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O futuro da cultura do Estado

Jorge Barcellos – Doutorando em Educação - UFRGS

O que revela o anúncio dos novos diretores de instituições culturais de nosso estado? Eles
sugerem pistas para as políticas culturais a serem implementadas? Em que Assis Brasil será
novo em relação a Mônica Leal, a Secretaria de Cultura do Governo Yeda Crusius?

De modo geral, a troca de governo trará benefícios a área cultural é claro. Mônica Leal
sempre reconheceu que não era da área e teve dificuldades em modernizar a estrutura física
da Secretaria da Cultura e ampliar seu quadro de pessoal. Assis Brasil possui uma relação
visceral com a cultura e indicou para seu primeiro escalão nomes de reconhecida
experiência em suas áreas. A reportagem de Cultura do último sábado trouxe depoimentos
de Gaudêncio Fidelis, André Venzon, Tiago Flores, Ricardo Silvestrim e Marcos Barreto e
algumas características que talvez tenham passado desapercebidos pelo público.

A primeira é mostrar que não é apenas trabalho duro o que vem pela frente, mas a
necessária construção da identidade de nossas instituições culturais. Venzon assume o
Museu de Arte Contemporânea, um museu com acervo mas sem sede; Fidelis assume o
Museu de Arte do Rio Grande do Sul, um museu com acervo mas sem curador; Flores
assume a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, uma orquestra sem sede e sem maestro;
Barreto assume a Casa de Cultura Mário Quintana, um centro cultural sem perfil definido;
Silvestrin assume o Instituto Estadual do Livro, um instituto sem plano de edições próprio.
São instituições vitais que estão comprometidas em sua estrutura de base, daí a carência de
idendade.

A segunda é a adoção, no primeiro momento, do discurso de valorização do


contemporâneo. Mas o isto significa exatamente? Para os diretores que assumem, um perfil
de programação "moderno". Leal deixou sua imagem associada ao MTG mas esteve
ausente das demais instituições de memória – o conflito com Voltaire Schilling e a
interrupção dos Cadernos de História do Memorial do Rio Grande do Sul é um exemplo.
Para Assis Brasil, ao contrário, o mote é a “contemporaneidade”, da qual fazem coro
afinado os novos diretores, como se vê no último Cultura. O problema é a demora em
anunciar – pelo menos até o momento em que este artigo é redigido – os nomes dos novos
diretores do Museu Júlio de Castilhos, Memorial do Rio Grande do Sul e Museu Hipólito
José da Costa. O que isto pode significar?

A programação cultural deve se modernizar, estamos de acordo. Mas antes, o Estado deve
assumir um papel proeminente na modernização das instituições culturais. Isto passa em
primeiro lugar, não por projetos de programação mais “contemporâneos” mas pela
modernização das estruturas de nossas instituições culturais que precisam urgentemente de
mais museólogos, historiadores e técnicos de cultura para cumprirem suas funções. Os
equipamentos de memória são tão fundamentais quanto as artes na construção da identidade
do Estado. O Secretário deve mostrar como irá valoriza-los ainda, compromisso que o novo
secretário tem. Caso contrário, o Estado corre o risco de perder mais acervos para o centro
do país, como ocorreu no governo anterior e que todos lastimamos

Bom Dia Estamos encaminhando uma colaboraçaõ para revista História Viva. Jorge
Barcellos Tel. 51 99179918
O Artista e o Secretário

Jorge Barcellos – Coordenador do Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre

No último dia 15 de fevereiro, o Secretário Estadual de Cultura Assis Brasil esteve na


Câmara Municipal para ouvir as reinvidicações da Casa do Artista Riograndense. Com a
presença da Presidenta da Câmara, Verª Sofia Cavedon, do Presidente da Comissão de
Educação, Ver. Prof. Garcia, vereadores e autoridades, vieram a tona as imensas
dificuldades que atravessa a instituição atualmente.

O depoimento do Presidente da Casa do Artista, o ator Luciano Fernandes, sensibilizou a


todos. Com oito moradores, incluindo Zé da Terreira, a Casa necessita de ajuda do poder
público e da sociedade civil. Por um lado, o que se ouviu foi a descrição notável do
esforço de manter de pé o cotidiano do trabalho de uma instituição que dá abrigo a artistas
que acompanharam gerações. Por outro, o que se viu foi o verdadeiro sentido de um
Comissão Permanente Legislativa: autoridades convidadas em seu esforço para
determinarem formas de ação e colaboração, a inclusão do tema na agenda política, etc.

Dos convidados, a presença de Assis Brasil é um indicador de que algo já está mudando na
política cultural. Parece pouca coisa, mas não é. O Secretário fez questão de estar presente.
Isto não é comum. Em administrações anteriores, muitos enviaram representantes ou
sequer compareciam. Já houve evento em que, como parceiros, sequer participavam das
solenidades oficiais. E Assis Brasil participou ativamente da reunião compromentendo-se
com o problema.

O que é novo? O simples arregaçar as mangas, estár lá onde os problemas estão. Assis
Brasil é uma das maiores autoridades culturais do estado, tamanha e respeitável é sua obra.
Sua discrição oculta um secretário disposto à luta. Seu semblante sério não deixa perceber a
sensibilidade para os problemas humanos. Oxalá tenha sucesso nesta empreitada que se
inicia. A Casa do Artista e a cultura gaúcha agradecem.

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-- A Guerra como Espetáculo


Jorge Barcellos, Historiador, Mestre e Doutorando em Educação, Coordenador do
Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre

Como podemos entender fatos como a tortura de Abu Graib e a transmissão ao vivo dos
combates no Iraque, cada vez mais comuns no noticiário? Quais são as origens do aumento
do uso dos meios de comunicação, do uso de fotografias e do cinema? Para Paul Virilio, em
Guerra Pura, estes fatos revelam que mais perto estamos de uma dimensão ancestral da
guerra, sintoma delirante que se produz ”na meia luz do transe, da droga e do sangue”. Diz
o General Gambiez “sugestões e alucinações se misturam à busca de fatores psicológicos
(depressivos ou tônicos) que contribui para restituir às batalhas sua verdadeira fisionomia.”

A origem da associação entre imagem e guerra deve ser procurada no século XVIII e XIX.
Em 1794, o general Jourdan obtém a Vitória de Fleurus utilizando pela primeira vez um
balão de observação para sobrevoar um campo de batalha. Depois, no século XIX, Jules
Jansen patenteou seu revolver astronômico, capaz de obter fotografias em série e que foi
aperfeiçoado por Jules Marey, com seu fuzil cronofotográfico, que permitia focalizar e
fotografar um objeto no espaço. Nadar, em 1858, obtém as primeiras fotografias aéreas,
tiradas de dentro de um balão.

O principio destas invenções é de que a guerra não pode ser separada do espetáculo porque
sua finalidade é justamente menos abater o adversário do que inflingir o pânico da morte.
Diz Churchill: “A força das armas não é uma força brutal, mas uma força espiritual”. A
guerra se faz ao mesmo tempo que sua representação, os instrumentos de destruição
também são instrumentos de percepção, eis a novidade. Durante a Segunda Guerra
Mundial, o Junker 87, bombardeio alemão, lançava um uivo dilacerante sobre suas vítimas;
as bombas de Hiroshima e Nagasaki significaram uma surpresa técnica e moral; finalmente,
os militares empregam com freqüência o termo “arma de teatro”, revelando que a história
das batalhas é também algo para ser visto.

Não é por acaso que os filmes de guerra aumentaram durante a II Guerra Mundial. Tanto na
Alemanha como nos Estados Unidos eram verdadeiros atos logísticos. Goebbels era o
patrono do cinema alemão e conhecia o cinema americano porque seus filmes eram
apreendidos em barcos aliados pela marinha alemã. A técnica alemã era atrasada em
comparação com a americana, que usava o Technicolor, o que só foi alcançado com a
criação do filme Agfacolor, pela empresa alemã IG-Farben, em 1942. Durante a guerra,
desenvolveu-se o cinema nazista, com a criação da Universum Aktion Film (UFA),
principal complexo de produção, distribuição e comercialização de filmes da Alemanha em
guerra. Um de seus cineastas de sucesso era J. Von Barky.

Diz Virilio “Logo no inicio das hostilidades, atores e diretores foram submetidos a um
regime militar em que a simples ausência dos estúdios era considerada um ato de deserção,
e, enquanto tal, passível de punição”. Os artistas casados com mulheres judias terminaram
por conhecer um destino trágico, como Hans Meyer-Hanno e Fritz Khune, este último,
eletricista chefe da UFA e que em 1944 suicidou-se com sua esposa Loni para evitar
separação. Os filmes produzidos eram muito caros, mas mesmo assim eram apresentados
nas salas de cinema, então reduzidas à ruínas. É o exemplo de Kolberg, filme alemão
produzido em plena derrota militar.
A Alemanha cedo cedeu a obsessão pelo arsenal de percepção americano, obtido de
elementos esparços como revistas, jornais, viajantes, correio de prisioneiros, imprensa
internacional. Ali se encontravam fontes de informação importante, seja nos aviões de
carreira, aliados ou alemães. Nos Estados Unidos, a produção cinematográfica era
acompanhada pelo Alto Comando Militar e o Pentágono era produtor e distribuidor de
filmes de propaganda. Cineastas como John Huston, Frank Capra Anton Novak e Luis
Buñuel produziam documentários para o exército americano .

A necessidade da introdução das cores no cinema alemão é inspirada à Goebells por


Goethe, com o aval de Hitler. Para Goethe, “elas provocam efeitos psicológicos,
patológicos e estéticos que permanecem espantosos”. Essa agressividade funcionou como
uma “pintura de guerra”, “encarregada de reativar os espectadores, afastá-los da apatia
diante da desgraça ou do perigo iminente ou evitar a desmoralização das massas, tão temida
pelos comandantes militares e pelos chefes de Estado”.

O caminho que leva a transformação do campo de tiro em campo de filmagem faz com que
fique cada vez mais sutil a divisão da artilharia – que ilumina e revela – com as atividades
do cinegrafista: a nitrocelulose que é utilizada na fabricação de filmes também é empregada
na fabricação de explosivos e a iluminação que dá base ao cinema é a mesma que
possibilita localizar o inimigo. É pela luz que, de agora em diante, o cinema e a aviação
andam juntos, esta deixa de ser um meio de transporte para tornar-se um modo de ver: a
aviação de observação e o uso ampliado da iluminação encontra-se na origem da força
aérea e da guerra. A iluminação passa a ser fundamental à guerra e a batalha não se faz sem
luz.
Com a ascensão dos registros de imagens à condição privilegiada nos aviões de combate, os
aviões começam a conhecer inovações técnicas para manter a escala das fotografias, a
cronofotografia de combate, que mais tarde será cinematográfica. A visão começa a escapar
de noções euclidianas, abrindo túneis endoscópicos, registros em vôo looping, (quando o
avião faz um grande oito), técnicas hoje presentes nas atrações de parques de diversões e
que tiveram origem em artifícios para o registro de combate.

O campo de batalha como campo de percepção: eis a transfomação radical provocada pela
Segunda Guerra Mundial. Os centros de comando tem seu interior transformado: as paredes
são repletas de imagens e mapas milimetrados descrevem o teatro de operações.
Investimento é realizado em pesquisa, cibernética, radar, microfotografia, rádio e
telecomunicações. Os bunkers de comando e gabinetes de trabalho superam os bunkers de
batalha, que perdem a percepção da guerra, que passa para os gabinetes que estão a uma
distância segura para reunir uma infinidade de informações e transmiti-las ao fronte pelo
rádio.

A idéia de que a guerra era uma forma perversa de arte estava presente dos dois lados do
atlântico. A transpolítica da imagem é, numa palavra, reconhecer que a guerra também
exigia uma logística das imagens. Diz Mussolini “A propaganda é minha melhor arma”.
Albert Speer, no julgamento de Nurenberg, afirmou que “Hitler soube servir-se primeiro
dos meios oferecidos pela técnica“. O que incluia de vez o cinema, que desde os anos 30
era alvo do ditador. Diz Hitler em 1938: “As massas precisam de ilusão, não somente no
teatro ou no cinema, mas também nas coisas sérias da vida”. Apaixonado por seu cinema
desde infância, patrocinador da cineasta Leni Riefenstahl, possuía extraordinário
conhecimento técnico de direção teatral, trucagens, dos mecanismos de alçapões e
sobretudo das possibilidades de iluminação de refletores. Para Jay Doblin, Hitler também
era o maior utilizador de logotipos da história, cujo exemplo é a suástica. Esta é a razão
dele contar, para seu projeto, de homens de espetáculo, o que inspirará lideranças por todo
o século XX.

Entre os diretores à serviço do Reich, está Veit Harlan. Com vitórias alemãs tornando-se
cada vez mais raras, Hitler tem a idéia de um filme histórico rodado na Noruega sobre suas
vitórias. A idéia não será levada adiante mas vale a pena registrar. Harlan convoca o Gen.
Dietl para representar a si próprio na constituição da invasão da cidade de Narvik. Ali ainda
encontravam-se carcaças de navios ingleses afundados e a cidade estava em ruínas. A razão
é que a perda da cidade para os ingleses havia sido uma terrível derrota e perda de prestígio.
Diz Harlan: “morrer pela pátria lhes parecia mais lógico que morrer pelo cinema”.

Nos Estados Unidos, o movimento é conhecido. Leslie Howard e Lubistsch são os


primeiros a envolverem-se no esforço de guerra e produzir filmes. Com David Miller,
produzem filmes como To be or not To be (1943), The First of the few e Flyng Tigers
(1942). Personagens como Pimpernel Smith encarnam o imaginário americano da época.
No filme “Mister V” lançado em 1942, de Leslie Howard, seu personagem, é o professor
distraído que engana os nazistas.

A aproximação entre as funções do olho e da arma tem uma história. Começa com o teste
de 18 de maio de 1904, quando Christian Hulsmeyer testa em colônia seu
“telemobiloscópio”, aparelho que informa um observador afastado a presença de objetos
metálicos, o ancestral da radio-telemetria, o radar de Watson Watt. Durante a guerra, Henri
Chrétien aperfeiçoou a telemetria de artilharia, descobrindo as bases técnicas que levarão,
36 anos depois, a consolidar o Cinemascope, que resultou na projeção melhor de filmes
sobre a grande tela. Trata-se portanto, da extensão do campo de percepção que está em
jogo. O olho cede lugar ao ótico-eletrônico e as miras telescópicas avançadas. A
reconstituição fotográfica do campo de batalha é a base do filme de guerra.

Dom da visão dupla é concedida aos aviadores. Agora, há dois espaços militares. O
primeiro, é aquele que a visão alcança, o próximo, que é possível pela visão ocular. O
segundo, é o da visão dada pelos equipamentos, visão que alcança o distante, o que só a
visão mecânica possibilita. Graças a ondas eletromagnéticas, aviões como os Dornier e os
Messerchmitt em patrulhas noturnas, utilizam radar de bordo que permitem ver em uma
tela objetos há cinco quilômetros de distância. A Luftwaffe utiliza em Londres e em
Conventry bombas incendiárias para delimitar a zona de lançamento de bombas explosivas,
enquanto que os aliados usam bombas de iluminação, que ao se incendiar no solo desenham
nas trevas um quadrilátero de brilho vermelho.

Quanto a guerra se torna espetáculo, o ataque é o centro do show. A Segunda Guerra


Mundial transforma o ato de guerra em espetáculo de luz e som, com efeitos especiais,
projeção atmosférica, reprodução da arquitetura de luz de Nurenberg. A idéia é confundir a
população amendrontada. Diz Alfred Speer: o bombardeio proporcionou um espetáculo do
qual a lembrança não pode se apagar e era necessário lembrar o rosto atroz da realidade
para não mais se deixar fascinar por esta visão. Era uma grandiosa visão do apocalipse".
Descortinava-se uma arquitetura das imagens, produto para ser visto pela televisão,
calculado em seu alcance para as massas, seja através das filmagens ou dos painiéis
estrategicamente colocados para a população.
Os bombardeios de 6 e 9 de agosto de 1945 finalizam a guerra mundial e iniciam uma nova
fase de pesquisa. Agora, armas de laser, caminhões de partículas fazem com que armas de
luz substituam as antigas. A bomba A entretanto, já incluía esta idéia. Mais do que uma
explosão nuclear, o flash nuclear de 1/15.000.000 segundo foi um clarão de luz que atingiu
todos os locais, deixando sua impressão nas pedras, deixando intactas superfícies
protegidas. O desenho tatuou a pele das vitimas como imaginava Nicéphore Niepce, para
quem a fotografia era um método de gravura através da luz, onde os corpos inscreviam os
efeitos da luminosidade. A arma atômica é herdeira da câmara escura de Niepce e
Daguerre. A sombra sai das paredes para a cidade e as armas, agora, tem olhos. Do Vietnã a
guerra do Iraque, fazer a guerra nunca mais será o mesmo: ogivas rastreadoras, guias
infravermelhos, ogivas com vídeo, a fusão está feita entre a função da arma e a função do
olho, verdadeira panóplia da guerra luz, estética do campo de batalha eletrônico, espaço
militar conquistado pela imagem.
Onde andará Rodrigo Proensa ?

Jorge Barcellos, Doutorando em Educação - UFRGS

Rodrigo Proensa pertence a uma jovem geração de artistas plásticos talentosos e


promissores da arte contemporânea brasileira. Nascido em São Gabriel, sofreu influência
do artista plástico José Roberto Aguilar e do cineasta João Batista de Andrade. Fez vídeos,
participou de peças de teatro, performances, happenings e assistiu aulas de filosofia no
ECA e na USP.

Conheci Proensa quando ele participou de um curso que ministrei sobre a obra de Jean
Baudrillard, e junto com Gabriela Simões, inscreveu-se e foi selecionado para a ocupação
do Teatro Glênio Peres da Câmara Municipal de Porto Alegre. Sempre com um notebook
debaixo do braço, seu hábito era de mostrar a todos sua coleção de pinturas digitais e
filmetes que representavam uma arte contemporânea e de vanguarda.

As coisas não saíram muito bem para Proensa. A performance teve altos e baixos e não foi
compreendida. Intitulada “Ato Terminal” passava por declamações de poemas, encenações,
justapondo imagens e sons, - as vezes palavrões, para o horror da audiência! - e que
constituíam seu questionamento sobre a existência. Ao final, o que Proensa questionava era
o que é a própria vida, desde que para isso, tivesse que tocar no mais fatal dos temas, a
morte. O experimentalismo na arte poderia ser comum na obra de Aguilar em São Paulo,
mas mostrou-se algo incompreesível para o público que o assistiu no Legislativo, que a seu
pedido interrompeu as duas apresentações. A linguagem experimental era experimental
demais. Um espaço que queria abrir-se para autores e para o público enfrentava sua
primeira contradição, a de que nem sempre um autor encontra seu público.

Proensa, contudo não via isto como violência, aceitava sugestões e queria experimentar.
Chamou-me a atenção seu conhecimento de filosofia moderna e contemporânea,
especialmente Nietszche e Deleuze. Também lia profundamente Renato Mezan “Freud,
Pensador da Cultura” e Edgar Morin.. Ele se reivindicava um autodidata, e suas pinturas
digitais eram repletas de significados simbólicos, assim como os pequenos filmes que
acompanhavam sua produção, com musica de Boulez e Schoenberg.

Ele mesmo sentia, como Aguilar, suas relações pessoais como relações místicas. Primeiro
com Gabriela Simões “o grande amor cósmico de minha vida”. Sua pintura com coloridos
intensos, com vermelhos e amarelos, a maneira de Aguilar, parecia encarnar um sentimento
de amor e questionamento superior da existência. Seus trabalhos podem ser encontrados em
sua página no orkut (http://www.orkut.com.br/Main#FullProfile.aspx?
uid=2678935161231424772), e no blog que criou (www.vaziocosmico.blogspot.com).

Pode-se identificar duas fases de seu trabalho no Orkut. A primeira, de pinturas digitais
líricas, onde os tons azuis e monocromáticos predominam. Não há figuras, apenas borrões e
traços. Poderia se falar numa “fase azul” ou “fase cinza”, cada qual correspondendo a cor
que predomina em suas obras .A segunda, de pinturas digitais de cores fortes e grossas e
marcantes, sua fase mais recente – e também mais existencial – pois revela uma pintura
visceral. Não há como deixar de perceber a emergência emocional do artsta em convulsão.
A mesma que pode-se ver em seu blog, mas com algumas diferenças.

É que o blog junta poesia e arte, outra experimentação. Mas há aí uma profunda anarquia,
um profundo desejo de dizer as coisas, de expor sentimentos. Texto sem correção, é aquilo
que Deleuze e Guattari denominaram em “Anti-Edipo” de “fluxos”. Fluxos de consciência
em estado puro, sentidos a flor da pele, é a própria emergência do inconsciente do artista
que emerge diretamente em sua consciência. Algo relacionado com os impressionistas que
admira, como Van Gogh, e também com o espírito da Arte Gutai.Mas ainda há mais.

Aquilo que caracteriza a modernidade da arte de Proensa é sua inquietude transbordante.


Seus vermelhos intensos são de uma arte sem comparação – Nolde preferia o amarelo. Seu
valor plástico é o de uma comunicação direta pela cor, pela intensidade, pelo traço. Claro
que sua alma é pura, mas é assustador o caos de que se faz portador. Pois não é apenas a
arte que se dissolve em cor, em Proensa, ela parece estar dissolvendo a própria
subjetividade do artista.
Foi neste ponto que, junto com a Assistência Social da Câmara Municipal de Porto Alegre,
procuramos orientar o artista, encaminha-lo para entidades de apoio. Pois o artista de que
falamos transformou-se num morador de rua, sem teto, que passou dias sob o Buda da
Redenção no mês de novembro deste ano. Sua aparência é péssima, tem surtos e fala sem
parar. Sua ânsia de comunicação se refletia muitas vezes na forma caótica de expor seu
pensamento, sua arte, suas idéias. Isto não era bom. Proensa esta, neste exato momento, sob
o tênue fio que separa a saúde da loucura, a integridade psiquica da desagregação. A idéia
de demoníaco, no sentido dos gregos antigos, o de ser tomado por forças sobre –humanas,
impregnava os últimos dias em que tivemos contato. A ele foi recomendado que primeiro,
procurasse cuidar da vida, e para isto, foi duas vezes encaminhado para abrigos, que
rejeitou. Como se sabe, nestas situações, é preciso querer ser ajudado. A ultima coisa que
pediu foi algum auxilio para ir para São Paulo visitar Aguilar, seu mestre. Foi quando nos
separamos e desde então não vi mais Proensa. O artista terá um grande futuro pela frente, se
sobreviver às ruas e domar o demônio interior que faz com que as pessoas que admiram sua
obra se afastem dele. Onde andará Rodrigo Proensa ?

A sociedade do hipertrabalho

Jorge Barcellos, Doutorando em Educação/UFRGS

Em “A felicidade paradoxal”, Gilles Lipovetsky analisa a sociedade atual como sociedade


de hiperconsumo. Nela, um turboconsumidor hedonista e individual busca suas satisfações
numa espécie de império do consumo de tempo integral. O mercado agradece, e o autor
sabe da conseqüência desta felicidade proporcionada por ele: se o individuo é o único
referencial para atingir a felicidade, ele nunca esteve tão desamparado como hoje, sujeito as
novas frustrações, entre elas a depressão e a angústia.

O trabalho é o lugar em que mais se experimenta os efeitos da cultura competitiva do


mundo atual. Conhecemos os princípios em que se baseia: autonomia, uso absoluto do
tempo, satisfação do cliente, etc, etc. Mas a competitividade cobra seu preço. Arriscamos a
dizer que vivemos, para seguir na linha de Lipovetsky, numa sociedade de “hipertrabalho”.
Você já não tem a oportunidade de colocar a questão se é feliz no trabalho: você é um
felizardo por ter um trabalho, e você pagará o preço que for necessário para mantê-lo.

Essa “mais-valia”, já enunciada por Marx em “O Capital”, retorna com força nos tempos
atuais. É o que se vê quando se diz ”eu não tenho tempo para nada”. O acúmulo de
trabalho, a obrigação de realizar inúmeras tarefas para os quais você não está organizado, a
necessidade de resolver problemas de agenda, a obrigação de atender a chefias cada vez
mais exigentes e urgentes faz com que o dia-a-dia de trabalho se transforme no oposto do
que ele deveria ser: lugar de satisfação.

O trabalho transformou-se numa maratona. Corre-se contra o tempo e contra o próprio


trabalho, na ânsia de realizar inúmeras atividades que nunca foram programadas para
apenas um ser humano. Este é o caráter desumanitário do trabalho atual: transformado em
excesso de trabalho, sobretrabalho, produz um mal-estar que não é mínimo, ao contrário, é
um fator de risco prejudicial para a saúde mental no trabalho.

Ele tem seus efeitos imediatos: é o erro acumulado. Os infortúnios do trabalho devem-se
mais as pressões aumentadas do que a falta de qualificação profissional. A sociedade do
hipertrabalho ampliou de modo considerável as tarefas que devem ser realizadas no dia a
dia, aumentando os erros na mesma proporção e com isso prejudica a valorização e o
reconhecimento de si no trabalho.

Frente a isso, surge a resposta dada por Paul Virilio em “Guerra Pura”: para enfrentar a
angústia do tempo que passa, somente o seu contrário: chegou a hora de parar. Eis a
posição política que emerge do tempo do hipertrabalho, a idéia que devemos parar para
refletir sobre os modos sobre os quais administramos nossas rotinas de trabalho e se não
estamos levando longe demais as imposições da sociedade do hipertrabalho. Esta é outra
forma de colocar a questão do significado do trabalho no mundo atual.

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Nascer de novo

Jorge Barcellos, professor

Todo homem experiencia na metade de sua existência um acontecimento radical. Ele é o


modo da Fortuna impor-nos um desafio, uma escolha entre caminhos a seguir. Pode ser um
problema de saúde, a morte de um ente querido, um abalo na vida profissional, uma
catástrofe natural, o fato é que este acontecimento torna-se o divisor de águas entre o que
você foi e o que você deseja ser daí em diante. Esses acontecimentos radicais são
experimentados pelas pessoas em suas vidas, mas nem sempre elas se permitem a reflexão
sobre o que farão daí em diante em relação a seus corpos, que valor darão a partir de então
aos seus entes queridos, se alcançaram sua Missão ou Vocação ou não, ou o que farão para
escapar de situações de risco.

Estas experiências tem em comum mostrar o caráter pedagógico da proximidade da morte.


A morte é uma professora que, quando acaricia o nosso rosto, nos ensina que em nossa vida
temos de ter um momento para avaliar tudo o que somos, tudo o que fazemos. A morte é o
fim, diz-se, mas fim também é a finalidade de alguma coisa, o que lhe dá sentido. Quando
estamos envoltos nestas situações, parecem que elas não tem finalidade nem sentido:
porque estou doente, porque isto aconteceu justamente comigo? Ao contrário, elas servem
para que tenhamos uma oportunidade de rever nosso passado, quem vivencia a proximidade
da morte sabe que tais situações acontecem para fazer uma pergunta: você chegou até aqui
pela vida que leva. Está disposto a mudar?

Sobreviver a tais experiências caracteriza o que chamamos de ”nascer de novo”. A


assinatura deste acontecimento é sempre com dor, muita dor, que é uma espécie de
assinatura de um novo contrato que lhe é proposto. Você, pela primeira vez, descobre que
tem um corpo que precisa de cuidados; você descobre um novo modo de olhar sua família e
seus familiares, mais terno, mais carinhoso; você descobre se realizou sua vocação ou o que
fez para distanciar-se dela e descobre que nada justifica expor-se a situações de risco. Ao
“nascer de novo”, você sabe o que mudar em si e em relação aos outros - você já sabia há
muito tempo, só não conseguia fazer e não se dava conta da importância disso.
Você sabe que a partir deste momento, de alguma forma foi introduzido em seu interior
algo que funciona como um relógio em contagem regressiva, uma espécie de bala simbólica
que, a semelhança da bala real que Nanda acerta em Mike na novela Caminho das Índias,
estará pronta para decretar o seu fim caso não aproveite esta oportunidade.

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As novas formas da tela

Jorge Barcellos, Doutorando em Educação – UFRGS, Coordenador do Memorial da


Câmara Municipal de Porto Alegre.

Vivemos num mundo repleto de telas: da televisão, do cinema, do computador, dos


consoles de videogames, do telefone celular, das máquinas fotográficas digitais. A tela
deixou de ser o ecrâ do espetáculo para tornar-se a própria tela-comunicação. Tela Global,
espalhadas por aeroportos, restaurantes, bares, carros, aviões, telas grandes ou pequenas,
plana ou tátil. A constatação é de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy em “Tela Global: mídias
culturais e cinema na era hipermoderna” (Editora Sulina) obra que questiona os efeitos
profundos dessa proliferação de telas em nossa relação com os outros, com o mundo, com
nosso corpo e com nossas sensações. Mas atenção: a obra não trata de todas as telas, mas
daquela inigualável, a forma original e prototípica da tela/ecrâ: o cinema. Como o mundo
de múltiplas telas afetou a sétima arte? O que acontece com o cinema quando é visto fora
da sala escura? Os filmes serão suplantados por seriados e telefilmes? Que forma de vida
democrática é anunciada pela multiplicação das telas? A idéia dos autores é clara: “mesmo
confrontado com desafios de produção, o cinema continua sendo uma arte de um poderoso
dinamismo, cuja criatividade não está de modo algum em declínio. O tudo-tela não é o
túmulo do cinema: mais do que nunca este demonstra inventividade, diversidade,
vitalidade”.
Gilles Lipovetsky tem larga experiência quando o assunto é a análise do mundo
contenporâneo. Professor da Universidade de Grenoble, formou-se em filosofia na
Sorbonne. Estudou os grandes filósofos como Platão e Aristóteles, teve em seguida uma
formação marxista, que abandonou a partir do momento em que percebeu que a cultura das
massas era vista como algo alienado. Dedicou-se então aos objetos mais desprezíveis para
os filósofos, como a moda, a publicidade e o lazer ”parece-me que tudo isso exprime
muitas coisas de nossa época”, afirma. Autor de “Felicidade paradoxal”, “O luxo eterno”, “
A terceira mulher”, “Tempos hipermodernos”, entre outros, mostra com números a
evolução do cinema: se em 1976, Hollywood realizou apenas 138 filmes, em 2005 chegou a
699 películas. A obra é escrita em parceria com Jean Serroy, professor universitário
consagrado e especialista em teatro do século XVII, que também é critico de cinema. Autor
de ”Entre dois séculos: 20 anos de cinema contemporâneo”(Editions de la Martinière, sem
tradução), Tela Global é o inicio da sua parceria com Lipovetsky, e que se seguiu ao
também não traduzido “Cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada”(Editions
Odile Jacob, sem tradução) onde a reflexão sobre a ascensão mundial da cultura, das
marcas, da publicidade, do turismo, da indústria cultural exige que se pense na emergência
de uma nova forma de capitalismo, que eles denominam de tecnocapitalismo cultural.

Tela Global é composto por três partes principais. A primeira é intitulada “Lógicas do
hipercinema” e é onde os autores se dedicam a descrever as características desta arte
ontologicamente moderna. Mas os autores também vêem a sua transformação industrial e
simbólica, descrevendo os processos que levam esta arte a busca da criação de
cinessensações: que nada mais são do que os efeitos da ampliação da velocidade das cenas
e da profusão de signos nas imagens de cinema, que fazem com que os modos de
aparecimento da violência e do sexo sejam o paradigma de um discurso cinematográfico
hipertrofiado. Não se trata somente, alertam os autores, de uma transformação do registro
fílmico: trata-se também de uma transformação na própria narrativa cinematográfica, ou
ainda, na forma como são contadas as histórias pelo cinema. É, exemplificam os autores, a
adoção das narrativas multiplex, com suas múltiplas histórias, seus múltiplos personagens,
para atender seus múltiplos fins – e que vai além, quando a própria noção de primeiro e
segundo plano é alterada emergem situações e formas narrativas do cinema dentro do
cinema.

A segunda parte é intitulada “Neomitologias” e é onde os autores descrevem os aspectos


relativos aos filmes documentário e histórico. Descrevem a explosão do
cinemadocumentário, em que “A marcha dos pingüins” (Luc Jacquet) é o exemplo de um
sucesso absoluto exportado para o mundo inteiro, com seus cerca de 1,9 milhão de
ingressos vendidos. Também apontam o movimento de revivêscencia do passado, presentes
em filmes épicos e históricos que misturam realidade e romance, como “A lista de
Schindler” (Steve Spielberg, 1993). Finalmente os autores caracterizam um movimento que
denominam de “cinepólis”, onde o cinema exprime o curso do mundo, com o tratamento de
questões sociais. Aqui, o “mundo político é menos uma questão ideológica do que um
domínio capaz de trazer expressão cinematográfica uma profundidade de sentidos”. È onde
os autores, por exemplo, localizam “Cidade de Deus” ( Fernando Meirelles).

A terceira parte é intitulada “Todas as telas do mundo” e trata das relações do cinema com
as séries de televisão, com os reality shows e os teleshows esportivos, demonstrando
também as relações do cinema e da televisão com a publicidade. Os autores vão mais além,
para descrever a dimensão da tela-mundo, onde descrevem nossos estados de
videovigilância, a presença das telas lúdicas na vida cotidiana, o papel de videogames e do
second life, da videoarte e da arte digital. Não é pouca coisa: a análise feita pelos autores
envolve a categorização e estabelecimento de relações entre mais de 660 filmes que
resumem a maior parte da história do cinema do século XX. Os autores apontam suas
razões econômicas, sociais, mas também os pontos de relação com a emergência de
identidades regionais, desde o cinema de Griffith até Spielberg. Analisando esta produção
aos olhos dos homens de todos os países e culturas, os autores assinalam os arquétipos de
narrativas eternas presentes: “o amor e o ódio, a vida e a morte, a felicidade e a
infelicidade, a paz e a guerra, o bem e o mal, o riso e as lágrimas, o belo e o feio, a
juventude e a velhice, o parazer e o sofrimento”.

Lipovetsky e Serroy fazem sociologia na história do cinema. Às perguntas que formularam,


eles respondem que o cinema cumpre uma grande função social hoje, o de ser elo de
ligação que provoca entre os homens “o motivo de reuniões entre amigos, discussões sobre
um filme que se viu, no dia seguinte, com um colega de trabalho[..]que fazem do cinema
uma espécie de objeto comum, compartilhado, de lugar cultural onde as pessoas vão
comungar num mesmo espírito de adesão e de convicção“. O cinema é afetado sim pelos
seriados e pelas demais telas, mas sua força, segundo os autores, reside no fato de que ele
ainda é a arte com mais força para contar uma história, porque ela é a de maior
performance, o que abre uma rica discussão sobre arte e imaginação. O que ela tem de
verdadeiramente democrático é que reunindo imagem, narração e música, funde as diversas
artes numa linguagem que as combina como “arte de sedução imediata dirigida a todos”.
Mas algo mudou na história recente do cinema, já que, mais do que possibilitar ver a
realidade através da arte, o cinema oferece uma visão de mundo. O que há de novo no
cinema é que muitos filmes convidam a ação, naquilo que os autores chamam de cinevisão.
Ou, como diz Oscar Wilde, a vida imita muito mais a arte do que a arte imita a natureza”.

Lipovetsky e Serroy reivindicam a valorização da função transcultural e civilizacional da


sétima arte. Não se trata do tradicional “ah, isso é cinema!”, mas ao contrário “isso é a
realidade!” Por que estrelas, divas e personalidades tem através do cinema a capacidade
extraordinária de alimentar comportamentos reais, modos de ser, e com isso, fazer evoluir
os costumes e engendrar atitudes, que os autores denominam de cinematização do mundo.
Ainda que a descrição da especularização do mundo seja também o elogio de certa escalada
de superficialização pelas imagens, ou ainda, a imersão num mundo das imagens clichê,
também estamos diante de um novo cinema, o Cine-life “Este é o mérito do cinema:
quando a vida busca se assemelhar ao cinema, desenvolvem-se ambições estéticas e a
afirmação crescente das singularidades”. Conforto do cinema contermporâneo: a vida não é
nenhum filme catástrofe, mas também não é nenhum happy-end.

SERVIÇO:

A TELA GLOBAL MÍDIAS CULTURAIS E CINEMA NA ERA HIPERMODERNA

GILLES LIPOVETSKY E JEAN SERROY (tradução PAULO NEVES)

EDITORA SULINA

R$ 62,00

Sobre Arte e Loucura

Jorge Barcellos, Doutorando em Educação – UFRGS

As relações entre arte e loucura tem uma longa história. A subjetividade, a imaginação e as
formas do pensamento foram objeto de reflexão no campo artístico inicialmente pelo
movimento expressionista, que se nutriu de contribuições de correntes psicanalíticas para
valorizar o mundo das emoções. Inspirando-se em pacientes asilados, muitas vezes
esquizofrênicos, artistas como Paul Klee e Max Ernest deram vazão a arte de psicóticos.
Eles possibilitaram um debate importante sobre o processo criativo, compreendendo a
importância que o sentimento, a intuição e o mundo imaginativo tem na criação artística.

No Brasil, na área de saúde, o médico-psiquiatra, músico e critico de arte Osório Cezar foi
o pioneiro no Brasil a valorizar a produção artistica de pacientes internados em hospitais
psiquiátricos, em seus estudos no Hospital do Juqueri. Em 1929 publicou o livro "A
Experiência Artística nos Alienados" – onde defendeu a arte dos doentes mentais e que foi
seguido em 1934 pela publicação de “A Arte nos Loucos e Vanguardistas”. Contemporâneo
de Nise da Silveira, que se tornou conhecida pelo Museu do Inconsciente, ambos chegam
aos anos 40 defendendo a experiência de reorganização da vida psiquica de seus pacientes a
partir da arte. Para ambos, a expressão artística de alienados tinha valor porque era
originária do inconsciente – ambos usam como base as idéias de Freud. O que tais pacientes
produziam era caracterizado como arte bruta, que incluía desenhos, pinturas, bordados,
peças modeladas, peças espontâneas e inventivas. Nos anos 80, Frayz & Pereira
organizaram a exposição Arte Incomum, que apresentou a produção de pacientes
esquizofrênicos, com o objetivo de procurar registrar as reações do público. As reações
revelaram que a arte de pacientes esquizofrênicos eram vistas como um grito, uma forma
desesperada de buscar questões relativas a vida, a liberdade, a identidade e a alteridade.

Estas questões aparecem em nosso mais recente artista plástico - e louco - chamado
Rodrigo Proensa. Proensa pertence a uma jovem geração de artistas plásticos talentosos e
promissores da arte contemporânea brasileira. Nascido em São Gabriel, sofreu influência
do artista plástico José Roberto Aguilar e do cineasta João Batista de Andrade. Fez vídeos,
participou de peças de teatro, performances, happenings e assistiu aulas de filosofia no
ECA e na USP.

Conheci Proensa em 2008, quando participou de um curso que ministrei sobre a obra de
Jean Baudrillard. Sempre com um notebook debaixo do braço, seu hábito era de mostrar a
todos sua coleção de pinturas digitais e filmetes que representavam uma arte
contemporânea e de vanguarda. As coisas não saíram muito bem para Proensa. A
performances em espaços públicos foram incopreendidas. Sua performance intitulada “Ato
Terminal” passava por declamações de poemas, encenações, justapondo imagens e sons, -
as vezes palavrões, para o horror da audiência! - e que constituíam seu questionamento
sobre a existência. Ao final, o que Proensa questionava era o que é a própria vida, nem que
para isso tivesse que tocar no mais fatal dos temas, a morte. O experimentalismo na arte
poderia ser comum na obra de Aguilar em São Paulo, mas mostrou-se algo incompreesível
para o público que o assistiu em Porto Alegre.

Chamou-me a atenção seu conhecimento de filosofia moderna e contemporânea,


especialmente Nietszche e Deleuze. Também lia profundamente de Renato Mezan, “Freud,
Pensador da Cultura” e Edgar Morin. Se reivindicava um autodidata, e suas pinturas
digitais eram repletas de significados simbólicos, assim como os pequenos filmes que
acompanhavam sua produção, com musica de Boulez e Schoenberg. Sua pintura tinha
coloridos intensos, com vermelhos e amarelos, a maneira do artista plástico José Aguilar,
parecem encarnar um sentimento de amor e questionamento superior da existência. Seus
trabalhos podem ser encontrados em sua página no orkut
(http://www.orkut.com.br/Main#FullProfile.aspx?uid=2678935161231424772), e no blog
que criou (www.vaziocosmico.blogspot.com).

Pode-se identificar duas fases de seu trabalho no Orkut. A primeira, de pinturas digitais
líricas, onde os tons azuis e monocromáticos predominam. Não há figuras, apenas borrões e
traços. Poderia se falar numa “fase azul” ou “fase cinza”, cada qual correspondendo a cor
que predomina em suas obras.A segunda, de pinturas digitais de cores fortes e grossas e
marcantes, sua fase mais recente – e também mais existencial –revela uma pintura visceral.
Não há como deixar de perceber a emergência do artista em convulsão, a mesma que pode-
se ver em seu blog, mas com algumas diferenças.

É que o blog junta poesia e arte, outra experimentação. Mas há aí uma profunda anarquia,
um profundo desejo de dizer as coisas, de expor sentimentos. Texto sem correção, é aquilo
que Deleuze e Guattari denominaram em “Anti-Edipo” de “fluxos de consciência em estado
puro", sentidos à flor da pele: é sem dúvida a própria emergência do inconsciente do artista
na consciência, numa palavra, arte da loucura. Algo a ver com os impressionistas que
admira, como Van Gogh, mas também com o espírito da Arte Gutai.

Aquilo que caracteriza a modernidade da arte de Proensa é sua inquietude transbordante.


Seus vermelhos intensos são de uma arte sem comparação – Nolde preferia o amarelo. Seu
valor plástico é o de uma comunicação direta pela cor, pela intensidade, pelo traço. Claro
que sua alma é pura, mas é assustador o caos da loucura de que se faz portador. Pois não é
apenas a arte que se dissolve em cor, em Proensa, ela parece estar dissolvendo é a própria
subjetividade do artista.

Pois o artista de que falamos desde aquela época é morador de rua e sem teto. Passou dias
sob o Buda da Redenção em 2008 e sua aparência é péssima, com surtos e fala sem parar. É
um louco. Mas é um artista. Sua ânsia de comunicação se reflete na forma caótica de expor
seu pensamento, sua arte, suas idéias. Proensa já ultrapassou o tênue fio que separa a saúde
da loucura, está em desagregação. Nunca mais vi Proensa desde o ano passado, mas hoje
sei que depois de viajar como um andarilho por São Paulo e Rio de Janeiro, encontra-se
perdido nas ruas de Chorrochó, no interior da Bahia. É de lá que vem o apelo: quem pode
ajudar Rodrigo Proensa?

Se você pode ajudar Rodrigo Proensa, entre em contato

Prefeitura de Chorrochó: 75-3477-2174


Nivaldo 75 3477 2100
Adriana 75 34772134
O mundo da Secretária de Cultura e o que encontramos lá

Jorge Barcellos Doutorando em Educação – UFRGS.

Mantém o blog filosofiafrancesacontemponea.blogspot.com

“Todos aqueles cujos sentimentos são contrários aos nossos não são necessariamente
bárbaros nem selvagens, mas podem ter tanto quanto ou mais razão do que nós.” René
Descartes, Discurso do Método

Os argumentos utilizados pela Secretária Estadual de Cultura Mônica Leal em seu artigo do
Cultura do último dia 13/03 são um bom exemplo de como funciona a legitimação
ideológica em nossos dias atuais. Em uma primeira leitura, seus argumentos correspondem
ao que Anna Freud (1936) e Otto Fenichel (1945) definiram como os mecanismos de defesa
do ego. Negação em aceitar os dados da realidade – a crença na falta de fundamento nas
criticas a sua gestão; fantasia proporcionada por uma ilusão dos desejos que não podem se
realizar – a sua crença na existência de um projeto politio cultural em andamento da qual é
protagonista; repressão que afasta do consciente e mantém a distância algo pertubardor – a
réplica acirrada a seus críticos de plantão; projeção que atribui aos outros sentimentos que
nascem em si mesma – de que a comunidade cultural está satisfeita com sua realização,
quando há uma oposição; racionalização que encontra razões naquilo que é irracional - “o
ocupante de cargo de confiança deve seguir a linha de governo e não sua linha pessoal”. Se
Voltaire Schilling foi demitido porque foi incapaz de concentrar a memória do Rio Grande
do Sul no Memorial – o que não é verdade, pois Voltaire realizou publicações e eventos
nesta área - da mesma forma o diretor do Margs deveria ser imediatamente ser demitido
pela exposição Arte na França que Mônica elogia, porque também seu museu deveria
concentrar a arte somente gaúcha! Nada mais irracional! Nada mais revelador da ausência
de projeto!

Mas não se trata apenas da manifestação de uma psicologia comum, do arrepio à lógica e a
revelação de inexistência de pressupostos de seu projeto de política cultural que se trata. A
segunda leitura é a do ponto em que seu discurso realiza perfeitamente a ordem simbólica.
A prova de que a ideologia está presente em sua ação, que a confusão entre linha do
governo e linha pessoal é uma das características de sua política cultural pode ser
constatado naquilo que a Secretária tem de mais inocente: seu blog
(monicalealrs.blogspot.com). Não é o site da Secretaria Estadual da Cultura que traz
informações preciosas sobre qual é a política cultural de nosso estado – é burocrático
demais, é institucional demais - mas seu blog que diz mais sobre a verdade da linha de
governo adotada pela atual Secretária do que os sites mencionados e as entrevistas
publicadas que vale a pena explorar. Este é o verdadeiro “mundo por detrás do espelho”
para utilizarmos a expressão do tema da matéria de capa do Caderno de Cultura, revelador
de uma Secretária que, como a Alice do País das Maravilhas, está em deslumbramento
com o mundo da cultura e seus personagens e faz da cultura o meio de construir sua
carreira política e pessoal.

Se não vejamos. No blog vemos a Secretária no que mais considera como ação cultural
propriamente dita: inaugurando obras, fazendo corpo a corpo com a comunidade cultural –
e dá-lhe fotos, muitas fotos – e participando daquilo que considera a ação cultural por
excelência, a Cavalgada do Mar. Lançado em 19 de outubro de 2009, “vencida justamente
por ver que o blog pode ser um instrumento positivo nesta [sua] atual dinâmica de trabalho
e vida” o Blog inicia suas atividades como Secretária - e estou aqui dando o devido
desconto as postagens de atividades junto ao seu partido (PP) e as pessoais. Sua primeira
postagem é o registro do recebimento do CD da AJURIS que mostra como os magistrados
do Rio Grande do Sul são bons cantores de música nativista (23/10/2009); depois, entre
outras postagens, seguem-se as que falam da importância da Feira do Livro de Porto Alegre
“nada substitui o cheirinho de papel” (31/10/2009); a tombamento do Castelo de Pedras
Altas (29/11/2009); a da inauguração do auditório do Colégio Medianeira (Santiago,
11/3/2010) até o lançamento da Cavalgada do Mar (27/1/2010). Há muitas notícias suas, de
viagens, de encontros com diversas personalidades do interior. Não é pouca coisa o
trabalho da secretária.

Pelo blog, descobrimos que um de seus sonhos é ser prefeita de Torres ”Eu sonhei que era
Prefeita de Torres ..Sim, no meu sonho eu priorizei o turismo, Nada mais inteligente, visto
que essa praia, como já disse e mostrei através de fotografias aqui no blog, esbanja belezas
naturais. O turismo impulsiona a economia, desenvolve a cultura, gera renda, oportuniza
empregos e garante a permanência dos filhos da terra, sem desintegrar famílias, pois
ninguém precisa ir embora para a capital em busca de empregos.” Que a Secretária é bem
intencionada, não resta dúvida, mas voi-lá, eis-nos diante de um dos pressupostos da sua
ação cultural - os sonhos são também o lugar de revelação de nossos segredos: a ação
cultural é alavanca de fortalecimento do turismo. Essa concepção é simplista por reduzir as
manifestações culturais ao fortalecimento do turismo, noutras palavras, de uma economia,
noção superficial de cultura que Secretária alimenta em sua prática. Daí a imensidão de
visitas, daí os inúmeros encontros como secretaria, e de certa forma, ela encarna
exatamente isso, como se ela ocupasse o lugar do viajante (Nelson Brissac Peixoto,
Cenários em Ruinas).Não podemos deixar de pensar: as visitas que vemos em suas fotos
são ações de uma Secretária ou de uma candidata ?

Entre visitas a museus, autoridades, eventos e pessoas, realmente que tipo de política a
Secretária tem desenvolvido? É claro que a Secretária tem desenvolvido ações sim, tem
trabalhado em muito em prol da cultura sim, mas o que estamos discutindo é se elas
reunidas constituem um projeto. Numa palavra, tem um fio condutor que as unifique, se
possuem unidade que a constituam enquanto sistema. Pois é isto que faz com que suas
diversas ações sejam fecundas para a cultura do estado. Que deem frutos no futuro. Ao
contrário, o que constatamos acompanhando as postagens da Secretária, é que vemos uma
Secretária desesperada por fazer algo. Qualquer coisa. Às vezes até sem comer, como ela
mesmo revela. Até em prejuízo de sua vida pessoal, como as vezes assinala. Viajando de
um lado para outro, estando em diferentes lugares, em vários lugares ao mesmo tempo, às
vezes de passagem rápida em função do próximo evento. Se seguir esse ritmo, a ela aplica-
se o que Slavoj Zizek diz de forma paradoxal “É melhor não fazer nada que comprometer-
se em atos localizados, cuja função última é fazer que o sistema funcione melhor” (La
Suspension Política de la Ética, FCE, 2005). Esse sistema de que trata Zizek pode ser aqui
entendido como a prática de uma política cultural de aparências, na qual as discussões de
fundo são substituídas por encontros e inaugurações. O que faz da Secretária uma ameaça a
cultura não é a sua passividade, que ela de fato não tem, mas a sua pseudoatividade, sua
urgência de estar ativa, de participar de tudo e de todos os eventos, que mascara o vazio de
projeto que a envolve. Ao participar de tantos eventos sem uma unidade de sentido, o que
lhe é difícil verdadeiramente é retroceder, é retirar-se do dia-a-dia de contato com órgãos,
instituições e pessoas, para construir as ações de políticas culturais de seu governo. Ao
contrário, sua primeira ação critica deveria ser abandonar-se à passividade, recusar-se a
participar de tais eventos para esclarecer de fato o terreno de sua verdadeira linha de
governo.

Mais da ideologia da Secretária em seu artigo? Retornemos a frase principal ”Não há crise
na cultura. Só haveria crise se eu, titular da pasta, não tivesse tomado as providências de
saneamento a partir de um choque de questão. Essa é a verdade“. Argumento que choca
pela sua simplicidade, é da mesma natureza da frase de Kung Fu Panda, o filme infantil de
John Stevenson e Mark Osborne :“não há ingrediente especial. É apenas você. Para
acreditar que algo é especial, você precisa apenas acreditar nisso”. Estamos defendo
Voltaire Schilling? É claro que sim, porque mesmo sabendo ser seu direito demiti-lo, o
julgamos vítima de uma injustiça. Estamos criticando a gestão da Secretária? Sim, mas não
pelo trabalho, que de fato ela tem, mas pelo sentido político de sua ação. O que significa
colocar a questão: são seus atos algo que constituem uma base para o futuro da política
cultural em nosso estado ou são fenômenos perenes condenados ao desaparecimento? A
forma fetichista da defesa da Secretária tem, como no filme de Stevenson & Osborne, a
seguinte mensagem subliminar: “Sei muito bem que existe crise na cultura, mas ainda
assim acredito que não“. Esta é a fórmula mais elementar do funcionamento da ideologia, a
do ataque irracional às denúncias e criticas que lhe apresentadas. Ou ainda, como naquele
filme dos Irmãos Marx, onde Grouxo Marx, ao ser descoberto numa arte, contesta
raivosamente: “a quem crê, em teus olhos ou em minhas palavras?”

Cracknet ou ensaio sobre as conseqüências do vicio em internet

Jorge Barcellos – Doutorando em Educação UFRGS

As máquinas técnicas funcionam, evidentemente,


com a condição de não serem estragadas.

As máquinas desejantes, ao contrário, não

cessam de se estragar funcionando; só funcionam

quando estragadas

Gilles Deleuze e Felix Guattari, Anti-édipo.

Eu estava assistindo o documentário Geração Internet, do canal GNT quando me veio a


cabeça a palavra cracknet, que evidente, querido leitor, não existe. Mas Deleuze diz que a
filosofia é a arte de inventar conceitos e então mãos a obra. O documentário tratava da atual
dependência dos jovens da internet, verdadeira epidemia de nosso tempo. Descrevendo a
geração internet, mostrava milhares de jovens cujos habitus (Bourdieu) envolvem o fato de
não se desgrudar da tela do computador e cujas conseqüências iniciam na familia com o
distanciamento das relações com os pais – como no pai que tem de passar um e-mail para
chamar a atenção do filho - até o ambiente escolar, onde jovens reconhecem que nunca
tinham lido um livro sequer mas abusavam do uso de sites de resumo para realizar os
trabalhos de aula.

A geração internet é composta por estudantes que saem da sala de aula para entrar em salas
de bate-papo, chats e comunidades do Facebook. Nesse novo universo jovem, “perfis” são
as formas de construção de identidades no mundo virtual, e nos termos de Baudrillard,
encarnam a realidade do “duplo”, obsessão simbólica da humanidade, a busca de si no
outro, forma enviesada da busca da identidade - que teima em ser reduzida a personagem
de novela sempre que vemos irmãos, lembram-se? O problema é que estes “Duplos” - o
avatar, os perfis - substituem os jovens dentro da mesma inexorável lógica capitalista –
amigos são acumulados a exaustão, compara-se quem tem mais comentários, etc, etc. Diz
uma moça a certa altura: “É viciante”. No mundo virtual em que se busca ter mais amigos,
o que é paradoxal é que na maioria das vezes, tais amigos são em realidade – não amigos,
totalmente desconhecidos – e esse “nada” do sentimento é o espelho da própria sociedade.
Nesse universo que pretende de alguma forma substituir o real, pais vêem seus próprios
filhos trancados em quartos, preferindo discutir/expor seus problemas na internet do que
com a família.

Como no mundo real, no mundo virtual há espaço para muita violência. Nesses sites,
jovens trocam insultos, deixam comentários nas páginas uns dos outros, brigam
virtualmente. Válvula de escape virtual de uma violência real ou acelerador virtual de uma
violência real? No mínimo, violência mediada pela imagem da violência, onde os jovens
revelam o prazer de filmar cenas de humilhação para em instantes posta-las no You Tube.
Nesse mundo, jovens tem relacionamentos no mundo virtual que não teriam no mundo real,
negando as teses de Michel Maffesoli, da internet como terreno fértil da sociabilidade
juvenil contemporânea.

A imagem que vem a mente é a do filme Matrix, no detalhe da conexão técnica da máquina
e do ser humano e que parece vir a toda. Estamos conectados ao computador, mas o que
significa isso? Existe uma passagem em que Deleuze dizia que com a criação do
automóvel, criamos outra coisa, o homem-máquina, interrelação misteriosa em que a
máquina parecer ser parte de nós e nós da máquina. É que não nos damos conta de que
nesta operação, automatizada, também transformamo-nos. E quando esta máquina é o
computador, o que significa? Diz outra jovem ”Já faz parte da minha vida”. Absorção
perigosa e a preocupação de educadores é como educar na era onde só a internet tem
sentido.

Não há como negar que a emergência da internet transformou os modos de vida. Esse
mundo não vai sumir, mas é perigoso quando jovens preferem o mundo virtual ao mundo
real. Talvez uma forma de assumir um distanciamento disso tudo seja ver a expansão da
internet como um elemento a serviço da ideologia da democracia liberal capitalista global, a
maneira das análises de Slavoj Zizek. O capitalismo, ao nos apresentar o mundo virtual
como um espaço “público”, nos apresenta uma realidade fantasmagórica assimilável
dizendo o que podemos ou devemos fazer. O social é insuportável? então vá para o virtual.
A internet é uma realidade fantasmática, e em termos zizekianos, o mais perigoso dela é
que ela dá a incrível sensação de que a vida torna-se suportável “pois há escolhas a serem
feitas”, diz . O ardil ideológico da internet é manter a realidade a uma certa distância,
revelando que o que está em jogo justamente são os aspectos traumáticos da realidade que
são representados pelo encontro com o outro.

Assim, o vício em internet, ou aqui cracknet - vamos pensar por um instante que este
conceito seja possível - torna-se assim tão perigoso quanto o vicio em crack real, objeto de
tantas campanhas. O cracknet domina de forma tão intensa o cérebro que torna-se
impossível deixar de ler e-mails ou acessar sua conta; e é essa sensação imensa de euforia
que a conexão com a internet possibilita que a torna perigosa: quando você se afasta dela,
você fica com a urgência de retornar a ela? Sinto, então você já é um viciado.Internet vicia
como crack? De certa forma sim, mas não do ponto de vista da produção de alucinações,
simplesmente porque ela própria já é a alucinação em si. E o fato de que o usuário de
internet não sentir prazer por outros aspectos da vida, reforça o fato de se transformar em
vicio. Como assinala Zizek, trata-se de mais um elemento naquilo que ele denomina de
“lógica inexorável do capital”, a construção da prisão que governa a vida. Longe de ser
somente o abismo de liberdade que promete a internet, ela também é o abismo da
desintegração do outro e de si mesmo.

Marc Auge formulou um conceito que identifica a internet: é um não-lugar. O não lugar
opõe-se noção antropológica de lugar. Para Mauss, o lugar é o que define nossa natureza,
como o lugar que o antropólogo visa estudar, o lugar do nativo, lugar de vida, de celebração
da existência, lugar de seus descendentes. Lugar é sempre principio de sentido.” Nesse
sentido, a famílía, por exemplo, é um lugar, solo que ajuda a compor a identidade
individual, espaço de compartilhamento de referências e vivência de sua própria história.
A internet é um não lugar não porque é virtual, mas por sua provisioridade e efemeridade.
Para Auge, são lugares comprometidos com o transitório e com a solidão. No mundo
caracteriza do pelo excesso (Baudrillard), a internet apresenta-se como não lugar fugidio,
que merece ser estudado, mas não como algo natural, ao contrário, como lugar repleto de
contradições e complexidades.

Zizek afirma que durante séculos a igreja teve papel fundamental nos destinos humanos
preenchendo todas as ações, atos e desejos de sentido da humanidade. Detendo o
significado da vida e do mundo, Zizek diz que a religião era o Significante Mestre e que
com o advento da modernidade, perdeu seu espaço. A sociedade capitalista atual implora
por um Significante Mestre que substitua o anterior. Que nosso fascínio pela internet
corresponda a um momento desta procura, parece óbvio, mas a verdade é que somente
novos pontos de vista sobre a realidade que providenciem consistência a nossa experiência
de significado podem ser levados em consideração. Diz Teles em "O capitalismo e suas
patologias“: o Capitalismo proclama, vende, produz uma ideia de globalização de seres
ligados e interagindo entre todos no mundo inteiro, as pessoas, os sujeitos cada vez menos
estão “ligados”, interligados numa mesma sintonia de pensamento, crenças, sonhos, ideais.
É certo que, sempre houve na história pessoas e pessoas em determinado tempo, no entanto,
nunca houve tamanho desencontro de pessoas.” É esse efeito que o vicio em internet,
cracknet, termina por ocultar.

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Arte contemporânea e violência


Jorge Barcellos. Historiador. Mestre e Educação/UFRGS. Integrante da Comissão
Organizadora do 15º Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre.

O 15º Salão de Artes da Câmara Municipal de Porto Alegre acaba de anunciar seus
vencedores. A instalação Caminho Traçado, de Joice Giacomoni recebeu o prêmio
aquisição. A obra convida a experimentar um jogo de tabuleiro, povoado por pés, mãos,
animais e objetos ligados por uma linha continua apartir de técnicas de digitalização.
Juliano Lopes, com um grafite sobre papel, recebeu o premio incentivo a criatividade. Uma
obra com leves tons claro-escuro, que causa admiração. Estereograma, xilogravura com
colagem de Olga Caon também recebeu o prêmio incentivo a criatividade. Das obras, uma
das mais contemporâneas, onde a tridimensinalidade é um elemento central na obra, repleta
de figuras humanas.

A exposição vem a público no momento em que se noticia fatos surpreendentes no mundo


das artes. No Chile, uma exposição de arte foi feita com cachorros mortos recolhidos nas
ruas. Antonio Becerra recolheu uma dúzia de corpos de cães atingidos por carros, empalou-
os, pintou sobre eles, inseriu pinos e cravos e denominou sua obra de "Oleo sobre cães". A
exposição recebeu US$ 7,8 mil para sua criação. "Não quero representar o cão. O que eu
faço é um misto de matança, escultura e veterinária, já que encontrei cachorros jogados nas
ruas que estavam apenas semimortos". Criticada por entidades de direitos dos animais ,
uma das obras traz nas costas uma pintura com a imagem do papa João Paulo II e um
crucifixo (Zero Hora, 28.8.2002).

Este tipo de arte já é comum no Brasil e no Rio Grande do Sul. Ana Luisa Carrard "Arte
Contemporânea sem limites" (Zero Hora, 26.8.2002) mostrou que sangue de mestruação,
sangue de carneiro e órgãos de animais já fazem parte das obras de muitos artistas
brasileiros nos museus e galerias de arte. No Rio Grande do Sul, Karin Lamprecht mostra
no Margs uma série de trabalhos com sangue de carneiro. Em seu livro de visitas, muitos
visitantes escrevem, além de palavras pouco elogiosos, comentários como "O que é isto?"
"Sacrificio de animais é arte, crueldade é arte?" A matéria lembra que além de Lamprecht,
Denise Haesbaert recentemente fez uma série de quadros com sangue de sua própria
menstruação, gases , absorventes incorporados ao seu trabalho. "Atualmente, Denise está
trabalhando com restos hospitalares de uma cirurgia plástica que fez no abdômen". Outra
artista, a bageense Helena Kanaan combinou litografia com tripas de boi e pele de cavalo,
compradas em mercearia. "Eu tinha como objetivo de instigar reações no público". Perto
desta série de expressos, o 15º Salão de Artes da Câmara de Porto Alegre parece coisa de
criança. Pior: passa a estranha sensação de que é uma exposição que dá até para ver.

Em O Procedimento Silêncio Paul Virilio reúne ensaios onde aborda a problemática da arte
contemporânea. Para o autor de Velocidade e Política, a arte contemporânea impõe
questões éticas. Seu estudo é interessante para pensar os rumos da arte no Rio Grande do
Sul. Analisando o Museu de Auschwitz e outros casos similares Virilio, pergunta se a arte
moderna não termina por reproduzir os mesmos signos catastróficos de uma época, sob
ajustificativa artística ”No lugar de cometer um verdadeiro crime, matando com uma
bomba os transeuntes inocentes, o autor contemporâneo deste século comete um crime
contra os símbolos, contra o sentido mesmo da arte compassivo, ao qual assimila o
academicismo“. Virilio debate uma questão central: a defesa da liberdade na arte justifica
tudo? Há algum limite ético para o que pode ser exibido nos espaços de arte?

A originalidade do autor está em contrapor a dinâmica da guerra com a dinâmica da arte.


Hoje elas estão cada vez mais parecidas. Da mesma forma como o progresso justificou a
guerra, as vanguardas não cessaram de antecipar perigosamente a desolação dos tempos
modernos. Quando os soldados alemães perguntaram a Picasso se havia feito Guernica,
respondeu "é obra de vocês, eu não fui seu autor!” Para Virilio, a principal mudança na arte
hoje é que ela deixou de ser demonstrativa para ser monstrativa, uma arte que atenta contra
o espectador, e que a exposicao Sensation é o principal exemplo com seus temas como
sexo, religião e pedofilia, que causaram escândalo à época. Havia uma imagem da Virgem
Maria coberta com excremento de elefante e corpos infantis com bocas repletas de falos.
Não é o único.Outro exemplo é a exibição do anatomista Hagens Gunter Von, que mostrou
200 cadáveres humanos. No Memorial de Tuol Seng, se arquivam fotos dos milhares de
pessoas executadas pelo governo cambojano, num antiga escola usada pelo regime do terror
como centro de tortura. Virilio critica que os termos dos debates tem-se centrado no campo
da censura, o valor estético das obras e o uso de fundos públicos para seu financiamento.
A questão central permanece intocada: é possível expor qualquer coisa?

Virilio constata que há uma perspectiva terrorista, ou melhor, que o terror agora se expressa
pela arte. A arte está brutal, suas obras estão cada vez mais violentas, revelando o desejo
secreto de torturar o espectador. A arte profana as formas e o os corpos sob o pretexto de
ser contemporânea. Mas a questão é saber contemporânea de que? Quando Jacqueline
Lichtenstein declara que sua sensação no museu de Auschwitz foi a de que aquilo tudo
continua por outros meios os modos de detruição daquele tempo fatídico, ela quer criticar o
elogio da violência pela arte. Ele não é novo. Richard Huelsenbeck, um dos fundadores do
dadaísmo, dizia “estamos a favor da guerra. A vida deve doer. Não há suficiente
liberdade." A guerra prevista no manifesto futurista de 1909 termina em Auschwitz. Esta
aposta na violência se voltou contra os artistas: Paul Celan se suicida em Paris, em 1979 e
Virilio aponta que a crônica necrológica da arte é longa, e inicia na orelha cortada de Van
Gogh.

Para Virilio, como muitos agitadores políticos, a vanguarda também é terrorista, provoca
tumulto, atentado ao pudor sob pretextos artísticos. Se as democracias estão se destruindo
em todo o mundo, a arte deste século também tem seguido esta tendência, representando
um mundo do ódio na arte. Nos acostumamos ao choque, a violência no mundo, achamos
normal que ela se expresse na arte também. Como distinguir a arte de vanguarda na
confusão das mídias? O risco que os artistas correm é que a brutalidade de suas obras pode
tanto alertar como destruir. Seu caminho é a busca pela eliminação dos obstáculos entre o
pintor e a pintura, transparência absoluta. “ Aos que pensam que minhas pinturas são
serenas, gostaria de dizer-lhes que, em cada centímetro quadrado de suas superfícies, tenho
apresentado a violência mais absoluta" diz Mark Rothko. A identidade da violência dos
corpos mortos e esculpidos a plástico de von Hagens e das obras de Karin Lamprecht fazem
parte de um mesmo movimento terrorista. Se trata de quebrar os últimos tabus. Mas o que
resta da arte e da nossa humanidade quando todos os tabus estiverem quebrados?
A este tipo de arte, denominada por Virilio como Artes Extremas, tem o efeito de, depois
de quebrar os tabus, quebrar o Ser, a unicidade do gênero humano. Em 4 de maio de 2000,
o Wall Street Jornal publica uma ilustração publicitária, um corpo humano torturado por
objetos agressivos. É a etapa de uma perda de realidade, excesso, que sob o pretexto de
opor-se a arte tradicional, termina por uma visão brutal e mutilante. A questão é sempre a
mesma, não discutimos se liberdade de expressão na arte tem um limite. Para Virilio, o
único limite possível, além do qual tudo estará perdido é o do apelo ao assassinato e a
tortura, como vemos, por exemplo, no habito do piercing como forma de arte terrorista.
Como a liberdade cientifica não tem limites, por imitação, a artística também não. Mas se
na arte não houver limite, não houver valor, não haverá respeito, e sobre tudo, não haverá
piedade. Se o 15º Salão de Artes da Câmara Municipal tem um valor, é lembrar-nos de um
tempo em que as obras de arte ainda podiam ser vistas prazer e admiração, serem o museu-
vivo de uma forma de expressão cuja finalidade é estética e não terrorista.

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