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Introdução

Erasmo de Roterdã (1466-1536) foi um dos mais importantes disseminadores de ideias


humanistas durante o Renascimento e as Reformas Religiosas do século XVI na Europa
Ocidental. Escritor, teólogo e filósofo neerlandês, Erasmo, além de ter estudado na
Universidade de Paris e Universidade de Oxford e dado aula na Universidade de Cambridge,
cursou o Seminário dos Monges Agostinianos e dedicou sua vida intelectual à teologia,
porém ao passar dos anos criticou a vida monástica, o clero e a igreja.

Sua obra-prima, Elogio da Loucura, publicada em Paris em 1511, é um ensaio satírico onde o
autor escreve contra alguns fatores que imperavam naquela sociedade essencialmente cristã:
contra a ambição e a cobiça que levam aos abusos de poder e aos tráficos; contra a cegueira e
a presunção dos teólogos que pretendem controlar a literatura e a vida moral e espiritual da
sociedade; contra a ignorância e as superstições dos monges, os quais desnaturam e
confiscam a piedade. A grosso modo, é uma crítica aos abusos da Igreja e aos escândalos das
suas autoridades, como também uma defesa à liberdade de pensamento – aspecto marcante do
humanismo (CORBIN, 2009, p. 276).

É nesse período – onde “o humanismo preconiza um retorno às origens e aos textos


fundadores do cristianismo” – que Erasmo de Roterdã – inspirado pelo movimento
renascentista de retornar à literatura clássica – publica a primeira edição grega e uma nova
tradução latina do Novo Testamento junto de algumas notas crítica. E mais, entendendo que
os fiéis estavam no meio de turbulentas desconfianças das autoridades religiosas, Erasmo
exorta que leiam as Escrituras com proveito, pois restava ao fiel apegar-se à Palavra de Deus,
o último recurso infalível para manter a fé segura. Vale ressaltar que já em 1503 Erasmo
havia proposto um programa de vida evangélica que não se baseasse na vida monástica, visto
que, segundo ele, a piedade não está ao monastério.

Por fim, cabe salientar uma característica singular do movimento humanista: a valorização do
homem com a tendência de colocá-lo no centro do universo. Essa ideia influenciou o filósofo
neerlandês a produzir, em 1524, o Ensaio sobre o livre-arbítrio, tema bastante discutido entre
ele e o monge e reformador Martinho Lutero (1483-1546). Enquanto aquele defendia a ideia
de liberdade do ser humano, este afirmava que o homem é servo ou Deus ou de Satanás. A
este respeito Lutero respondeu a Erasmo com um tratado Do servo arbítrio. Para Lutero, “a
pretensão ao livre-arbítrio o submete a Satanás [...], [pois] afirmar o homem é negar a Deus

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[...]”. Mas para Erasmo, o homem pode escolher cooperar com a graça Deus para salvar a si,
porquanto “é Deus que o salva, por amor, mas respeitando-o e associando-o a si [...]”.

REFORMA PROTESTANTE

Dessa forma, as Reformas Religiosas no século XVIII, foram resultados de diversas


insatisfações religiosas, de uma crise moral e religiosa. Mediante a diversos fatores, como
principais o surgimento da Bíblia em língua popular e a questão da justificativa da salvação
pela fé (MONTEIRO, 2007, p. 134). Consequentemente a Guerra dos Cem anos e a Peste
Negra. Gerou uma angústia coletiva na Europa, trouxe uma época de superstição
generalizada, acreditava que o mundo estava perto do fim, pregadores falavam para a
população sobre o fim próximo de Roma e da Igreja. No final do século XV se difundiu a
crença de que depois do Grande Cisma ninguém tinha entrado no paraíso. Pregadores
insistiram sobre a gravidade do pecado e a sociedade buscava o perdão para entrar no paraíso
(DELUMEAU, 1989, p. 61). Nesse cenário, nunca foi tão disseminado o culto dos Santos
quanto no final do século XV e XVI. Assim, nascia um politeísmo por meio do culto dos
quatorze Santos auxiliadores. Eram disputadas suas relíquias, sua imagens se multiplicavam e
se tornavam valiosas. Para o povo, os Santos protegiam contra doenças e a morte, mas
também davam a garantia para o além. (DELUMEAU, 1989, p. 65).

“[...] toda vez que têm a sorte de ver alguma estátua de madeira ou alguma
imagem do seu polifêmico São Cristóvão, ficam convencidos de que nesse
dia não poderão morrer. Soldados há que, depois de uma pequena prece
diante da imagem de Santa Bárbara, ficam certos de que sairão ilesos da
batalha. Alguns acreditam que, invocando Santo Erasmo em certos dias,
com certas orações e à luz de certas lamparinas, seja possível fazer uma
grande fortuna em pouco tempo. E que direi do hercúleo São Jorge, que para
esses supersticiosos faz as vezes de um novo Hipólito?” (ROTTERDAM,
2002, p. 30-31).

O autor Erasmo faz críticas a esses comportamentos religiosos na Europa no início do século
XVI. Observa-se um mundo de ignorância religiosa, distante do real significado do
cristianismo e próximo dos abusos da Igreja. Sendo assim, a peste, a fome e a guerra estavam
relacionadas ao pânico, e à superstição como solução para os problemas (MONTEIRO, 2007,
p. 135). À busca para a salvação também abrangia ao pagamento das Indulgências, o pecador
não podia escapar do inferno a não ser que comprasse o seu perdão. Desse modo, a Igreja
ensinava que para obter indulgências era necessário se confessar e comungar também.
Inclusive, essa é umas das principias críticas que Erasmo faz no trecho de Elogia da Loucura,

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os abusos da Igreja, questiona como simplesmente o pagamento das Indulgências, apagavam
os pecados dos fiéis (DELUMEAU, 1989, p. 61).

“Persuadidos dos perdões e das indulgências, ao negociante, ao militar, ao


juiz, basta atirarem a uma bandeja uma pequena moeda, para ficarem tão
limpos e tão puros dos seus numerosos roubos como quando saíram da pia
batismal.” (ROTTERDAM, 2002, p. 30-31).

Embora Erasmo seja muito crítico em relação à igreja no Elogio da Loucura e compactuar
com as obras de Lutero, ele não aderiu à Reforma (DELUMEAU, 1989, p. 59).

Tendo feito grande sucesso no século XVI, o Elogio da Loucura atingiu grande notoriedade
com uma presente crítica satírica em sua obra, tanto para os novos ruptores com a Igreja, os
protestantes, quanto pela própria instituição eclesiástica. A obra desenvolve um discurso a
partir da visão encarnada da Loucura, que se coloca no texto como um personagem condutor
da análise; um guia no mundo. Ela satiriza, expõe o que acha certo - se coloca acima, como
uma entidade, “filha de Plutão” - e guia o leitor a uma ácida crítica contra um mundo regido
pelo poder monástico naquele momento.

É importante ressaltar que uma das críticas que o autor desenvolve nos homens “estoicos” se
propaga durante todo o desenvolvimento da obra; indivíduos considerados “homens de bem”,
contudo não fazem por onde nessa denominação. Diante disso, Erasmo expõe, contra esses
homens justos, a intolerância, a superstição, a hipocrisia e a ingratidão deles, já que veneram
a própria loucura, mas não gozam dela como fazem com outros malefícios, dispostos a
qualquer sacrifício ignóbil para se colocar tenente à Deus.
Isso fica claro quando, para a Loucura, o homem só se torna inteiramente inabalável ao
abdicar de seus princípios inflexíveis e abraçar, de certa forma, a verdadeira loucura, que está
presente no amor, nas mulheres, na infância e no amor-próprio. Essa inflexibilidade dita
acima dialoga bem com a perspectiva crítica que Erasmo coloca sobre o papel dos sábios, dos
padres, dos menestréis, dos filósofos e daqueles que pelo sofisma, inibem o verdadeiro prazer
da vida mundana. Controlam a volúpia, a irreflexão, a “boa mesa”, o sono e a preguiça. Na
visão do autor, o que resulta desse atrofio dos prazeres, do seu regozijo e das vontades
individuais, leva o homem à loucura.
Ainda que na obra, Erasmo de Roterdã expresse sua crítica a fraqueza do homem como
instrumento de manipulação de “esclarecidos” e sábios, ele em momento algum deixa retido
seu pensamento humanista, reconhecendo o valor do homem em sua totalidade.

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Como uma obra em si, o Elogio da Loucura, trata-se de uma das visões filosóficas mais
jocosas já escritas e repleta de alusões típicas do momento renascentista europeu aos deuses e
mitos greco-romanos. Não obstante, ao ler a obra, o Papa Leão X, divertiu-se em sua leitura,
a contragosto do próprio Erasmo de Roterdã.
Como Erasmo se encontra no ápice do movimento intelectual renascentista, em sua obra é
possível ver diversos elementos que se relacionam com os ideais renascentistas, como, por
exemplo, o humanismo, a mudança da centralidade de Deus para o homem. Apesar de ainda
seguir os preceitos católicos, o homem tem a liberdade de pensar e elaborar teorias sem ser de
cunho religioso, o que era algo restrito durante a Idade Média. Tal como Leonardo da Vinci,
que estudou o corpo humano, e também retratou cenários descritos na bíblia, mas de maneira
humanizada.
Outro ponto que é retratado na obra de Erasmo é o regresso à Antiguidade Clássica,
considerado pelos renascentistas um período de grande esplendor filosófico, artístico e
arquitetônico. A valorização dos pensadores da antiguidade ocorreu pois eles, os
renascentistas, queriam romper com preceitos primordiais da Idade Média, julgando-a como
o período onde não se produzia conhecimento, então, de acordo com Delumeau, “o
Renascimento definiu-se a si próprio como movimento em direção ao passado [...], a caminho
do progresso. [Esse movimento] quis voltar às fontes do pensamento e da beleza” (Delumeau,
1983, p.85). Em resumo, precisariam retroceder para avançar.

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Referências bibliográficas:
DELUMEAU, Jean. A Reforma: Por Quê? In. Nascimento e Afirmação da Reforma. São
Paulo. Livraria Pioneira Editora, 1989, p. 76-78
DELUMEAU, Jean. A civilização do Renascimento. Lisboa: Editorial Estampa, 1994.
DIANA, Daniela. Erasmo de Roterdã. Toda Matéria, 2011-2022. Disponível em:
https://www.todamateria.com.br/erasmo-de-roterda/. Acesso em 07/04/2022.
MASSAUT, Jean-Pierre. Os Caminhos da Reforma. In. História do Cristianismo: Para
compreender melhor os nossos dias. São Paulo. Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 276-
280.
MONTEIRO, Rodrigo Bentes. As Reformas Religiosas na Europa Moderna: notas para um
debate historiográfico. VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 23, nº 37: p.130-150,
Jan/Jun 2007.

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