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Weber (1994, p. 158, 159) entende por carisma: uma qualidade pessoal
considerada extracotidiana (na origem, magicamente condicionada, no caso
tanto dos profetas quanto dos sábios curandeiros ou jurídicos, chefes de
caçadores e heróis de guerra) e em virtude da qual se a atribuem a uma
pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos,
extracotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como
exemplar e, portanto, como ‘líder’ [sic].
Quando entrares na terra que o SENHOR teu Deus te der, não aprenderás a
fazer conforme as abominações daquelas nações / Entre ti não se achará
quem faça passar pelo fogo a seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem
prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro; / Nem encantador, nem quem
consulte a um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os
mortos; / Pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por
estas abominações o SENHOR teu Deus os lança fora de diante de ti / Perfeito
serás, como o SENHOR teu Deus / Porque estas nações, que hás de possuir,
ouvem os prognosticadores e os adivinhadores; porém a ti o SENHOR teu
Deus não permitiu tal coisa / O SENHOR teu Deus te levantará um profeta do
meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis [...] (PEIXOTO, [19--?h],
cap. 18, vers. 9-15, p. 159).
Desde os tempos do Antigo Testamento e mesmo nos tempos
apostólicos do cristianismo, era exigido ao profeta que exibisse prova da posse
dos seus dons. O profeta é um emissário de Deus, logo, é responsável por
externar a satisfação ou insatisfação divina para com os homens. Foi assim
com o profeta Natã, porta voz de Deus, usado para dar consciência moral ao
Rei Davi da injustiça que havia cometido no seu reino. Davi havia deitado com
uma mulher casada e enviado seu marido pra guerra, colocando-o na linha de
frente da batalha, para que logo fosse ferido e morresse, e assim aconteceu. O
profeta repreende Davi, e em nome de Deus, imputa-lhe uma pena (PEIXOTO,
[19--?j], cap. 11, vers. 12, p. 251).
Já outro tipo social citado por Weber, o sacerdote, atua em virtude da
legitimação do seu cargo. A natureza de sua missão funda-se numa doutrina
ou mandamento, não na magia. Trata-se de um funcionário membro de um
empreendimento de bens religiosos Por que funcionário? Por que. O termo
‘funcionário’ significa, para Weber, que a característica essencial de um
clérigo é a ‘especialização de uma empresa cultural regularmente exercida
por um círculo de pessoas em relação com determinados grupos sociais’.
Esta definição não diferencia somente o sacerdote do mágico. Para melhor
compreender toda a inclinação, faz-se necessário intervir uma terceira figura
essencial: o profeta, ‘portador de revelações metafísicas ou ético-religiosas’,
figura contestatória da ordem clerical. Sem esquecer aqueles que participam
dos cultos sem serem sacerdote e que os profetas procuram influenciar só no
plano ético, os leigos (WEBER, 1971 apud DUBAR, 1998, p. 431)
A legitimação da prática do mago ou feiticeiro dava-se pelo carisma, já
a do sacerdote ganha uma sistematização. Na intenção de extinguir a
influência dos mágicos, o sacerdote deve atender às expectativas dos leigos,
para isso deve ser além de pregador, profeta, um diretor de consciências
exercendo uma educação carismática de maneira a revelar a mensagem
religiosa mediante princípios éticos e culturais, mantendo o monopólio sobre os
acessos legitimados à salvação.
O sacerdote para suplantar os mágicos, precisa atender as
necessidades concretas de sua comunidade, de suas ovelhas, e orientar seus
passos, diante das necessidades práticas de suas vidas. Mas é a vocação
pessoal que diferencia o profeta do sacerdote. Como já colocado, o profeta
tem sua autoridade respaldada no carisma, já a autoridade do sacerdote se
legitima perante os fiéis, em virtude dele, o sacerdote, estar a serviço de uma
sagrada tradição. Weber considera, no entanto, que se apresentam
dificuldades no âmbito do saber sociológico, tal qual ocorre com outros
fenômenos, ao se tentar estabelecer limites conceituais entre os termos; mago
e sacerdote. Os sacerdotes são funcionários, detentores de um saber
específico, possuem uma doutrina já estabelecida, bem como uma
“qualificação profissional”. Os magos possuem carisma, dons que se
converterão em prodígios, ou no caso do profeta, revelações. Mas o sacerdote
nem sempre pode ser definido por ser detentor de um alto grau de saber, uma
vez que, até mesmo em grande parte das religiões, entre elas o cristianismo,
mostram-se presente em seus cultos, aspectos carismáticos. Weber mesmo
coloca que o padre “era um mago que operava o milagre da transubstanciação
e em cujas mãos estava depositado o poder das chaves” (WEBER, 2004, p.
106) e a quem se recorria para expiação dos pecados.
A diferença, entretanto, deve ser buscada a partir de seus respectivos
campo de saberes; o empirismo-técnico do mago versus a disciplina racional
do sacerdote (WEBER, 1996). O mago e o profeta são portadores de um
saber prático, embora sistemático, empírico. O sacerdote pertence a uma
instituição (igreja), reprodutora de bens simbólicos, mediante o que Bourdieu
chama de “uma ação pedagógica expressa” (BOURDIEU, 1974, p. 40). O
sacerdote domina um conjunto de normas e conhecimentos organizados e
sistematizados por especialistas pertencentes ao corpo institucional. Em última
palavra, é assim, que Weber define o que se pode chamar de primeiras
estruturas profissionais, pautadas primeiramente na legitimidade carismática e
na racionalização das crenças e das práticas religiosas.