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OBJETO-FOGO E

MODOS DE
SINCRETISMO
John Law

Sessão 5 | 23/11/2021
ANP35 | Antropologia da Ciência
OBJECT LESSONS
Vicky Singleton
• Professora Universidade de Lancaster
• Estudos da Ciência e da Tecnologia
• Interdisciplinar – STS, medicina e
Teoria Feminista

John Law
• Professor emérito da Faculdade de Ciências Sociais na Open
University
• Sociólogo
• Um dos fundadores da Teoria do Ator-Rede (ANT)
• Depois do método (After Method, 2004)
LIÇÕES SOBRE OBJETOS
Pergunta: como lidar com objetos
complexos e confusos/desalinhados?

Objeto: doença hepática alcoólica (DHA)

• Entrevistas acabavam por escorregar para outros


tópicos relacionados
• Ex. Cirrose, doença hepática, abuso de álcool ou
alcoolismo

Nova versão de objeto: fogo | padrões de


descontinuidade entre ausência e presença
• Questão técnica: falha de capturar o
problema presente
• Questão gerencial: não é possível conhecer
objetos confusos/desalinhados
• Torna-se uma forma de fazer os objetos
serem conhecidos pelos cientistas sociais
• Questão epistemológica: explicar diferentes
perspectivas sobre o mesmo objeto, das quais
PENSANDO
extraímos o verdadeiro objeto por trás dessas
interpretações MÉTODOS E
• Pensam a DHA como uma confusão maior
ou menos desconhecida (gerencial) ou
como falhas técnicas no conhecimento de
OBJETOS
realidades (que são erroneamente
assumidas como definidas)
• Questão ontológica: objetos múltiplos – Mol
• “Enacted into being” → uma quarta forma
de pensar os objetos
VERSÕES DOS OBJETOS
Objetos como regiões: ocupam um volume no espaço euclidiano

Objetos fronteira (Star e Griesemer): relativamente flexíveis ou multi-interpretáveis em caráter


• Interpretados de forma diferente por diferentes grupos (esferas sociais)

Objeto como redes (ANT): móveis imutáveis (rigidez)


• Move-se mantendo a sua forma (físico/espalho geográfico; funcionalidade/relacionalidade): estabilidade da rede de associações
que o tornam visível → demanda um trabalho
• “Depende de um processo no qual as redes de relações são construídas para garantir a imutabilidade, por um lado, e a
mobilidade, por outro.” (p. 5)

Objeto como fluído (De Laet e Mol): móvel mutável (fluidez)


• Muda suavemente de forma, pouco a pouco: as mudanças não podem ser abruptas → objeto desapareceria ou acabaríamos com
um objeto diferente
• Oxínoro: algo que muda e permanece o mesmo
• “Objeto ou classe de objetos pode ser entendida como um conjunto de relações que gradualmente muda e se adapta ao invés
de uma que se mantém rígida.” (p. 9)
Não é apenas fluido, mas um objeto que também muda de forma e
de nome
• “não é claro e distinto, bem ordenado, é outro. É constituído como
confuso/desalinhado, como as plantas que se transformam em ervas daninhas em

DHA: virtude da invenção da jardinagem. Talvez, então, confusão seja como um trabalho
invisível, exceto que não é invisível. Em vez disso, ele simplesmente não se encaixa: ele
flui e excede os limites definidos por dispositivos móveis imutáveis.” (p. 10)

Objeto- Responde a duas críticas levantadas à ANT

fogo Problema das diferenças: entender objetos como perspectivas


diferentes
• Mol: objetos como ontologicamente complexos, múltiplos e (em alguns casos)
mutualmente exclusivos → “O problema da diferença passa a ser o de relacionar esses
corpos ou mantê-los separados de uma forma ou de outra.” (p. 11)

Colonização do outro: o que a ANT não vê nas redes?

• “tornar as coisas presentes é necessariamente, também, e ao mesmo tempo, torná-las


ausentes.” (p. 12) → ausências são a alteridade→ objetos são um padrão de presenças
e ausências
“Isso ocorre porque assumem a forma de saltos e
descontinuidades. Nessa forma de pensar, então, objetos
constantes são energéticos, entidades ou processos que
justapõem, distinguem, fazem e transformam ausências e
presenças. Eles são feitos em disjunção. Aqui (e seguindo a
orientação do STS novamente), falaremos de entidades como
objetos-fogo. (O argumento em parte é que os incêndios são
energéticos, transformativos e dependem da diferença - por
exemplo, entre combustível (ausente) ou cinzas e chama
(presente)). Os objetos-fogo, então, dependem da alteridade,
e essa alteridade é geradora.” (p. 13)
• Cada um é feito em uma série de ausências, mas (e
isso é crucial) cada um é feito de forma diferente
• Hospital: condição letal que implica abstinência
• Centro de abuso de substâncias: problema que implica
regulamentação e controle (vida familiar)
• Clínico geral: realidade melhor do que drogas pesadas (ao
álcool ao invés do uso de drogas)
TRÊS • Cada um inclui e se relaciona a um conjunto
diferente de ausências → alteridade necessária
OBJETOS-FOGO • Hospital: abstinência
três versões da • Centro de abuso de substâncias: vida familiar
• Clínico geral: álcool ao invés do uso de drogas
doença hepática
• “Elas não podem ser incluídas uma na outra. Ao
alcoólica mesmo tempo (e essa é a dificuldade e a
complicação), elas também estão necessariamente
relacionadas, porque fazem parte do mesmo
sistema de saúde e interagem entre si. Pacientes,
instruções, orientações, formulários, prontuários e
profissionais, todos circulam entre os diversos
locais.” (p. 16)
• Ausência|Alteridade: parte integrante dos objetos
• Método: ordenação que faz alteridade
• “a alteridade de uma forma ou de outra sempre escapa ao método. Não pode ser
domesticada. [...] se os objetos estão presentes e ausentes, então não podemos
conhecê-los ou dizê-los em toda a sua alteridade. As coisas vão escapar. Em
princípio, isso não é um problema: a alteridade está sempre conosco. Mas, diante
de um objeto como a doença hepática alcoólica [...] os limites do método
representacional são colocados em relevo. Não podemos trazer tudo isso à presença
em textos convencionais. Não podemos trazer tudo para uma presença particular.
Não podemos esperar ser capazes de contar uma história consistente. E as
implicações disso? [...] [E]m primeiro lugar, isso sugere a necessidade de humildade
metodológica. Se o mundo é confuso, não podemos conhece-lo insistindo que é
nítido.” (p. 19)
MODES OF SYNCRETISM
Wen-Yuan Lin
• Centro de Educação Geral,
Universidade Nacional Tsing Hua |
Taiwan

Ingunn Moser
• Faculdade de Enfermagem,
Universidade de Alberta | Canadá

Geir Afdal
• Escola Norueguesa de Teologia, Religião
e Sociedade | Noruega

Kristin Asdal
• Centro TIK de tecnologia, inovação e
cultura, Universidade de Oslo |
Noruega
“JAMAIS FOMOS MODERNOS” | Bruno
Latour

1. Modernidade se apresenta enquanto pura


2. Contudo, a modernidade não é pura
• Se é funcional é porque uma variedade de diferentes lógicas de engenharia,
arquitetura, sociais e geográficas que foram misturadas.
3. Modernidade é ambas/e: pura e não pura
• Pureza/impureza são performativas: têm efeitos produtivos → consegue unir,
ao mesmo tempo, as forças da pureza por um lado e da impureza de outro,
mas consegue negar essa impureza pela lógica da eficiência
• “Mundo moderno” é e sempre foi difuso/impreciso/vago (fuzzy)
• Pensar e entender essa difusão/imprecisão sem cair em um viés da pureza
COMO PENSAR A NÃO-COERÊNCIA?
STS: laboratório como confuso, não coerente, heterogêneo, pragmático e difuso/impreciso

• Ênfase: teoria empírica


• Viés: impureza, imprecisão/difusão

Modos de sincretismo

• Antropologia da religião: processo de combinar práticas de diferentes tradições religiosas


• Normativo: importância das fronteiras para proteger a pureza de doutrinas/práticas
• Descritivo: caracterizar os processos mais ou menos confusos que possibilitam uma coexistência
temporária de práticas e doutrinas de uma variedade de backgrounds religiosos dissimilares
• Coerência e não-coerência juntas → Todas as práticas são sincréticas
“O que está em jogo no final do dia é como as práticas que são não-coerentes podem se encaixar de
boas maneiras se a consistência e a coerência forem menos importantes do que têm sido.” (p. 177)
MODOS DE SINCRETISMO
Negação: vontade de pureza → recusa a possibilidade de não-coerência

• Tudo se encaixa, tudo é puro: todo trabalho é apagado, relações de poder são assimétricas

Domesticação: não-coerência é reconhecida, mas domesticada

• Purificação: diferenças qualitativas são domadas, tornadas mensuráveis, tornadas em diferenças quantitativas

Separação: não-coerência não surge porque as práticas não são colocadas juntas → práticas
são divididas
• Práticas de separação: distribuições diferentes (ex. temporal: feitas em tempos diferentes; social: divisão de
responsabilidades/trabalhos; segregação espacial etc.)
MODOS DE SINCRETISMO
Cuidado: tinkering (ajustes, gambiara) → incertezas são levadas em consideração,
soluções são imperfeitas, provisórias, adaptáveis e responsivas → reequilíbrio é sempre
necessário
• experimental, uma forma de tentativa e erro
• “busca por uma solução que funcione [...] enquanto, ao mesmo tempo, reconhece que as coisas podem mudar e
uma correção diferente pode ser necessária no devido tempo.” (p. 183)

Conflito: arena na qual a não-coerência é indesejável


• Fronteiras entre campos são formadas, coordenadas e separadas – como algo deve ser feito

Colapso: diferentes lógicas colapsam entre si → sem preocupação com a pureza ou


fronteiras
“NÓS NUNCA
FOMOS NÃO-
SINCRÉTICOS”
• O que conta como um bom modo de
sincretismo?
• Depende: contexto, localização,
compromissos e o problema em questão
• “Se [bens] carregam, ou carregam
apropriadamente, de um lugar para outro
é uma contingência empírica e normativa
ou política.” (p. 188)
MODOS DE
• Não há um bom (ou mau) modo de NORMATIVIDADE
sincretismo em abstrato porque o
abstrato não existe → “existem práticas
concretas e não-coerentes que precisam
ser mantidas juntas na prática e em locais
específicos. Como fazer isso e fazer bem é
uma contingência necessariamente
localizada.” (p. 189)
Negação: é um bem refuzar a reconhecer o que não se
encaixa

Domesticação: é um bem achatar ou homogeneizar a


diferença
Separação: é um bem manter as diferenças separadas

Cuidado: é um bem ajustar interativa e encontrar


MODOS DE maneiras de reconciliar temporariamente lógicas e
NORMATIVIDADE práticas não coerentes, mantendo as diferenças em um
estado de (sempre precário) equilíbrio
Conflito: é um bem reconhecer a incompatibilidade de
diferentes formas de ser e conhecer, e diferentes versões
de bem.

Colapso: é um bem que coisas que poderiam ser


entendidas como distintas se sobreporem e se
misturarem.
POLÍTICAS E
NORMATIVIDADES
Normatividades
são sempre
sincréticas

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