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SÍNDROME DA ardência bucal

DEFINIÇÃO
A síndrome de ardência bucal ou da “queimação bucal” pode ser definida
como uma entidade clínica caracterizada pela dor e sensação de ardor (queimação),
localizada em qualquer região da mucosa bucal, sem que se possa detectar qualquer
alteração ou lesão fora dos padrões de normalidade e com achados laboratoriais
normais.
A síndrome da ardência bucal, também denominada glossidinia, glossopirose,
síndrome da boca ardente, estomatodinia ou síndrome dos lábios ardentes, constitui
uma condição de etiologia multifatorial que afeta especialmente a população idosa e de
meia-idade.
A síndrome da ardência bucal é caracterizada pela ardência bucal, embora quase
nunca esteja como um sintoma isolado, acompanhando-se da dor, queimação,
desconforto, parestesia, diestesia, prurido e disgeusia, sendo os locais mais acometidos
em ordem decrescente a língua, seguida de lábios, gengiva, palato e tonsilas
O termo síndrome é adotado para essa condição devido à presença simultânea de
diversos sintomas subjetivos, como a sensação de boca seca, paladar alterado e ardência
nos tecidos orais. Devido à intensidade de dor raramente ser correspondente a sinais
clínicos, essa síndrome tem sido considerada uma condição enigmática.

epidemiologia
A prevalência da síndrome da ardência bucal é variável, com taxas entre 3,7% a
5,4%, provavelmente devido a divergências de critérios utilizados para o diagnóstico da
alteração.
O sexo feminino é preferencialmente afetado, sendo que cerca de 86% a 90% das
mulheres com os sintomas já passaram pela menopausa. Apesar de pessoas de meia
idade e idosos serem alvos preferenciais da síndrome da ardência bucal, uma ampla
faixa etária pode ser acometida.
As variações de idade vão de 25 a 97 anos, e a idade média de acometimento
encontra-se entre 54 a 71,2 anos. É de ocorrência rara abaixo dos 30 anos e nunca foi
reportada em crianças.
Afeta sete vezes mas mulheres que homens entre a 4ª e 5ª décadas de vida. Essa
variabilidade de números de prevalência reflete a dificuldade de se estabelecer um
critério para o diagnóstico da síndrome da ardência bucal, indicando a necessidade de
maior divulgação sobre as características clínicas e etiológicas dessa síndrome.
Atualmente, não há nenhuma evidência de diferenças étnicas ou raciais na
prevalência da síndrome da ardência bucal.

Etiologia
Apesar da síndrome da ardência bucal ser considerada idiopática, a maioria dos
autores consideram como uma doença multifatorial, sendo a classificação quanto a
etiologia mais utilizada a de Gleber Netto, que a divide da seguinte maneira:

Causas Locais

Dentárias
A dor oral pode aparecer pelo uso incorreto de aparelhos ortodônticos, prótese
dentária mal posicionada, em longo tempo de uso sem revisão ou em estado de
corrosão, deixando gosto metálico na boca. A reação local causada pelo contato da
mucosa com o metal leva ao aparecimento de eritema e sensação de queimação. Nos
dias atuais, chama atenção a irritação local causada pelo uso de piercing na língua.
Pode haver dor oral por trauma mecânico, naqueles pacientes que traumatizam a
mucosa jugal repetidas vezes com mordidas, por apresentarem alterações dentárias ou
má oclusão. Descartada a dor orofacial de causa dentária, que é a mais comum, deve-se
pesquisar hábitos e comportamentos parafuncionais como alterações na articulação
têmporo-mandibular. As principais queixas são de crepitação em articulação têmporo-
mandibular, dor local, dor referida para o ouvido ou boca. Pacientes com dor miofacial,
bruxismo, língua volumosa ou que pressionam a língua contra os dentes também podem
apresentar dor na língua.
Alergênicas

A alergia a corantes, conservantes e aditivos alimentares foi constatada em cerca


de 65% dos pacientes com síndrome da ardência bucal tipo 3 (dor intermitente, com
intervalos livres de dor, que ocorre em locais não-usuais). As substâncias mais
identificadas como causadoras de dor na boca foram: aldeído de canela, ácido ascórbico,
tartarazina, ácido benzóico, propilenoglicol e mento. Alimentos como camarão, nozes,
peixe e chocolate podem causar alergia de início súbito, ocorrendo edema e prurido
geralmente em língua. Casos mais graves geralmente são causados por medicamentos
como sulfa, antibióticos, anti-inflamatórios não-hormonais e analgésicos. A alergia a
materiais dentários é rara, devendo ser considerada somente após confirmação com teste
alérgico correlacionada com os sintomas clínicos.

Infecciosas
B Cândida: Causada pela Candida albicans, atinge indivíduos idosos, pacientes
com algum tipo de deficiência imunológica, em uso prolongado de antibióticos,
imunossupressores, anti-retrovirais ou corticoides. A infecção pode aparecer com ou
sem sinais inflamatórios na mucosa e os pacientes referem sensação de queimação na
boca, o que leva a disfagia e sialorreia. A queimação é devido à multiplicação da
Candida albicans. A detecção do estímulo doloroso ocorre nas terminações de nervos
sensoriais chamados nocirreceptores. Estes neurônios de pequeno diâmetro traduzem
sinais mecânicos, químicos e de variação de temperatura para o sistema nervoso central,
dando-nos a percepção de dor ou desconforto, agindo via receptor capsaicina
(vanilóide). O uso de prótese dentária também contribui para o aumento do número de
colônias de fungos.
B Bactérias não-específicas: Infecção relacionada com o estado de conservação dos
dentes. Os agentes causadores são os presentes na flora saprófita bucal, polimicrobiana,
composta por estreptococos, enterococos, estafilococos, neisseria e proteus, além de
anaeróbios e associações fusoespiralares. Muitas infecções se manifestam em caráter
oportunista. Ocorre congestão das gengivas e edema das papilas interdentárias, pode
haver hiperemia da mucosa bucal e da língua, que apresenta marcas de indentação em
seus rebordos laterais. Nos casos mais avançados, a dor e a halitose são intensas.
Causas sistêmicas
Alteração das glândulas salivares
A função das glândulas salivares é alterada por uma variedade de drogas que
induzem xerostomia, o que afeta a alimentação, a capacidade de resistir à colonização
bacteriana dos dentes e altera o paladar para os alimentos. Inúmeras drogas podem levar
a alterações das glândulas salivares, sendo as mais comuns: anticolinérgicos, anti-
histamínicos, anti-retrovirais, antidepressivos tricíclicos, inibidores da recaptação de
serotonina e omeprazol. O aparecimento de xerostomia depende do tipo de droga, da
dose utilizada e diferenças individuais dos pacientes. O ardor pode se desenvolver de
dias a anos após a exposição ao agente causador. Quimioterápicos, por exemplo, a
adriamicina, levam à mucosite após 5 a 7 dias da administração da droga. O paciente
cursa com dor intensa na mucosa oral e, mantendo-se a quimioterapia, ocorre
diminuição salivar e destruição glandular. Normalmente a gengiva, a superfície dorsal
da língua e o palato duro não são envolvidos. A radioterapia, inicialmente, leva à
mucosite e hipersalivação por inflamação local. Durante este período a mucosa se
apresenta extremamente dolorosa. Se a radioterapia for mantida, pode ocorrer atrofia
permanente da mucosa, dando sensação de queimação na língua, boca seca e dificuldade
para deglutir. A função das glândulas salivares fica comprometida dependendo da dose
da irradiação, sendo que acima de 40Gy/dose de irradiação já ocorre lesão glandular
irreversível. O pH cai significativamente do normal para 6,7.
Medicamentosas
Existem inúmeras descrições na literatura de glossite em pacientes que utilizam
inibidores da ECA. Anti-retrovirais, antibióticos (cefalosporinas, cloranfenicol,
penicilina, gabapentina), antidepressivos tricíclicos e ansiolíticos também são citados
como causadores de dor oral. Não se sabe ao certo o mecanismo indutor da dor sem que
ocorra xerostomia.
Doenças do tecido conjuntivo
Síndrome de Sjögren é uma doença autoimune, acomete mais mulheres entre 40 e
60 anos, podendo estar associada a outros distúrbios do tecido conectivo, como
esclerose múltipla e artrite reumatoide. As manifestações clássicas dessa síndrome são
ceratoconjuntivite, xerostomia e alterações do tecido conjuntivo. A fibromialgia é uma
síndrome de dor crônica, diagnosticada com base na presença de dor em pelo menos 11
dos 18 “tender points” (“pontos sensíveis”) com duração de pelo menos 3 meses.
Cerca de 32,8% dos pacientes com fibromialgia apresentam síndrome da ardência bucal,
sendo que as manifestações orais mais descritas com a fibromialgia incluem: xerostomia
(70,9%), dor orofacial (32,8%), disfunção de articulação têmporo-mandibular (67,6%),
disfagia (37,3%), disgeusia (34,2%).
Endócrinas

A síndrome da ardência bucal pode ser um sinal de diabetes mellitus não


diagnosticada, portanto, é necessário ressaltar a importância da pesquisa de diabetes
mellitus, principalmente nos pacientes com mais de 50 anos, época em que a incidência
de diabetes mellitus tipo II aumenta. Outros mecanismos que causam dor na mucosa
oral que devem ser levados em consideração para pacientes diabéticos são as infecções
por Candida albicans e a neuropatia diabética. Existe controvérsia na literatura em
relação ao papel do estrogênio como fator protetor da mucosa oral. Apesar da alta
incidência em mulheres na pós-menopausa, estudos observaram não haver relação
significativa entre a dor na boca e o número de anos em menopausa, o uso de terapia de
reposição hormonal ou o número de anos em reposição hormonal.

Neurológicas
O estimulo doloroso é detectado através dos nocirreceptores, receptores onde tem
ação a capsaicina. Observou-se que após a administração de capsaicina durante 4
semanas houve melhora da dor bucal em cerca de 84% dos pacientes, comparado com o
grupo controle. A eficácia terapêutica da capsaicina fortalece a hipótese de uma possível
causa neurogênica na síndrome da boca ardente. Outra evidência de que a síndrome da
ardência bucal tenha fundo neurogênico é que estes pacientes apresentam
hipersensibilidade térmica aumentada e anormalidades eletrofisiológicas importantes
quando comparados com um grupo controle.
B Neuralgia do trigêmeo: Neuralgia do trigêmeo é caracterizada por crises breves de
dor, de forte intensidade, em salvas, acometendo geralmente pessoas com mais de 50
anos, principalmente o território do ramo mandibular, podendo levar a hipoestesia ou
parestesia da língua. Pode ser causada por compressão do nervo por neoplasia,
malformação vascular, encefalopatia, miringomielia, infecção por herpes zoster, trauma
ou após extração dentária.
B Neuralgia do glossofaríngeo: A neuralgia do glossofaríngeo é uma entidade rara,
ocorrendo mais mulheres entre 40 e 60 anos. A dor é geralmente incapacitante,
unilateral, acometendo a parede posterior da orofaringe, fossa tonsilar e base da língua,
irradiando para orelha. É desencadeada pela deglutição, tosse ou fonação. A dor pode
ser causada por neoplasias ainda não diagnosticadas, infecção, processo estiloide
alongado e causas vasculares como: compressão, alongamento ou “looping” de artérias,
principalmente da artéria cerebelar póstero-inferior. A neuralgia pode cursar com
bradicardia, assistolia e síncope em até 10% dos casos.
Deficiências Nutricionais
Dentre os pacientes com deficiência de vitaminas do complexo B, cerca de 40%
podem cursar com queimação na língua. Ocorre dor na língua, principalmente na ponta,
e atrofia de papilas. Pacientes em hemodiálise, que realizam algum tipo de restrição
alimentar (vegetarianos, dieta sem lactose), alcoólatras e idosos são os que mais
apresentam esta deficiência vitamínica. A deficiência de zinco pode causar alterações
orgânicas como atrofia das papilas linguais, o que leva a disgeusia e glossodinia.
Observou-se melhora dos sintomas bucais após a administração de zinco, e melhora
ainda maior quando o zinco foi associado à vitamina B12 e ferro.

Emocionais
Foram encontrados até 30% de distúrbios psiquiátricos associados à síndrome, tais
como depressão, ansiedade, obsessão, síndrome do pânico e medo do diagnóstico de
câncer, enfocando o aspecto psicológico das mulheres com síndrome da ardência bucal.
Observou-se que todas as pacientes de seu estudo haviam passado por momentos de
grande estresse ou decepção durante suas vidas culminando com o aparecimento de dor
oral. Estes autores detectaram que estas mulheres tinham alto grau de ansiedade e se
autodescreviam como persistentes e exigentes consigo mesmas. Acredita-se creditam
que os pacientes com síndrome da ardência bucal têm o limiar de sensibilidade dolorosa
reduzido, sendo que nas mulheres este limiar é ainda menor.

Idiopática
Quando após incessante pesquisa contemplando as causas locais, sistêmicas e
emocionais, não se consegue encontrar etiologia para a síndrome da ardência bucal.

Causas de ardência bucal, porém não


configuram síndrome da ardência bucal
São causas de ardência bucal, porém não configuram síndrome da ardência bucal:

Lesões bucais
Língua geográfica e/ou língua fissurada, trauma mecânico crônico, candidíase
bucal, líquen plano, reação liquenoide. Se presentes, realizar tratamento específico.
Hipossalivação e xerostomia
Podem ser efeitos colaterais do uso de drogas antidepressivas e ansiolíticas,
também podem estar relacionadas a manifestação de doenças sistêmicas, como por
exemplo a síndrome de Sjögren. Estas situações podem propiciar eventos traumáticos
nas mucosas orais, tendo o paciente também queixa de ardência. Orientar medidas
locais como saliva artificial, gomas de mascar sem açúcar, aumento da ingestão de
alimentos ou bebidas cítricas.
Secundária a tratamentos oncológicos
Pacientes com histórico de radioterapia e/ou quimioterapia também podem ter
queixa de ardência bucal.
Secundária a medicamentos
Avaliar possibilidade de troca das medicações.

Comorbidades
Doenças como diabetes mellitus descompensado, hipotireoidismo, gastrite
crônica, doença do refluxo gastroesofágico, hipoacidez gástrica crônica, ansiedade e
depressão podem estar relacionadas a queixa de ardência bucal. Na ausência dessas
condições, sugere-se investigação por meio da solicitação de exames laboratoriais
como: hemograma, ferritina, glicemia, TSH, vitamina B12, ácido fólico e zinco. A
suplementação, caso haja alguma deficiência, pode levar a melhora dos sintomas de
ardência bucal.

VARIAÇÕES ANATÔMICAS RELACIONADAS


COM A síndrome da ardência bucal
Língua plicata
Em algumas pessoas, após os quatro anos de idade a língua se sulca, aparecendo
pregas nos dois terços anteriores da língua, ocorrendo queimação quando há inflamação
nestes sulcos, causada pela ingesta de alimentos ácidos e/ ou muito temperados. Estes
sulcos são porta de entrada para infecções como herpes simples, Candida albicans e
sífilis. Pode fazer parte da síndrome de Melkerson Rosenthal que cursa com glossite
granulomatosa, paralisia facial, língua plicata e edema de lábios. Está presente em cerca
de 30% dos pacientes com síndrome de Down.

Língua geográfica
A língua geográfica caracteriza-se por áreas de mucosa rósea com centro
acinzentado. Estas áreas se confluem e estão entremeadas por mucosa normal, sendo
uma anomalia constitucional e não uma doença. Os pacientes com esta alteração lingual
podem apresentar mais cancerofobia. Acredita-se que para haver o aparecimento desta
anomalia, não somente fatores genéticos estão envolvidos, como também fatores
psicológicos (estresse) e locais (reações alérgicas). Geralmente há aumento das áreas de
mucosa anormal durante uma queda do estado geral. Estas áreas de mucosa anômala são
mais sensíveis a alimentos muito salgados, picantes ou azedos, podendo ocorrer dor na
boca.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
SINAIS E SINTOMAS CLÍNICOS
A síndrome da ardência bucal é uma condição na qual a dor pela queimação está
associada a sinais de normalidade e achados laboratoriais normais. Portanto, para o
diagnóstico da síndrome da ardência bucal quando analisado clinicamente, a mucosa
oral deve-se apresentar íntegra, com todos os aspectos clínicos dentro dos padrões da
normalidade, pois esta condição é fundamental para o diagnóstico da síndrome.
A síndrome da ardência bucal geralmente apresenta-se como tríade: dor na boca,
alterações do paladar e alterações da salivação, sem lesão na mucosa oral.
A queimação ocorre frequentemente em mais de uma área, sendo os dois terços
anteriores da língua, a metade anterior do palato duro e a mucosa do lábio superior os
locais mais afetados. O início da sensação de queimação na síndrome da ardência bucal
é geralmente súbito e de baixa intensidade. Normalmente, os pacientes se queixam de
sensação de queimação semelhante à ingestão de um líquido muito quente, ardência ou
“agulhadas” na boca. Tal sensação pode ser acompanhada de dormência, perda ou
alteração de paladar, boca seca, dores de cabeça ou dores na musculatura mastigatória.
Segundo alguns estudos, a xerostomia é um importante agravante dos quadros da
síndrome da ardência bucal. Se a produção de saliva é deficiente, a mucosa bucal torna-
se insuficientemente umedecida e assume um aspecto brilhante, pálido ou avermelhado.
Isso leva à sensação de secura, pouco tolerada pelo paciente, conforme o seu limiar de
sensibilidade. Portanto, justifica-se a importância do cirurgião dentista em realizar um
questionamento específico sobre a dor que o paciente apresenta: início, intensidade,
frequência, fatores e horários de remissão ou exacerbação, para que se possa obter um
diagnóstico adequado.
A sintomatologia da síndrome da ardência bucal pode ser diária e permanecer por
muitos anos. Enquanto a intensidade dos sintomas possui grande variabilidade entre os
indivíduos, em um mesmo indivíduo há pouca variação, mesmo ao longo de anos de
sintomatologia persistente.

Divisão da síndrome da ardência bucal


A síndrome da ardência bucal tem sido dividida em três subtipos com base na
variação diária dos sintomas.
Tipo 1
O tipo 1 refere-se a queixas de ardência todos os dias, que não está presente ao
acordar, mas que se desenvolve ao longo do dia, se tornando máxima ao entardecer,
com uma frequência relativa de cerca de 35%.
Tipo 2
No tipo 2 a sensação de queimação é presente durante o dia todo, todos os dias,
ocorrendo em cerca de 55% dos pacientes, os quais tendem a ser mais resistentes à
terapia.
Tipo 3
No tipo 3, a dor está presente de forma intermitente em alguns dias, com
intervalos de ausência de dor, afetando sítios não usuais tais como a garganta, a mucosa
e o soalho bucal, e tendo uma frequência relativa de cerca de 10%.
A síndrome da ardência bucal é classificada como uma síndrome por causa da
frequente associação com demais queixas, especialmente disgeusia, hipogeusia e
xerostomia.
A disgeusia, denominada paladar-fantasma ou paladar distorcido, é definida
como um paladar aberrante, com gosto desagradável e persistente na boca, sendo
principalmente o ácido e amargo afetados primariamente, seguidos do doce e salgado. A
alteração do paladar é uma condição comum entre pacientes com síndrome da ardência
bucal, embora a perda do paladar não o seja. Apesar das áreas afetadas pela ardência
serem simétricas a alteração do paladar pode não ser.
A hipogeusia é a capacidade reduzida de saborear coisas (saborear substâncias
doces, azedas, amargas ou salgadas). É uma condição comum para paciente com boca
extremamente seca e pode ser causada por trauma, tumores ou inflamação dos nervos
periféricos do sistema gustativo. A completa falta de sabor é conhecida como ageusia.
Diferentemente de um paciente com síndrome de Sjögren, os pacientes portadores
de síndrome da ardência bucal raramente apresentam redução real e drástica em seu
fluxo salivar, ou seja, hipossalivação, salvo quando outras doenças das glândulas
salivares estão associadas a síndrome da ardência bucal.
Contudo, muitos pacientes idosos podem utilizar medicações reconhecidamente
associadas à redução da secreção salivar, como anti-hipertensivos e antidepressivos.
Irritabilidade, depressão, cancerofobia e diminuição da sociabilidade estão
presentes na maioria dos pacientes portadores de síndrome da ardência bucal.
Adicionalmente, pacientes com síndrome da ardência bucal de longa duração
podem apresentar anormalidades no reflexo do piscar de olhos, sugerindo um possível
envolvimento patológico generalizado do sistema nervoso, indicando modificação no
sistema nervoso periférico ou central.

Diagnóstico
A ausência de sinais clínicos e neurológicos que expliquem objetivamente a
síndrome da ardência bucal faz com que a síndrome seja de difícil interpretação
diagnóstica e tratamento. Por ser a etiologia da síndrome da ardência bucal multifatorial,
a avaliação dos pacientes requer um exame organizado que considere as várias
etiologias da doença. Quando um paciente se queixa de possíveis sintomas associados
com a síndrome da ardência bucal, é imperativo um exame sistemático.
Dividiu-se a avaliação e o manuseio do paciente nas seguintes etapas:

1. Avaliação da história médica, odontológica e psicológica.


2. Exame físico da mucosa bucal e dos dentes.
3. Exame das próteses e da oclusão.

Quando forem encontrados resultados não-normais para os itens 2 e 3, deve-se


direcionar o tratamento pelo diagnóstico (língua geográfica, infecção por Candida
albicans, líquen plano, xerostomia ou estomatite).
Se os achados nos itens 2 e 3 forem normais, deve-se solicitar exames
laboratoriais (glicemia em jejum, cultura de fungos, hemograma completo, níveis de
vitamina e ferro, testes para averiguar alergia a propilenoglicol e alérgenos dentais).
Se resultados positivos forem encontrados nessa fase, um tratamento direcionado
aos achados laboratoriais deverá ser realizado.
Perante os resultados laboratoriais normais, direcionar o tratamento para a
eliminação de irritantes orais, com a suspensão do uso de medicamentos que causem
xerostomia e prescrição (se necessário) de drogas para reposição hormonal e nutricional.
Devemos considerar ainda a terapia para dor crônica, com uso de antidepressivos,
benzodiazepínicos, capsaicina tópica e clonazepan.
A queixa principal do paciente deve ser investigada criteriosamente. A história de
dor deve ser estabelecida incluindo início, duração, localização anatômica, fatores que
melhoram ou pioram a dor, associação com certas comidas e atividades, interferência
nas atividades diárias tais como trabalho, sono e alimentação, e ainda questionamentos a
respeito do aumento da salivação, boca seca, paladar alterado, dieta, uso de
antissépticos, tipo de pasta dental e hábitos como mascar chiclete, ingestão de bebidas
alcoólicas e tabagismo.
Outras informações incluem qualquer relação entre a dor e o uso de próteses,
hábitos parafuncionais e o uso de medicação que possam causar xerostomia.
Um exame físico intrabucal deve ser realizado com particular atenção para a
presença ou ausência de lesões tais como estomatite aftosa, herpes simples, eritema,
glossite, atrofia papilar lingual, edentação lingual, infecções por Candida albicans,
língua fissurada ou geográfica, líquen plano ou xerostomia.
A história médica do paciente deve incluir uma revisão das principais debilidades,
doenças sistêmicas e prescrições medicamentosas. No caso de exame físico intrabucal
normal, deve-se solicitar acompanhamento médico para avaliação de exames
laboratoriais como hemograma completo, TSH, T4 livre, glicemia em jejum, nível de
ferro, ferritina, transferrina, ácido fólico, níveis de vitamina B 1, B2, B6 e B12 e para
pacientes com diabetes mellitus controlada, exame da hemoglobina glicada.
Quando um quadro alérgico estiver sob suspeita de ser a causa da síndrome da
ardência bucal, testes de contato devem ser solicitados.
O histórico psicológico também é extremamente relevante e deve incluir questões
sobre ansiedade, depressão, cancerofobia e índice de estresse. Os pacientes que
apresentarem alterações psicológicas devem ser encaminhados ao psiquiatra que
pesquisará relação entre o aparecimento dos sintomas e fatos ocorridos na época, como
situação de estresse intensa, perda de ente querido, medo de câncer, etc.
Também deve haver avaliação do dentista para melhor conduta da conservação
dentária, prótese e aparelho dentário.
Para o diagnóstico diferencial, é importante lembrar, durante o exame, que as
dores referidas e as áreas de sensibilidade nos tecidos mucogengivais podem ocorrer
como resultado direto de outras fontes dolorosas profundas tais como odontalgias,
otalgias, sinusite, artralgia temporomandibular, dores miogênicas e dores
neurovasculares.
Assim, o ponto chave para o diagnóstico da síndrome da ardência bucal é o fato
da mucosa estar normal, não existindo lesões associadas com o sintoma de queimação.

TRATAMENTO
Apesar dos protocolos terapêuticos não estarem ainda totalmente determinados, a
partir da identificação da causa, o tratamento deve ser direcionado a cada paciente
especificamente. Dependendo das características envolvidas, outros profissionais devem
participar da condução do caso, sempre objetivando a melhor qualidade de vida do
paciente. Antes de determinar o tratamento, que pode ser prolongado e nem sempre
satisfatório, os pacientes devem ser esclarecidos sobre a natureza e as dificuldades de
obtenção de resultados, visto que os sintomas nem sempre desaparecem, embora
possam ser amenizados. A remissão espontânea ocorre com frequência muito baixa e
em uma minoria de pacientes. Contudo, é preciso que o paciente seja informado de que
se conhece a realidade de sua queixa, que esta não é imaginária, que o tratamento é
longo e sujeito a modificações de estratégia e, apesar do desconforto, não se trata de
doença maligna.
De acordo com estudos clínicos randomizados, os tratamentos são tópicos à base
de clonazepam (Rivotril®), sistêmicos com ácido -lipóico, inibidor seletivo da
recaptação da serotonina e amisulprida, e por meio de terapia comportamental
cognitiva. Outras possibilidades baseadas na opinião de especialistas e na prática
clínica, mas não ainda avaliadas, incluem os tratamentos tópicos à base de capsaicina, e
lidocaína.

Terapia tópica
Clonazepam (rivotril®)
Dissolver ¼ a 1 comprimido de 0,5 mg na boca com a saliva, sem deglutir, e
cuspir após 3 minutos até 4 vezes ao dia. Manter o tratamento por 10 dias após a última
sensação de ardência. A dose pode chegar a 3 mg (1 mg 3 vezes ao dia), de acordo com
a avaliação dos sintomas.
Capsaicina (moment®)
A capsaicina é um analgésico tópico indicado para nevralgias, artroses, artrite
reumatoide, neuropatia diabética e pruridos, que apesar de não totalmente estudada,
parece reduzir a sintomatologia de forma variável quando é aplicada diariamente de três
a quatro vezes sobre as áreas envolvidas pelo sintoma de ardência. A administração
desse extrato de pimenta reduz e /ou elimina o acúmulo de substância P e outros
neurotransmissores, e dessensibiliza os nociceptores do tipo C, aliviando a sensação de
queimação em aproximadamente 31,6% dos pacientes. O uso do creme de capsaicina
pode ter limitações quando usado na cavidade oral, devido às dificuldades inerentes à
aplicação, manutenção da medicação no local e a presença de sabor amargo da
capsaicina tópico. Tem as seguintes apresentações: Creme tópico a 0,025% e 0,075% e
loção tópica a 0,025%.
Colutórios orais (Flogoral®, Benfogin® Benzitrat®)
Colutórios orais com cloridrato de benzidamina (0,15%) ou colutórios orais
picantes, como o colutório à base de molho de tabasco ou com pimenta são alternativas
ainda estudadas, mas com algumas melhorias na sintomatologia da síndrome da
ardência bucal.

Terapias sistêmicas
Ácido -lipóico (Ácido Tióctico)

A administração de ácido -lipóico, apesar de não ser tão comum, também é


relatado na literatura. Considerando-se as características neuropáticas da síndrome da
ardência bucal, supõe-se que esse antioxidante aumente os níveis intracelulares de
glutationa e elimina os radicais livres liberados em situações de estresse, ou seja, atua
como um neuroprotetor. Com esse tratamento, há uma melhora sintomática significante
após 2 meses, quando comparado ao uso de placebo, havendo manutenção da ausência
de sintomatologia em mais de 70% dos pacientes após um ano de acompanhamento.
Iniciar com dose de 400 a 800 mg, 1 vez ao dia, durante 1 a 2 meses e reavaliar.
Orientar o paciente a retornar caso haja piora da dor neste período. O tratamento com
ácido -lipóico associado com acompanhamento psicológico ou gabapentina apresentou
melhores respostas. Concentração recomendada, por via oral é de 100 a 500mg por dia
(como antioxidante), dividido em duas ou três doses. Como hepatoprotetor a dosagem é
de 10 a 30mg ao dia.
Clonazepam (rivotril®)
O clonazepam (Rivotril®), um benzodiazepínico com ação antiepilética e
anticonvulsivante, age como depressor do sistema nervoso central, aumentando ou
facilitando a ação do GABA (ácido gama-aminobutírico), um potente neurotransmissor
do sistema nervoso central. O uso desse medicamento é contraindicado para pacientes
com insuficiência renal. A administração oral ou tópica de clonazepam (Rivotril®) leva
à diminuição ou até mesmo remissão da ardência e também possui potente efeito
atenuante da disgeusia e ressecamento bucal associados à ardência. Seu uso em
pacientes idosos não requer adaptação da posologia, recomendando-se as mesmas doses
do adulto (0,25 a 6,0 mg/dia, podendo variar entre 1,0 e 2,0 mg/ dia), a menos que
outras doenças estejam presentes concomitantemente. O uso sistêmico desse
medicamento reduz a sintomatologia em cerca de 70%.
Iniciar com 1 comprimido de 0,5 mg antes de dormir por 2 semanas. Se houver
melhora da ardência, manter por mais 2 semanas a mesma dosagem. Se não houver
melhora, aumentar a dose para 0,75 mg, 2 vezes ao dia, por mais 2 semanas. A dose
deve ser ajustada em 0,25 mg a cada semana de acordo com a sintomatologia do
paciente, até atingir a dose de 3 mg/dia. Quando houver melhora dos sintomas deve-se
tentar reduzir a dose gradativamente. Se ocorrerem efeitos colaterais indesejáveis, em
particular sonolência grave e/ ou tontura, deve-se reduzir a dose pela metade.
Suplementação vitamínica (Quelatus®, Pharmaton energy®)

A suplementação vitamínica e mineral pode ser prescrita para diminuir os déficits,


principalmente de sulfato ferroso, ferro dextrano, vitaminas B2, B6 e B12 e ácido fólico, e
o médico também pode usar terapia estrogênica se houver a suspeita de correlação da
síndrome da ardência bucal com mudanças hormonais menopáusicas. A dose
recomendada nas duas ou três semanas iniciais é de uma a duas cápsulas ao dia, uma
após o café da manhã e a outra após o almoço. Após o período inicial, passar para urna
cápsula ao dia após o café da manhã.
Amitriptilina (Tryptanol®, Amytril®),

Iniciar com 12,5 mg antes de dormir. Se não houver melhora ou apenas melhora
parcial, a dose pode ser aumentada semanalmente, podendo chegar a 50 mg/dia.
Aconselha-se a reavaliação semanal até a significativa melhora. Ao atingir o efeito
desejado é indicado a redução gradual da dose, buscando um equilíbrio entre dose e
efeito. Esta terapia pode ter resposta positiva em 6 semanas a 3 meses após o início do
medicamento.
Gabapentina (Neurontin®, Gabaneurin®)
Iniciar com dose de 300 mg/dia. Sugere-se reavaliação quinzenal a fim de
mensurar sintomas, até estabilizar queixa. Se não houver melhora, a dose deve ser
ajustada de acordo com a resposta obtida, podendo atingir dose máxima de 2.700 mg
dia. A gabapentina, em geral, é utilizada quando todas os outros medicamentos citados
acima fracassam em relação a melhora da sintomatologia. Este medicamento deve ser
prescrito em doses baixas e com precaução para pacientes com doenças pulmonares
obstrutivas crônicas, doença renal crônica, idosos ou uso concomitante de opioides ou
outros depressores do sistema nervoso central, devido ao risco de depressão respiratória
grave. Estudos mostram uma melhor resposta quando a gabapentina é associada ao
ácido -lipóico.

Pramipexol (Sifrol®, Sifrol ER®)

Iniciar com dose de 0,25 mg a 1 mg, 1 a 2 vezes ao dia. O uso desse medicamento
teve bons resultados, em alguns artigos de relato de casos clínicos, porém a qualidade
das evidências é baixa.

B Apresentações:
C Comprimidos: 0,125 mg, 0,25 mg e 1 mg.
C Comprimidos de liberação prolongada: 0,375 mg, 0,75 mg e 1,5 mg. (ER)

Tratamentos alternativos
Laserterapia e Psicoterapia
A terapia com laser de baixa potência é associada com redução da sintomatologia
para pacientes com síndrome da ardência bucal. O laser de baixa potência tem
propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e bioestimuladoras. A psicoterapia tem
mostrado bons resultados para síndrome da ardência bucal, principalmente quando
associada ao uso de medicamentos sistêmicos, como ácido -lipóico (ácido tióctico).

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