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O Projeto Mamirauá, conforme ficou amplamente conhecido mais tarde, foi iniciado
formalmente apenas em 1992, com a aprovação daquela proposta inicial e com a decorrente
transferência dos primeiros recursos. Naquele momento, algumas pesquisas já haviam sido
postas em funcionamento, e outras, já anteriormente planejadas e consideradas prioritárias,
começaram quase que imediatamente. Desde o primeiro momento, a estratégia de pesquisa
era estabelecida pelos coordenadores do Projeto. Havia se firmado, já em 1992, um
pequeno grupo de pesquisas relacionado ao estudo de organismos aquáticos. Neste mesmo
momento sedimentou-se o sistema de monitoramento do desembarque pesqueiro em Tefé e
Alvarães, e foi iniciada uma pesquisa sobre a ecologia e pesca de grandes bagres. Do
mesmo modo, se estabeleceram os primeiros contatos para estudar os principais mamíferos
aquáticos de Mamirauá, junto ao Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e
outras instituições. Com isso, sedimentou-se uma Coordenação de Sistemas Aquáticos
englobando todos estes estudos. As pesquisas que estudariam os botos e os peixes-boi
locais tiveram seu começo neste período. Também se observou nesta época uma abordagem
mais sistêmica do ambiente aquático, abordando questões mais ligadas à composição e
ecologia da comunidade de peixes. Um estudo da composição da fauna aquática,
especialmente de invertebrados, e as suas relações tróficas (relações que caracterizam a
cadeia alimentar de um determinado ecossistema, determinando quais espécies se
alimentam de uma espécie em particular, e de quais outras espécies esta se alimenta), foi
instalado. Criou-se condições para atrair um grupo de pesquisadores do Inpa para estudos
de limnologia dos corpos d’água de Mamirauá e arredores. E finalmente, num segundo
momento, foram instalados os estudos para uso sustentado dos dois principais recursos
pesqueiros: os pirarucus e os tambaquis. E foi incluído no grupo um estudo para o uso
sustentado de acarás-disco (e de outras espécies de importância ornamental) e para pesquisa
em ecologia evolutiva das espécies de peixes elétricos da várzea.
Em pouco tempo uma Coordenação de Sistemas Terrestres foi também criada. Esta
envolvia o monitoramento da extração madeireira, e um estudo das populações de árvores
de importância madeireira ocorrendo na Área Focal de Mamirauá, visando o
estabelecimento de normas para uso sustentado deste recurso. Outras pesquisas, já então em
curso, foram também incluídas nesta Coordenação. Agrupam-se aqui o estudo de
comunidades de mamíferos folívoros arborícolas, o estudo de dispersão de sementes na
várzea, e os estudo sobre evolução da reprodução assexuada de plantas alagadas pela
enchente anual. Em menos de um ano foram agregados à este grupo os estudos sobre
répteis (especialmente levantamentos, mas também o estudo da biologia dos jacarés), e um
grande número de outros levantamentos, bem mais curtos, de vários grupos taxonômicos da
fauna ou flora. Estes esforços foram principalmente dirigidos para as plantas vasculares, as
aves, os mamíferos não-voadores, os anfíbios, alguns grupos de insetos, e outros
invertebrados (como os aracnídeos).
Uma identificação clara da estratégia científica de então se configura nestes primeiros anos
do Projeto Mamirauá (de 1990 até 1995). Os esforços de pesquisa ambiental do período
estavam voltados para:
Participação comunitária
Os esforços de pesquisa descritos para esta fase estavam completamente direcionados para
a elaboração de um Plano de Manejo de Mamirauá que fosse inclusivo e participativo, mas
que também fosse apoiado em sólida informação científica. Da mesma forma que o
observado com as pesquisas ambientais, as sociais também estabeleceram como base
geográfica as comunidades e os setores de comunidades presentes na Área Focal,
registrando os seus principais resultados no SIG organizado na época. Esta providência foi
de extrema importância para integração das diferentes informações fornecidas pelos grupos
de pesquisa ambiental e social em Mamirauá.
Apesar disto, pesquisas científicas foram também desenvolvidas nesse período. Algumas
novas pesquisas foram iniciadas, como aquelas para apoiar ou subsidiar as ações de manejo
dos quelônios aquáticos de Mamirauá. Mas o principal grupo de atividades de pesquisa
desenvolvidas no período foi aquele relacionado com o monitoramento do status de
conservação local, o estado geral da biodiversidade e a qualidade de vida da população
humana residente no interior e arredores de Mamirauá.
- Demografia humana
- Situação sócio-econômica da população local
- Valor de mercado e variações sazonais da cesta básica regional
- Invasões e invasores da Reserva
- Níveis de uso dos recursos:
a) De fauna (peixes-boi, jacarés, quelônios, pirarucus etc.)
b) De flora (madeireiros)
c) Pesqueiros 1 (desembarque no mercado de Tefé)
d) Pesqueiros 2 (produção de espécies-chave em comunidades amostrais)
e) Abundância de espécies do topo da cadeia alimentar (botos, jacarés,
pirarucus etc.)
f) Integridade da cobertura vegetal e transformações do habitat
O Instituto Mamirauá tem por missão estatutária a realização de pesquisas científicas para
“a Conservação da Biodiversidade com o manejo participativo e sustentável dos recursos
naturais na Amazônia”. (Estatuto do IDSM, Artigo 4)
Esta missão está mais focalizada nas florestas e outros ambientes alagados do Bioma
Amazônico, e está apoiada por uma base científica direcionada ao manejo de Unidades de
Conservação e ao uso sustentado dos recursos naturais, sempre de maneira participativa. A
forma encontrada pelo IDSM para executar esta missão foi o envolvimento e participação
da comunidade local nas ações de conservação da biodiversidade por meio da execução de
atividades de Pesquisa, Extensão e Monitoramento.
2- A definição dos padrões de uso desta biodiversidade por parte dos habitantes
tradicionais da Amazônia (mas especialmente daqueles que habitam as florestas
alagadas), especialmente em respeito aos padrões de uso dos principais recursos
naturais explorados no(s) local(is) abordados pela pesquisa, envolvendo sua
periodicidade, sua intensidade, sua relevância econômica, social, política e cultural,
assim como outros de seus aspectos mais relevantes;
O IDSM possui hoje uma invejável estrutura de campo para apoio à pesquisa científica.
Nas duas Unidades de Conservação administradas (Reservas de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá e Amanã) já se encontram instaladas 15 casas flutuantes de
diferentes tamanhos que atuam como bases de campo para apoio à pesquisa e
monitoramento, fiscalização e extensão comunitária. Estas casas flutuantes, contando com
alojamentos e espaço para depósito de materiais e equipamentos de pesquisa, normalmente
possuem também dependências para instalação de laboratórios temporários, rádios de
comunicação VHF e células de energia fotovoltáica.
O Instituto Mamirauá pode dispor de várias embarcações fluviais (cinco barcos regionais de
tamanhos variáveis, mais de 50 lanchas com motores de popa que variam de 15 a 135HP),
de três veículos terrestres, e de um grande número de canoas espalhadas por todas as bases
de campo.
Na cidade de Tefé existe uma infra-estrutura de apoio a pesquisas ainda limitada. Embora
exista uma biblioteca (especializada em ciências ambientais e ciências sociais, com ênfase
na Amazônia) e uma rede de computadores com um dos nós da Rede Nacional de Pesquisas
(o que proporciona acesso à Internet e troca de mensagens eletrônicas), a sede provisória do
IDSM conta com apenas um laboratório que, em alguns momentos, é compartilhado por
vários grupos trabalhando simultaneamente com materiais nem sempre compatíveis entre
si. A futura sede do IDSM, um complexo de 18 edificações que já começaram a serem
erigidas no terreno adquirido pelo CNPq às margens do Lago Tefé para este propósito,
prevê a construção de um grande número de dependências de pesquisa e de vários
laboratórios multiuso.
A Diretoria Geral pode, sempre que julgue necessário, ouvir o Conselho de Diretoria
(formado por todos os Diretores Adjuntos) na resolução de problemas de todas as
naturezas, inclusive científica. Mas existem também outras instâncias colegiadas no
IDSM para tratar de questões científicas e outras afeitas às atividades de pesquisa da
instituição. A principal delas, o Conselho Técnico Científico, é um órgão consultivo,
instalado para subsidiar a Diretoria nestes assuntos. O Conselho Técnico Científico (CTC)
é formado por nove membros. São eles o Diretor Geral e o Diretor Técnico Científico do
IDSM, somados a sete conselheiros atuantes na Amazônia, com idoneidade e prestígio
amplamente reconhecidos. Todos são ligados a instituições de pesquisa (ou de ensino e
pesquisa) da Região Norte, como institutos de pesquisas, universidades e organizações não-
governamentais ambientalistas. Os conselheiros do CTC são especialistas atuando nas
seguintes áreas de pesquisa:
1. Vida Selvagem;
2. Agricultura;
3. Ciências Sociais;
4. Pesca;
5. Recursos Florestais;
6. Biodiversidade;
7. Um representante dos pesquisadores do IDSM.
O programa de pesquisas tenta ser uma fonte dinâmica de resolução dos problemas de
manejo, e desta forma deve ser flexível o suficiente para acomodar novas tendências, novas
demandas, e se expandir na direção apontada pelo modelo de conservação em aplicação.
Como uma decorrência natural, o programa deve ser capaz de investigar novos fatores,
processos e sistemas que são identificados por meio da consulta a várias fontes.
II. As pesquisas realizadas em Mamirauá até o momento estão longe de abordar todos os
aspectos mais importantes dos habitats do ecossistema de várzea, seus componentes e sua
utilização;
III. A pequena equipe de pesquisadores do IDSM não pode executar muito mais do que já
executa atualmente, e precisa identificar necessidades de pesquisa para atrair novos
executores externos para a mesma.
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Numa consulta interna entre pesquisadores do IDSM, foram identificadas novas linhas de
pesquisa prioritária que deveriam ser abertas pelo Instituto no menor prazo possível. O
referido processo de consulta envolveu os pesquisadores da instituição, mas também alguns
pesquisadores externos que são colaboradores do IDSM por longa data também tiveram a
oportunidade de participar. A lista de temas de pesquisa resultante identifica pesquisas
prioritárias, de natureza temática.
De maneira bastante animadora, já em fins de 2002 e início de 2003 uma série de demandas
por pesquisa científica partiu de algumas comunidades locais. Estas comunidades,
utilizando-se do sistema de consulta, discussão e tomada de decisão postos em prática pelo
grupo de organização política e de alternativas econômicas, conseguiram fazer chegar ao
IDSM algumas demandas específicas sobre pesquisa científica.
Tais demandas, acrescidas àquelas resultantes das consultas junto aos pesquisadores, têm
sido levadas para atendimento dentro dos encaminhamentos normais do Instituto
Mamirauá, e algumas delas já se encontram em fase de atendimento.
Mas esta não é a única forma através da qual o programa de pesquisa apresenta
possibilidade de envolvimento e participação da população local. Todas as pesquisas de
campo só são implementadas quando as comunidades afetadas são consultadas e
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concordam com sua realização. Imediatamente costuma-se seguir, sempre que cabível, um
levantamento do conhecimento tradicional local acerca do tópico a ser pesquisado, que
geralmente é consultado junto ao segmento mais afeito ao tópico (pescadores locais,
agricultores e agricultoras familiares locais etc.). Sempre que possível é buscada uma
integração entre o conhecimento tradicional, o empirismo e a experimentação científica
existentes acerca do tópico.
Membros das comunidades locais sempre são envolvidos nas atividades de campo de coleta
de dados. Normalmente este envolvimento é decisivo para que tal coleta seja bem sucedida.
A prática de retorno dos resultados às comunidades têm sido estimulada nos últimos anos,
embora boa parte do retorno se dê nas grandes reuniões de organização, e não no nível
local.
Finalmente, na fase final de execução das pesquisas, quando seus resultados divulgados são
levados a influenciar nos destinos do manejo da Unidade de Conservação ou dos recursos
naturais, todas as comunidades têm a possibilidade de tomar parte decisiva na escolha das
alternativas a serem seguidas. Uma vez exposta a questão em pauta, explicadas as
implicações dos resultados das pesquisas científicas, e ouvidas as posições dos técnicos e
pesquisadores envolvidos nas pesquisas, os representantes de cada uma das comunidades de
Mamirauá têm a oportunidade de votar os encaminhamentos da questão. Somente estas
pessoas possuem direito a voto nas instâncias de tomada de decisão, e não os
pesquisadores. A estes está colocado o papel de aconselhar em face dos resultados da
pesquisa científica. Cabe aos representantes comunitários, devidamente convocados e
credenciados para tal, votar acerca dos caminhos do manejo. Dessa forma, busca-se dar um
nível de participação inédito das populações locais nos processos de tomada de decisão,
gestão territorial da unidade, e manejo sustentado dos recursos naturais explorados
localmente.