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Radoslava Filusová

Difusão e desenvolvimento do português vernáculo de


Angola
Masarykova univerzita
Filozofická fakulta

Ústav románskych jazykov a literatúr

Portugalský jazyk a literatura

Radoslava Filusová

Difusão e desenvolvimento do português vernáculo de


Angola

Bakalárska diplomová práca

Vedúca práce: Mgr. Iva Svobodová, Ph.D.


2012
Prehlasujem, že som diplomovú prácu vypracovala

samostatne s využitím uvedených prameňov a literatúry.

...........................................................................................
Týmto by som sa chcela poďakovať Mgr. Ive Svobodovej, Ph.D. za vedenie mojej
diplomovej bakalárskej práce, za jej trpezlivosť, cenné rady a čas, ktorý mi venovala.
Taktiež Radke Konůpkovej za ochotné poslanie materiálov z Angoly.
Nemenšia vďaka patrí i mojej rodine a priateľom za podporu v období písania práce.
Índice
1. Introdução 6
2. Breve introdução histórica 8
2.2. Primeiro período (séculos XV-XIX) 10
2.2.1. Os anos 1575 – 1845 11
2.2.2. Os anos 1620 – 1750 11
2.2.3. Os anos 1750 – 1820 12
2.3. Segundo período (século XIX. até 1974) 12
2.3.1. Década de 50 do século XX. 14
2.3.2. Décadas de 60 e 70 do século XX. 16
2.4. Terceiro período – a independência angolana 17
3. Actual situação linguística 19
3.1. Informações sobre o país 19
3.2. Informações sobre a situação linguística 20
3.2.1. Bilinguismo e multilinguismo 21
3.2.2. Superstato, substrato e estrato 21
3.2.3. Línguas locais 22
3.2.4. Estatuto da língua portuguesa em Angola 24
3.2.5. Variações diatópicas, diastráticas e diafásicas 26
4. Demarcação da norma padrão 28
4.1. Sintagma nominal do português vernáculo 28
4.1.1. Marcação de número 29
4.1.2. Marcação de género 30
4.1.3. Marcação de posse 31
4.1.4. Pronomes pessoais 32
4.2. Desvios no plano lexico – semántico 33
4.2.1. Empréstimos 34
4.2.2. Criação das designações pelos processos morfológicos 38
4.2.2.1. Derivação prefixal 38
4.2.2.1. Derivação sufixal 39
4.2.2.2.1. Derivação sufixal verbal 40
4.2.2.2.2. Derivação sufixal nominal 40
4.2.2.2.3. Derivação sufixal adverbial 42

4
4.2.2.3. Outros processos morfológicos 42
5. Linguagem literária 43
5.1. Linguagem e discurso 43
5.2. Português como linguagem literária em Angola 43
5.3. “variedade” do português produzida por Luandino Vieira 45
5.3.1. Oralidade 47
5.3.2. Plano morfológico 48
5.3.3. Plano sintáctico 50
6. Conclusão 54
7. Bibliografia 55

5
1. Introdução

O primeiro objecto do presente trabalho é descrever a imagem da situação


linguística do português em Angola e o seu desenvolvimento no contexto
sociolinguístico desde o início da colonização até ao presente. Não falta também
a enumeração dos desvios mais significantes da norma padrão, concretamente no plano
morfosintáctico e lexico-semántico. O segundo objecto deste trabalho é aproximar uma
das variações diafásicas do português vernáculo de Angola, nomeadamente
a linguagem literária.
O trabalho aqui apresentado contém quatro partes principais. A primeira destes
partes oferece uma breve introdução histórica, onde descreveremos a difusão e o
desenvolvimento da língua portuguesa no território de Angola. A segunda parte
apresenterá a actual situação linguística do país, que é, na verdade, multifacetada graças
à existência de cerca 40 línguas bantu usadas nesta área. A língua oficial é contudo o
português. Sendo o resultado desta situação do contacto e da influência das línguas que
convivem no mesmo território, dedicaremos a terceira parte à descrição dos desvios
mais significantes do português vernáculo de Angola, incluindo também a lista de
empréstimos, a maioria dos quais tem origem justamente nestas línguas bantu. O plano
lexico-semántico desta variedade do português é muito interessante, porque neste plano
linguístico os angolanos são muito productivos e é nele que encontram e afirmam a sua
identidade. A última parte abrange a problemática da linguagem literária de Angola,
pondo em foco sobretudo a linguagem revolucionária de Luandino Vieira, incluindo a
análise com base nos estudos de Perpétua Gonçalves (2000) e Maurício Silva (2008),
como também na própria leitura, o que consideramos a parte práctica deste trabalho.
É importante notar que nesses dias não existe nenhum manual do português
„angolano“. O que existe são teses (de mestrado ou doutoramento) e artigos científicos
que procuram identificar algumas das características linguísticas que distinguem o
português de Angola de outras variedades da língua, nomeadamente a europeia e a
brasileira.
Liliana Inverno, o experto no âmbito do português vernáculo de Angola
escreve:“A referência na vida pública e no ensino é e continua a ser a norma europeia
do português e os traços linguísticos que têm vindo a ser apontados na literatura como
caraterísticos do português angolano continuam ainda a ser vistos, no plano oficial,

6
como "erros" ou "desvios" relativamente à norma do português europeu.”1
Uma das informações básicas sobre o país é, além do mais, o facto de que
pertence à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. No que concerne ao Acordo
ortográfico, por causa da actual situação linguística, a qual descreveremos numa das
seguintes capítulos, solicitou um moratório de três anos para o ratificar. (Notícias,
12.3.2010)2
Temos que confessar que a extensão deste trabalho não nos permite oferecer a
descrição da imagem completa do português vernáculo de Angola. Esta descrição vê-se
dificultada também pelo facto de que, como afirma Liliana Inverno (2009: 4), a língua
está sempre num processo do desenvolvimento, que está provavelmente ainda muito
longe do seu término. O trabalho que aqui apresentamos é apenas um esforço por captar
pelo menos os traços básicos desta variante e do seu desenvolvimento sociolinguístico.

1
Informação baseada na correspondência com a autora. [2012-05-07]
2
Disponível em: http://www.jornalnoticias.co.mz/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/985675 [Consult. 2012-
06-18]

7
2. Breve introdução histórica

Ó Pátria, nunca mais esqueceremos


Os heróis do quatro de Fevereiro.
Ó Pátria, nós saudamos os teus filhos
Tombados pela nossa Independência.

Honramos o passado e a nossa História,


Construindo no Trabalho o Homem novo,

Angola, avante!3

2.1. História do contacto

O primeiro encontro da língua portuguesa com as línguas africanas foi uma


consequência natural da exploração de África pelos portugueses, iniciada no século XV.
Naquela época os navegadores e aventureiros nem imaginavam que iriam a descobrir
a diversidade linguística africana e provocar os efeitos linguísticos inesperados, nem
poderiam vislumbrar a possibilidade de expansão da língua portuguesa na África
(Petter, 2008:15).
No que concerne à fase histórica da colonização angolana em geral, no ano de
1977, Ehrentrant escreve no prefácio do livro de Salvato Trigo, Introdução de literatura
angolana de expressão portuguesa, que a história de África, especialmente da África
negra, incluindo os contactos com os portugueses, tão decisivos para o seu futuro
desenvolvimento linguístico, é mal conhecida. Afirma que:
“A respeito de Angola, os estudantes aprenderam que, em 1482, Diogo Cão atingiu
a foz do Congo. Eles sabem que Portugal – como outras potências marítimas europeias
– instalou em África estabelecimentos comerciais, muitas vezes secundados por
pequenas guarnições militares, e que, em Angola, devido a uma certa relação de trono
para trono, a corte do Congo beneficiou do concurso de letrados portugueses, na
maioria padres católicos. Ouviram também falar da Conferência de Berlim de 1885,

3
O hino nacional angolano, um dos símbolos do país, adaptado em ano de 1975, quando o país tornou-se
independente. Citado de: http://www.governo.gov.ao/Simbolos.aspx [Consult. 2012-06-25]

8
verdadeira partilha da África pelas potências europeias: França, Inglaterra,
Alemanha, Bélgica e Portugal. Poucos deles saberão, contudo, até que ponto
a colonização foi sagrenta devido à escravatura que aí foi praticada do modo odioso“
(Trigo, 1977:8)
Ora, hoje a situação é bem diferente: através de leitura das obras literárias e da
educação e devido aos meios de comunicação, chegamos a ganhar mais informações
sobre a escravatura africana e sobre as actividades que os portugueses desenvolveram
no território africano. Não obstante, quanto à história da língua portuguesa neste
território quanto à sua divulgação e ao desenvolvimento, muito ainda está por descobrir.
Como escreve Emilio Bonvini (1996:127-148 in Petter, 2008:15-17) no seu artigo sobre
a historiografia das línguas africanas, durante a época da exploração, os portugueses
tiveram que promover uma estratégia linguística de abordagem do continente africano
com o objecto de resolver o impasse da comunicação com os habitantes dos territórios
invadidos. As primeiras expedições a explorar a costa ocidental da África, levaram
apenas os intérpretes árabes, visto que pressupuseram que os habitantes deste território
também pertencessem ao mundo árabe, como os habitantes das costas setentrionais. No
entanto, a comunicação revelou-se impossível devido ao facto de que os habitantes não
falavam árabe, mas a língua, mais tarde identificada como bérbere. Tendo adquirido
estas experiências, os portugueses estabeleceram em Lisboa uma „estratégia de
interpretariado e de ensino do português aos africanos.”. Como escreve Bonvini
(1996:131-132 em Petter, 2008:17):
“ […] os intérpretes eram escolhidos entre os escravos de alguns senhores africanos
que os emprestavam aos portugueses para que eles aprendessem a língua portuguesa e
eram trocados por um outro escravo que estava no barco; quando um desses
intérpretes conseguia conquistar outros quatro escravos para os seus senhores, eles
eram alforriados“
Desta maneira, esses intérpretes foram levados, voluntaria ou obrigatoriamente, para
Portugal, onde aprendiam a língua e trabalhavam nas expedições marítimas portuguesas.
A Portugal, nomeadamente a Lisboa, chegaram também junto com os outros intérpretes
das diferentes línguas africanas faladas nos territórios atingidos pelos portugueses,
o que contribuiu, no futuro, para uma comunicação melhor (Bonvini, 1996:132 em
Petter, 2008:17). Isto foi um dos primeiros passos da difusão do português no continente
africano.

9
Segundo Chavagne (2005:20-21), podemos distinguir três períodos
historicamente diferentes do desenvolvimento e difusão da língua portuguesa:
o primeiro período (séculos XV-XIX), a fase da expansão marítima e
comercial;
o segundo período (do século XIX. até 1974), a fase da exploração e
colonização;
o terceiro período (de 1974 até o presente), a fase da independência
angolana;

2.2. Primeiro período (séculos XV-XIX)

Como já foi adiado no início, o ano de 1483 desempenha um papel significativo na


história de Angola. Neste ano os portugueses chegaram à foz do rio Zair no Congo. Em
seguida, Diogo Cão, envia uma mensagem de „paz e amizade“ ao rei Nziga Kuwu e
leva como reféns vários chefes locais da província de Soyo para se familiarizarem com
a civilização europeia. Em dois anos os reféns ao retornar-se para o Congo,
entusiasmados com as condições de vida em Lisboa, propuseram ao rei do Congo
o acolhimento dos portugueses e a conversão à religião cristã. O dito motivo levou os
portugueses a instalaram nesse território um protetorado, o que foi um passo decisivo
que os trouxe para África. Essa situação, efectivamente, contribuiu para o início da
difusão da língua portuguesa no território de actual Angola. Numerosos africanos
partiram para Portugal, para aprender a língua e voltaram para Angola para apoiar a sua
divulgação em suas terras. (Bonvini, 1996:133 em Petter, 2008a)
Mais tarde a escolarização alargou-se para o próprio reino do Congo, há referências
sobre este facto na província de Soyo e nos arredores da capital Mbanza Congo4
(incluindo), como o testemunham as seguintes declarações de Willy Bal:
“ Il y a bien huit ou dix écoles comme au Portugal [à Soyo]. Tous les enfants
apprennent le portugais et reçoivent l’instruction en cette langue.“ (Bal, 1979: 149-
150 em Chavagne 2005:21)“ Il linguaggio, con che si predica [à São Salvador], è il
linguaggio Portoghese, se bene anco il Castigliano è inteso, e detta lingua la intendono
moltissimi, particolarmente nella Città di San Salvador, ed in Sogno.“ (ibidem)
É nessa época que, graças aos missionários, comerciantes, guarnições militares,
4
Na época de independência o nome foi mudado para São Salvador. (Chavagne, 2005:21)

10
artesões, professores e vários funcionários portugueses, a língua portuguesa entra em
contacto com a língua kimbundu e kikongo. Este contacto foi particularmente intenso
no século XVI (Chavagne, 2005:21).

2.2.1. Os anos 1575 – 1845

No período de 1575 – 1845 , a língua que predomina no território de actual Angola,


é o kimbundu, ainda que o português fosse a língua oficial. (Vansina, 2001:268 em
Inverno, 2009:2) Nesse período, em 1576, chega a Luanda Paulo Dias de Novais que
estabelece a actual capital do país, (Chavagne, 2005:24) e em 1845 é iniciada uma série
de medidas legislativas para abolir o tráfico de escravos em Angola. (Pélissier, 1997:27-
29 em Inverno 2009:2) Inverno (2009:2) justifica a dominância da lígnua kimbundu ao
facto de que o número de portugueses que permaneceram em Angola até ao século XX,
era muito reduzido. Devia ser a consequência das guerras com os reinos africanos
vizinhos e das doenças que causaram a mortalidade elevada dos emigrantes portugueses.
Segundo Santos (1998:85 em Inverno, 2009:2), entre os anos 1575 e 1592 chegaram
para Angola 2340 portugueses, mas como se mostrou mais tarde, finalmente apenas 300
deles permaneceram em Luanda. Outros 450 pereceram na guerra e o resto morreu por
causa das doenças ou evadiara-se para o interior do país, onde assimilou as culturas
africanas. O que contribuiu para esta situação foi também o facto de que o número de
mulheres europeias era também reduzido o que causou a assimilação da maioria das
crianças porque eram educadas pelas mulheres africanas. (Vansina, 2001:269 em
Inverno 2009:2)

2.2.2. Os anos 1620 – 1750

Durante os anos 1620 e 1750 a posição do kimbundu tornou-se mais forte.


O kimbundu era a língua mais usada na vida diária de Luanda, a cidade mais
significativa do território angolano na altura. Para este facto contribuiu a elite afro-
portugesa, que era dupla - nos centros urbanos ocupava os principais cargos da
administração pública e no interior do país operava como capturadora dos escravos e
protectora das rotas comerciais. (Venâncio, 1996:51 em Inverno, 2009:2) Esta elite era
formada pelos falantes nativos do kimbundu ou do kikongo, as duas línguas mais
faladas nas áreas dirigidas pelos colonizadores. Esta convivência linguística resultou em

11
formação de um novo dialecto do kimbundu, consideravelmente influenciado pelo
kikongo. (Vansina, 2001:47 em Inverno, 2009:2) Importa salientar que apesar disto, a
elite afro-portuguesa tinha também um bom conhecimento da língua portuguesa que era
naquela época usada como a língua franca5, ou seja a língua que servia para
a comunicação entre as pessoas de línguas maternas diferentes: no nosso caso para
a comunicação entre os portugueses e os habitantes locais.

2.2.3. Os anos 1750 – 1822

A crescente africanização, tanto linguística como cultural, não era bem aceite pelos
portugueses. Com o objectivo de impedȋ -la, o governador Francisco Innocencio da
Sousa Coutinho lançou em 1765 o decreto sobre o uso das línguas no ensino, destinado
especialmente à elite afro-portuguesa. Através deste documento empenhou-se por
desestimular o uso das línguas locais no ensino dos filhos desta elite. (Vansina 2001:47
em Inverno 2009:2) A despeito deste decreto, a situação não mudou até meados do
século XIX. Naquela época nota-se a diferença entre o kimbundu falado no interior do
país e em Luanda, onde a influência dos portugueses era a mais intensiva do todo
território angolano. Chatelaine (1894:v em Inverno 2009:3) define este kimbundu
luandense como a língua “needlessly mixed with Portuguese elements“.

2.3. Segundo período (século XIX. até 1974)

Do que já sabemos acerca do primeiro período, a difusão da língua portuguesa


estava ainda nos seus começos e embora fosse a língua dos colonizadores, língua da
nação superior no território angolano, o kimbundu e o kikongo continuaram a
desempenhar o papel mais importante na vida diária dos habitantes de todas as camadas
sociais, desde os mais pobres até, já mencionada, elite afro-portuguesa. A situação
linguística do segundo período ia-se mudando gradualmente até que o português se

5
“Any language could conceivably serve as a lingua franca between two groups, no matter what sort of
language it was.“ http://privatewww.essex.ac.uk/~patrickp/Courses/PCs/IntroPidginsCreoles.htm
[Consult. 2012-06-16]

12
tornou a língua mais falada nas áreas urbanas de Angola. Um dos pressupostos desta
mudança é, sem dúvida, o aumento do número dos emigrantes portugueses (Inverno,
2009:3) e à diferença do primeiro período, também o aumento do número das mulheres.
Inverno ilustra, além do mais, este aumento dos brancos em Angola na seguinte tábela:

Tabela 3.1: Estimativa da população de Angola de 1845 a 1970


1845 1900 1920 1940 1950 1960 1970
Africanos 99,9% 99,7% 99,3% 98,1% 97,4% 95,3% ---
Brancos 0,03% 0,02% 0,48% 1,2% 1,9% 3,6% 5,1%
Mestiços 0,01% 0,06% 0,18% 0,75% 0,72% 1,1% 1,57%
Baseado em (Bender, 2004:71 em Inverno, 2009:3 )

À luz destes dados, podemos inferir que embora o número dos colonos
portugueses aumentasse, não é mais do que 5,1% alcançado na década de 70 do século
XX. A percentagem dos negros africanos é naturalmente a mais elevada em todos
os períodos, à diferença dos mestiços, cujo número é pouco significativo.

Há dois motivos principais que contribuiram para o aumento do, já mencionado,


número dos brancos. Um destes motivos é o receio de que Angola pudesse tornar-se
um novo Brasil, quer isto dizer, que pudesse ganhar a independência, como o aconteceu
no Brasil em 1822. Em vista disso, não é supreendente que depois da independência
brasileira, a atenção dos portugueses passou a concentrar-se imediatamente nas suas
colónias africanas. (Chavagne 2005:26) O segundo motivo, que não é de menor
importância, foi a divisão das fronteiras das colónias africanas entre as potências
marítimas europeias e o regulamento das condições referentes a estas colónias
estipulado pelo decreto da conferência de Berlim de 1885. (ibidem) Segundo o artigo 35
da acta geral redigida em Berlim em 26 de Fevereiro de 18856 os colonizadores
“reconhecem a obrigação de assegurar, nos territórios ocupados por eles, nas costas
do Continente africano, a existência de unia7autoridade capaz de fazer respeitar os
direitos adquiridos e, eventualmente, a liberdade do comércio e do trânsito nas

6
Toda a acta, incluindo o artigo 35, é disponível em:
http://www.casadehistoria.com.br/sites/default/files/conf_berlim.pdf [Consult. 2012-05-20]
7
O termo “unia” pode ser confuso, mas é citado na mesma forma como no documento. Para mais
informações ver a acta citada acima.

13
condições em que for estipulada.“ (ibidem, s.p.) Este foi um passo decisivo para
a verdadeira colonização iniciada em 1926 pela chegada das numerosas guarnições
militares para o território angolano. (Chavagne, 2005:27) Para verificar este facto, veja-
se o aumento gradual do número dos brancos no território de Angola entre os anos
1920-1940 na tábela 3.1.
No que concerne à política linguística deste período, já em 1921, o uso das
línguas africanas na vida pública em Angola foi proibido pela lei. (Chavagne, 2005:28):
“ §1. É proibido o emprego das línguas indígenas ou qualquer outra língua, à excepção
do português, por escrito ou por panfleto, jornal, … na catequese das missões, nas
escolas e em todos os contactos com as populações locais (...)“ (Norton de Matos,
1921:s.p. em Chavagne, 2005:28)
Os seguintes subcapítulos, aproximarão o desenvolvimento desta situação e
a difusão da língua portuguesa durante as seguintes décadas, desde a década de 50 até
a independência angolana.

2.3.1. Década de 50 do século XX.

Esta época favoreceu a generalização do português em todo o território de


Angola, sendo os angolanos obrigados a adoptar a língua portuguesa. Com base em
vários decretos publicados entre 1926 e 19618, a população angolana tinha que assimilar
a cultura portuguesa. (Inverno, 2009:4) Para serem reconhecidos como „assimilados“,
os angolanos tinham de possuir as seguintes habilidades: saber ler, escrever e falar
fluentemente no idioma português, professar a mesma religião que os portugueses e
manter os padrões de vida e costumes semelhantes aos europeus. (ibidem) Esta cultura
europeia era, sem dúvida, muito distante da cultura dos africanos e por isso não era fácil
adquirir os ditos hábitos, tão naturais para os europeus. Rui Ramos descreve a situação
dos angolanos através do olhar do africano:
“Para se tornarem "cidadãos portugueses" tinham de prestar provas: ser católico
praticante, dormir numa cama, ter o exame da quarta classe, falar bem português, ter
só uma mulher, comer com garfo e faca, isto é, ter costumes "europeus exemplares".

8
Especificamente: Estatuto Político, Social e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique (1926),
Acto Colonial (1930), Carta Orgânica do Império Colonial Português e Reforma Administrativa
Ultramarina (1933), Lei Orgânica do Ultramar Português e Estatuto dos Indígenas das Províncias da
Guiné, Angola e Moçambique (1953). (Marques, 2001:677-681 em Inverno, 2009:4)

14
Isto é: o que para um qualquer branco era adquirido por nascimento, para o
colonizado era adquirido depois de difíceis provas, em que, muito provavelmente,
muitos europeus reprovariam.“9
No que diz respeito à educação em contexto da assimilação, até 1961 em Angola
havia dois tipos diferentes da escola primária. O primeiro tipo seguia o modelo de
Portugal e era só para os brancos e para um determinado número dos assimilados.
O segundo tipo seguiu o ensino rudimentar destinado sobretudo aos africanos em geral,
ou por outras palavras, para os assim chamados, “não civilizados“. (Massa, 1984: 88
em Petter, 2008:38) Dado que os níveis mais elevados de educação eram accesíveis
apenas para a minoria dos africanos, isto é, para os que tivessem adquirido o já
mencionado estatuto de assimilado, a educação foi praticamente vedada à generalidade
dos habitantes locais. (Inverno, 2009:4) Pois, aqui podemos ver o problema de toda
a situação. Por um lado era obrigatório dominar o português, por outro, o acesso à
educação era limitado. Testemunha-o também Jorge Macedo, escritor e jornalista
angolano, citado em Chavagne (2005:28), quando escreve:
“ Os meninos negros, os colonialistas não deixam entrar na Escola. E para se
desculparem exigem pés vestidos com sapato e bilhete de identidade. E quando isso
conseguimos (um ou outro entre milhões) nos obrigam então renunciar nossos falares
regionais; kimbundo, txokwe, muila, umbundu, nhaneca, etc., nos obrigam fugir viver
ao pé de nossos pais, de nossa origem (a sanzala), não ir mais no quimbo, habitar casa
de carácter definitivo na cidade deles, falar correntemenete e afinadinho o português
de Portugal...“
Contudo destaque-se que naquela época, a assimilação, baseada nos decretos já
citados, era mais psicológica do que numerosa (veja-se as seguintes tábelas). No fim da
década havia menos que 200 000 assimilados da população de 4,5 milhões pessoas.
(Chavagne 2005:28) O fracasso inicial desta assimilação é provado também pelo facto
de que antes da independência de Angola, apenas uma minoria dos habitantes angolanos
dominaram o português. Isto demonstam as tabelas 3.2 e 3.3 propostas pela Inverno:

9
Disponível em http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=4969 [Consult. 2012-05-24]

15
Tabela 3.2: Índice de proficiência em português (áreas rurais em Angola)
Perfeito ……………………………………………………………………...0,1%
Relativamente fluente ………………………………………………………0,4%
Razoável ……………………………………………………………………..16%
Alguns poucos rudimentos………………………………………………......24%
Nenhum conhecimento ……………………………………………………...59%
(Heimer 1974:s.p. em Bender 2004: 353 em Inverno 2009:3)

Tabela 3.3: Frequência de uso do português (áreas rurais em Angola)


Habitual ……………………………..…………….………………………..... 0,1%
Certa frequência …….……………………………………………..………….0,8%
Muito raramente …...…………………………………………………………...31%
Nunca ………. …………………………………………………………………59%
(Heimer, 1974:s.p. em Bender, 2004: 353 em Inverno, 2009:3)

2.3.2. Décadas de 60 e 70 do século XX.

Nas décadas de 60 e 70 Portugal decidiu investir mais na intesificação da sua


presença no interior do país para ter o melhor controlo em todos os territórios de
Angola, criando grandes colonatos agrícolos (Inverno, 2009:4), pela extensão notável
da educação rural (Petter, 2008:38) e um pouco mais tarde, durante a década de 70,
também pelo estabelecimento de assim chamados “aldeamentos”10,quer isto dizer,
“vastas aldeias organizadas pelos militares, muitas vezes rodeadas de arame farpado,
onde se agrupavam africanos anteriormente dispersos.” (Bender 2004:264-265 em
Inverno 2009:4)
O resultado desta estratégia portuguesa foi o aumento significativo do número
dos falantes do português entre os africanos, motivado pelo contacto diário e frequente
com a língua portuguesa nestes estabelecimentos. Isto foi também a motivação
suficiente para aprender a língua dos colonizadores. (Inverno 2009:4)
As décadas de 60 e 70 são também caraterizadas pela exclusão dos africanos da
vida política e económica (Chavagne, 2005:29), o que causou, em comparação com o
período anterior (isto é, os séculos XV-XIX), uma significativa reviravolta. A elite

10
O termo usado por Bender. (Bender 2004:264-265 em Inverno 2009:4)

16
afro-portuguesa, como já sabemos, estabelecida durante os anos 1620-1750, era na
década de 60 e e no início da década de 70, muito reduzida.
Os valores dominantes desta época eram a língua e cultura portuguesas. As
tradições africanas naturalmente continuavam a existir, mas de uma maneira mais
oculta. Oficialmente o modo da vida africana foi desvalorizado pelos portugueses,
incluindo danças e canções tradicionais, práticas religiosas e culinárias e línguas locais.
Portugal queria impor o modo da vida europeu e generalizar a cultura. Um dos
exemplos deste fenómeno é por exemplo o uso dos nomes próprios portugueses, tanto
antropónimos como topónimos, registado já no início da década 70. Parece que
à maioria dos angolanos não incomodava esta situação, que continua até os nossos dias.
Antes pelo contrário; alguns angolanos brancos adoptavam os nomes africanos
(Chavagne, 2005:29). Este fenómeno tem, com certeza, o fundo cultural e simbólico.
José Eduardo Agualusa escreve sobre esta inversão:
“Queres ver como está tudo trocado? Os brancos chamam-se Pepetela, Ndunduma,
Chassanha. Os pretos chamam-se Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, Mendes
de Carvalho, Jorge Valentim...“11 (Agualusa 2000:27 em Chavagne 2005:29)
Resuma-se que estas décadas são caracterizadas pelo esforço dos portugueses
por substituir a cultura africana pela cultura europeia, a qual, junto com a a divulgação
da língua portuguesa por todo o território angolano, devia facilitar o controlo no país.

2.4. Terceiro período – a independência angolana

As consequências da revolução e dos acontecimentos em Portugal em 25 de Abril de


1974 tiveram um grande impacto também além das fronteiras do país, provocando
também a guerra colonial em Angola e também a proclamação da independência em 11
de Novembre de 1975. A decolonização tão característica para este período foi rápida.
Já em 1975, durante poucos meses, saiu a maioria dos brancos, isto é cerca de 95% dos
400 000 europeus. Por mais paradoxo que pareça, esta imensa descolonização não
influenciou o estatuto do português no país, mas supreendentemente acelerou a
expansão da língua portuguesa em Angola.

11
Pepetela, Ndunduma, Chassanha e Mendes de Carvalho – os escritores. Agostino Neto – o presidente
da Angola de 1975 até 1979, José Eduardo dos Santos – o presidente actual da Angola desde 1979, Jorge
Valentim – o político.

17
Uma das condições para a aceleração da difusão da língua portuguesa era a
deslocação dos habitantes angolanos para os territórios que antes pertenceram aos
brancos. A guerra civil em Angola, que durou 30 anos (de 1975 até 2002), causou
o esvaziamento de grande parte do território do interior. A população tendia para fugir
para a cidade de Luanda e para as regiões próximas. Ali concentrava-se quase um
quarto dos angolanos. (Castro, 2006) Durante os 20 anos o número dos habitantes destes
regiões mesmo triplicou. (Chavagne 2005:32)
Esta mudança demográfica logicamente não ficou sem os efeitos linguísticos.
Muitos angolanos, especificamente os dos Zaire12, começaram a aprender português em
Luanda ou continuaram a falar as suas línguas maternas, nomeadamente a lingala ou
o kikongo. Isto é apenas um caso concreto do grande grupo dos falantes das mesmas
línguas, mas em geral, a maioria da população fugida do interior do país, era muito
diversificada e para se compreender mutuamente e para se enraizar nesta grande cidade,
eles tinham que aprender português. Isto é, na verdade, a causa principal da aceleração
da difusão da língua portuguesa no território da Angola. (ibidem)
É interessante que naquela época também os movimentos políticos mais importantes
no país eram linguisticamente divididos. MPLA13 usava (e sempre usa) apenas
o português considerando-o a língua da luta pela libertação. Para a maioria dos
membros deste movimento o português era a língua materna. Isto não é o caso dos
outros dois movimentos significantes naquela época. Em FNLA14 falava-se
maioritariamente o kikongo e em UNITA15 a língua dominante era o umbundu.
O início desta fase da independência influenciou assim, consideravelmente, a actual
situação linguística, da qual trataremos no seguinte capítulo.

12
Em 1978 o grande afluxo dos angolano do Zaire chegou a Luanda, onde se instalou. (Chavagne,
2005:32).
13
Movimento Popular para a Libertação de Angola. As informações sobre o movimento são disponíveis
em linha oficial: http://www.mpla.ao/
14
Frente Nacional de Libertação de Angola. As informações sobre o movimento são disponíveis em linha
oficial: http://www.fnla.net/news/
15
União Nacional para a Independência Total de Angola. As informações sobre o movimento são
disponíveis em linha oficial: http://www.unitaangola.org/

18
3. Actual situação linguística em Angola

3.1. Informações básicas sobre o país

Pela extensão territorial16, República de Angola é nesses dias o segundo maior


país de língua oficial portuguesa. Localiza-se na costa ocidental de África e o seu
território é limitado ao norte e ao nordeste pela República Democrática do Congo,
ao leste pela Zâmbia, ao sul pela Namíbia e ao oeste pelo Oceano Atlântico. Inclui
também o enclave da Cabinda, através do qual faz fronteira com a República
Democrática do Congo ao norte.
Mapa Nº 117

Administrativamente, Angola é divida em 18 províncias, nomeadamente: Bengo,

16
1.246.700 km²
17
Disponível em http://www.spanport.ucsb.edu/faculty/mcgovern/Angola/angola.html [Consult. 2012-06-
18]

19
Benguela, Bié, Cabinda, Cunene, Huambo, Huíla, Kuando Kubango, Kwanza Norte,
Kwanza Sul, Luanda, Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Moxico, Namibe, Uíge e Zaire.
Para a conceituação melhor, veja-se o seguinte mapa:

Mapa Nº 218

No que concerne à população, em 2010 o número estimado dos habitantes foi


19,9 milhőes.19 Cerca de 54,8% da população vive em áreas urbanas e o restante, o que
é 45,2% da população, permanecem nas áreas rurais. (ibidem)

3.2. Informações sobre a situação linguística

Nesta parte ofereceremos as informações básicas sobre a situação linguística

18
Disponível em: http://www.angolatelecom.com/AngolaTelecom/PT/province/ [Consult. 2012-06-18]
19
Segundo Relatório sobre o Progresso do País para dar Seguimento aos Compromissos da Sessão
Especial sobre VIH e SIDA da Assembleia Geral das Nações Unidas, periodo 2010-2011, de Março
2012. Disponível em:
http://www.unaids.org/en/dataanalysis/monitoringcountryprogress/progressreports/2012countries/ce_AO
_Narrative_Report[1].pdf [Consult. 2012-06-16]

20
em Angola. Definiremos, além do mais, os termos como bilinguismo ou
multilinguismo, superstrato, substrato e estrato, variações diatópicas, diastráticas ou
diafásicas, língua vernaculada, veícula ou segunda. Enumeraremos os grupos principais
das línguas africanas faladas no território de Angola e demarcaremos o estatuto da
língua portuguesa neste país.

3.2.1. Bilinguismo e multilinguismo

Como já podemos notar nos capítulos antecedentes, Angola é um país caracterizado


por multilinguismo. Há habitantes monilingues, bilingues e também multilingues em
diferentes línguas africanas faladas no território do país, maioritamente pertencentes ao
grupo bantu . (Inverno 2009:1) Além disso, cada destas línguas locais, mais faladas em
Angola, admite uma ampla série de variantes, o que ainda contribui para a maior
diversidade linguística. (Vilela, 1999:178)
Vilela (1999:176) define os termos de bilinguismo e de multilinguismo do ponto de
vista psicolinguístico e sociolinguístico, pondo-os em relação com as “línguas em
contacto”. Isto é, sem dúvida, também o caso de Angola.
Do ponto de vista psicolinguístico, no contexto das “línguas em contacto”, o
bilinguismo (e multilinguismo) é definido como a situação, na qual os mesmos falantes
alternadamente usam as línguas diferentes. O lugar de contacto é constituído por estes
falantes. Do ponto de vista sociolinguístico, são os mesmos grupos que falam
alternadamente as línguas diferentes. Há assim o bilinguismo individual e também
colectivo.

3.2.2. Superstato, substrato e estrato

Como já disse Vilela, o país encontra-se em contexto de “línguas em contacto”. Tal


situação, com certeza, não pode ficar sem consequências linguísticas. Estas
consequências podem ter formas diferentes, como o mostram os seguintes exemplos
citados de Vilela (1999:176):
- as línguas não se alteram, apenas se misturam com a mudança do código no
mesmo enunciado (= ”codeswitching”);

21
- todo o enunciado ou parte dele é repetido numa segunda (ou terceira) língua,
dando-se portanto apenas a mudança do código; a chamada estratégia de
neutralização para evitar o incompreensão;
- o enunciado é feito numa língua segundo o modelo de outra língua: são as
chamadas interferências e transferências;
- uma das línguas perde-se no decurso do tempo;

Retomando estes factos, o dicionário online do português define o superstrato como


” a camada linguística que, sobreposta a outra, por motivos de invasão ou colonização,
se dissolve na língua do povo vencido, deixando, porém, seus traços específicos
principalmente nos domínios do léxico (empréstimos), da fonética e da morfologia. Os
visigodos conquistadores da Península Ibérica, p. ex., abandonaram a sua língua e
adotaram o latim.”20 No contexto da situação angolana, o superstrato é a língua
portuguesa.
O substrato é ao contrário ”a camada linguística inferior, constituída por uma
língua nativa que é abandonada em favor de outra, de importação, deixando nesta
alguns vestígios de sua influência; é o caso do substrato celta no latim vulgar da
Lusitânia.”21 Em Angola, o substrato são as línguas africanas, sobre as quais falaremos
mais detalhadamente no subcapítulo 2.3.
E finalmente o estrato, que é definido, segundo Oxford dictionaries como: “a
language or group of elements within it that is responsible for changes in a
neighbouring language.”22 O estrato em Angola é o francês, o inglês e as línguas
veiculares das zonas fronteiriças. (Chavagne:2005:20)

3.2.3. Línguas locais

Este bilinguismo e multilinguismo é causado pelo facto de que a maioria da


população tem como a língua materna uma ou mais das, de cerca, 40 línguas bantu
existentes no território angolano, e às vezes também a língua portuguesa. (Inverno
2004:2)

20
Disponível em: http://www.dicio.com.br/superstrato/ [Consult. 2012-06-15]
21
Disponível em: http://www.dicio.com.br/substrato/ [Consult. 2012-06-15]
22
Disponível em: http://oxforddictionaries.com/definition/adstratum [Consult. 2012-06-15]

22
Vilela (1999:178) menciona as principais comunidades linguísticas23 de Angola, a
saber:
- Umbundo (35,7%)
- Kimbundo24 (22,3%)
- Kikongo (12,6%)
- Ulunda/uCokue (9,1%)
- Cingangela/Mbunda (8,7%)
- Olunyaneka/Lunkhumbi (6,7%)
- Oxivambo/Oxikuanyama (2,4%)
- Ocihelelo (0,7%)
- Khoisan (0,35%)

Segundo Petter (Petter:2008:39) ultimamente se têm registado tendências para a


gramaticalização das seis línguas principais e para a sua classificação como as línguas
nacionais. Santos e Oliveira (2011: sem páginas) definem a língua nacional como:
“uma das várias línguas locais escolhidas para serem descritas e normatizadas em
razão de sua extensão e número de falantes, com o objetivo de serem ensinadas na
escola e se tornarem língua oficial.” Já Agostino Neto25 propôs o desenvolvimento das
línguas nacionais e a inclusão do português como a língua veicular, não oficial,
indicando esta razão: “[…] o uso exclusivo da língua portuguesa como língua oficial,
veicular e actualmente utilizável na nossa literatura, não resolve os nossos
problemas.“26 Contudo a sua proposta nunca foi realizada.

23
Baseado no mapa demográfico do ano de 1963 (José Redinha – Distribuição étnica de Angola.
Introdução. Registo étnico. Mapa. Luanda: Edição do Centro de Informação e Turismo de Angola, 1963)
complementado com a percentagem de falantes, com alguma fiabilidade, relativamente à população em
1987. (Vilela, 1999:178)
24
O nome desta língua pode variar. É possível encontrá-lo nas seguintes formas: kimbundu, kimbundo,
quimbundu, quimbundo. (a nota da autora) Nós decidimos-nos a usar a forma “kimbundu” porque
segundo a nossa observação é a mais frequente.
25
O primeiro presidente da Angola (1975-1979)
26
Agostinho Neto en 1977, cité par Irene Guerra Marques - ACTA p.210. em (Chavagne 2005:35)

23
3.2.4. Estatuto da língua portuguesa em Angola

Nós já sabemos que a língua portuguesa é uma língua oficial e veicular, quer isto
dizer, uma língua que estabelece a comunicação entre os falantes que falam línguas
diferentes. (Santos; Oliveira, 2011:s.p.) O que ainda está por explicar é o motivo de a
língua portuguesa ser considerada também a língua materna por um grande número dos
africanos, ou seja, é considerada a língua vernacularizada.27
Este português vernáculo, nascido nas condições do multilinguismo, é na literatura
conhecido também sob o nome de “a língua dos musseques28”, mas actualmente não se
restringe apenas aos bairros pobres das cidades. (Inverno, 2009:1) Mingas (1998:115
em Inverno, 2009:1) a descreve como:
”[…] uma nova realidade linguística em Angola, a que chamamos “português de
Angola” ou “angolano”, à semelhança do que aconteceu ao brasileiro ou ao crioulo.
Embora em estado embrionário, o “angolano” apresenta já especificidades próprias
[…] Pensamos que, no nosso país, o “português de Angola” sobrepor-se-á ao
“português padrão” como língua segunda dos Angolanos.”
Frise-se que o número dos falantes desta variedade do português de Angola está
cada vez maior e continua a aumentar. Em 1990, Cuesta (1990:15 em Inverno, 2009:1)
escreve que o português é falado por menos de 20% da população, sendo esta
constituída pelos falantes (sobretudo as elites e os jovens) dos grandes centros urbanos
costeiros. Em 2002, a percentagem já é consideravelmente diferente, como podemos
notar numa das entrevistas com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que diz:
“Ao contrário de todas as antigas colónias portuguesas, em Angola o português tinha
já uma expressão significativa à data da independência : para pelo menos 5% da
população era a língua materna. E penso que é o único caso de uma língua europeia
que se enraizou em África como língua materna. E hoje, segundo os últimos dados, no
mínimo 42% da população falam português como língua materna, sendo que mais de

27
O termo usado por Liliana Inveno. (2004:1) Segundo o dicionário online de português, a expressão
“vernáculo” significa “Adj. próprio de um país ou de uma nação; pátrio, nacional: língua vernácula.
S.m. idioma próprio de uma região ou de uma nação.” Disponível em:
http://www.dicio.com.br/vernaculo/ [Consult. 2012-06-06]
28
Musseque (= “areia vermelha“): aldeamento de barracas nos arredores de cidades (Vilela, 1999:180)

24
90% a dominam como segunda língua.“29
Neste contexto podemos dizer que há dois tipos de português em Angola,
português como a língua vernácula, ou seja, língua materna (PL1) e o português como
língua segunda (PL2). Segundo Stern (1983:16 em Leiria, 2004:s.p.) o termo “língua
segunda“ aplica-se para a classificação da aprendizagem e do uso de uma língua não
nativa dentro das fronteiras territoriais do próprio país do falante, em que tem um
função reconhecida.30
Chavagne (2005:36) propõe uma imagem do estatuto da língua portuguesa em
Angola. Ofereceremos alguns dos pontos desta imagem nos seguintes parágrafos:

1. A língua portuguesa é considerada o factor da unidade nacional. No contexto


actual do multilinguismo e diversidade, desempenha o estatuto da neutralidade.
O mesmo papel desempenhava-o no tempo das guerras e durante a luta pela
libertação. Chavagne (2005:36) escreve: “[…]on peut dire que l’Angola n’a pas
d’autre critère d’unité plus concret, plus visible.“

2. O português é importante também para as relações interafricanas e para a


negociação com as antigas colónias portuguesas e com outros países africanos.

3. A língua portuguesa é falada também no Brasil e o Brasil é um país, com o qual


os angolanos se sentem afins. Segundo Eliana Pitombo Teixeira31, em Angola, a
cultura brasileira é muito popular e também frequentamente penetrada através da
televisão32. Este facto parece afectar o comportamento linguístico dos
angolanos. Um dos exemplos pode ser por exemplo a extensão do uso do
pronome você, como tratamento íntimo, especialmente entre os jovenes
escolarizados, cuja língua materna é o português.

29
Entrevista : José Eduardo Agualusa, Em três continentes”, Jornal de Letras, 01/05/2002, p. 7. Em
(Chavagne, 2005:18-19)
30
É importante distinguir a diferença entre os termos “língua segunda” e “língua estrangeira”. A língua
estrangeira é o termo usado para a classificação da aprendizagem e do uso da língua nos espaços, onde
essa língua não tem o estatuto sociopolítico. (Stern, 1983:16 em Leiria, 2004:s.p)
31
Teixeira. O pronome você no português de Luanda. Disponível em:
http://dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/files/03_9.pdf [Consult. 2012-06-10]
32
Principalmente pelas novelas de Globo e da Record. (ibidem)

25
4. Nos dias de hoje é através da língua portuguesa que os angolanos se aproximam
às culturas estrangeiras. Com certeza, o português não desempenha a mesma
função como por exemplo o inglês ou o francês, contudo, tem a sua própria
importância, estando abudantemente presente nos meios de comunicação (entre
outros, mencione-se a emissão de canais televisivos por satélite, na cultura
(música) e literatura mundial).

5. E no último lugar, acrescente-se o facto de que, em Angola, o português é a


porta de entrada para a ascenção social. (Vilela, 1999:179)33

3.2.5. Variações diatópicas, diastráticas e diafásicas

Segundo Cunha (1999:3) cada língua apresenta, pelo menos, três tipos de
diferenças internas, mais ou menos aprofundadas, a saber:
1. diferenças no espaço geográfico, ou seja, variações diatópicas
: isto é – falares locais, variantes regionais e, até intercontinentais;
2. diferenças entre as camadas socioculturais, ou seja variações diastráticas
: isto é – nível culto, língua padrão, nível popular, etc.;
3. diferenças entre os tipos de modalidade expressiva, ou seja, variações
diafásicas
: isto é – língua falada, língua escrita, língua literária, linguagens especiais,
linguagem dos homens, linguagem das mulheres, etc.).

Com respeito ao português no contexto das variações diatópicas, infelizmente


temos de dizer que este esfera parece ser ainda pouco ponderada. Conhecidos são
apenas alguns trabalhos referentes à linguagem de Luanda, o que é, por exemplo, o caso
do trabalho citado acima “O pronome você no português de Luanda.”.
As variações diastráticas são mais fáceis de identificar. Como já sabemos, o
português tornou-se a língua oficial de Angola que decidiu seguir a norma europeia, a
língua padrão.34 Importa salientar que a língua padrão não significa o mesmo que a

33
O último ponto não pertence à imagem do estatuto da língua portuguesa em Angola proposta por
Chavagne (2005), mas decorre da nossa observação.
34
“Língua padrão” é a variedade culta formal do idioma. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno10-09.html [Consult. 2012-06-19]

26
norma culta. Como escreve Helênio Fonseca de Oliveira: “Há quem tome o termo
norma culta, indevidamente, como sinônimo de língua padrão. Ocorre que a língua
culta, isto é, a das pessoas com nível elevado de instrução, pode ser formal ou
informal. A língua padrão é a culta, sim, mas limitada à sua vertente formal. É, pois,
necessário distinguir os dois conceitos.”35
O português é como a língua oficial e culta usado, em Angola, na vida pública,
apesar de haver indivíduos que não defendem a mesma opinião e que usam o português
vernáculo, ou seja a norma popular. Esta difere significamente da forma europeia tanto
no plano fonológico36 como no nível morfosintáctico e lexico-semántico. O seguinte
capítulo descreverá algumas destas diferenças, ou seja os desvios da norma padrão.
Para a compreensão melhor da seguinte capítulo é importante definir os termos
“desvio” e “erro”, como não se trata do mesmo termo. Segundo gramática descritiva
(disponável em linha), a caracterização do desvio requer a reprovação. Citamos:
“Desvio é o distúrbio comunicativo reprovado. Para o estudo gramatical importam os
desvios formais. Quando alguém fala que uma afirmação está errada, ainda não está
caracterizado o desvio lingüístico, pois o que o falante considerou erro pode ser
causado no plano do conteúdo e não no da expressão.”37 Os desvios ocorrem em todos
os níveis da análise linguística. Distinguem-se assim os desvios fonológicos,
ortográficos, sintácticos, semánticos, etc. (ibidem)
Quanto às variações diafásicas, destas escolhemos uma concreta variação, a
linguagem literária, que será analizada no capítulo 5.

35
ibidem
36
Este trabalho não focaliza o plano fonológico. Uma das razões é o facto de que, apesar de a fonológia
do português vernáculo ser o assunto muito interessante, é também o assunto muito vasto e a extensão
deste trabalho não nos permite incluí-la. Para aprender mais sobre a fonológia desta variedade do
português recomendamos o estudo de Chavagne (2005) Etude des écarts phonético-phonologiques.
37
Disponível em: http://www.radames.manosso.nom.br/gramatica/desvio.htm [Consult. 2012-06-25]

27
4. Demarcação da norma padrão

O estudo o mais completo sobre o sistema fonológico, morfológico, sémantico e


sintático do português vernáculo de Angola, encontra-se nos trabalhos de Chavagne
(2005) La langue portugaise d’Angola. Etudes des écarts par rapport à la norme
européenne du portugais. A descrição do sistema gramatical neste estudo foi feita com
base no corpus do próprio autor. As transcrições contidas em anexo são compostas de
frases de diferentes situações de comunicação com diferentes interlocutores e em
diferentes contextos: universitário, rádio, televisão, etc.
Um outro estudo significativo foi elaborado por Liliana Inverno e está incluído
nos seguintes trabalhos: Português vernáculo do Brasil e português vernáculo de
Angola: reestruturação parcial vs. mudança linguística (2004), Angola’s Transition to
Vernacular Portuguese (tese do mestrado 2006), A transição de Angola para o
português vernáculo: estudo morfossintático do sintagma nominal (2009) e Contact-
induced restructuring or Portuguese morphosyntax in interior Angola: evidence from
Dundo (Lunda Norte). (tese do doutoramento 2011).
É possível encontrar mais estudos, maioriatamente, mais particulares, mas quase
sempre baseados nos estudos aqui já citados. A bibliografia dos estudos sobre a
situação linguística em Angola encontra-se nas páginas oficiais electrónicas da Catédra
“Português língua segunda e estrangeira”38 da Universidade Eduardo Mondlane em
Moçambique, Maputo e é organizada por Liliana Inverno.
Neste capítulo apresentaremos alguns desvios, mais notáveis no português
vernáculo de Angola, nomeadamante no nível da sintagma nominal e no nível lexico-
semántico. Focalizaremos especialmente a problemática dos empréstimos. Infelizmente
a extensão do trabalho não nos permite apresentar estes planos na forma mais detalhada.

4.1. Sintagma nominal do português vernáculo

O português vernáculo de Angola está sempre no processo do desenvolvimento


contudo, é possível distinguir alguns traços linguísticos, mais ou menos estáveis, que se
diferenciam da norma padrão. São nomeadamente: a marcação de número e género, a
marcação de posse e pronomes pessoais. Esta distinção é baseada no estudo de Liliana

38
Disponível em: http://www.catedraportugues.uem.mz/?__target__=lista-bibliografia-angola [Consult.
2012-06-25]

28
Inverno (2004).

4.1.1. Marcação de número

Do que sabemos sobre a marcação do número do português europeu, há dois valores


de numerosidade: singular e plural. O valor singular denota um item e o plural dois ou
mais intens. Segundo Cunha (1999:181) o plural forma-se acrescentando-se –s ao
singular, quer isto dizer, à raíz do núcleo do sintagma. A concordância do número,
através da adição do sufixo –s, está-se realizando também no nível dos determinantes
(isto é: artigos, demostrativos e possesivos), quantificadores (isto é: indefinidos e
numerais) e modificadores (isto é: adjectivos, sintagmas preposicionais e relativos) no
sintagma nominal. (Mira Mateus et al. 2003: 325-370 em Inverno, 2004:4)

Como Inverno constata, no português vernáculo, o núcleo do sintagma nominal


raramente recebe a marcação do número. “A pluralidade é indicada pela adição do
sufixo –s apenas aos elementos não-nucleares mais à esquerda no SN, especialmente no
discurso de falantes mais velhos ou menos instruídos ou no discurso informal daqueles
que são mais jovens ou instruídos“ (Inverno, 2004:4)
Silmultaneamente introduz os seguintes exemplos:

(1) PVA39: Vigia as criança_.


PE: Vigia as crianças.

(2) PVA: Ele marca muitos golo_


PE: Ele marca muitos golos

(3) PVA: É mãe de três filho_


PE: Sou mãe de três filhos

Este facto pode ser uma das consequências da influência das línguas bantu.
Marques (1983 em Inverno 2004:5) escreve que nas línguas bantu, a categoria do plural
é marcada nos nomes através de prefixos e não sufixos. Pode dizer-se que no SN das

39
PVA: Português vernáculo de Angola. ; PE: Português europeu (Inverno 2004)

29
línguas bantu, todos os elementos não nucleares recebem o mesmo prefixo. Este prefixo
concorda em número e classe com o prefixo marcado no núcleo, como o mostra
o exemplo de Martins (1990: 163 em Inverno, 2004:5)

(4) Cokwe: A-tfu a-wana a-pema


PL-pessoa AGR-quatro AGR.bom
PE: Quatro boas pessoas ou Quatro pessoas boas.

A ausência da marcação do número pode ser considerada uma consequência da


tendência desenvolvida nas línguas de grupo bantu durante o proceso da aquisição, do
português que resforçou a regra de apagamento de marcador de plural nos empréstimos
do português a essas línguas. (Inverno 2004:5)
A autora introduz também o fenómeno o mais comum no português vernáculo de
Angola, como o podemos ver no seguinte exemplo:

(5) em Angola temos muitas línguas materna__

O exemplo mostra a atracção da marcação de número no sintagma nominal pelos


elementos mais à esquerda.

4.1.2. Marcação de género

Segundo a autora, esta análize é muito generalizada, visto que não há dados
suficientes para sustentar concluções definitivas. Inverno (2004:5) diz: “A tarefa é
ainda mais dificultada pelo facto de nas línguas bantu apenas os nomes que apresentam
os traços [+ humano] ou [+ animado] receberem marcação de género, sendo que esta
é lexical (i.e. adição de um adjectivo ou nome com um significado semelhante a
“macho” e “fêmea”).“ Segundo as suas pesquisas, no discurso das pessoas mais velhas
e menos instuídas, a concordância de género entre o núcleo do sintagma nominal e os
seus determinantes, ocorre apenas raramente. Ao contrário, no discurso dos jovens e
dos falantes instruídos parece ser categórica.
Os exemplos da ausência da marcação do género segundo Inverno (2004:5):

30
(1) PVA: os palavra
PE: as palavras

(2) PVA: esses visita


PE: essas visitas

(3) PVA: o mamã


PE: a mamã

(4) PVA: _ primeira filho já tem trinta e oito ano


PE: o primeiro filho já tem trinta e oito anos.

(5) PVA: eu tinha minhas irmãos


PE: eu tinha os meus irmãos/as minhas irmãs

4.1.3. Marcação de posse

No português vernáculo de Angola há tendência para utilizar a preposição de em


conjunção com o pronome pessoal de terceira pessoa ele(s) ou ela(s) quando o objecto
se refere à terceira pessoa. (Inverno 2004:8) Veja-se os seguintes exemplos:

(1) ... ele tinha filho deles pequeno.


(2) ... uma pessoas tinha o irmão dele ...

Quanto ao português europeu, para a indicação de posse prefere-se a forma


seu(s)/sua(s), além do uso da preposição de com a terceira pessoa do pronome pessoal,
que é também correcto. Contudo o uso frequente desta estrutura no português vernáculo
de Angola pode ser de novo a influência do substrato. Inverno (2004:8) diz: “Em
cokwe, por exemplo, a forma preferencial para indicar posse é a adição ao nome ou
pronome de um marcador genitivo, correspondente à preposição de , que indica o ente
ou coisa possuída.“ Este facto mostra o seguinte exemplo (Martins 1990:50 em Inverno
2004:8):

31
(3) Cokwe: Kasumbi ka tata
Galinha Poss Poss;C1SG pai
PE: A galinha do meu pai

Outra marca típica para o português vernáculo de Angola é visível na ordem da


ocorrência dos determinatos possesivos, onde os determinantes possesivos sucedem o
nome. Isto não acontece no português europeu e o fenónomeno é considerado um outro
exemplo da influência do substrato. (Inverno 2004:8) Veja-se os exemplos (4) e (5)

(4) PVA: condições que não temos da escola nossa.


PE: condições que não temos na nossa escola”.

(5) PVA: ... é a língua nossa materna


PE: ... é a nossa língua materna. (ibidem)

4.1.4. Pronomes pessoais

O português vernáculo de Angola carateriza-se também pela substituição dos


pronomes clíticos de objecto directo, isto é o, a, os, as, pelas formas pronominais de
sujeito, isto é eu, tu, eles, elas. Este facto ilustram os exemplos (1) e (2) (Inverno
2004:9)
(1) PVA: Deixa ele falar!
PE: Deixa-o falar!

(2) PVA: É uma sigla porque lemos-lhe letra por letra...


PE: É uma sigla porque a lemos letra por letra.

A outra diferença é a ordem de colocação dos pronomes na frase. Inverno


(2004:9) escreve sobre isso: “Efectivamente, as formas acentuadas de objecto do PVA
seguem o padrão do PE (i.e. após o verbo), mas as formas clíticas de objecto directo e
indirecto (veja-se o exemplo (3)) e as formas reflexivas e recíprocas (veja-se o exemplo
(4)) divergem claramente do padrão europeu, pois surgem tipicamente antes do verbo“

32
(3) PVA: … minha mãe e o meu pai me deu o nome de JX …
PE: … a minha mãe e o meu pai deram-me o nome de JX …

(4) PVA: Então, o alfaiate se pendurou ao tronco.


PE: Então, o alfaiate pendurou-se no tronco.

Característico é também o uso do tratamento você, o senhor/a senhora com pronomes e


formas verbais de 2.a pessoa em vez de formas de 3.a pessoa como no português
europeu:
(5) PVA: Então, você ficas com este fardo todo em cima de ti.
PE: Então, (você) fica com este fardo todo em cima de si.

4.2. Desvios no plano lexico-semántico

Este capítulo será baseado sobretudo no estudo de Chavagne (2005) e o seu Etude
des écarts lexico-semántiques. Como diz o autor, isto é a esfera onde os angolanos são
muito produtivos e onde afirmam a sua identidade. A criação lexical na variedade do
português de Angola pode considerar-se revolucionário, como não muda a língua,
apenas enriquece o léxico já existente. Cria assim a possibilidade de abranger as
realidades angolanas, como são, por exemplo, as designações dos termos locais da
culinária ou da natureza, etc. Este facto abre um leque rico dos assim chamados
“angolanismos”40, quer isto dizer, das palavras de origem das línguas bantu que são
desconhecidas em Portugal. (Chavagne 2005:132)
Ao trocar a correspondência com Liliana Inverno, a autora dos estudos
morfossintácticos do sintagma nominal do português vernáculo em Angola, nos
recomendou o Dicionário dos Regionalismos angolanos de Óscar Ribas (1994), que
pode ser muito útil nos estudos sobre a lexicologia desta variedade do português.
Infelizmente não o temos à disposição. Este dicionário contêm 4500 expressões e é um
dos poucos diccionários existentes dos “angolanismos”. Segundo das investigações de
Chavagne (2005:130), também o escritor angolano Geraldo Bessa Victor queria
preparar o dicionário dos “angolanismos”, que finalmente nunca foi lançado. Esse
contêm milhares de palavras, não conhecidas pelos falantes não pertencentes à

40
O termo usado nos estudos de Chavagne (2005) designado por Geraldo Bessa Victor.

33
comunidade angolana. Por fim, há também o dicionário de próprio Chavagne, que
reuniu no anexo da sua tese exactamente 2172 expressões usadas nos textos pesquisados
por ele.
Todavia, o autor não abrangeu todas as expressões das línguas locais inseridas
nestes textos portugueses, porque frequentamente se tratava de “codeswitching”41, sobre
o qual já falamos no capítulo 2.2. A razão para este passo foi a grande dificuldade de
distinguir “codeswitching” do empréstimo. É importante dizer que “codeswitching”
não se considera “angolanismo”. Proporemos aqui alguns exemplos desta prática
linguítica:

(1) OK, obrigado, dapandula.42


(2) Larga-me ! Ambulenu, ambulenu!43 Varro esta gaja.
(3) - Ah um homem assim é que a gente quer em casa. Manana, uasolo mba
Manana, ’za kaxi ’u muelu, utale nganhala44 – uma velha de kisoko chamava
pela Ana.
(citado do Chavagne, 2005:132)

No exemplo (1) podemos ver o “codeswitching” mesmo entre as três línguas: o


inglês, o português e o umbundu. No exemplo (2) podemos ver a justaposição de dois
códigos típica da linguagem literária (veja-se o capítulo sobre a linguagem literária na
segunda parte deste trabalho). E no último exemplo (3) toda a frase é em kimbundo, o
que mostra o terceiro tipo de “codeswitching”.

4.2.1. Empréstimos

No plano léxico-semántico do português vernáculo destaque-se a abundante


presença dos empréstimos. Como é evidente, a maioria dos empréstimos tem a sua
origem nas línguas locais. Contudo as excepções não são nem os empréstimos do inglês,
41
“As línguas não se alteram, apenas se misturam com a mudança do código no mesmo enunciado (=
”codeswitching”)” Vilela (1999:176)
42
“Obrigada” em umbundo. (Chavagne, 2005:132)
43
“Deixem-me!” em kimbundu. (ibidem)
44
Tradução: „Manana, tu as bien choisi. Viens, s’il te plaît, jusqu’à la porte pour avoir une idée du
fiancé.“ (ibidem)

34
francês, italiano, da língua tupi ou mesmo do crioulu caboverdiano. (Chavagne,
2005:144). A língua de origem dos empréstimos na variedade do português angolano é
também o português, quer o português europeu (popular e clássico), quer português
brasileiro.

Nos seguintes parágrafos apresentaremos o breve resumo dos empréstimos de várias


línguas, completando-o com alguns exemplos, tirados do estudo complexo de Chavagne
(2005:143-161):

empréstimos do português de Portugal


(1) do português popular
(a) panqueca, depois da derivação também o verbo pancar no sentido de comer
(b) mata-bicho ou matabicho (o pequeno-almoço), matabichar (tomar o pequeno
almoço)
(c) bondar no sentido de acabar
(d) estrilho no sentido de problem

(2) do português clássico


Trata-se dos arcaísmos:
(a) fermoso – bonito
(b) mui – muito
(c) piqueno – pequeno
(d) minino – menino

empréstimos do Brasil
(1) empréstimos de origem tupi
(a) capim
(b) crueira
(c) mandioca
(d) pitanga (uma espécie da fruta)

(2) empréstimos do português do Brasil


(a) bate-papo – a conversão
(b) catutar – escarnecer

35
(c) charqueação – o modo de preparar a carne
(d) fofoca – a calúnia

empréstimos do kimbundu
A língua kimbundu é o depósito maior dos empréstimos no português vernáculo de
Angola. Este facto é dado historicamente, como já sabemos dos capítulos
antecedentes.

(a) bué – muito


(b) kandengue – a criança
(c) kota – a pessoa mais velha
(d) ngweta – branco

empréstimos do umbundo
(a) bissapa – o arbusto – do umbundo: ovisapa
(b) camundongo – o habitante de Luanda, a pessoa nascida no antigo região
Ndongo, o habitante do norte de Angola (de Malange até Luanda)
(c) capitia – o intérprete – do umbundo: okapitia
(d) fuka – a dívida – do umbundo: ofuka

empréstimos do kikongo
(a) buala, bwala – a aldeia – do kikongo: buala
(b) fimpar – examiner – do kikongo: fimpa
(c) oyé – a expressão da alegria colectiva, a interjeição típico para os membros
de FNLA
(d) salo, salu – o trabalho – do kikongo salu

empréstimos do cokwe
(a) kanaua – bom
(b) kanuko – o jovem, a criança
(c) kanuka – a menina jovem
(d) lucano – o bracelete

36
empréstimos de outras línguas bantas
(a) cambulador - o agente do comércio – o termo existente em kimbundu e em
kikongu
(b) cangonha – o tabaco do aroma forte – o termo existente em kimbundu e
ganguela
(c) mujimbu, mujimbu – o zumbido – o termo existente em kimbundu, luena e
cokwe
(d) goma, ngoma – uma espécie do tambor – em kimbundu ngoma e em
umbundo ongoma

empréstimos do crioulo do Cabo Verde


(a) budjurra – a expressão pejorativa que serve para a designação das pessoas
menos instruídas

empréstimos do francês
(a) bureau – a oficina
(b) gafe – o engano
(c) maquisard, maquizard – o guerrilheiro
(d) sandaleta – a sandália

empréstimos do inglês
(a) blue, blue – blue jeans
(b) buker – o livro, do inglês: book
(c) camone – o estrangeiro branco, do inglês: come on
(d) chupingue – as compras, do inglês: shopping

empréstimos do italiano
(a) birra – a cerveja

37
4.2.2. Criação das designações pelos processos morfológicos

Estes processos morfológicos são nomeadamente: a derivação prefixal, sufixal,


reduplicação, composição e aglutinação.45

4.2.2.1. Derivação prefixal

Segundo Cunha (1999:85-86) os prefixos ”originam-se de advérbios ou de


preposições que têm ou tiveram vida autónoma na língua. ”
Nos seguintes parágrafos proporemos os exemplos das derivações prefixais típicos para
o português vernáculo de Angola (de: Chavagne, 2005:168-176):

(1) o prefixo des-


(a) desconseguir
(b) desincumbir
(c) deszairinizar – desterrar os Zairenses
(d) dessilenciada

(2) o prefixo a-
(a) assanzalar-se – permanecer no aldeamento
(b) aquimbundar, aquimbunduar – dar às palavras o caráter do kimbundu
(c) ajindungar – apimentar

(3) os prefixos en-/em-


(a) enfatuado, enfatoado – vestido no fato
(b) encalemado – abalado pela água do mar

(4) os prefixos in-/im-


(a) imbumbável – incapaz de trabalhar

(5) outros prefixos


(a) es- : esventrar (abanar)
(b) ex- : exflorir (desflorecer)

45
Trata-se apenas dos processos morfológicos apresentados neste capítulo, não em geral.

38
(c) re- : regaspeado (reparado mais vezes)
(d) tre- : trepagar (pagar três vezes)

Os prefixos da morfológia das línguas bantas:

(6) o prefixo ka-


Em vez de sufixos dos diminutivos, como por exemplo: -inho, -inha, -inhos, -
inhas, o português vernáculo apresenta o prefixo ka- (o empréstimo das línguas
bantas). O prefixo ka- é assim a marca do diminutivo. (Chavagne 2005:172)
(a) cabocado – um bocado
(b) capequeno, capiquinito – pequeno, pequenito
(c) camusseco – o pequeno musseque
(d) candengue – a pequena criança
Contudo, isto não é o uso único do prefixo ka-. Este prefixo pode ter também o
caráter desvalorizante e servir para a formação das palavras hostéis. (Chavagne,
2005:172)
(e) kaluanda – o habitante de Luanda
(f) kaputo – o termo hostil para a designação do português

(7) o prefixo ki-


O prefixo ki- é o opósito do prefixo ka-. É o prefixo aumentativo. Também
funciona como o advérbio com o significativo “muito”. (Chavagne 2005:175)
(a) kilápi – o lápis grande
(b) kiveia – a mulher bastante velha
(c) kilama – o homem rico e respeitado
(d) kinguri, quinguri – o grande chefe

4.2.2.2. A derivação sufixal

Segundo Cunha (1999:90) ” pela derivação sufixal formaram-se, e ainda se


formam, novos substantivos, adjectivos, verbos e, até advérbios (os advérbios em –
mente).” Temos assim a derivação sufixal verbal, nominal e adverbial, as quais vamos
apresentar nos seguintes subcapítulos.

39
4.2.2.2.1. Derivação sufixal verbal
A derivação sufixal verbal forma-se quando o sufixo “liga-se a um radical e dá
origem a um verbo novo.” (ibidem) No português vernáculo de Angola frequentamente
ligam-se os sufixos portugueses aos verbos das línguas bantu e, por isso, é às vezes
difícil compreender esta variedade angolana. Aqui há alguns exemplos (Chavagne,
2005:177-181):
(a) cachimbar – fumar, de kuxiba
(b) didilar – chorar, de kudila
(c) jangutar-se – comer, de kujanguda
(d) xixilar – viver dificilmente, de kuxixila

4.2.2.2.2. Derivação sufixal nominal


O sufixo aglutina-se ao radical para dar origem a um novo substantivo. (Cunha,
1999:90) No português vernáculo de Angola encontram-se vários sufixos típicos. Veja-
se os seguintes exemplos: (Chavagne, 2005:181-188)

1. –eiro/-eira
Há dois âmbitos principais para as quais são típicos estes sufixos: os arbustos e
plantas e também servem para a designaçã das pessoas com base nas suas
qualidades e actividades. (Chavagne 2005:181)
(a) mulembeira ou mulemba – o arbusto típico, do kimbundu mulemba
(b) muxixeiro ou muxíxe – uma espécie do arbusto, do kimbundu múxixi
(c) changueiro – o deliquente
(d) mussequeiro – a pessoa que tem a relação com o musseque

2. –ista/-ismo
Estes sufixos limitam-se apenas para designar as pessoas através das suas ideias ou
qualidades, -ismo também designa algumas tendências. (Chavagne 2005:183)
(a) ngolista – o guerrilheiro de Angola
(b) cantalutismo – a tendência para celebrar a luta política pelas canções

3. –mento/-ento
O sufixo –mento serve para a designação dos nomes e o sufixo –ento para os
adjectivos. (Chavagne, 2005: 183-184)

40
(a) xingamento – a imprecação
(b) gangento – corajoso

4. – ino, -ano, -ense


Estes são os sufixos graças aos quais, podem criar-se as designações dos habitantes
do país, das regiões, das cidades, etc. (Chavagne, 2005: 184)
(a) huambino – o habitante de Huambo
(b) huilano – o habitante da província Huíla
(c) cabindense – o habitante da cidade Cabinda

5. –ico
(a) quimbândico – a pessoa que pratica a medicina traditional

6. – agem/ -ice/ -ação


(a) gandulagem – delinquência
(b) quimbundice – a palavra do kimbundu, derivada do kimbundu
(c) nguvulação – o governo, do kimbundo ngvulu

7. –ante/-ador/-oso
(a) nguvulante – o membro do governo
(b) penteador – o polícia
(c) quijiloso – severo

8. – al/-ada/-aria/-anço
(a) kwanzal – kwanza é a moeda nacional
(b) kizombada – festa
(c) kimbundaria – as nádegas gordas
(d) bazanço – a partida

9. –inho/-inha/-ito/-ão
Ou seja os sufixos diminutivos e aumentativos.
(a) maninho – o soldado de UNITA, o modo como estes soldados chamávam-se
ente eles
(b) catorzinha – a menina de cerca de catorze anos

41
(c) kochito – o pequeno momento
(d) kochão – o tempo muito longo

4.2.2.2.3. Derivação sufixal adverbial


Forma-se numa situação quando “o sufixo –mente, acrescentando à forma feminina
de um adjectivo.” (Cunha 1999:90)
(a) cabindamente – do modo dos cabindenses

4.2.2.3. Os outros processos morfológicos

Entre outros processos morfológicos nesta esfera podemos nomear, além do


mais, a reduplicação (por exemplo: logo-logo, veja-se também o próximo capítulo sobre
a linguagem literária), a composição (bate-boca, isto significa, a discussão viva
(Chavagne, 2005:191) e a aglutinação (por exemplo: cadavez, veja-se também o
capítulo sobre a linguagem literárua).

42
5. Linguagem literária

Neste capítulo serão definidos os termos nos quais se baseia o nosso estudo, sendo
dedicada a maior atenção à linguagem e ao discurso. Relativamente à questão da
linguagem, concentrar-nos-emos, sobretudo, na linguagem literária conebida no nosso
trabalho como a linguagem individual de autor que nem sempre irá ao encontro
das correntes literárias de diferentes fases literárias do país, o que, por outro lado, não
exclui a reflexão desta realidade nas obras literárias dos escritores angolanos.

5.1. Linguagem e discurso

Voltando ao terma de linguagem, Cunha & Cintra definem-na, do ponto de vista


linguístico, como “um conjunto complexo de processos – resultado de uma certa
actividade psíquica profundamente determinada pela vida social – que torna possível
a aquisição e o emprego concreto de uma LÍNGUA qualquer.“ (Cunha, 1985:1)
O discurso é mais individual e depende da escolha gramatical e lexical de cada uma
pessoa, como diz Cunha & Cintra:“Discurso é a língua no acto, na execução
individual. E como cada indivíduo tem em si um ideal linguístico, procura ele extrair do
sistema idiomático de que se serve, as formas de enunciado que melhor lhe exprimam
o gosto e o pensamento.“ (ibidem)

5.2. Português como linguagem literária em Angola

Em Angola o português não se tornou apenas a língua oficial do país, mas também
a nova língua, a nova base da produção artística. A situação linguística, já descrita neste
trabalho, tem influenciado significativamente a literatura deste país africano. Segundo
o estudo experimetal de Perpétua Gonçalves (2000), esta difusão e desenvolvimento da
língua portuguesa e a sua convivência com as línguas locais, isto é, as línguas bantas,
abre aos escritores um rico leque de possibilidades linguísticas.
Em primeiro lugar oferece-se a possibilidade de escrever numa das línguas locais,
o que, por um lado parece natural, mas por outro acontece apenas raramente. Em
segundo lugar, há a possibilidade de escrever em língua do colonizador, em português.
Aqui a aproximação dos escritores pode diferenciar-se: há autores que escolhem seguir

43
a norma europeia, o português padrão, e há outros que também seguem a norma padrão,
mas simultâneamente enriquecem os seus discursos literários pelo vocabulário das
línguas locais e há ainda os escritores que escolhem escrever no português, mas na sua
linguagem preferem as normas linguísticas produzidas pela comunidade angolana, quer
isto dizer, as que não condizem com as normas europeias.
O último tipo dos ecritores mencionado que procura encontrar um instrumento
linguístico original, descreve Maurício Silva (2008:228), que acrescenta que estes
autores são representantes da trasgressão do código linguístico. Apresenta até uma
espécie de tradição da transgressão na literatura angolana, que foi introduzida pela
geração literária da Mensagem.46 Além do mais, indica os possíveis motivos destes
desvios da norma padrão:
“Pode-se dizer que a opção das ex-colônias de Portugal pela língua portuguesa veio
acompanhada pela disposição inalienável a um uso libertário do código lingüístico,
uso que se manifesta em dois sentidos complementares: como oposição/resistência
ao poder colonial e como inovação literária a marcar uma identidade cultural
lusoafricana.“ (ibidem:227)
Como já foi dito no início, em geral a linguagem literária, neste caso angolana, não
se considera como a base válida para as investigações linguísticas porque os linguistas a
julgam o producto individualizado de um autor concreto e não o producto representativo
da comunidade de locutores de uma língua concreta. (Gonçalves, 2000: 212-223)
Com respeito a este contexto, o objecto dos seguintes capítulos é apresentar, com
base nos estudos experimantais (Gonçalves, 2000; Silva, 2008), o tipo da linguagem do
autor mais significativo deste grupo dos escritores que se demarcam da norma europeia
e recorrem a diferentes tipos de estratégias linguísticas. Tal autor é sem dúvida o José
Luandino Vieira.

46
Geração da Mensagem, ativa nos anos 1950-1953, era a continuadora do movimento luandense „Novos
Intlectuais de Angola“ composto pelos estudantes e intelectuais angolanos incluindo negros, mestiços e
também brancos. Esta geração revolucionária lutava para a independência do país e criava sob a lema „de
Angola e por Angola“ com a intenção de iniciar uma cultura nova, fundamentalmente anolana.
Geração da Mensagem. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-06-18],
FONSECA, Maria Nazareth Soares; MOREIRA, Terezinha Taborda. Panorama das literaturas africanas
de língua portuguesa. Disponível em <http://www.ich.pucminas.br/posletras/Nazareth_panorama.pdf>.
[Consult. 2012-05-14]

44
5.3. „Variedade“ do português produzida pelo Luandino Vieira47

O escritor José Mateus Vieira da Graça, nascido em Portugal e radicado em


Angola desde os seus 2 anos (Gomes, Cavacas, 1997:223-224), destaca-se, com efeito,
não apenas pela criação da obra revolucinária, do ponto de vista tématico original,
captando a vida quotidiana nos musseques e os símbolos do complexo cultural
angolana, mas também do ponto de vista linguístico. Luandino Vieira recriou a própria
estrutura morfossintática da língua portuguesa e tentou aclimatizá-lo à cultura popular
de Angola. Deste modo o autor esforça-se por conferir à cultura nacional uma
identidade própria. (Silva, 2008:226) Pires Laranjeira escreve sobre este fenómeno:
“ […] texto luandino caracteriza-se, na sua gênese, por surgir num espaço de criação
de uma linguagem nova, que parte da criação da língua já codificada e estabilizada
socialmente (isto é, normativizada pelo uso erudito do colonizador), para desconstruí-
la, por vezes ao nível minucioso da fonologia […]. A língua literária luandina surge
assim na intersecção da língua natural portuguesa com a língua natural quimbunda,
fornecendo aquela sobretudo o espaço lexical e a estrutura básica, interferindo esta
nalguns pontos da sintaxe, introduzindo-se vocábulos crioulizados, aquimbundados, do
quimbundo mesmo ou neologismos, além de certas nuances prolongarem a oralidade
gramatical e expressiva do português.“ (Laranjeira, 1995:122 em Barbosa, 2010:4)
Como já foi mencionado acima, o uso destes desvios de norma europeia,
manifesta uma certa resistência política, uma certa tentativa de marcar a identidade
cultural. Isto afirma mesmo o próprio autor, conhecido pelas suas „atividades
anticolonistas“48, quando diz numa das suas entrevistas49:
“[…] penso que o primeiro elemento da cultura angolana que interferiu com a escrita,
segundo a norma portuguesa, foi a introdução da oralidade luandense no meio do
discurso da norma portuguesa...mas depois, quando entramos na luta política pela

47
“Luandino“ é um pseudónimo que o autor utilizava em homenagem a Luanda e nas suas primeiras
produções literárias num dos jornais de Angola. Em http://www.ueangola.com/index.php/criticas-e-
ensaios/item/330-a-escritura-engajada-e-tansculturada-de-luandino-vieira.html [Consult. 2012-05-10]
48
Activista político, preso mais de 11 anos, 9 dos quais no campo de concentração no Tarrafal, Cabo
Verde. Um dos cargos directórios do MPLA. (Gomes; Cavacas, 1997:224)
49
"Um escritor confessa-se... " in Jornal de Letras, Artes e Idéias, de Lisboa, em 9/5/89, p. 10. em
http://lusofonia.com.sapo.pt/luandino.htm [Consult. 2012-05-13]

45
independência do país, que foi feita em nome das camadas que não tinham voz - e se
tivessem não podiam falar, e se falassem não falariam muito tempo... -, foi aí que os
escritores angolanos resolveram dar voz àqueles que não tinham voz e, portanto,
escrever para que se soubesse o que era o nosso país, se soubesse qual era a situação
do país e, desse modo, interferirem de maneira a modificarem essa situação...”
Como é possível ver nos seguintes examplos, a recriação linguística feita por
Vieira (incluindo os processos formais, sintáticos e lexicais) causa, que os seus textos
podem tornar-se quase incompreensíveis para os falantes do português não angolanos:

(1) “Mas o Salviano decretou um dia minha defesa oficiosa, a quimbundice: a-mu-
beta kua mundele, kfundilé kua mundele...“ 50 (Vieira 1987:14)
(2) “Suku! ame yu ndasala ulica, vayongola omwenhu wange....---vou morrer,
repetia parecia era xinguilada.“51 (Vieira 1987:17)

Por esta razão, alguns dos seus livros dispõem de glossário de expressões e frases
desconhecidas das línguas nacionais, especificamente, do kimbundu, mas como é
evidente do exemplo em umbundu (2), o kimbundu não é a única língua local utilizada
pelo autor. Contudo, nem sempre os glossários contêm todas as expressões
desconhecidas, como é o caso da obra já mencionada: João Vêncio e os seus amores.
O próprio autor declara que esta descompreensabilidade dos seus textos é intencionada:
“Foi desta maneira que escrevi […], de tal maneira que se um português de Portugal
lesse, percebesse todas - ou quase todas - as palavras e dissesse que era português e,
depois, dissesse ao mesmo tempo: "Não percebo nada disto!" Foi alguma coisa de
deliberado, de provocatório […]“52
Nos seguintes subcapítulos analisaremos mais detalhadamente a oralidade típica
para Luandino Viera e também o plano morfológico e sintáctico.
50
A-mu-beta kua mundele, kfundilé kua mundele... (kimbundo) – Se o braco te bater, não se queixas
a outro branco. (Vieira, 1987:93)
51
Suku! ame yu ndasala ulica, vayongola omwenhu wange – (umbundo) Deus! Estou sozinha, e querem
a minha vida. , Xinguilada – (do k. ku xingila – entrar em transe mediúnico) – possuída por espírito.
(Vieira, 1987:104;106)
52
"Um escritor confessa-se... ". Entrevista de Luandino Vieira publicada no Jornal de Letras, Artes e
Idéias, de Lisboa, em 9/5/89, p. 10. em MARTIN Via Lima. Luandino Vieira: Engajamento e utopia.
disponível em http://www.revistazunai.com.br/ensaios/vima_lia_martin_luandino_vieira.htm [Consult.
2012-05-13]

46
5.3.1. Oralidade

Quanto à linguagem falada, a linguagem de Luandino Vieira caracteriza-se pelo


emprego abundante do discurso relatado oral e regional. Os seus textos abrangem
diálogos transcritos na forma autêntica, quer isto dizer, na sua forma de prozódia
natural, incluindo os termos da fala quotidiana (Silva, 2008:230).
Vejamos alguns exemplos desta oralidade, que podem ser facilmente identificados
graças ao uso das interjeições locais: ená, sukua53, aka54, aiuê55, elá (Silva, 2008:231)
usadas numa pontuação expressiva ou nos diálogos entre personagens, em narrativas de
discurso directo:

(1) “ Aiué, minhas munhungagens, sotaques!“ (Vieira 1987:41)


(2) “ – Aiué, menino Xico! Tanto tempo! Ená, tanto tempo já! Como está?
– Bem, mamã Sessá.
– Bebiana, Bebian´ééé! – mamã Sessá chamou.“ (Vieira: A vida verdadeira de
Domingos Xavier 1977:41)

Outro exemplo da oralidade na linguagem de Vieira é o emprego da aliteração. (Silva


2008:231)

(3) “fruto exflorindo flor em folha floritura” (Vieira: No antigamente, na vida


1977:34)

Segundo Lipski (2009:7-8), este português dos musseques56, usado com tanta
frequência na linguagem literária demostra também a erosão fonética produzida pela
estrutura verbal ta + infinitivo, onde a primeira sílaba de estar desaparece, como
podemos ver no seguinte exemplo.

53
Suku – sub. – o grande Espírito, Deus. (Assis, s.a.:358)
54
Aka – adj. determ. e pron. demonstr. – esta, este (Assis, s.a.:12)
55
Aiuê! – interj. de dor/ grito de aflição (Assis, s.a.:12)
56
Musseque (= “areia vermelha“): aldeamento de barracas nos arredores de cidades (Vilela, 1999:180)

47
(4) “parece é tá dormir ainda“ (Vieira: A vida verdadeira de Domingos Xavier
1980)

5.3.2. Plano morfológico

No âmbito morfológico da linguagem de Vieira, encontram-se vários tipos de


inovações que possibilitam tornar a sua narrativa mais condizente com a realidade da
comunidade linguística angolana. São os processos de formação de palavras como:
a composição por justaposição, composição por aglutinação, derivação prefixal, sufixal,
imprópria ou a reduplicação. (Silva, 2008:232) Como já foi dito, a linguagem deste
autor abrange um leque rico em empréstimos, especialmente da língua kimbundu, e
também vários tipos de neologismos lexicais.
Quanto aos empréstimos, apresentaremos alguns exemplos (1) – (3) tirados da
obra João Vêncio: os seus amores sobre a qual o próprio autor escreve que é “uma
tentativa de ambaquismo literário a partir do calão, gíria e termos chulos.“ (Vieira,
1987: sem número) A maioria destes termos, desconhecidos para os leitores não
familiarizados com a língua kimbundu, nem com as condições que reflectem a obra ,
encontram-se no glossário do livro. Veja-se, então os seguintes exemplos:

(a) MUADIÉ – (do k. muadi – senhor, amo, patrão) – senhor


“ – Este muadié tem cada pergunta!...“ (Vieira 1987:13)
(b) MONANDENGUES – ( do k. mon´a ndenge – filho novo) – crianças, gaiatos
“ Agora, os monandengues d´agora, línguas deles é de açucar-branco,
adoça mas derrete.“ (Vieira 1987:14)
(c) MIONDONA – ( do k. muondona/miondona – felicidade, sorte) – mesmo
sentido
“Minha miondona, eu falei já.“ (Vieira 1987:18)

Os exemplos57 de inovações de Vieira:

palavras derivadas (ou neologismos)


(1) aprendizar, remorsificado (Gonçalves, 2000:219)

57
Os exemplos (3) – (7) são citadas de (Silva, 2008:232)

48
composição por justaposição às vezes usada no quimbundo
(2) logo-logo, no caso do quimbundo malembe-malembe58 (Vieira 1997:16)
aglutinação
(3) cadavez, boquiabrinde
derivação prefixal
(4) desconfusão, exflorindo, inconhecidas, despega
derivação sufixal
(5) simplezito, falsosas
derivação imprópria
(6) antigamentes, sins, mussecais, emboremo-nos
reduplicação
(7) tretremi
nos textos do LV notamos também o uso de abreviaturas
(8) tudiosso, verdiano, d´agora

Com base na própria leitura de obras João Vêncio: os seus amore e Macandumba
(Vieira, 1997) indicaremos alguns exemplos usados nas frases concretas:

composição por justaposição (2)


(a) “ […]seus todos brancos dentes, mabuinhos nem nada, todos-todos.“ (Vieira
1997:15)
(b) „Macaco quipanzéu, muene muene59!“ (Vieira 1987:15)
aglutinação (3)
(a) “[…] paraíso de éden que devia de existir, aquele ali era menor cópia, cadavez
já.“ (Vieira 1997:16)
derivação imprópria (6)
(a) “[…]onde que afinal nem dormiam os pós dos ossos dos famorosos
capitãesmores dos antigamentes, mata-pretos[…]“ (Vieira 1997:21)
abreviaturas (8)
(a) “Salvianos e os videiras e os simões-raposas esses é que falavam ainda putos-
latins, tudiosso, os delegados não torravam farinha.“ (Vieira 1987: 14)

58
MALEMBE-MALEMBE – (do k. malembe-malembe – devagar, com paciência) – mesmo sentido.
(Vieira 1987:99)
59
MUENE MUENE – (k.) – ele mesmo. (Vieira, 1987:101)

49
(b) “Não sou de braço d´anjo, não me alambazo – mas a arte não é mesmo o artista
ou é a ferramenta de trabalhar com ela?“ (Vieira 1987:16)
(c) “Vanzo ´mbora.“ (Vieira 1987:70)

5.3.3. Plano sintáctico

Não é só o plano morfológico de Vieira que se afasta do padrão europeu, como


também e sobretudo, o plano sintáctico que assinala abundantes desvios das normas
gramaticais de Portugal. Estas transgressões no plano sintáctico complementam
a autenticidade da linguagem do autor que se refere à cultura e identidade angolana.
Para abranger estas transgressões, proporemos aqui uma lista de desvios típicos,
composta das observações dos estudos experimentais de Perpétua Gonçalves (2000) e
de Maurício Silva (2008), aqui já citados, complementada com as noções do estudo
morfossintático do sintagma nominal da variedade do português de Angola de Liliana
Inverno (2009) e incluiremos os exemplos baseados na própria leitura das obras de
Vieira, em particular Macandumba e João Vêncio: os seus amores. Na maioria dos
exemplos citaremos as frases completas para a uma mais fácil identificação do estilo
linguístico de Vieira. A lista dos desvios proposta aqui é apenas uma lista geral porque a
presença ou a ausência destas marcas difere em dependência das obras e das fases
literárias do autor.

Marcas específicas da linguagem luandina:

(1) Elipses que consistem na eliminação de conectores frasais e oracionais, em


particular de algumas preposições, pronomes e conjunções. Da linguagem
luandina é típica, especialmente, a omissão do conjunção “que“, o que é o caso
dos exemplos (1a) e (1b) e também da preposição “a“ que liga os verbos
semiauxiliares aspectuais (ex. começar, continuar, estar) com os verbos
principais, como é possível ver no exemplo (1c). Perpétua Gonçalves afirma que
à semelhança do português de Moçambique, no português de Angola há
tendência para o desaparecimento de „falsos“ pronomes reflexivos (ex. levantar-
se, queixar-se, zangar-se), bem como para a eliminação de algumas preposições
não interpretáveis semanticamente, isto é, as que regem os complementos de
verbos (ex. abusar de, bater em). As duas últimas marcas mencionadas por

50
Perpétua Gonçalves não se encontram nas obras Macandumba e João Vêncio: os
seus amores.

(a) “Se como era, não sabia estava é na Cidade-Alta, esses musseques de minha
senhora que eram lá no cima, onde que vai o lixo da Câmara.“ (Vieira
1997:16)
(b) “Se ele fosse falar a conversa dos casos, sua estória parecia era de
mussosso, a menina Lídia nunca que podia aceitar...“ (Vieira 1997:20)
(c) „ – Bate tu, pá! – tinha mandado o polícia; e já queria dar volta para
espreitar no quintal na hora que monandengue desatou chorar.“ (Vieira
1997:55)

(2) O uso insólito de certas locuções verbais, como por exemplo, o uso frequente do
verbo adiantar como verbo auxiliar, como é evidente nos exemplos (2a) e (2b).

(a) “E ele viu a felicidade dar as três voltas antes de adiantar bater na janela
dos olhos da menina Lídia […]“ (Vieira 1997:20)
(b) “Dou o fio, o camarada companheiro dá a missanga – adiantamos fazer
nosso colar de cores amigadas.“ (Vieira 1987:13)

(3) O uso insólito dos termos adicionais, não requeridos pelo contexto sintáctico.
Podem ser da natureza adverbial (ex. mesmo, embora, ainda) como o mostra
o exemplo (3a) ou conjuncional (que), às vezes usado em grupo de palavras (ex.
onde que, nem que). Os exemplos dos termos adicionais conjuncionais
encontram-se em (3b) e (1a) “onde que vai“) e (1b) “nunca que podia“.
Perpétua Gonçalves (2000:221) anota que “esta gramaticalização de palavras
do Português é um fenómeno comum nas línguas naturais, não sendo por isso
de estranhar que ocorra tanto no PA60 como na variedade individual de LV61.”

(a) “Então, se como assim, famílias de mesmo musseque, vizinhança de beco,


cadavez quissoco mesmo, tirava já logo a medida: que fazia sapato que falava
naqueles dele; se ela aceitava, lhe oferecia embora.“ (Vieira 1997:17)

60
A variedade do português angolano
61
Luandino Vieira

51
(b) “E antes morrer que matar, cristão nem que se usa mais.“ (Vieira 1997:113)

(4) A transgressão de normas da regência dos complementos verbais (ex.chegar em,


em vez de chegar a, encostar em, em vez de encostar a, dar para, em vez de
dar a) como o mostram os exemplos (4a) e (4b). Por outras palavras, há
tendência para usar as preposições normalmente usadas na linguagem popular,
de maneira que o seu uso ignora-se, troca-se ou acrescenta-se. Pires Laranjeira
(1995:121-123) alude a um fenómeno descomforme: “As indicações
circunstanciais de lugar (chegar a; sair de) são exactamente iguais, ainda que
os movimentos sejam contrários (“chegaram na casa” e “sair no quarto”).“
Este fenómeno mostram os exemplos (4c) e (4d).

(a) “Só que a vida deu para assim, o sonho já tinha lhe agarrado antes da
´verdiana Rosa Rute lhe dar encontro perto do Bar Tói.“ (Vieira 1997:113)
(b) “Abracei-lhe, segurei-lhe, encostei no peito dele, deitámos no chãozinho,
meio do capim, beira d´água azul com música de rãs-relas e ele sorriu-se
todo, era o sol.“ (Vieira 1987:71)
(c) “Felicidade de família, até eu sair no meu musseque, eu lembro.“ (Vieira
1987:73)
(d) “Por isso eu fugi no seminário.“ (Vieira 1987: 74)

(5) A transgressão de normas da concordância verbal, como a mostram os exemplos


(5a) e (5b). Contudo, isto não é sempre a regra, nem no âmbito da mesma obra,
como é possível ver no exemplo (5c).

(a) “Verdade é dos mais-velhos: galinha sempre é que dá o ovo, a gente só


precisamos pôr ninho de capim.“ (Vieira 1997:16)
(b) “Você não sabes dar volta na cozinha?“ (Vieira 1997:15)
(c) „ – Esta gente tem a mania que é preciso para os feitiços lá deles... – ele
então que explicou.“ (Vieira 1997:31)

(6) A transgressão de voz passiva, onde se emprega o pronome clítico (lhe, me, te),
o verbo na 3ª pessoa do plural e o complemento de agente que é introduzido pela
preposição “em“. Como diz o Paul Teyssier (1994:79): „Uma das mais

52
originais é a forma passiva expressa por uma frase como “O João, lhe bateram
na mãe dele“, em que “João“ é o paciente e a “mãe“ o agente.“

(a) “Porque no Caliota lhe deram encontro é já todo ele ajoelhado – qual
perdão, qual oração! – procurador do Mau-Miau, queria-lhe acaçar por
baixo da mobília.“ (Vieira 1997:31)

(7) A conversão sintáctica de advérbios e o seu novo uso como os substantivos


(ex.com devagar, com depressa)
(a) “[…]o guarda Torres sacudiu com depressa areia musseque dos sapatos
[…]“ (Vieira 1997:50)

(8) Repare-se que frequentemente ocorre a elipse do artigo, especialmente no caso


de nomes próprios, como é evidente no exemplo (8a), mas a omissão não é
regular, como se pode ver no exemplo (8b).
(a) “Caliota sendo homem queito, clássico no rir, ria.“ (Vieira 1997:19)
(b) “E o Caliota olhou.“ (Vieira 1997:23)

(9) A tendência para utilizar a preposição de em conjunção com o pronome pessoal


de 3.ª pessoa ele(s) ou ela(s) como é evidente em (10a), mas este uso também
não é regular, o que mostra (10b) :

(a) “Os peixes, lá nas margens desse sonho, que também eram assim – falando
voz deles, a pessoa via as gargantas azuis, salgadas.“ (Vieira 1997:33)
(b) “Mas o senhoro se nunca viu macaco quipanzéu deitado na sua cama,
fazendo tudo com a sua pequena, o senhoro não sabe o bicho que está
morar dentro do seu coração.“ (Vieira 1987:15)

53
6. Conclusão

O objecto deste trabalho foi a apresentação do processo do desenvolvimento e da


difusão da língua portuguesa num contexto africano, desde o ano de 1482 até ao
presente , em particular, a sua radicação em Angola.
Num primeiro lugar descrevemos a marcha dos acontecimentos que iniciaram
esta difusão na época da colonização e mais tarde o desenvolvimento da nova realidade
linguística durante o período da independência.
Em seguida descrevemos a situação actual, na qual Angola se encontra.
Explicámos os termos como multilinguismo, substrato, superstarato, estrato, língua
segunda em comparação com a língua estrangeira e outros. A informação
provavelmente mais importante desta parte é o facto de que o português se tornou
a língua vernácula.
No contexto dos desvios da norma padrão, concentrámos a nossa atenção
sobretudo no sintagma nominal do português vernáculo de Angola, em particular
a marcação do número, género, posse e também pronomes pessoais. No que diz respeito
ao plano lexico-semántico, apresentámos alguns empréstimos oriundos de várias línguas
que lançaram raízes no português contemporâneo do país. Não omitimos as palavras
formadas por diferentes processos morfológicos, como a derivação sufixal, prefixal,
aglutinação, reduplicação e outros.
Os exemplos destes desvios e dos neologismos linguísticos pudemos
seguidamente ver na parte literária, onde analisámos a linguagem literária do Luandino
Vieira.
Contudo era apenas a introdução da tématica muito vasta e sempre mal
conhecida, esperamos que este estudo seja útil para todos os que se intressam pelas
variedades do português ou mesmo pelo próprio português vernáculo de Angola.

54
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