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UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA

LICENCIATURA EM PSICOLOGIA SOCIAL E COMUNITÁRIA-4º ano Laboral


PRESPECTIVAS AFRICANAS DOS FENÓMENOS PSICOLÓGICOS II

O lugar do Nome nos distúrbios de identidade em Moçambique

Discente:
Áureo Moçambique
Judite Jive
Silas Simango

Docente:
dra. Isália Mate
dr. Moisés Cassilote
UEM-Faculdade de Educação

Maputo, Abril 2022

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Índice
Introdução........................................................................................................................................1

Objectivo Geral:...........................................................................................................................1

Objectivos Específicos:................................................................................................................1

Metodologia.................................................................................................................................1

Estrutura.......................................................................................................................................1

Definição de conceitos básicos........................................................................................................2

A questão do nome.......................................................................................................................2

Nome e Identidade.......................................................................................................................3

Antepassados e Nome/Identidade................................................................................................4

Nome e expectativas....................................................................................................................6

Os Antepassados (espíritos) e o Nome............................................................................................6

Factores ligados à atribuição do nome na tradição oral...................................................................9

Conclusão......................................................................................................................................10

Referências Bibliográficas.............................................................................................................11

Entrevistados..................................................................................................................................11

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Introdução
Nós africanos nascemos, desenvolvemos e somos charás de alguém, vivo ou morto. O nome,
numa concepção sócio-histórica de identidade, nos conecta através com os ancestrais, uma forma
de lembrar e ajudar na continuidade dos nomes de raiz e manter a harmonia entre nós e os
espíritos, num bem colectivo com identidades determinadas historicamente. É nesse contexto que
se verifica a importância de estudar o tema: O lugar do nome nos distúrbios de identidade em
Moçambique, de modo a compreender como funciona o processo de nomear.

O presente trabalho enquadra-se na cadeira de Perspectivas Africanas dos Fenómenos


Psicológicos leccionada na Universidade Eduardo Mondlane na Faculdade de Educação no curso
de Psicologia Social e Comunitária, e com este pretendemos alcançar os seguintes objectivos:

Objectivo Geral:
 Compreender o lugar do nome nos distúrbios de identidade em Moçambique.

Objectivos Específicos:
 Definir os conceitos básicos;
 Caracterizar a identidade da pessoa ;
 Descrever o processo de atribuição do nome e sua relação com os ancestrais; e
 Apresentar os determinantes na atribuição de nome na cultura Bantu.

Metodologia
Para a possível realização do presente trabalho teve-se como base a discussão grupal, pesquisa
bibliográfica feita apartir do levantamento de referenciais teóricas já analisadas e publicados em
documentos escritos e electrónicos como livros, artigos científicos bem como entrevistas e
relatos de experiência.

Estrutura
O trabalho está estruturado deste modo: uma breve introdução, o desenvolvimento, descrição de
alguns casos e discussão dos mesmos, conclusão e referências bibliográficas.

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Definição de conceitos básicos
Moraes (2000) define o nome como um meio geral para indicar qualquer ente, físico ou
imaterial, ou seja, é o substantivo que serve a designar as coisas.

França (2001), define a identidade como um conjunto de atributos que caracterizam alguma
pessoa ou coisa, ou seja, é a soma de caracteres que individualizam uma pessoa, distinguindo-a
das demais.

Castanheira (s\d) enfatiza ainda que, a questão da identidade deve ser vista não apenas como uma
questão científica ou meramente acadêmica. É sobretudo uma questão social, ela é construída
através da interação com o outro, portanto ao analisá-la deve-se ter em conta o contexto social.

Antepassados, de acordo com Bagnol (2008) são antecedentes já mortos ou os que se localizam
em várias gerações anteriores numa dada família ou na representação gráfica da árvore
genealógica.

A questão do nome
Referindo-se à terminologia da gramática tradicional, Quivuna (2016) citado por Rosa (2014),
esclarece que o nome mais tradicionalmente substantivo como uma palavra que designa pessoas
coisas ou animais, ações, qualidade ou estados. Nesta visão podemos deduzir que o nome é uma
palavra com que designamos os seres em geral. Na perspectiva cultural, o nome é o símbolo
identitário que representa o indivíduo. Por outro lado, o nome pode ser entendido como termo
linguístico que se usa para designar as coisas que existem.

O nome é um produto sócio histórico e social, associado a uma determinada língua que
transporta uma carga cultural partilhada por determinada sociedade e com uma memória cultural
de sociedade linguística. Raul (2006), citado por Rosa (2014), considera que o nome é como
parte constitutivo, completa a pessoa, pois explica a natureza própria do ser individuo, assim
mostrando a realidade e descobre a sua interioridade. Desta forma, é um distintivo, segue a alma
sensitiva.

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Para Rosa (2014), ao relacionar os nomes a um contexto social lembramos como passam a entrar
no grupo e as reflexões que causam nos membros desse grupo. Assim, mais do que um rótulo
anexado à imagem ou série de imagens de um indivíduo, constituem-se eles mesmos em signos
do ser, ligados, também, ao contexto cultural de seus possuidores.

Nome e Identidade
Para Rosa (2014), o nome permite que identifiquemos o contexto ao qual determinada pessoa
está associada, ou seja, ao pronunciarmos o nome de alguém, criamos associações memoriais
com base no contexto no qual essa pessoa está inserida e/ou ao qual a associamos. Dessa forma,
compartilha os atributos individuantes e classificatórios aos quais costumamos associar a
atribuição de uma identidade.

Na mesma linha de pensamento encontra-se uma das passagens da obra Na Mão de Deus (é uma
narrativa em primeira pessoa que relata de forma fragmentada as experiências espirituais e
psicológicas da personagem Alice, que percorre a árdua trajetória do aflorar de sua mediunidade)
de Paulina Chiziane e Maria da Silva (2012):

"[...] Comecei a ter sonhos frequentes com meu falecido pai [...] Assemelhava-se muito ao tio
Lima... parecia que os dois tinham se transformado na mesma pessoa...o meu tio, era a
personificação do meu falecido pai..."

Tal como o processo de atribuir uma identidade, o ato de nomear também tem um papel
importante na reprodução do poder e do privilégio dentro de um contexto social, visto que
qualquer ato de nomear implica uma relação baseada em poder. Ao dar o nome a um aspecto da
realidade, aqueles que o fazem arrogam a si mesmos o poder de defini-lo e descrevê-lo. A
aceitação de tal definição frequentemente acarreta consequências práticas, que nem sempre
contribuem para o benefício do nomeado. O desafio imposto à identidade é, com efeito,
questionar o poder daquele que atribui os nomes, e reverter as consequências negativas que
advêm de uma identidade imposta (Ramose 2008, apud Mungwini, 2011 citado por Rosa, 2014).

As associações entre nome e identidade sublinham a importância de viver o nome, ou resistir a


sua atribuição, de forma a poder responder com orgulho e serenidade à questão “Quem?”, para a

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qual o nome se constitui uma sinédoque, já que resume as associações identitárias que se formam
em torno de um indivíduo em uma comunidade (Rosa, 2014).

Ainda em relação ao assunto, Chiziane e Silva (2012) salientam:

"[...] os espíritos vêm tudo. Vivemos numa espécie de programa Big Brother, assistidos por uma
grande população de espíritos... obrigam-nos a tomar consciência da sua existência, chamado-
os às força para a reforma íntima da nossa moral e nossa maneira de estar."

Antepassados e Nome/Identidade
Entre os bantú a onipresença dos antepassados é total. Eles não só continuam a fazer parte da
comunidade dos vivos, como asseguram a sua importância. O antepassado é importante porque
deixa uma herança espiritual sobre o mundo visível, tendo contribuído para a evolução da
comunidade ao longo da sua existência e, por isso, é venerado (Mahumane, 2008). A presença
dos nossos antepassados na proteção da família é algo presente em todas famílias, conforme
demostra uma das passagens da obra de Chiziane e Silva (2012):

"Sou a mãe da tua mãe...estou aqui presente para velar por ti. Chama-me sempre que precisares
de mim, que eu virei, sem demora!"

Em Moçambique, quando a pessoa morre e é sepultada, acredita-se que o seu espírito reaparece e
manifesta-se como poder, personalidade e conhecimento no seio da comunidade. Os espíritos dos
mortos tem uma importância e interagem com os vivos, por isso, os indivíduos ou grupos tem
necessidade de acomodá-los, mantendo essa interacção (Honwana, citado por Mahumane, 2008).
Malandrino (2010), enfatiza a ideia afirmando que para alguém se tornar um antepassado, ele
precisa se manifestar em alguém. Estabelece-se uma relação de dependência entre o vivo e o
morto: os mortos zelam pelos vivos e os vivos pedem coisas a eles (Malandrino, 2010). Nesse
contexto, a posse pelos espíritos representa uma reprodução social da comunidade, isto é, uma
reprodução da ordem e dos valores sociais e morais do grupo.

Em relação a esse assunto, Chiziane e Silva (2012) afirmam:

"[...] pessoas que eu julgava enterradas e perdidas para sempre falavam-me com sapiência,
beleza e elegância. Eles vivem em comunidade e interagem com os vivos. Descobri, a partir dali,

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que, depois da morte e do funeral há algo que sobrevive. Percebi também que, quando a pessoa
morre num mundo, nasce no outro..."

Ray (2000), citado por Mahumane (2008), debruçando-se sobre o conceito de pessoa nas
sociedades africanas refere que estas tendem a defini-la em termos de família e linhagem a que
pertencem. Um indivíduo é visto, primeiro que tudo, como membro de uma família particular,
por isso, é esta família que determina quem ele é e o que será no futuro. Aqui, o conceito de
pessoa não incorpora a noção ocidental de individualismo: a ideia de que a identidade de alguém
consiste no ego privado, essencialmente independente das ligações familiares e das origens do
grupo. A liberdade e a individualidade pessoais são sempre balançadas pela família e pela
comunidade, e estas por sua vez, pelos poderes naturais e espirituais.

Muitas sociedades africanas ainda não foram corrompidas pela matéria e ainda estão mais
próximas dos bens espirituais: acreditam nos espíritos antepassados e os invocam com mais
naturalidade que os outros povos (Chiziane & Silva, 2012).

Simon Bockie citado por Ray (2000) escreve que nas sociedades africanas existem dois egos: o
ego colectivo e o ego privado. Uma quebra entre os dois produz uma sensação de crise social e
individual. Um aspecto fundamental é a forma como os mortos continuam a ser envolvidos com
os vivos (Mahumane, 2008).

No âmbito desses argumentos, tal facto representa identidades continuadas ou desenhadas a


partir da relação entre vivos e mortos os moçambicanos constroem a sua identidade através das
relações que estabelecem com o outro, incluindo os mortos.

A crença na presença dos espíritos dos antepassados no mundo dos vivos é algo que prevalece
em todos os membros das famílias, porém assume características particulares permitindo
diversas situações e interpretações. Conforme afirma Benjamim (o nosso entrevistado) ao se
referir aos antepassados e aos nomes tradicionais:
"Na minha família sempre damos nome de antepassados aos bebés que nascem, conhecemos
muito bem e sabemos que tem boas intenções [...] É para mostrar que não foram esquecidos é
para nós protegerem sempre [...] É por isso que prefiro dar esses nomes para estarem perto de

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mim e evitar problemas com eles...se eu não dar nome podem zangar e criar desgraça para
nossa família [...] É da natureza africana darmos nomes de falecidos [...]

A crença de Benjamin de que o nome tradicional transporta consigo a personalidade de quem


outrora assim foi nomeado é notória e, reflecte-se nas suas escolhas, sendo estas últimas produto
duma complexa interacção social, que de acordo com Costa (2004), se desenvolve num universo
cultural onde se articulam diferentes quadros ideológicos de referência e, obviamente
influenciado pelo universo cultural em que este se insere.
Em suma, a identidade familiar estrutura-se, numa relação dinâmica, ambígua, complexa e
flexível com os antepassados, onde se expressam sincretismos, articulações e compromissos,
religiosos e culturais, equivalentes aos de outras dimensões da vida das famílias.

Nome e expectativas
Nomear significa aceitar que a criança possui, já a partir do momento da concepção, uma
dignidade pessoal que deve ser respeitada e protegida, e tal respeito é simbolizado através das
práticas associadas à cerimônia do nomear (Rosa, 2014). Meses antes da criança nascer os pais
preparam lista de possíveis nomes e a compartilham com os avós, família estendida e amigos da
família. Desta forma, os nomes apropriados são selecionados de acordo com eventos em torno da
concepção, bem como das expectativas dos pais para a criança, conforme afirmou Alberto (um
dos entrevistados):

"Quando uma criança nasce e se dá o nome de um antepassado todos esperam que ele seja igual
a ele. Me deram nome do meu avô (pai do meu pai) que tinha o "dom" de aconselhar as pessoas
[...] Minha mãe conta que desde pequeno eu conseguia tomar decisões sábias, e me lembro que
com o passar do tempo as pessoas me procuravam com frequência para as ajudar [...] Essas
coisas (dom de aconselhar) me deram com meu chará [...] Quando se dá um nome de pessoa
morta se leva tudo dela, e você deve receber isso sem negar..."

Por outro lado, os nomes criam apegos simbólicos e emocionais, podendo ser instrumentos de
violência, impostos por aqueles sobre os quais repousa o poder de nomear; por outro lado,
podem ser fonte de inspiração e esperança, especialmente porque traduzem o carinho e respeito
pelo ser nomeado (Rosa, 2014).

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Os Antepassados (espíritos) e o Nome
A atribuição de um nome próprio a uma pessoa é algo de fundamental. O nome confere uma
identidade individual e simultaneamente familiar à pessoa e integra-a no grupo e na sociedade,
posicionando-a em relação aos outros com quem interage. A atribuição de um nome a um novo
membro da família constitui, simultaneamente, a atribuição do “lugar” que este passa a ocupar na
família (Costa, 2004).

Ao dar a uma pessoa o nome de um antepassado não se perpetua apenas a memória desse
falecido, mas abre-se também a possibilidade ao espírito do falecido de reviver no corpo da
pessoa apelidada. Muitos dos comportamentos anormais ou desviantes que essa pessoa
porventura venha a manifestar podem, ou não, ser-lhe atribuídos a ele ou ao espírito do falecido
que, através dele, se perpetua. A possibilidade de negociação entre múltiplas identidades e
consequentemente a faculdade, partilhada por toda a família, de atribuir culpas a mortos constitui
uma das muitas formas de justificar e interpretar comportamentos (Costa, 2004).
No contexto moçambicano, após o nascimento do bebé, espera-se apenas que se escolha o nome
próprio que, geralmente, deve ser seleccionado entre familiares directos, preferencialmente entre
os já defuntos, para se permitir a regeneração da linhagem, ou seja, para se permitir ku pfuka ka
vafi (levantar ou fazer acordar os mortos).

Há sinais que indiciam que a criança deve receber um certo nome. De acordo com Firmino
(2008), a criança recém-nascida pode ser acometida pela “doença do choro”, que obriga a que se
consulte um curandeiro para se descobrir o familiar que reivindica que o seu nome seja usado
para identificar a criança. Isto leva, por vezes, a que se tenha que trocar o nome que inicialmente
se deu à criança, quando se chega à conclusão de que o nome adequado devia ser outro e só se
fazendo a alteração é que ela pode deixar de ter a “doença do choro”, conforme explicado por
José, fruto da relação extraconjugal do seu pai com outra mulher (sua mãe) no período da guerra:

"Quando minha última filha nasceu lhe demos nome da minha avó materna, mas ela não parava
de chorar e com isso fomos aos curandeiros e o espírito da minha madrasta (a esposa oficial do
pai) se manifestou e disse que queria que a criança tivesse nome dela para se desculpar da
traição que meu pai cometera para com ela [...] Depois disso fizemos cerimónias específicas e o
mal estava concertado, minha filha não chorou mais e está saúdavel..."

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A propósito deste assunto, outro informante prestou alguns esclarecimentos:

"Quando a criança não deve ter um certo nome os espíritos negam e a criança começa a chorar
até ter o nome que é permitido por eles [...] São os espíritos que decidem o que fazem em
relação aquele bebê e tudo deve ser respeitado [...] As vezes pode não chorar mas fica muito
doente, quase pode morrer e os pais devem ir ao curandeiro para saber o que se passa e lá o
espírito fala que quer ser reaparecer por meio daquela criança..."

No contexto africano, é notória a presença da vontade dos espíritos na vida dos vivos e na
influência que estes tem na vida dos primeiros, conforme elucida uma das passagens da obra de
Chiziane e Silva (2012):

"[...] os espíritos é que marcam a hora. E dirão pela própria voz quem são e o que querem [...]
As vozes responderam pela minha boca, para mostrar o seu poder sobre as pessoas vivas e que
não gostam de ser contrariados..."

Noutras situações, segundo se constatou, a “doença do choro” permite identificar a linhagem a


que a criança pertence, como nos casos em que o pai recusa a criança (porque, por exemplo, não
reconhece a gravidez como sendo “sua”). É que a “doença do choro”, segundo se crê, se cura
com a inserção da criança entre os seus, através da concessão do nome, evitando-se que seja
“roubada” por outra linhagem ( Firmino, 2008). Em relação ao assunto, Maria (nossa
entrevistada) relatou a seguinte experiência:

"O meu genro (marido da minha filha) negou a gravidez do seu primeiro [...] Na época só
namorava com minha filha mas nada sério e ela ficou grávida, mas ele negou a paternidade e
chegaram a romper [...] Quando a criança nasceu não parava de chorar, daí fomos os
curandeiros e disseram que o bebê tinha que ir pisar na casa do pai (na época casa dos avós)
[...] Foi uma confusão porque o jovem negava ser o pai mas depois aceitaram e quando levamos
a criança para lá, parou de chorar [...] Ele assumiu e mais tarde pediu a mão da minha filha e
estão juntos até hoje..."

A doença do choro demostra de forma nítida a quem a criança pertence e que não se pode
atribuir identidade de outrém a esta, conforme ilustra a passagem da obra de Chiziane e Silva
(2012):
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"Toda pessoa tem espíritos. Não há quem não tenha [...] Quem diz que não tem, é porque nunca
se apercebeu da sua presença. Aprenda de uma vez, por todas: ninguém dá espíritos a outro..."

Nesse contexto, Malandrino (2010), afirma que o antepassado que tem o nome em um
descendente, está vivo na família, é um protetor e um defensor. A ligação dentro da família é
mais forte com aquele que tem o mesmo nome. É um sinal de respeito e de consideração com
aquela pessoa que está morta. Através do nome, a pessoa fica mais ligada à família e com aquele
descendente em especial. Quando se ofende o vivo, no fundo também se ofende o antepassado
que carrega o mesmo nome. A paz dos vivos também é a paz dos mortos. O nome tem uma
marca, que marca a existência da pessoa na terra.

Factores ligados à atribuição do nome na tradição oral


Em alguns casos, pode se notar que os nomes remetem-nos a espiritualidade ao poder ancestral, a
mortalidade entre outros fatores ligados a vida social. Sejam eles bons ou não. Certas
circunstâncias podem também determinar o nome: uma morte, um visitante ilustre um parto em
circunstâncias invulgares. Afonso e Ndombele (2021), mencionam factores que influenciam para
a atribuição de nome no contexto africano, nomeadamente:

Factores do nascimento: quando uanto a atribuição do nome da criança na tradição oral, poderia
ser determinado pelo momento de nascimento, as circunstancias, a posição ao nascer, ordem em
caso de gêmeos ou muitos filhos ao mesmo parto, são atribuídos nomes específicos para estes
filhos.

Factores de ritos de iniciação: os ritos são as cerimônias que são realizadas na passagem de uma
etapa de vida para a outra e, variam consoante a cultura, crenças em que crescemos. As
sociedades que se organizavam sobretudo na base de diferentes gerações que se formavam a
partir de grupos de iniciação, as tradições orais em todos os domínios, eram classificadas no
ritmo da organização destes momentos de iniciação, onde os iniciados ao saírem do
acampamento onde era organizada o processo de iniciação os jovens iniciados regressavam a
aldeia de origem, após serem submetidos a duros testes com um estatuto de cidadão adulto na
sua sociedade ou comunidade com novo nome.

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Factores de família: para atribuirmos um nome a alguém, é importante conhecer as causas que
deram a origem do clã ou até da família. Os nomes considerados de factores familiares são
aqueles a serem atribuídos às novas gerações e que já existiram a pessoas ligadas ao clã ou
tribos. Isto é, nomes dos tios, mães, pais e avôs que estiveram na base da existência ou origem do
clã, tribo ou família em que o individuo pertencem (Afonso & Ndombele, 2021).

Conclusão
Após a realização do trabalho o grupo concluiu que, os moçambicanos assim como o povo
africano no geral, constroem a sua identidade através das relações que estabelecem com o outro,
incluindo os mortos, e que o nome como referente identitário não se limita ao exposto, pois o
indivíduo que recebe um nome de um familiar partilha mais do que uma identidade, partilha
também um estatuto. Tais nomes podem transmitir ou dar sentido a comportamentos, explicar
doenças ou conflitos, estruturando ou desestruturando relações familiares. Porém, a possibilidade
de escolha, a capacidade de interpretação, e as contradições inerentes a todo este sistema de
crenças, conferem poder às famílias e aos indivíduos sobre os antepassados, e permitem-lhes
manipular e adaptar este referente identitário de múltiplas formas aos seus diferentes interesses.

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Referências Bibliográficas
 Afonso, A. & Ndombele, E. D. (2021). Reflexão sobre o uso e atribuição dos nomes na
cultura dos Bakongo. Revista Internacional de Culturas, Línguas Africanas e
Brasileiras, v. 1, n. 1, pp. 103-119
 Bagnol, B. (2008). Lovolo e Espíritos no Sul de Moçambique. Revista Análise Social,
vol. 58, n. 2, pp. 251-272
 Castanheira, M. (s\d). A noção de identidade, a definição de representação e o conceito
de papel social
 Costa, A. B. (2004). As Crenças, Os Nomes e as Terras: Dinâmicas Identitárias de
Famílias na Profecia de Maputo. Revista Etnográfica, Vol. 8, n. 1, pp. 335-354
 Chiziane, P. & Silva, M. C. (2012). Na Mão de Deus: Carmo Editora, Moçambique
 Firmino, G. (2008). Nomes dos Vatongas de Inhambane: Entre a Tradição e a
Modernidade. Revista Etnográfica, Vol. 12, n. 1, pp. 129-141
 França, G. V. (2001). Medicina Legal, 6 Edição: Editora Guanabara Koogan
 Mahumane, J. A. (2008). Representações e Percepções Sobre Crenças e Tradições
Religiosas no Sul de Moçambique: O Caso das Igrejas Zione: Universidade de Lisboa-
Instituto de Ciências Sociais
 Malandrino, B. C. (2010). Os Mortos Estão Vivos: A Influência dos Defuntos na Vida
Familiar Segundo a Tradição Bantu
 Moraes, M. C. B. (2000). Sobre o nome da pessoa humana. Revista da EMERJ, vol. 3, n.
12, pp. 44-74

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 Rosa, A. S. (2014). Entre o nomear e o ser: A relação entre nome e carácter em "Natalina
Soledad" e "Ayoluwa": A alegria no nosso povo. Revista de Letras Bom Alberto, Vol. 1,
n. 5, pp. 80-91

Entrevistados
 Alberto Manhiça, 76 anos, entrevistado no bairro Hulene no dia 16/04/2022
 Benjamim Chiau, 85 anos, entrevistado no bairro Hulene no dia 16/04/2022
 José Muianga, 53 anos, entrevistado no bairro Ferroviário no dia 27/04/2022
 Maria Bucuane, 70 anos, entrevistada no bairro Ferroviário no dia 27/04/2022

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