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UFBa - Instituto de Geociências

Licenciatura em Geografia (Noturno)


Organização do Espaço Brasileiro
Aluno: Valdemir Vieira

A produção capitalista de relações não capitalistas de produção: o


regime de colonato nas fazendas de café.
José de Souza Martins

Para iniciar sua obra, MARTINS (1986) destaca a afirmação de muitos cientistas sociais -
entre eles cita Prado Júnior e Florestan Fernandes que, assim como outros autores têm grande
dificuldade em definir as relações capitalistas existentes nesse processo - de que a servidão
negra foi substituída pelo trabalho assalariado com a crise do trabalho escravo. Diante disso
propõe a interpretação de que não foi a crise no trabalho escravo que resultou na utilização do
trabalho assalariado. Teria o capitalismo então em sua expansão redefinido as relações sociais
desenvolvendo relações não capitalistas e, concomitantemente propulsoras da manutenção e
da reprodução do capital.

Resumo:

A dificuldade em definir as relações de produção do campo, geraram um debate intelectual


confuso sobre a transição do feudalismo ao capitalismo definindo o momento histórico no
Brasil. Como não eram feudais na essência, seriam supostamente capitalistas, por falta de
opção, só que isso apenas se pode considerar se forem utilizados muitos artifícios bastante
questionáveis. Propõe então o autor, que se esclareça melhor a diversidade de relações do
regime real de produção que foi conhecido como colonato e durou quase um século.

Para começar afirma que, logo na crise do trabalho escravo foi instituído o trabalho livre, e
não o assalariado, embora já houvessem alguns negros libertos agraciados com esta
modalidade, assim como os caboclos e caipiras, índios libertos mestiços de índias e brancos.

A maior diferença entre o trabalhador livre que substituiu o escravo não era a separação entre
estes dos meios de produção, mas sim a separação do trabalhador livre da sua força de
trabalho, que no caso do escravo eram confundíveis. Entretanto ambas as relações eram
igualmente fundadas na exportação agrícola e no grande latifúndio. Era uma mudança
necessária à manutenção desta estrutura.

As relações sociais do fazendeiro capitalista eram tão mais significativas fora da fazenda com
os comissionários e exportadores, quanto às relações internas de produção, tendo aí se
originado a transformação das relações de trabalho. A escravidão se consolidava como uma
modalidade de exploração da força de trabalho, na qual o trabalhador entrava no processo
como mercadoria, e tinha que dar lucro antes mesmo de começar a trabalhar. Assim as
relações de produção geravam um capitalista baseado no monopólio do próprio trabalho, que
nada mais era que a renda capitalizada em forma de escravos, e a abolição da escravidão não
trouxe apenas a mudança na condição jurídica do escravo, ela o transformou o trabalhador,
impondo-lhe agora a coerção moral e ideológica que legitima a exploração do capital,
deixando de lhe impor a coerção física. O que ocorreu foi a emancipação do capital e não a do
homem.

Enquanto colono, o trabalhador era toda uma família e não um ser individual e isso é uma das
dificuldades em definir este modo como capitalista.

A metamorfose

Tanto no regime de escravidão quanto no trabalho livre, a renda capitalizada foi o principal
aporte de capital da fazenda, e esta denominação não se referia na época a estrutura fundiária,
mas sim a um conjunto de bens, riqueza acumulada, os bens produzidos no trabalho e incluía
o trabalho na pessoa do escravo. Fazendeiro era sinônimo de pessoa que administrava a
riqueza, ainda que não fosse o dono dela.

Enquanto havia trabalho escravo a terra quase não tinha valor, sendo que os escravos eram
mais valiosos e ainda lhe conferiam o valor de trabalho acumulado. Tendo funcionalidade
dupla, enquanto fonte de trabalho e garantia de empréstimos do fazendeiro.

Este valor elevou-se ainda mais com as restrições ao tráfico, aumentando a capacidade de
endividamento dos fazendeiros, beneficiando bem mais o traficante que estes primeiros. A
abolição já seria um bom negócio nestes termos.

O regime de sesmarias que vigorou até a véspera da Independência, dificultava o acesso a


terras para quem não fosse branco, puro de fé e proprietário de escravos, só vindo o ser
oficializada uma lei que privilegiasse a compra em 1850. Esta lacuna incentivou a
proliferação de documentos falsos de propriedade. A terra passava a ter um valor no mercado
imobiliário que se formava e com isso já podia garantir as transações financeiras dos seus
proprietários. O café ainda no pé, também começou a servir de garantia. O dinheiro saia das
mãos dos traficantes de escravos para as mãos dos grileiros e imobiliários, que se apossaram
de terras devolutas munidos dos fartos falsos documentos da época.

A conversão

As terras se tornaram disponíveis mas faltava preencher a lacuna deixada pelos trabalhadores
escravizados, e a iniciativa foi prometer a terra futura em troca de trabalho presente para uma
população atraída de colonos, cujo significado no Brasil era diferenciada da de colono nos
EUA, por exemplo, onde estes foram para colonizar novas regiões. Essa passagem de escravo
a colono foi inclusive muito tensa e o colono trabalhador entra no processo produtivo
custeado em transporte, alimentação e instalações para toda a família, e isso gerava uma
dívida que entre outros motivos, o prendia ao fazendeiro e ao cafezal. Para mudar de patrão,
bastava encontrar outro fazendeiro que saldasse suas dívidas com o fazendeiro atual. Ao
colono essa situação entretanto, podia lhe induzir a pensar ser mais valioso que o escravo,
pois dava mais lucro e menos despesa.

Na década de 1870 o governo imperial passou a custear a imigração, sendo seguido pelo
governo da província de São Paulo anos mais tarde.

Neste cenário, os maiores debates parlamentares sobre a abolição versavam muito mais sobre
propriedade fundiária e colonização, e divergiam entre os interlocutores representantes dos
fazendeiros de café do Rio de Janeiro, os de São Paulo e os fazendeiros de cana do Nordeste.
Entretanto, com toda divergência nos discursos, acabaram os fazendeiros recebendo
indenização superior àquela que pleiteavam.

Sem precisar comprar escravos, e com o subsidio dos governos na captação de imigrantes,
sobrava capital suficiente para investir em novas fazendas e novos cafezais, passou o
fazendeiro a produzir além de café, fazendas de café. A elevação do valor da terra era
inevitável e a ação dos grileiros se intensificava da mesma forma em que se multiplicavam as
fazendas de café. O café era um grande negócio, graças praticamente com exclusividade, ás
relações de produção estabelecidas no trato e formação dos cafezais com regime de trabalho
não assalariado. Caso contrário não se teria conseguido o sucesso na proporção e velocidade
observadas.

A desigualdade

A forma do capital que dominava a produção do café era o capital comercial, na


movimentação da safra. Com o status de proprietário de mercadorias, o fazendeiro se
relacionava com o intermediário, conhecido como comissionário, em situação de crédito
perante este último. Esta vantagem se inverteu na década de 1880 quando os comissionários
começaram a ser dispensáveis nas intermediações, com as compras diretas do café pelos
exploradores, e o fazendeiro passou a atuar sob controle financeiro dos bancos.

No regime assalariado o que se tem no processo de trabalho é um processo de valorização do


capital por si mesmo, e a mais-valia surge como fruto de capital e não de trabalho, enquanto
no regime de colonato a mais valia aparece na forma de lucro comercial.

A efetiva desigualdade na relação de trabalho entre fazendeiro e colonos era ocultada pelos
acertos de contas, a despeito da igualdade apenas formal entre compradores e vendedores.
O momento de maior necessidade de mão de obra era sem dúvida o trato e a colheita do café,
e dominado principalmente pelas famílias de colonos, ultrapassando dez mil pessoas em uma
só fazenda. Assim como no caso da relação escravista, a desigualdade econômica entre
fazendeiros e colonos tinha visibilidade potencializada pelo local de moradia e pelo fato que
um era dono das terras e o outro não.

Sendo o colono uma figura familiar de trabalho, instituía-se dentro do núcleo ativo da família
uma divisão do trabalho quantitativo para o trato, onde homens, mulheres e adolescentes a
partir dos 12 anos eram incumbidos de quantidades definidas de pés de café para cuidar, e
qualitativo para a colheita, quando os adultos colhiam nas partes mais altas e as crianças nas
partes mais baixas.

De qualquer forma, estava o trabalhador do cafezal consciente de que trabalhava para o


fazendeiro, podendo ainda trabalhar compulsoriamente como diarista na secagem do café,
caso houvesse a necessidade. A prioridade do uso de tempo do trabalhador era o cafezal,
podendo este nas poucas horas que lhe sobravam, laborar em benefício próprio nas suas
lavouras de subsistência, além de ser, no caso do chefe de família, o mediador da exploração
entre o fazendeiro e o restante da família. Há histórico de greves nas fazendas de café,
relativas à época de colheita diante das divergências entre os valores oferecidos e pretendidos
para a empreitada. Este era o momento crucial da produção cafeeira e os fazendeiros sempre
se faziam presentes a supervisionar os trabalhos.

Para o colono, o principal condição de desigualdade entre ele e o fazendeiro era a


propriedade. Esta era também a condição da liberdade, pois para se livrar da dependência e
subjugo, precisava adquirir a terra própria, o que era sem dúvida uma odisseia para a qual a
história registrou cerca 1 colono tornado proprietário para cada 143 colonos que não
obtiveram sucesso na conquista da propriedade.

Entre 1880 e 1930 novas tecnologias e maquinários foram incorporadas ao processo produtivo
e observou-se também a diversificação das atividades dos fazendeiros, investindo em
ferrovias, bancos, indústrias e na exportação de café, como acionistas ou investidores
indiretos.

A exploração no regime escravista não carecia de motivos além da vontade do dono dos
escravos, enquanto no regime capitalista a exploração se sustenta na ilusão de que o salário
bastaria para manutenção e reprodução do trabalhador e de sua família.

No colonato não acontecia nem uma coisa nem outra. O colono nutria a crença de que
entregava o café tratado e colhido ao fazendeiro como forma de pagamento justo e necessário,
pelo direito de trabalhar para si próprio.
Referência:
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. 9ª Ed. São Paulo: Contexto, 2010, pág. 27 a
94

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