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Radoslava Filusová
...........................................................................................
Týmto by som sa chcela poďakovať Mgr. Ive Svobodovej, Ph.D. za vedenie mojej
diplomovej bakalárskej práce, za jej trpezlivosť, cenné rady a čas, ktorý mi venovala.
Taktiež Radke Konůpkovej za ochotné poslanie materiálov z Angoly.
Nemenšia vďaka patrí i mojej rodine a priateľom za podporu v období písania práce.
Índice
1. Introdução 6
2. Breve introdução histórica 8
2.2. Primeiro período (séculos XV-XIX) 10
2.2.1. Os anos 1575 – 1845 11
2.2.2. Os anos 1620 – 1750 11
2.2.3. Os anos 1750 – 1820 12
2.3. Segundo período (século XIX. até 1974) 12
2.3.1. Década de 50 do século XX. 14
2.3.2. Décadas de 60 e 70 do século XX. 16
2.4. Terceiro período – a independência angolana 17
3. Actual situação linguística 19
3.1. Informações sobre o país 19
3.2. Informações sobre a situação linguística 20
3.2.1. Bilinguismo e multilinguismo 21
3.2.2. Superstato, substrato e estrato 21
3.2.3. Línguas locais 22
3.2.4. Estatuto da língua portuguesa em Angola 24
3.2.5. Variações diatópicas, diastráticas e diafásicas 26
4. Demarcação da norma padrão 28
4.1. Sintagma nominal do português vernáculo 28
4.1.1. Marcação de número 29
4.1.2. Marcação de género 30
4.1.3. Marcação de posse 31
4.1.4. Pronomes pessoais 32
4.2. Desvios no plano lexico – semántico 33
4.2.1. Empréstimos 34
4.2.2. Criação das designações pelos processos morfológicos 38
4.2.2.1. Derivação prefixal 38
4.2.2.1. Derivação sufixal 39
4.2.2.2.1. Derivação sufixal verbal 40
4.2.2.2.2. Derivação sufixal nominal 40
4.2.2.2.3. Derivação sufixal adverbial 42
4
4.2.2.3. Outros processos morfológicos 42
5. Linguagem literária 43
5.1. Linguagem e discurso 43
5.2. Português como linguagem literária em Angola 43
5.3. “variedade” do português produzida por Luandino Vieira 45
5.3.1. Oralidade 47
5.3.2. Plano morfológico 48
5.3.3. Plano sintáctico 50
6. Conclusão 54
7. Bibliografia 55
5
1. Introdução
6
como "erros" ou "desvios" relativamente à norma do português europeu.”1
Uma das informações básicas sobre o país é, além do mais, o facto de que
pertence à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. No que concerne ao Acordo
ortográfico, por causa da actual situação linguística, a qual descreveremos numa das
seguintes capítulos, solicitou um moratório de três anos para o ratificar. (Notícias,
12.3.2010)2
Temos que confessar que a extensão deste trabalho não nos permite oferecer a
descrição da imagem completa do português vernáculo de Angola. Esta descrição vê-se
dificultada também pelo facto de que, como afirma Liliana Inverno (2009: 4), a língua
está sempre num processo do desenvolvimento, que está provavelmente ainda muito
longe do seu término. O trabalho que aqui apresentamos é apenas um esforço por captar
pelo menos os traços básicos desta variante e do seu desenvolvimento sociolinguístico.
1
Informação baseada na correspondência com a autora. [2012-05-07]
2
Disponível em: http://www.jornalnoticias.co.mz/pls/notimz2/getxml/pt/contentx/985675 [Consult. 2012-
06-18]
7
2. Breve introdução histórica
Angola, avante!3
3
O hino nacional angolano, um dos símbolos do país, adaptado em ano de 1975, quando o país tornou-se
independente. Citado de: http://www.governo.gov.ao/Simbolos.aspx [Consult. 2012-06-25]
8
verdadeira partilha da África pelas potências europeias: França, Inglaterra,
Alemanha, Bélgica e Portugal. Poucos deles saberão, contudo, até que ponto
a colonização foi sagrenta devido à escravatura que aí foi praticada do modo odioso“
(Trigo, 1977:8)
Ora, hoje a situação é bem diferente: através de leitura das obras literárias e da
educação e devido aos meios de comunicação, chegamos a ganhar mais informações
sobre a escravatura africana e sobre as actividades que os portugueses desenvolveram
no território africano. Não obstante, quanto à história da língua portuguesa neste
território quanto à sua divulgação e ao desenvolvimento, muito ainda está por descobrir.
Como escreve Emilio Bonvini (1996:127-148 in Petter, 2008:15-17) no seu artigo sobre
a historiografia das línguas africanas, durante a época da exploração, os portugueses
tiveram que promover uma estratégia linguística de abordagem do continente africano
com o objecto de resolver o impasse da comunicação com os habitantes dos territórios
invadidos. As primeiras expedições a explorar a costa ocidental da África, levaram
apenas os intérpretes árabes, visto que pressupuseram que os habitantes deste território
também pertencessem ao mundo árabe, como os habitantes das costas setentrionais. No
entanto, a comunicação revelou-se impossível devido ao facto de que os habitantes não
falavam árabe, mas a língua, mais tarde identificada como bérbere. Tendo adquirido
estas experiências, os portugueses estabeleceram em Lisboa uma „estratégia de
interpretariado e de ensino do português aos africanos.”. Como escreve Bonvini
(1996:131-132 em Petter, 2008:17):
“ […] os intérpretes eram escolhidos entre os escravos de alguns senhores africanos
que os emprestavam aos portugueses para que eles aprendessem a língua portuguesa e
eram trocados por um outro escravo que estava no barco; quando um desses
intérpretes conseguia conquistar outros quatro escravos para os seus senhores, eles
eram alforriados“
Desta maneira, esses intérpretes foram levados, voluntaria ou obrigatoriamente, para
Portugal, onde aprendiam a língua e trabalhavam nas expedições marítimas portuguesas.
A Portugal, nomeadamente a Lisboa, chegaram também junto com os outros intérpretes
das diferentes línguas africanas faladas nos territórios atingidos pelos portugueses,
o que contribuiu, no futuro, para uma comunicação melhor (Bonvini, 1996:132 em
Petter, 2008:17). Isto foi um dos primeiros passos da difusão do português no continente
africano.
9
Segundo Chavagne (2005:20-21), podemos distinguir três períodos
historicamente diferentes do desenvolvimento e difusão da língua portuguesa:
o primeiro período (séculos XV-XIX), a fase da expansão marítima e
comercial;
o segundo período (do século XIX. até 1974), a fase da exploração e
colonização;
o terceiro período (de 1974 até o presente), a fase da independência
angolana;
10
artesões, professores e vários funcionários portugueses, a língua portuguesa entra em
contacto com a língua kimbundu e kikongo. Este contacto foi particularmente intenso
no século XVI (Chavagne, 2005:21).
11
formação de um novo dialecto do kimbundu, consideravelmente influenciado pelo
kikongo. (Vansina, 2001:47 em Inverno, 2009:2) Importa salientar que apesar disto, a
elite afro-portuguesa tinha também um bom conhecimento da língua portuguesa que era
naquela época usada como a língua franca5, ou seja a língua que servia para
a comunicação entre as pessoas de línguas maternas diferentes: no nosso caso para
a comunicação entre os portugueses e os habitantes locais.
A crescente africanização, tanto linguística como cultural, não era bem aceite pelos
portugueses. Com o objectivo de impedȋ -la, o governador Francisco Innocencio da
Sousa Coutinho lançou em 1765 o decreto sobre o uso das línguas no ensino, destinado
especialmente à elite afro-portuguesa. Através deste documento empenhou-se por
desestimular o uso das línguas locais no ensino dos filhos desta elite. (Vansina 2001:47
em Inverno 2009:2) A despeito deste decreto, a situação não mudou até meados do
século XIX. Naquela época nota-se a diferença entre o kimbundu falado no interior do
país e em Luanda, onde a influência dos portugueses era a mais intensiva do todo
território angolano. Chatelaine (1894:v em Inverno 2009:3) define este kimbundu
luandense como a língua “needlessly mixed with Portuguese elements“.
5
“Any language could conceivably serve as a lingua franca between two groups, no matter what sort of
language it was.“ http://privatewww.essex.ac.uk/~patrickp/Courses/PCs/IntroPidginsCreoles.htm
[Consult. 2012-06-16]
12
tornou a língua mais falada nas áreas urbanas de Angola. Um dos pressupostos desta
mudança é, sem dúvida, o aumento do número dos emigrantes portugueses (Inverno,
2009:3) e à diferença do primeiro período, também o aumento do número das mulheres.
Inverno ilustra, além do mais, este aumento dos brancos em Angola na seguinte tábela:
À luz destes dados, podemos inferir que embora o número dos colonos
portugueses aumentasse, não é mais do que 5,1% alcançado na década de 70 do século
XX. A percentagem dos negros africanos é naturalmente a mais elevada em todos
os períodos, à diferença dos mestiços, cujo número é pouco significativo.
6
Toda a acta, incluindo o artigo 35, é disponível em:
http://www.casadehistoria.com.br/sites/default/files/conf_berlim.pdf [Consult. 2012-05-20]
7
O termo “unia” pode ser confuso, mas é citado na mesma forma como no documento. Para mais
informações ver a acta citada acima.
13
condições em que for estipulada.“ (ibidem, s.p.) Este foi um passo decisivo para
a verdadeira colonização iniciada em 1926 pela chegada das numerosas guarnições
militares para o território angolano. (Chavagne, 2005:27) Para verificar este facto, veja-
se o aumento gradual do número dos brancos no território de Angola entre os anos
1920-1940 na tábela 3.1.
No que concerne à política linguística deste período, já em 1921, o uso das
línguas africanas na vida pública em Angola foi proibido pela lei. (Chavagne, 2005:28):
“ §1. É proibido o emprego das línguas indígenas ou qualquer outra língua, à excepção
do português, por escrito ou por panfleto, jornal, … na catequese das missões, nas
escolas e em todos os contactos com as populações locais (...)“ (Norton de Matos,
1921:s.p. em Chavagne, 2005:28)
Os seguintes subcapítulos, aproximarão o desenvolvimento desta situação e
a difusão da língua portuguesa durante as seguintes décadas, desde a década de 50 até
a independência angolana.
8
Especificamente: Estatuto Político, Social e Criminal dos Indígenas de Angola e Moçambique (1926),
Acto Colonial (1930), Carta Orgânica do Império Colonial Português e Reforma Administrativa
Ultramarina (1933), Lei Orgânica do Ultramar Português e Estatuto dos Indígenas das Províncias da
Guiné, Angola e Moçambique (1953). (Marques, 2001:677-681 em Inverno, 2009:4)
14
Isto é: o que para um qualquer branco era adquirido por nascimento, para o
colonizado era adquirido depois de difíceis provas, em que, muito provavelmente,
muitos europeus reprovariam.“9
No que diz respeito à educação em contexto da assimilação, até 1961 em Angola
havia dois tipos diferentes da escola primária. O primeiro tipo seguia o modelo de
Portugal e era só para os brancos e para um determinado número dos assimilados.
O segundo tipo seguiu o ensino rudimentar destinado sobretudo aos africanos em geral,
ou por outras palavras, para os assim chamados, “não civilizados“. (Massa, 1984: 88
em Petter, 2008:38) Dado que os níveis mais elevados de educação eram accesíveis
apenas para a minoria dos africanos, isto é, para os que tivessem adquirido o já
mencionado estatuto de assimilado, a educação foi praticamente vedada à generalidade
dos habitantes locais. (Inverno, 2009:4) Pois, aqui podemos ver o problema de toda
a situação. Por um lado era obrigatório dominar o português, por outro, o acesso à
educação era limitado. Testemunha-o também Jorge Macedo, escritor e jornalista
angolano, citado em Chavagne (2005:28), quando escreve:
“ Os meninos negros, os colonialistas não deixam entrar na Escola. E para se
desculparem exigem pés vestidos com sapato e bilhete de identidade. E quando isso
conseguimos (um ou outro entre milhões) nos obrigam então renunciar nossos falares
regionais; kimbundo, txokwe, muila, umbundu, nhaneca, etc., nos obrigam fugir viver
ao pé de nossos pais, de nossa origem (a sanzala), não ir mais no quimbo, habitar casa
de carácter definitivo na cidade deles, falar correntemenete e afinadinho o português
de Portugal...“
Contudo destaque-se que naquela época, a assimilação, baseada nos decretos já
citados, era mais psicológica do que numerosa (veja-se as seguintes tábelas). No fim da
década havia menos que 200 000 assimilados da população de 4,5 milhões pessoas.
(Chavagne 2005:28) O fracasso inicial desta assimilação é provado também pelo facto
de que antes da independência de Angola, apenas uma minoria dos habitantes angolanos
dominaram o português. Isto demonstam as tabelas 3.2 e 3.3 propostas pela Inverno:
9
Disponível em http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=4969 [Consult. 2012-05-24]
15
Tabela 3.2: Índice de proficiência em português (áreas rurais em Angola)
Perfeito ……………………………………………………………………...0,1%
Relativamente fluente ………………………………………………………0,4%
Razoável ……………………………………………………………………..16%
Alguns poucos rudimentos………………………………………………......24%
Nenhum conhecimento ……………………………………………………...59%
(Heimer 1974:s.p. em Bender 2004: 353 em Inverno 2009:3)
10
O termo usado por Bender. (Bender 2004:264-265 em Inverno 2009:4)
16
afro-portuguesa, como já sabemos, estabelecida durante os anos 1620-1750, era na
década de 60 e e no início da década de 70, muito reduzida.
Os valores dominantes desta época eram a língua e cultura portuguesas. As
tradições africanas naturalmente continuavam a existir, mas de uma maneira mais
oculta. Oficialmente o modo da vida africana foi desvalorizado pelos portugueses,
incluindo danças e canções tradicionais, práticas religiosas e culinárias e línguas locais.
Portugal queria impor o modo da vida europeu e generalizar a cultura. Um dos
exemplos deste fenómeno é por exemplo o uso dos nomes próprios portugueses, tanto
antropónimos como topónimos, registado já no início da década 70. Parece que
à maioria dos angolanos não incomodava esta situação, que continua até os nossos dias.
Antes pelo contrário; alguns angolanos brancos adoptavam os nomes africanos
(Chavagne, 2005:29). Este fenómeno tem, com certeza, o fundo cultural e simbólico.
José Eduardo Agualusa escreve sobre esta inversão:
“Queres ver como está tudo trocado? Os brancos chamam-se Pepetela, Ndunduma,
Chassanha. Os pretos chamam-se Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, Mendes
de Carvalho, Jorge Valentim...“11 (Agualusa 2000:27 em Chavagne 2005:29)
Resuma-se que estas décadas são caracterizadas pelo esforço dos portugueses
por substituir a cultura africana pela cultura europeia, a qual, junto com a a divulgação
da língua portuguesa por todo o território angolano, devia facilitar o controlo no país.
11
Pepetela, Ndunduma, Chassanha e Mendes de Carvalho – os escritores. Agostino Neto – o presidente
da Angola de 1975 até 1979, José Eduardo dos Santos – o presidente actual da Angola desde 1979, Jorge
Valentim – o político.
17
Uma das condições para a aceleração da difusão da língua portuguesa era a
deslocação dos habitantes angolanos para os territórios que antes pertenceram aos
brancos. A guerra civil em Angola, que durou 30 anos (de 1975 até 2002), causou
o esvaziamento de grande parte do território do interior. A população tendia para fugir
para a cidade de Luanda e para as regiões próximas. Ali concentrava-se quase um
quarto dos angolanos. (Castro, 2006) Durante os 20 anos o número dos habitantes destes
regiões mesmo triplicou. (Chavagne 2005:32)
Esta mudança demográfica logicamente não ficou sem os efeitos linguísticos.
Muitos angolanos, especificamente os dos Zaire12, começaram a aprender português em
Luanda ou continuaram a falar as suas línguas maternas, nomeadamente a lingala ou
o kikongo. Isto é apenas um caso concreto do grande grupo dos falantes das mesmas
línguas, mas em geral, a maioria da população fugida do interior do país, era muito
diversificada e para se compreender mutuamente e para se enraizar nesta grande cidade,
eles tinham que aprender português. Isto é, na verdade, a causa principal da aceleração
da difusão da língua portuguesa no território da Angola. (ibidem)
É interessante que naquela época também os movimentos políticos mais importantes
no país eram linguisticamente divididos. MPLA13 usava (e sempre usa) apenas
o português considerando-o a língua da luta pela libertação. Para a maioria dos
membros deste movimento o português era a língua materna. Isto não é o caso dos
outros dois movimentos significantes naquela época. Em FNLA14 falava-se
maioritariamente o kikongo e em UNITA15 a língua dominante era o umbundu.
O início desta fase da independência influenciou assim, consideravelmente, a actual
situação linguística, da qual trataremos no seguinte capítulo.
12
Em 1978 o grande afluxo dos angolano do Zaire chegou a Luanda, onde se instalou. (Chavagne,
2005:32).
13
Movimento Popular para a Libertação de Angola. As informações sobre o movimento são disponíveis
em linha oficial: http://www.mpla.ao/
14
Frente Nacional de Libertação de Angola. As informações sobre o movimento são disponíveis em linha
oficial: http://www.fnla.net/news/
15
União Nacional para a Independência Total de Angola. As informações sobre o movimento são
disponíveis em linha oficial: http://www.unitaangola.org/
18
3. Actual situação linguística em Angola
16
1.246.700 km²
17
Disponível em http://www.spanport.ucsb.edu/faculty/mcgovern/Angola/angola.html [Consult. 2012-06-
18]
19
Benguela, Bié, Cabinda, Cunene, Huambo, Huíla, Kuando Kubango, Kwanza Norte,
Kwanza Sul, Luanda, Lunda Norte, Lunda Sul, Malanje, Moxico, Namibe, Uíge e Zaire.
Para a conceituação melhor, veja-se o seguinte mapa:
Mapa Nº 218
18
Disponível em: http://www.angolatelecom.com/AngolaTelecom/PT/province/ [Consult. 2012-06-18]
19
Segundo Relatório sobre o Progresso do País para dar Seguimento aos Compromissos da Sessão
Especial sobre VIH e SIDA da Assembleia Geral das Nações Unidas, periodo 2010-2011, de Março
2012. Disponível em:
http://www.unaids.org/en/dataanalysis/monitoringcountryprogress/progressreports/2012countries/ce_AO
_Narrative_Report[1].pdf [Consult. 2012-06-16]
20
em Angola. Definiremos, além do mais, os termos como bilinguismo ou
multilinguismo, superstrato, substrato e estrato, variações diatópicas, diastráticas ou
diafásicas, língua vernaculada, veícula ou segunda. Enumeraremos os grupos principais
das línguas africanas faladas no território de Angola e demarcaremos o estatuto da
língua portuguesa neste país.
21
- todo o enunciado ou parte dele é repetido numa segunda (ou terceira) língua,
dando-se portanto apenas a mudança do código; a chamada estratégia de
neutralização para evitar o incompreensão;
- o enunciado é feito numa língua segundo o modelo de outra língua: são as
chamadas interferências e transferências;
- uma das línguas perde-se no decurso do tempo;
20
Disponível em: http://www.dicio.com.br/superstrato/ [Consult. 2012-06-15]
21
Disponível em: http://www.dicio.com.br/substrato/ [Consult. 2012-06-15]
22
Disponível em: http://oxforddictionaries.com/definition/adstratum [Consult. 2012-06-15]
22
Vilela (1999:178) menciona as principais comunidades linguísticas23 de Angola, a
saber:
- Umbundo (35,7%)
- Kimbundo24 (22,3%)
- Kikongo (12,6%)
- Ulunda/uCokue (9,1%)
- Cingangela/Mbunda (8,7%)
- Olunyaneka/Lunkhumbi (6,7%)
- Oxivambo/Oxikuanyama (2,4%)
- Ocihelelo (0,7%)
- Khoisan (0,35%)
23
Baseado no mapa demográfico do ano de 1963 (José Redinha – Distribuição étnica de Angola.
Introdução. Registo étnico. Mapa. Luanda: Edição do Centro de Informação e Turismo de Angola, 1963)
complementado com a percentagem de falantes, com alguma fiabilidade, relativamente à população em
1987. (Vilela, 1999:178)
24
O nome desta língua pode variar. É possível encontrá-lo nas seguintes formas: kimbundu, kimbundo,
quimbundu, quimbundo. (a nota da autora) Nós decidimos-nos a usar a forma “kimbundu” porque
segundo a nossa observação é a mais frequente.
25
O primeiro presidente da Angola (1975-1979)
26
Agostinho Neto en 1977, cité par Irene Guerra Marques - ACTA p.210. em (Chavagne 2005:35)
23
3.2.4. Estatuto da língua portuguesa em Angola
Nós já sabemos que a língua portuguesa é uma língua oficial e veicular, quer isto
dizer, uma língua que estabelece a comunicação entre os falantes que falam línguas
diferentes. (Santos; Oliveira, 2011:s.p.) O que ainda está por explicar é o motivo de a
língua portuguesa ser considerada também a língua materna por um grande número dos
africanos, ou seja, é considerada a língua vernacularizada.27
Este português vernáculo, nascido nas condições do multilinguismo, é na literatura
conhecido também sob o nome de “a língua dos musseques28”, mas actualmente não se
restringe apenas aos bairros pobres das cidades. (Inverno, 2009:1) Mingas (1998:115
em Inverno, 2009:1) a descreve como:
”[…] uma nova realidade linguística em Angola, a que chamamos “português de
Angola” ou “angolano”, à semelhança do que aconteceu ao brasileiro ou ao crioulo.
Embora em estado embrionário, o “angolano” apresenta já especificidades próprias
[…] Pensamos que, no nosso país, o “português de Angola” sobrepor-se-á ao
“português padrão” como língua segunda dos Angolanos.”
Frise-se que o número dos falantes desta variedade do português de Angola está
cada vez maior e continua a aumentar. Em 1990, Cuesta (1990:15 em Inverno, 2009:1)
escreve que o português é falado por menos de 20% da população, sendo esta
constituída pelos falantes (sobretudo as elites e os jovens) dos grandes centros urbanos
costeiros. Em 2002, a percentagem já é consideravelmente diferente, como podemos
notar numa das entrevistas com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, que diz:
“Ao contrário de todas as antigas colónias portuguesas, em Angola o português tinha
já uma expressão significativa à data da independência : para pelo menos 5% da
população era a língua materna. E penso que é o único caso de uma língua europeia
que se enraizou em África como língua materna. E hoje, segundo os últimos dados, no
mínimo 42% da população falam português como língua materna, sendo que mais de
27
O termo usado por Liliana Inveno. (2004:1) Segundo o dicionário online de português, a expressão
“vernáculo” significa “Adj. próprio de um país ou de uma nação; pátrio, nacional: língua vernácula.
S.m. idioma próprio de uma região ou de uma nação.” Disponível em:
http://www.dicio.com.br/vernaculo/ [Consult. 2012-06-06]
28
Musseque (= “areia vermelha“): aldeamento de barracas nos arredores de cidades (Vilela, 1999:180)
24
90% a dominam como segunda língua.“29
Neste contexto podemos dizer que há dois tipos de português em Angola,
português como a língua vernácula, ou seja, língua materna (PL1) e o português como
língua segunda (PL2). Segundo Stern (1983:16 em Leiria, 2004:s.p.) o termo “língua
segunda“ aplica-se para a classificação da aprendizagem e do uso de uma língua não
nativa dentro das fronteiras territoriais do próprio país do falante, em que tem um
função reconhecida.30
Chavagne (2005:36) propõe uma imagem do estatuto da língua portuguesa em
Angola. Ofereceremos alguns dos pontos desta imagem nos seguintes parágrafos:
29
Entrevista : José Eduardo Agualusa, Em três continentes”, Jornal de Letras, 01/05/2002, p. 7. Em
(Chavagne, 2005:18-19)
30
É importante distinguir a diferença entre os termos “língua segunda” e “língua estrangeira”. A língua
estrangeira é o termo usado para a classificação da aprendizagem e do uso da língua nos espaços, onde
essa língua não tem o estatuto sociopolítico. (Stern, 1983:16 em Leiria, 2004:s.p)
31
Teixeira. O pronome você no português de Luanda. Disponível em:
http://dlcv.fflch.usp.br/sites/dlcv.fflch.usp.br/files/03_9.pdf [Consult. 2012-06-10]
32
Principalmente pelas novelas de Globo e da Record. (ibidem)
25
4. Nos dias de hoje é através da língua portuguesa que os angolanos se aproximam
às culturas estrangeiras. Com certeza, o português não desempenha a mesma
função como por exemplo o inglês ou o francês, contudo, tem a sua própria
importância, estando abudantemente presente nos meios de comunicação (entre
outros, mencione-se a emissão de canais televisivos por satélite, na cultura
(música) e literatura mundial).
Segundo Cunha (1999:3) cada língua apresenta, pelo menos, três tipos de
diferenças internas, mais ou menos aprofundadas, a saber:
1. diferenças no espaço geográfico, ou seja, variações diatópicas
: isto é – falares locais, variantes regionais e, até intercontinentais;
2. diferenças entre as camadas socioculturais, ou seja variações diastráticas
: isto é – nível culto, língua padrão, nível popular, etc.;
3. diferenças entre os tipos de modalidade expressiva, ou seja, variações
diafásicas
: isto é – língua falada, língua escrita, língua literária, linguagens especiais,
linguagem dos homens, linguagem das mulheres, etc.).
33
O último ponto não pertence à imagem do estatuto da língua portuguesa em Angola proposta por
Chavagne (2005), mas decorre da nossa observação.
34
“Língua padrão” é a variedade culta formal do idioma. Disponível em:
http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno10-09.html [Consult. 2012-06-19]
26
norma culta. Como escreve Helênio Fonseca de Oliveira: “Há quem tome o termo
norma culta, indevidamente, como sinônimo de língua padrão. Ocorre que a língua
culta, isto é, a das pessoas com nível elevado de instrução, pode ser formal ou
informal. A língua padrão é a culta, sim, mas limitada à sua vertente formal. É, pois,
necessário distinguir os dois conceitos.”35
O português é como a língua oficial e culta usado, em Angola, na vida pública,
apesar de haver indivíduos que não defendem a mesma opinião e que usam o português
vernáculo, ou seja a norma popular. Esta difere significamente da forma europeia tanto
no plano fonológico36 como no nível morfosintáctico e lexico-semántico. O seguinte
capítulo descreverá algumas destas diferenças, ou seja os desvios da norma padrão.
Para a compreensão melhor da seguinte capítulo é importante definir os termos
“desvio” e “erro”, como não se trata do mesmo termo. Segundo gramática descritiva
(disponável em linha), a caracterização do desvio requer a reprovação. Citamos:
“Desvio é o distúrbio comunicativo reprovado. Para o estudo gramatical importam os
desvios formais. Quando alguém fala que uma afirmação está errada, ainda não está
caracterizado o desvio lingüístico, pois o que o falante considerou erro pode ser
causado no plano do conteúdo e não no da expressão.”37 Os desvios ocorrem em todos
os níveis da análise linguística. Distinguem-se assim os desvios fonológicos,
ortográficos, sintácticos, semánticos, etc. (ibidem)
Quanto às variações diafásicas, destas escolhemos uma concreta variação, a
linguagem literária, que será analizada no capítulo 5.
35
ibidem
36
Este trabalho não focaliza o plano fonológico. Uma das razões é o facto de que, apesar de a fonológia
do português vernáculo ser o assunto muito interessante, é também o assunto muito vasto e a extensão
deste trabalho não nos permite incluí-la. Para aprender mais sobre a fonológia desta variedade do
português recomendamos o estudo de Chavagne (2005) Etude des écarts phonético-phonologiques.
37
Disponível em: http://www.radames.manosso.nom.br/gramatica/desvio.htm [Consult. 2012-06-25]
27
4. Demarcação da norma padrão
38
Disponível em: http://www.catedraportugues.uem.mz/?__target__=lista-bibliografia-angola [Consult.
2012-06-25]
28
Inverno (2004).
Este facto pode ser uma das consequências da influência das línguas bantu.
Marques (1983 em Inverno 2004:5) escreve que nas línguas bantu, a categoria do plural
é marcada nos nomes através de prefixos e não sufixos. Pode dizer-se que no SN das
39
PVA: Português vernáculo de Angola. ; PE: Português europeu (Inverno 2004)
29
línguas bantu, todos os elementos não nucleares recebem o mesmo prefixo. Este prefixo
concorda em número e classe com o prefixo marcado no núcleo, como o mostra
o exemplo de Martins (1990: 163 em Inverno, 2004:5)
Segundo a autora, esta análize é muito generalizada, visto que não há dados
suficientes para sustentar concluções definitivas. Inverno (2004:5) diz: “A tarefa é
ainda mais dificultada pelo facto de nas línguas bantu apenas os nomes que apresentam
os traços [+ humano] ou [+ animado] receberem marcação de género, sendo que esta
é lexical (i.e. adição de um adjectivo ou nome com um significado semelhante a
“macho” e “fêmea”).“ Segundo as suas pesquisas, no discurso das pessoas mais velhas
e menos instuídas, a concordância de género entre o núcleo do sintagma nominal e os
seus determinantes, ocorre apenas raramente. Ao contrário, no discurso dos jovens e
dos falantes instruídos parece ser categórica.
Os exemplos da ausência da marcação do género segundo Inverno (2004:5):
30
(1) PVA: os palavra
PE: as palavras
31
(3) Cokwe: Kasumbi ka tata
Galinha Poss Poss;C1SG pai
PE: A galinha do meu pai
32
(3) PVA: … minha mãe e o meu pai me deu o nome de JX …
PE: … a minha mãe e o meu pai deram-me o nome de JX …
Este capítulo será baseado sobretudo no estudo de Chavagne (2005) e o seu Etude
des écarts lexico-semántiques. Como diz o autor, isto é a esfera onde os angolanos são
muito produtivos e onde afirmam a sua identidade. A criação lexical na variedade do
português de Angola pode considerar-se revolucionário, como não muda a língua,
apenas enriquece o léxico já existente. Cria assim a possibilidade de abranger as
realidades angolanas, como são, por exemplo, as designações dos termos locais da
culinária ou da natureza, etc. Este facto abre um leque rico dos assim chamados
“angolanismos”40, quer isto dizer, das palavras de origem das línguas bantu que são
desconhecidas em Portugal. (Chavagne 2005:132)
Ao trocar a correspondência com Liliana Inverno, a autora dos estudos
morfossintácticos do sintagma nominal do português vernáculo em Angola, nos
recomendou o Dicionário dos Regionalismos angolanos de Óscar Ribas (1994), que
pode ser muito útil nos estudos sobre a lexicologia desta variedade do português.
Infelizmente não o temos à disposição. Este dicionário contêm 4500 expressões e é um
dos poucos diccionários existentes dos “angolanismos”. Segundo das investigações de
Chavagne (2005:130), também o escritor angolano Geraldo Bessa Victor queria
preparar o dicionário dos “angolanismos”, que finalmente nunca foi lançado. Esse
contêm milhares de palavras, não conhecidas pelos falantes não pertencentes à
40
O termo usado nos estudos de Chavagne (2005) designado por Geraldo Bessa Victor.
33
comunidade angolana. Por fim, há também o dicionário de próprio Chavagne, que
reuniu no anexo da sua tese exactamente 2172 expressões usadas nos textos pesquisados
por ele.
Todavia, o autor não abrangeu todas as expressões das línguas locais inseridas
nestes textos portugueses, porque frequentamente se tratava de “codeswitching”41, sobre
o qual já falamos no capítulo 2.2. A razão para este passo foi a grande dificuldade de
distinguir “codeswitching” do empréstimo. É importante dizer que “codeswitching”
não se considera “angolanismo”. Proporemos aqui alguns exemplos desta prática
linguítica:
4.2.1. Empréstimos
34
francês, italiano, da língua tupi ou mesmo do crioulu caboverdiano. (Chavagne,
2005:144). A língua de origem dos empréstimos na variedade do português angolano é
também o português, quer o português europeu (popular e clássico), quer português
brasileiro.
empréstimos do Brasil
(1) empréstimos de origem tupi
(a) capim
(b) crueira
(c) mandioca
(d) pitanga (uma espécie da fruta)
35
(c) charqueação – o modo de preparar a carne
(d) fofoca – a calúnia
empréstimos do kimbundu
A língua kimbundu é o depósito maior dos empréstimos no português vernáculo de
Angola. Este facto é dado historicamente, como já sabemos dos capítulos
antecedentes.
empréstimos do umbundo
(a) bissapa – o arbusto – do umbundo: ovisapa
(b) camundongo – o habitante de Luanda, a pessoa nascida no antigo região
Ndongo, o habitante do norte de Angola (de Malange até Luanda)
(c) capitia – o intérprete – do umbundo: okapitia
(d) fuka – a dívida – do umbundo: ofuka
empréstimos do kikongo
(a) buala, bwala – a aldeia – do kikongo: buala
(b) fimpar – examiner – do kikongo: fimpa
(c) oyé – a expressão da alegria colectiva, a interjeição típico para os membros
de FNLA
(d) salo, salu – o trabalho – do kikongo salu
empréstimos do cokwe
(a) kanaua – bom
(b) kanuko – o jovem, a criança
(c) kanuka – a menina jovem
(d) lucano – o bracelete
36
empréstimos de outras línguas bantas
(a) cambulador - o agente do comércio – o termo existente em kimbundu e em
kikongu
(b) cangonha – o tabaco do aroma forte – o termo existente em kimbundu e
ganguela
(c) mujimbu, mujimbu – o zumbido – o termo existente em kimbundu, luena e
cokwe
(d) goma, ngoma – uma espécie do tambor – em kimbundu ngoma e em
umbundo ongoma
empréstimos do francês
(a) bureau – a oficina
(b) gafe – o engano
(c) maquisard, maquizard – o guerrilheiro
(d) sandaleta – a sandália
empréstimos do inglês
(a) blue, blue – blue jeans
(b) buker – o livro, do inglês: book
(c) camone – o estrangeiro branco, do inglês: come on
(d) chupingue – as compras, do inglês: shopping
empréstimos do italiano
(a) birra – a cerveja
37
4.2.2. Criação das designações pelos processos morfológicos
(2) o prefixo a-
(a) assanzalar-se – permanecer no aldeamento
(b) aquimbundar, aquimbunduar – dar às palavras o caráter do kimbundu
(c) ajindungar – apimentar
45
Trata-se apenas dos processos morfológicos apresentados neste capítulo, não em geral.
38
(c) re- : regaspeado (reparado mais vezes)
(d) tre- : trepagar (pagar três vezes)
39
4.2.2.2.1. Derivação sufixal verbal
A derivação sufixal verbal forma-se quando o sufixo “liga-se a um radical e dá
origem a um verbo novo.” (ibidem) No português vernáculo de Angola frequentamente
ligam-se os sufixos portugueses aos verbos das línguas bantu e, por isso, é às vezes
difícil compreender esta variedade angolana. Aqui há alguns exemplos (Chavagne,
2005:177-181):
(a) cachimbar – fumar, de kuxiba
(b) didilar – chorar, de kudila
(c) jangutar-se – comer, de kujanguda
(d) xixilar – viver dificilmente, de kuxixila
1. –eiro/-eira
Há dois âmbitos principais para as quais são típicos estes sufixos: os arbustos e
plantas e também servem para a designaçã das pessoas com base nas suas
qualidades e actividades. (Chavagne 2005:181)
(a) mulembeira ou mulemba – o arbusto típico, do kimbundu mulemba
(b) muxixeiro ou muxíxe – uma espécie do arbusto, do kimbundu múxixi
(c) changueiro – o deliquente
(d) mussequeiro – a pessoa que tem a relação com o musseque
2. –ista/-ismo
Estes sufixos limitam-se apenas para designar as pessoas através das suas ideias ou
qualidades, -ismo também designa algumas tendências. (Chavagne 2005:183)
(a) ngolista – o guerrilheiro de Angola
(b) cantalutismo – a tendência para celebrar a luta política pelas canções
3. –mento/-ento
O sufixo –mento serve para a designação dos nomes e o sufixo –ento para os
adjectivos. (Chavagne, 2005: 183-184)
40
(a) xingamento – a imprecação
(b) gangento – corajoso
5. –ico
(a) quimbândico – a pessoa que pratica a medicina traditional
7. –ante/-ador/-oso
(a) nguvulante – o membro do governo
(b) penteador – o polícia
(c) quijiloso – severo
8. – al/-ada/-aria/-anço
(a) kwanzal – kwanza é a moeda nacional
(b) kizombada – festa
(c) kimbundaria – as nádegas gordas
(d) bazanço – a partida
9. –inho/-inha/-ito/-ão
Ou seja os sufixos diminutivos e aumentativos.
(a) maninho – o soldado de UNITA, o modo como estes soldados chamávam-se
ente eles
(b) catorzinha – a menina de cerca de catorze anos
41
(c) kochito – o pequeno momento
(d) kochão – o tempo muito longo
42
5. Linguagem literária
Neste capítulo serão definidos os termos nos quais se baseia o nosso estudo, sendo
dedicada a maior atenção à linguagem e ao discurso. Relativamente à questão da
linguagem, concentrar-nos-emos, sobretudo, na linguagem literária conebida no nosso
trabalho como a linguagem individual de autor que nem sempre irá ao encontro
das correntes literárias de diferentes fases literárias do país, o que, por outro lado, não
exclui a reflexão desta realidade nas obras literárias dos escritores angolanos.
Em Angola o português não se tornou apenas a língua oficial do país, mas também
a nova língua, a nova base da produção artística. A situação linguística, já descrita neste
trabalho, tem influenciado significativamente a literatura deste país africano. Segundo
o estudo experimetal de Perpétua Gonçalves (2000), esta difusão e desenvolvimento da
língua portuguesa e a sua convivência com as línguas locais, isto é, as línguas bantas,
abre aos escritores um rico leque de possibilidades linguísticas.
Em primeiro lugar oferece-se a possibilidade de escrever numa das línguas locais,
o que, por um lado parece natural, mas por outro acontece apenas raramente. Em
segundo lugar, há a possibilidade de escrever em língua do colonizador, em português.
Aqui a aproximação dos escritores pode diferenciar-se: há autores que escolhem seguir
43
a norma europeia, o português padrão, e há outros que também seguem a norma padrão,
mas simultâneamente enriquecem os seus discursos literários pelo vocabulário das
línguas locais e há ainda os escritores que escolhem escrever no português, mas na sua
linguagem preferem as normas linguísticas produzidas pela comunidade angolana, quer
isto dizer, as que não condizem com as normas europeias.
O último tipo dos ecritores mencionado que procura encontrar um instrumento
linguístico original, descreve Maurício Silva (2008:228), que acrescenta que estes
autores são representantes da trasgressão do código linguístico. Apresenta até uma
espécie de tradição da transgressão na literatura angolana, que foi introduzida pela
geração literária da Mensagem.46 Além do mais, indica os possíveis motivos destes
desvios da norma padrão:
“Pode-se dizer que a opção das ex-colônias de Portugal pela língua portuguesa veio
acompanhada pela disposição inalienável a um uso libertário do código lingüístico,
uso que se manifesta em dois sentidos complementares: como oposição/resistência
ao poder colonial e como inovação literária a marcar uma identidade cultural
lusoafricana.“ (ibidem:227)
Como já foi dito no início, em geral a linguagem literária, neste caso angolana, não
se considera como a base válida para as investigações linguísticas porque os linguistas a
julgam o producto individualizado de um autor concreto e não o producto representativo
da comunidade de locutores de uma língua concreta. (Gonçalves, 2000: 212-223)
Com respeito a este contexto, o objecto dos seguintes capítulos é apresentar, com
base nos estudos experimantais (Gonçalves, 2000; Silva, 2008), o tipo da linguagem do
autor mais significativo deste grupo dos escritores que se demarcam da norma europeia
e recorrem a diferentes tipos de estratégias linguísticas. Tal autor é sem dúvida o José
Luandino Vieira.
46
Geração da Mensagem, ativa nos anos 1950-1953, era a continuadora do movimento luandense „Novos
Intlectuais de Angola“ composto pelos estudantes e intelectuais angolanos incluindo negros, mestiços e
também brancos. Esta geração revolucionária lutava para a independência do país e criava sob a lema „de
Angola e por Angola“ com a intenção de iniciar uma cultura nova, fundamentalmente anolana.
Geração da Mensagem. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2012. [Consult. 2012-06-18],
FONSECA, Maria Nazareth Soares; MOREIRA, Terezinha Taborda. Panorama das literaturas africanas
de língua portuguesa. Disponível em <http://www.ich.pucminas.br/posletras/Nazareth_panorama.pdf>.
[Consult. 2012-05-14]
44
5.3. „Variedade“ do português produzida pelo Luandino Vieira47
47
“Luandino“ é um pseudónimo que o autor utilizava em homenagem a Luanda e nas suas primeiras
produções literárias num dos jornais de Angola. Em http://www.ueangola.com/index.php/criticas-e-
ensaios/item/330-a-escritura-engajada-e-tansculturada-de-luandino-vieira.html [Consult. 2012-05-10]
48
Activista político, preso mais de 11 anos, 9 dos quais no campo de concentração no Tarrafal, Cabo
Verde. Um dos cargos directórios do MPLA. (Gomes; Cavacas, 1997:224)
49
"Um escritor confessa-se... " in Jornal de Letras, Artes e Idéias, de Lisboa, em 9/5/89, p. 10. em
http://lusofonia.com.sapo.pt/luandino.htm [Consult. 2012-05-13]
45
independência do país, que foi feita em nome das camadas que não tinham voz - e se
tivessem não podiam falar, e se falassem não falariam muito tempo... -, foi aí que os
escritores angolanos resolveram dar voz àqueles que não tinham voz e, portanto,
escrever para que se soubesse o que era o nosso país, se soubesse qual era a situação
do país e, desse modo, interferirem de maneira a modificarem essa situação...”
Como é possível ver nos seguintes examplos, a recriação linguística feita por
Vieira (incluindo os processos formais, sintáticos e lexicais) causa, que os seus textos
podem tornar-se quase incompreensíveis para os falantes do português não angolanos:
(1) “Mas o Salviano decretou um dia minha defesa oficiosa, a quimbundice: a-mu-
beta kua mundele, kfundilé kua mundele...“ 50 (Vieira 1987:14)
(2) “Suku! ame yu ndasala ulica, vayongola omwenhu wange....---vou morrer,
repetia parecia era xinguilada.“51 (Vieira 1987:17)
Por esta razão, alguns dos seus livros dispõem de glossário de expressões e frases
desconhecidas das línguas nacionais, especificamente, do kimbundu, mas como é
evidente do exemplo em umbundu (2), o kimbundu não é a única língua local utilizada
pelo autor. Contudo, nem sempre os glossários contêm todas as expressões
desconhecidas, como é o caso da obra já mencionada: João Vêncio e os seus amores.
O próprio autor declara que esta descompreensabilidade dos seus textos é intencionada:
“Foi desta maneira que escrevi […], de tal maneira que se um português de Portugal
lesse, percebesse todas - ou quase todas - as palavras e dissesse que era português e,
depois, dissesse ao mesmo tempo: "Não percebo nada disto!" Foi alguma coisa de
deliberado, de provocatório […]“52
Nos seguintes subcapítulos analisaremos mais detalhadamente a oralidade típica
para Luandino Viera e também o plano morfológico e sintáctico.
50
A-mu-beta kua mundele, kfundilé kua mundele... (kimbundo) – Se o braco te bater, não se queixas
a outro branco. (Vieira, 1987:93)
51
Suku! ame yu ndasala ulica, vayongola omwenhu wange – (umbundo) Deus! Estou sozinha, e querem
a minha vida. , Xinguilada – (do k. ku xingila – entrar em transe mediúnico) – possuída por espírito.
(Vieira, 1987:104;106)
52
"Um escritor confessa-se... ". Entrevista de Luandino Vieira publicada no Jornal de Letras, Artes e
Idéias, de Lisboa, em 9/5/89, p. 10. em MARTIN Via Lima. Luandino Vieira: Engajamento e utopia.
disponível em http://www.revistazunai.com.br/ensaios/vima_lia_martin_luandino_vieira.htm [Consult.
2012-05-13]
46
5.3.1. Oralidade
Segundo Lipski (2009:7-8), este português dos musseques56, usado com tanta
frequência na linguagem literária demostra também a erosão fonética produzida pela
estrutura verbal ta + infinitivo, onde a primeira sílaba de estar desaparece, como
podemos ver no seguinte exemplo.
53
Suku – sub. – o grande Espírito, Deus. (Assis, s.a.:358)
54
Aka – adj. determ. e pron. demonstr. – esta, este (Assis, s.a.:12)
55
Aiuê! – interj. de dor/ grito de aflição (Assis, s.a.:12)
56
Musseque (= “areia vermelha“): aldeamento de barracas nos arredores de cidades (Vilela, 1999:180)
47
(4) “parece é tá dormir ainda“ (Vieira: A vida verdadeira de Domingos Xavier
1980)
57
Os exemplos (3) – (7) são citadas de (Silva, 2008:232)
48
composição por justaposição às vezes usada no quimbundo
(2) logo-logo, no caso do quimbundo malembe-malembe58 (Vieira 1997:16)
aglutinação
(3) cadavez, boquiabrinde
derivação prefixal
(4) desconfusão, exflorindo, inconhecidas, despega
derivação sufixal
(5) simplezito, falsosas
derivação imprópria
(6) antigamentes, sins, mussecais, emboremo-nos
reduplicação
(7) tretremi
nos textos do LV notamos também o uso de abreviaturas
(8) tudiosso, verdiano, d´agora
Com base na própria leitura de obras João Vêncio: os seus amore e Macandumba
(Vieira, 1997) indicaremos alguns exemplos usados nas frases concretas:
58
MALEMBE-MALEMBE – (do k. malembe-malembe – devagar, com paciência) – mesmo sentido.
(Vieira 1987:99)
59
MUENE MUENE – (k.) – ele mesmo. (Vieira, 1987:101)
49
(b) “Não sou de braço d´anjo, não me alambazo – mas a arte não é mesmo o artista
ou é a ferramenta de trabalhar com ela?“ (Vieira 1987:16)
(c) “Vanzo ´mbora.“ (Vieira 1987:70)
50
Perpétua Gonçalves não se encontram nas obras Macandumba e João Vêncio: os
seus amores.
(a) “Se como era, não sabia estava é na Cidade-Alta, esses musseques de minha
senhora que eram lá no cima, onde que vai o lixo da Câmara.“ (Vieira
1997:16)
(b) “Se ele fosse falar a conversa dos casos, sua estória parecia era de
mussosso, a menina Lídia nunca que podia aceitar...“ (Vieira 1997:20)
(c) „ – Bate tu, pá! – tinha mandado o polícia; e já queria dar volta para
espreitar no quintal na hora que monandengue desatou chorar.“ (Vieira
1997:55)
(2) O uso insólito de certas locuções verbais, como por exemplo, o uso frequente do
verbo adiantar como verbo auxiliar, como é evidente nos exemplos (2a) e (2b).
(a) “E ele viu a felicidade dar as três voltas antes de adiantar bater na janela
dos olhos da menina Lídia […]“ (Vieira 1997:20)
(b) “Dou o fio, o camarada companheiro dá a missanga – adiantamos fazer
nosso colar de cores amigadas.“ (Vieira 1987:13)
(3) O uso insólito dos termos adicionais, não requeridos pelo contexto sintáctico.
Podem ser da natureza adverbial (ex. mesmo, embora, ainda) como o mostra
o exemplo (3a) ou conjuncional (que), às vezes usado em grupo de palavras (ex.
onde que, nem que). Os exemplos dos termos adicionais conjuncionais
encontram-se em (3b) e (1a) “onde que vai“) e (1b) “nunca que podia“.
Perpétua Gonçalves (2000:221) anota que “esta gramaticalização de palavras
do Português é um fenómeno comum nas línguas naturais, não sendo por isso
de estranhar que ocorra tanto no PA60 como na variedade individual de LV61.”
60
A variedade do português angolano
61
Luandino Vieira
51
(b) “E antes morrer que matar, cristão nem que se usa mais.“ (Vieira 1997:113)
(a) “Só que a vida deu para assim, o sonho já tinha lhe agarrado antes da
´verdiana Rosa Rute lhe dar encontro perto do Bar Tói.“ (Vieira 1997:113)
(b) “Abracei-lhe, segurei-lhe, encostei no peito dele, deitámos no chãozinho,
meio do capim, beira d´água azul com música de rãs-relas e ele sorriu-se
todo, era o sol.“ (Vieira 1987:71)
(c) “Felicidade de família, até eu sair no meu musseque, eu lembro.“ (Vieira
1987:73)
(d) “Por isso eu fugi no seminário.“ (Vieira 1987: 74)
(6) A transgressão de voz passiva, onde se emprega o pronome clítico (lhe, me, te),
o verbo na 3ª pessoa do plural e o complemento de agente que é introduzido pela
preposição “em“. Como diz o Paul Teyssier (1994:79): „Uma das mais
52
originais é a forma passiva expressa por uma frase como “O João, lhe bateram
na mãe dele“, em que “João“ é o paciente e a “mãe“ o agente.“
(a) “Porque no Caliota lhe deram encontro é já todo ele ajoelhado – qual
perdão, qual oração! – procurador do Mau-Miau, queria-lhe acaçar por
baixo da mobília.“ (Vieira 1997:31)
(a) “Os peixes, lá nas margens desse sonho, que também eram assim – falando
voz deles, a pessoa via as gargantas azuis, salgadas.“ (Vieira 1997:33)
(b) “Mas o senhoro se nunca viu macaco quipanzéu deitado na sua cama,
fazendo tudo com a sua pequena, o senhoro não sabe o bicho que está
morar dentro do seu coração.“ (Vieira 1987:15)
53
6. Conclusão
54
7. Bibliografia
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Etiqueta. Gráfica Manuel Barbosa & Filhos. 187 p.
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<http://www.ich.pucminas.br/posletras/Nazareth_panorama.pdf>.
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454 p.
GONÇALVES, Perpétua (2000) “Para uma aproximação Língua-Literatura em
Português de Angola e Moçambique“ in Via Atlântica, São Paulo – n. 4, p. 212-
223
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em: http://www.radames.manosso.nom.br/gramatica/index.htm
55
CHAVAGNE, Jean-Pierre (2005) La langue portugaise d’Angola. Etudes des
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