de Hayao Miyazaki. Japão, estúdio Ghibli, 1988. DVD / NTSC, 86 min. color.
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JEAN, Al et al. The Simpsons: Married to the Blob. Produção de Al Jean et al. Estados
Unidos: Gracie Films e 20th Century Fox Television, 2014. TV / canal Fox, 24 min, color.
son.
MIYAZAKI, Hayao. 魔女の宅急便 Majo no Takkyūbin. Produção e direção de Hayao
Miyazaki. Japão, estúdio Ghibli, 1989. DVD / NTSC, 102 min, color. son.
MIYAZAKI, Hayao. SUZUKI, Toshio. ハウルの動く城 Hauru no Ugoku Shiro. Produção
de Toshio Suzuki, direção de Hayao Miyazaki. Japão, estúdio Ghibli, 2004. DVD / NTSC,
119 min, color. son.
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DVD / NTSC, 124 min, color. son.
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Toshio Suzuki, direção de Hayao Miyazaki. Japão, estúdio Ghibli, 2008. DVD / NTSC, 101
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