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ISSN 2179-7374
Resumo
Frente ao uso vasto e generalizado das novas tecnologias em animação 3D
atualmente, esta pesquisa visa traçar um panorama adjacente às grandes produções
cinematográficas com o estúdio Ghibli e seu principal diretor/animador: Hayao
Miyazaki. Mostrando-se como uma interessante exceção de sucesso mundial, os
longas-metragens de Ghibli são feitos com o predomínio da técnica 2D desenhado a
mão. Seu processo remonta às primeiras animações criadas no início do século XX e,
ainda que tais ferramentas tenham sido “superadas” por grandes estúdios como Walt
Disney, Pixar e Dreamworks, os trabalhos de Miyazaki ainda conseguem destaque
considerável, preferindo o lápis e papel do que o computador. Com o auxílio de alguns
autores em específico como McCloud e os fundadores do Anima Mundi, além de
outros teóricos do design e da filosofia subjetiva, algumas análises são traçadas para
melhor entender a conexão entre os trabalhos de Miyazaki e sua contribuição para o
âmbito da ilustração e originalidade como um todo. Objetiva-se encontrar pontos-
chaves nas animações de Ghibli que alavanquem novos parâmetros entre a
criatividade, ilustração e a práxis ocidental e oriental.
Palavras-chave: animação ; ghibli ; miyazaki ; ilustração.
Abstract
In front of the vast and widespread use of new technology in 3D animation currently,
this research aims to give an overview adjacent to major film productions with Studio
Ghibli and its main director/animator: Hayao Miyazaki. Showing up as an interesting
exception to worldwide success, the Ghibli feature films are made with the
predominance of 2D hand-drawn art. Its process dates back to the first animations
created in the early twentieth century, though such tools have been "overcome" by big
studios like Walt Disney, Pixar and Dreamworks, the works of Miyazaki still get
considerable highlight, preferring the pencil and paper than the computer. With the
aid of some authors in particular as McCloud and the founders of Anima Mundi, and
other theorists of design and subjective philosophy, some analyzes are mapped to
better understand the connection between the work of Miyazaki and his contribution
to the field of illustration and originality as a whole. The objective is to find the key
points of Ghibli animations which will drive new parameters between creativity,
illustration and Western and Eastern praxis.
Keywords: animation ; ghibli ; miyazaki ; illustration.
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Bacharela em Design Gráfico, FAAC – UNESP, laranjasat@gmail.com
2
Professor Doutor, Departamento de Design - FAAC – UNESP, milton@faac.unesp.br
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Estúdio Ghibli: um Aparato Sobre as Técnicas Ilustrativas e Filosofia Oriental dos Principais Longas-Metragens de Hayao Miyazaki
1. Introdução
Esta investigação visa traçar e analisar um panorama apurado com relação ao mundo
artístico de Hayao Miyazaki, principal dono e diretor de uma das mais importantes e
destacadas indústrias de animação em longas-metragens japonesa a nível mundial: o
estúdio Ghibli. Tal estúdio de animação japonesa apresenta peculiar trajetória e
repercussão em torno do globo. Isso porque, diferentemente dos outros estúdios de
animação globais como Pixar (“Toy Story”, 1995; “Monstros S.A.”, 2001; “Procurando
Nemo”, 2003), Blue Sky (“A Era do Gelo”, 2002) e Dreamworks (“Shrek”, 2001), que
utilizam o que há de maior e melhor na computação gráfica em 3D, as animações de
Ghibli são quase 100% feitas a mão, sob a técnica de animação tradicional frame a frame
bidimensional.
Ao contrário das opiniões generalizadas, entre elas estúdios de animações,
designers e parte do público em geral, que julgam o método frame a frame ultrapassado
e superado, a Ghibli prova a cada novo filme lançado que há muitos outros fatores a
serem levados em consideração e que as animações tradicionais certamente garantem
tanto destaque e reconhecimento quanto as animações computadorizadas. Fazendo
sucesso e adquirindo novos fãs assíduos todos os anos com seus filmes clássicos como
“A Viagem de Chihiro” (no original Sen to Chihiro no Kamikakushi, 2001), ”Meu vizinho
Totoro” (no original Tonari no Totoro, 1988), entre outros, Ghibli mostra ao público o
que há de melhor no mundo dos desenhos animados. Isso porque suas animações,
desde o início de sua ascensão, são feitas com enorme detalhismo e complexidade
ilustrativa.
Figura 1: O filme “Castelo Animado” (no original Howl no Ugoku Shiro), lançado em 2004.
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Figura 2: O filme “Ponyo - Uma Amizade que Veio do Mar” (no original Gake no Ue no Ponyo),
lançado em 2008.
Figura 3: O Filme “A Viagem de Chihiro” (no Original Sen to Chihiro no Kamikakushi), Lançado
em 2001.
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Figura 4: Da Esquerda para Direita.: Hayao Miyazaki, Toshio Suzuki e Isao Takahata, os
Fundadores do Estúdio Ghibli.
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“Laputa” levou 775 mil pessoas ao cinema (Cf. COELHO, 2014), tornando-se um
sucesso de bilheteria e crítica oriental. Este foi o primeiro indício da revolução animada
que se seguiria logo depois e que reforçou a autonomia criativa de Ghibli até os dias de
hoje. Em 1988, o estúdio surpreendeu o público japonês lançando dois filmes ao mesmo
tempo. Para muitos estúdios esse desafio seria impossível de se cumprir sem
comprometer a qualidade da animação ou a gestão dos recursos, mas ”Meu Vizinho
Totoro” (Tonari no Totoro), dirigido por Miyazaki, e “Túmulo dos Vagalumes” (Hotaru no
Haka), de Takahaka, se tornaram obras primas consideradas pela maior parte do público
mundial os melhores filmes do Estúdio Ghibli até hoje - especialmente Totoro que teve
tão grande repercussão e carinho por parte das crianças, que se tornou o logotipo do
estúdio Ghibli.
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Figura 6: O filme “O Serviço de Entregas da Kiki” (no Original Majo no Takkyubin), Lançado em
1989.
Em 1994, foi lançado “A Guerra dos Guaxinins” (Heisei Tanuki Gassen Ponpoko),
o primeiro filme de Ghibli utilizado a tecnologia CG3. Nesse ano, o estúdio contava com
noventa e nove funcionários: doze na direção e produção, doze nos desenhos iniciais,
quarenta e seis nas animações, oito nas pinturas, quatro na fotografia, cinco na área de
marketing e doze na administração. Com relação à inserção da Computação Gráfica
dentro do estúdio Ghibli, diz Wiedemann:
O estúdio adotou gradualmente as técnicas digitais a partir de Porco
Rosso, chegando a experimentar 100% de CGI em My Neighbors the
Yamadas (1999). Mas em grandes sucessos internacionais recentes,
como Princess Mononoke e Spirited Away, os computadores apenas
interferem suavemente em pintura digital e alguns cenários de
fundo. Os filmes do Ghibli conservam, assim, o sabor do desenho a
mão. (WIEDEMANN, 2007, p. 291).
3
CG é a abreviação para Computação Gráfica. Termo utilizado para as animações feitas em computadores, vale
tanto para a técnica 2D como 3D.
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Figura 7: O Filme “Porco Rosso” (no Original Kurenai no Buta), Lançado em 1992.
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Figura 11: A aparição especial do personagem Totoro na animação Toy Story 3 foi uma pequena
homenagem do diretor criativo da Pixar, John Lasseter, ao trabalho de Hayao Miyazaki.
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Figura 12: O Desenho Animado “Os Simpsons” Fez uma Homenagem ao Estúdio Ghibli em
sua 25ª Temporada, no Episódio 10 “Married to the Blob”.
4. A Estética Oriental
Quando se fala da cultura oriental no seu modo abrangente de manifestação,
praticamente todo e qualquer tipo de arte/projeto/ações permeia pelas mesmas
características básicas e gerais: silêncio, subjetividade, intervalo, passividade, invisível,
dissolução, respeito e calmaria suprema. Como McCloud relevantemente observa, há
em nosso mundo ocidental um quê de imediatismo, de clareza exacerbada, rapidez e
acúmulo de informações e imagens que são totalmente avessos aos olhos orientais. De
um lado, os ocidentais procuram formular e fundamentar uma teoria escrita para depois
colocá-la em prática de maneira objetiva e imparcial; do outro lado, os orientais buscam
na prática experimental e no fazer do dia-a-dia o conhecimento necessário para
entender o mundo, ou melhor, para senti-lo e vivenciá-lo. Assim constata Flusser:
Podemos observar como surgem formas entre as mãos dos orientais, por
exemplo, ideogramas escritos com pincel, flores de papel (...). Em todos esses casos não
se trata de uma ideia imposta sobre algo amorfo; trata-se de fazer surgir de si mesmo e
do mundo circundante uma forma que abarque ambos. (FLUSSER, 2007, p. 208).
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Não tomemos aqui um pensamento como certo e o outro como errado, isso
tornaria a análise rasa e simplista, preferimos antes adotar a metodologia da
complexidade indiciada por Morin:
A dicotomia não era mais possível. Foram necessárias estas últimas
décadas para que nos déssemos conta de que a desordem e a ordem,
sendo inimigas uma da outra, cooperavam de certa maneira para
organizar o universo. (MORIN, 2006, p. 61).
Portanto, focaremos no paradigma oriental, não como correto, mas como
objeto investigativo que intriga e fascina e, com seu comportamento subjetivo, pode vir
a enriquecer e medrar com o nosso lado ocidental. O pensamento complexo, detentor
do caos e ordem em sincronia, constitui-se como alicerce principal à criação oriental,
como afirma Flusser:
O designer japonês surge de um contexto cultural caracterizado pela
figura de Buda como aquele que salva da vida. (...) Em todo design
desse tipo se expressa a peculiar qualidade estética da fusão com o
ambiente, da dissolução do eu. (FLUSSER, 2007, p. 209).
Através destas características de dissolução e fusão, nota-se que o oriental é
mais maleável ao seu ambiente e realidade. Isso causa paradoxos que, ainda que não
façam sentido em um primeiro momento, não deixam de ser reais. Um exemplo disto é
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o Japão, que foi uma das últimas nações a sair do regime feudal, e ainda assim é a
primeira do mundo em artigos tecnológicos hoje em dia, especialmente no ramo da
robótica. Azevedo também constata essa característica intrigante:
Buscar inspiração na natureza é uma tarefa difícil nos tempos de
hoje, mas os japoneses parecem lidar com a eletrônica com a mesma
facilidade com que seus antepassados ouviam o vento. (AZEVEDO,
1994, p. 75).
Portanto, essa mutabilidade inata aos japoneses faz com que saiam à frente de
todos os tipos de projetos grandes ou pequenos. Por conseguinte, começamos a
repensar nossa maneira de encarar o mundo e o que fazemos dele. O silêncio é outro
sistema estético a ser considerado. Nos Estados Unidos (e com ele, as suas principais
influências no restante do globo), o silêncio dentro do ramo midiático e comunicacional
é evitado, é considerado um defeito ou falha de processo. Em contrapartida, “No
Oriente, além da palavra, o próprio silêncio passou de pai para filho, e, no que tange à
questão da tradição, o silêncio é compreendido como informação” (AZEVEDO, 1994, p.
75). A prioridade dos sentidos à frente do racionalismo também é outro fator
importante à estética/cultura oriental, principal por conta do budismo: “A lógica zen,
que predomina no oriental, não pode ser dita, explicada e muito menos discutida, tem
que ser sentida, e, para isso, tem que haver consciência dos sentidos” (AZEVEDO, 1994,
p. 75).
No mundo ocidental, especialmente por conta da influência americana e das
revoluções industriais (e logo após as revoluções comunicacionais, com o advento do
computador e internet), deixou-se de lado o contato dedicado à natureza e o fazer
manual para entrar em vigor o fazer em série com maquinários. Passou a ser prioridade
o lucro, a demanda versus procura e o desejo de bens materiais generalizados. O design,
com Walter Gropius e a Bauhaus, surgiu em prol deste novo mundo, tudo precisava ser
feito mais rápido, em maior quantidade, com menos gastos e ainda possuir um valor
artístico (ARGAN, 2005, p. 254). Com os estudos de forma e função, passou a ser
adotado de que o homem deveria decidir o rumo de todas as coisas. O mesmo não
ocorreu aos japoneses e chineses, que ao mesmo tempo em que crescem
economicamente a níveis estratosféricos, preservam com vigor suas tradições e
costumes, e isso inclui o seu “fazer”, que lhes é todo particular. Assim afirma Flusser:
Enquanto no Ocidente o design revela um homem que interfere no
mundo, no Oriente ele é muito mais o modo como os homens
emergem do mundo para experimentá-lo. Se considerarmos a
palavra estético em seu significado originário (isto é, no sentido de
“experimentável”, de “vivenciável”), podemos afirmar que o design
no Oriente é puramente estético. (FLUSSER, 2007, p. 209).
5. Considerações Finais
Quando Walt Disney lançou seu estúdio em meados dos anos 20, ele foi pioneiro em
tudo que envolvia e era lançado em termos de animações em desenhos. Disney foi o
primeiro a desenvolver diversas tecnologias até então inconcebíveis para a época, como
a animação em cima de layers ou camadas. Tal técnica consistia em separar o fundo dos
personagens, garantindo uma espécie de profundidade ilusória - ambientes eram
pintados em sulfite e eram sobrepostos por baixo dos personagens feitos em acetato.
Os estúdios Disney também foram os primeiros a lançar desenhos com som,
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Referências
ARGAN, Giulio C. História da arte como história da cidade (trad. Pier Luigi Cabra). 5. ed.
São Paulo: Martins Fontes, 2005. 288 p.
AZEVEDO, Wilton. Os Signos do Design. São Paulo: Contato Imediato, 1994. 144 p.
BIGELOW, Susan J. Technologies of Perception: Miyazaki in Theory and Practic.
Animation: An Interdisciplinary Journal, Thousand Oaks, v. 4, n. 1, p.55-75, mar. 2009.
FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: Por uma filosofia do design e da comunicação
(trad. Raquel Abi-Sâmara). São Paulo: Cosac Naify, 2007. 224 p.
MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos (trad. Helcio de Carvalho e Marisa do
Nascimento Paro). São Paulo: Makron Books, 1995. 217 p.
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2011. 120 p.
NAPIER, S. J. Confronting Master Narratives: History as vision in Miyazaki Hayao’s
Cinema of de-assurance. Positions: East Asia Cultures Critique, Durham, v. 9, n. 2, p.467-
493, 2001.
VARY, Adam B. The Greatest Living Animation Director Explains Why He’s Retiring.
Nova Iorque: Buzzfeed Entertainment, 2014.
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