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Quem é o sujeito louco? A quem pertence?

A ideia que se tem, ainda hoje, da pessoa em sofrimento mental é que ela nada tem, a
não ser sua loucura. Suas ideias são insatisfatórias, suas palavras improprias, sua conduta
indevida, sua existência incômoda. Se referem a elas como anormal, desequilibrados,
perturbados, perigosas. Mas, porque? Porque essas pessoas não tem valor? Porque o único
modo de viver dado a elas é sobreviver?

Sendo assim, visto frequentemente como um sub-humano – não pensa, não sofre, não
sente – é levado a uma exclusão da sociedade, deixados em lugares que reafirma essa
necessidade de afastamento, por não saber lidar, por não querer lidar ou simplesmente por
uma questão capitalista. E agora, é essa instituição totalitária que ditará quem ele deve ser e
como deve ser, baseado em um duvidoso caráter de cientificidade. Dentro desses locais são
levados e sequestrados de sua subjetividade, seja pela omissão, seja pela repressão, tornando
tão mais “loucos” e alienados quanto fora delas. E ali são alvos de tratamentos desumanos,
“Você tem que ser tratado com laço, não com medicamento”. Nessas condições o que sofre, é
empurrado com maior intensidade para dentro de si, se sufocando em sua dor e naquilo que
não consegue e nem pode mais expressar, pois este direito lhe foi tirado. No interno, sua
angustia cresce e assim suas crises pioram e nesses casos a conduta suprema é o uso de mais
medicamentos, da obediência forçada e forjada e do isolamento, para que desse modo haja o
comportamento adequado, a submissão desejada. Pois é necessário entrar na lógica da
instituição.

Além disso, aquele que tem um sofrimento mental é roubado também da experiencia
com o mundo externo, e por isso o desejo de escapar desse lugar de tortura aumenta até se
transformar em desejo de não mais existir. Encarado como um objeto, não tendo mais
experiencias minimamente satisfatórias, é obrigado a viver na padronização imposta e não
expressar nenhum desgosto quanto isso, porque se isso acontecer, terá suas consequências.
Ou seja, essa visão desqualifica a alteridade, o que faz da instituição um lugar de controle
social pautado numa cura de repreensão para homogeneizar.

E mesmo vivenciando grandes modificações em nossa sociedade, como o movimento


da Reforma Psiquiátrica, as leis e os núcleos de atenção psicológica, o modo de enxergar a
pessoa com sofrimento psíquico parece não ter avançado na mesma proporção que as técnicas
de normalização disciplinar, dado que essas internalizações compulsórias continuam a existir.
A indicação de internação nem sempre é clara ou indiscutível e a voz do internado não
desempenha relevância. O que acontece é que a loucura é colocada à frente do indivíduo,
retirando dele todas suas capacidades, características e liberdade, de forma banal ele é
colocado num estigma já calcado. Judicialmente os manicômios foram fechados, mas o maior
deles continua a existir, a solidez desse pensamento que aprisiona mais que paredes.

Por outro lado, cabe a nós compreender que existe, mesmo dentro do caso mais
agressivo, uma pessoa. Pessoa essa que não se limita a manuais de classificações ou suas
desordens, isso seria mais uma forma de deslegitima-lo, e sim o oposto, favorecer a
construção de uma autonomia própria, um modo de viver que não lhe faça vítima de uma
ilusão de incapacidade total.

“Eu sei lidar comigo, mas não sei lidar com a minha cabeça. Então, tenho que
procurar ajuda.”
Acreditar que vivemos o fim desse sofrimento é uma utopia que esbarra na
constatação oferecida pela reflexão histórica de que o mundo e as mentalidades mudam de
acordo com as transformações políticas, econômicas e sociais de cada época. Sendo assim,
esse é nosso papel, como sociedade e estudante de psicologia, promover e lutar por essa
modificação de enxergar e cuidar do que, não apenas sendo voz, mas dando voz a essas
pessoas que são flageladas pelo preconceito, cesura e injustiça.

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