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GOVERNANÇA

CORPORATIVA

Jéfferson Augusto
Colombo
G721 Governança Corporativa [recurso eletrônico] / Giancarlo
Giacomelli... [et al.] ; [revisão técnica: Gisele Lozada]. –
Porto Alegre : SAGAH, 2017.

Editado também como livro impresso em 2017.


ISBN 978-85-9502-169-3

1. Governança. 2. Administração pública. I. Giacomelli,


Giancarlo.

CDU 336.773

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147


Fraudes contábeis
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Descrever o que são fraudes contábeis e seus efeitos no contexto da


governança corporativa.
„„ Definir a contabilidade criativa e a forma de coibir sua prática.
„„ Identificar o perfil dos fraudadores e suas formas de ação.

Introdução
Fraudes são um problema comum desde os primórdios da sociedade. Há
registros de fraudes realizadas já na antiga civilização egípcia, por volta
de 500 a.C. No mundo moderno, ações fraudulentas permanecem uma
ameaça constante, atingindo indistintamente todas as organizações:
públicas ou privadas, grandes ou pequenas, com ou sem fins lucrativos.
As fraudes contábeis, em especial, ganharam atenção em razão de es-
cândalos recentes, no Brasil e no mundo.
Neste capítulo, você vai entender o que são fraudes contábeis e quais
são as motivações por trás dessas ações. Você vai aprender o que é a
contabilidade criativa, que está em uma linha tênue que separa fraude e
aderência às normas contábeis. Por fim, você vai identificar as caracterís-
ticas dos fraudadores, sejam elas pessoais, profissionais ou relacionadas
à forma de ação.

O que são fraudes contábeis?


Ações de cunho fraudulento são comuns desde os primórdios da economia.
Assim que a sociedade evoluiu para um sistema de trocas de mercadorias, isto
é, que o comércio passou a ser atividade importante na vida econômica das
civilizações, abriu-se espaço para a atuação de trapaceiros que se dedicavam
a pôr em prática vários tipos de fraudes e armadilhas para enganar terceiros.
416 Fraudes contábeis

Conforme Parodi (2008), existem evidências de episódios de fraudes já na


antiga civilização egípcia (500 anos antes de Cristo). Fraudadores vendiam
gatos e outros animais sagrados embalsamados para serem utilizados em
cerimônias fúnebres, porém o conteúdo do produto entregue era outro: ra-
diografias sugerem que era comum não haver qualquer resquício de animais
no interior desses objetos mumificados. Na Idade Média, por volta de 1100
d.C., a invenção e a difusão de letras de câmbio e outros títulos de natureza
financeira abriram espaço para a era das fraudes documentais, tema que hoje
é de extrema relevância devido a diversos escândalos corporativos.
Nas modernas economias de mercado, nas quais é frequente a separação
entre propriedade e gestão, as demonstrações financeiras e contábeis são
fundamentais para a representação fidedigna da realidade patrimonial e fi-
nanceira das empresas. No entanto, como já visto em diversos episódios de
fraudes, tais informações divulgadas ao mercado podem não representar a
real posição da empresa naquele momento, mas um retrato distorcido que visa
melhorar a percepção dos agentes de mercado em relação àquela empresa.
Este é um dos motivos cruciais para estudarmos governança corporativa:
criar uma rede de incentivos, por meio dos agentes e órgãos de governança,
para que a chance de ocorrência de fraudes contábeis seja a menor possível.
Por isso, é imprescindível entender o que significa fraude contábil e identificar
o perfil de quem atua de maneira fraudulenta nas organizações, sejam elas
públicas ou privadas.
Então, afinal, o que são fraudes contábeis? O termo fraude é derivado do
latim fraus, que significa engano, má-fé, logro, dolo, burla. Segundo o Inves-
topedia (NICKOLAS, 2015) fraude contábil “é a manipulação intencional
das demonstrações financeiras para criar uma ‘fachada’ da saúde finan-
ceira de uma empresa”. Trata-se de uma forma de ludibriar diversos agentes
do mercado, como acionistas, credores, analistas e potenciais investidores.
Costumeiramente, uma empresa falsifica suas demonstrações financeiras
exagerando suas receitas ou ativos, podendo também não registrar parte das
despesas e subavaliar os passivos.
É importante não confundir os conceitos de fraude contábil e erro contábil.
O Conselho Federal de Contabilidade (CFC), por meio da NBC T11 – IT – 3,
assim os define:
Fraudes contábeis 417

Fraude contábil: é um ato intencional de omissão ou manipulação de transações,


adulteração de documentos, registros e demonstrações contábeis. Fraudes
podem decorrer de manipulação, falsificação ou alteração de registros ou
documentos, de modo a modificar os registros de ativos, passivos e resulta-
dos; apropriação indébita de ativos; supressão ou omissão de transações nos
registros contábeis; registro de transações sem comprovação; e aplicação de
práticas contábeis indevidas.
Erro contábil: é um ato não intencional na elaboração de registros e demonstra-
ções contábeis, que resulte em incorreções. São exemplos de erros contábeis:
erros aritméticos na escrituração contábil ou nas demonstrações contábeis;
aplicação incorreta das normas contábeis; interpretação errada das variações
patrimoniais. (CONSELHO..., 1999.)

Portanto, o aspecto crucial para diferenciar fraude de erro contábil é a


intencionalidade do agente. Se o agente agiu de má-fé, caracteriza-se a fraude;
se agiu de boa-fé, eventuais erros não são caracterizados como fraude, mas
sim como erro contábil. De forma geral, todas as organizações estão sujeitas
tanto ao erro quanto à fraude, sendo de responsabilidade da empresa definir e
implementar um sistema de governança corporativa eficaz. Este deve resultar
em ações estratégicas e continuadas de cunho preventivo, fortalecendo os
controles internos da empresa e definindo bem os papéis de cada agente de
governança no combate e prevenção a fraudes.
No que tange às fraudes de uma forma geral, Dilla et al. (2013) elenca quatro
dimensões principais que estão na origem desse tipo de evento: motivação,
oportunidade, capacidade e racionalidade. Esses quatro fatores, explicitados
na Figura 1, retratam aspectos relacionados ao fraudador e também à vítima
da fraude (uma empresa, por exemplo). Questões relacionadas à motivação
podem ser tanto monetárias (p. ex: ganhos monetários em função dos resul-
tados) quanto não monetárias (p. ex: pressão por resultados). Para agirem, os
fraudadores se aproveitam do ambiente na qual a firma está inserida, ainda
mais se os controles internos forem inadequados (fator oportunidade). A
ação fraudulenta presume também que o agente fraudador tenha capacidade
para executá-la (habilidade e conhecimento técnico para agir sem levantar
suspeitas). Finalmente, a crença de que a violação de regras é uma conduta
aceitável (aspecto ligado à racionalidade por trás dessas ações) também promove
o engajamento de pessoas em atividades fraudulentas.
418 Fraudes contábeis

Oportunidade
• Fatores relacionados ao ambiente
• Características da vítima

Capacidade
Motivação • Conhecimento sobre
• Pressão por resultados governança corporativa/
• Ganhos monetários instituições econômicas
• Atingimento de metas • Habilidade para manipular
• Manipulação terceiros
• Conhecimento técnico
para roubar identidade
de vítimas ou explorar
Racionalidade fragilidades de software
• Crença de que a violação de
regras é conduta aceitável
• Desdenho ou desprezo
por terceiros

Figura 1. O “diamante da fraude” e suas quatro dimensões.


Fonte: adaptada de Dilla et al. (2013, p. 54).

Outro aspecto importante sobre fraudes – em especial a contábil – é que


ela ocorre em qualquer lugar do mundo e em qualquer tipo de organização:
públicas ou privadas; pequenas, médias ou grandes; sociedades anônimas ou
sociedades limitadas; de controle nacional ou estrangeiro; com ou sem fins
lucrativos. Enfim, o escopo dos estudos sobre fraudes contábeis é enorme.
A preocupação com esse assunto foi reforçada nas últimas décadas devido à
ocorrência de dois episódios marcantes: os casos da Enron – gigante americana
do setor de energia e commodities – e da WorldCom – segunda maior com-
panhia de telefonia de longa distância dos Estados Unidos –, que expuseram
falhas graves no sistema de governança das empresas. Esses dois episódios
corporativos envolvendo fraudes em demonstrações financeiras e contábeis,
datados do início dos anos 2000, provocaram uma demanda crescente por
demonstrações financeiras cada vez mais transparentes, que pudessem refletir
de maneira realística a situação econômico-financeira do negócio, bem como
seus diferentes riscos e oportunidades.
Mais recentemente, tivemos no Brasil dois casos de fraudes contábeis
também emblemáticos – o do Banco Santos e o do Banco Panamericano. No
Banco Santos, os procedimentos ilícitos praticados pelo ex-dono do banco
e seus então administradores, objetos de denúncia pelo Ministério Público
Federal (MPF), tiveram seu enquadramento na Lei 7.492 de crimes contra o
Fraudes contábeis 419

sistema financeiro e na Lei 9.613 de lavagem de dinheiro, entre outros. O rombo


no banco foi estimado em 2,9 bilhões de reais. Já no Banco Panamericano,
o MPF denunciou 14 ex-diretores e três ex-funcionários por crimes contra o
sistema financeiro nacional. O Banco Central identificou que a instituição
mantinha em seu balanço como ativos carteiras de crédito que haviam sido
vendidas a outros bancos.

No link a seguir, você pode conferir uma reportagem da Revista Veja sobre o caso
do Banco Santos.

https://goo.gl/LXp5d4

Já neste link, uma reportagem do jornal O Globo mostra detalhes da investigação da


fraude do Banco Panamericano (BRESCIANI, 2017).

https://goo.gl/uu23Ct

Um último ponto para ser discutido nesta seção: afinal, é só a empresa alvo
da fraude contábil que sofre perdas diante de um episódio dessa natureza?
A resposta é não. Do ponto de vista macroeconômico, além de prejudicar
sócios (muitas vezes minoritários), colaboradores, clientes e toda a cadeia
de fornecedores da empresa onde a fraude é executada, as ações de cunho
fraudulento geram efeitos adversos sobre a confiança dos agentes, e por isso
têm efeitos sobre o mercado como um todo. Quando ocorre um escândalo de
fraude contábil, os agentes tornam-se mais reticentes em investir não apenas
naquela empresa, mas também em outras entidades dentro daquele país – seja
porque a fraude gera desconfiança sobre os serviços das empresas de auditoria
independente, seja porque o episódio fraudulento pode acarretar em prejuízos
também para outras empresas (contágio). De encontro a essa ideia, Silveira
(2015) argumenta que a adoção de boas práticas de governança corporativa
no ambiente empresarial traz benefícios em níveis micro e macroeconômico.
Neste, destaca-se a diminuição nos riscos de fraudes contábeis e de ocorrên-
cia de crises financeiras sistêmicas, que se traduzem em grandes prejuízos
econômicos e sociais.
420 Fraudes contábeis

A empresa de auditoria externa KPMG foi condenada a ressarcir as perdas de um


investidor do BVA S.A., instituição que sofreu intervenção em 2012 e entrou em processo
de falência em 2014. Na condenação de 1ª instância – e, portanto, passível de reversão
–, datada de março de 2015, o juiz responsável pelo caso acatou a tese de que o parecer
sem ressalva emitido pela empresa de auditoria sobre as demonstrações contábeis do
Banco BVA teria sido determinante para as aplicações de investidores em Certificados
de Depósito de Recebíveis (CDBs) do banco BVA.

Contabilidade criativa: uma linha tênue entre a


fraude e a norma contábil
Uma corrente de estudos particularmente importante no que se refere ao
tema fraudes contábeis é a contabilidade criativa (earnings management),
definida como “um conjunto de técnicas e práticas realizadas por parte de um
gestor com a finalidade de manipular e obter um nível de resultados (lucros
ou prejuízos) desejado” (SANTOS; GRATERON, 2003). É importante dife-
renciar o termo contabilidade criativa de fraudes contábeis: enquanto este é
juridicamente um crime, a contabilidade criativa é uma prática juridicamente
legal que aproveita as ambiguidades existentes na legislação para manipular
as informações contidas nas demonstrações contábeis da entidade (SOUZA
et al., 2015). É objetivo da contabilidade criativa, portanto, se aproveitar de
áreas cinzentas da legislação para gerar informações financeiras que atinjam
um determinado nível de performance estabelecido pelos gestores.

Há uma linha tênue que separa a contabilidade criativa da fraude contábil. O enten-
dimento sobre as normas e as lacunas existentes na legislação, que abrem margem
para a contabilidade criativa, possui um componente subjetivo inerente.
Fraudes contábeis 421

Quanto às causas, Crepaldi (2011) apud Nascimento et al. (2017) elenca


como fatores que favorecem a prática da contabilidade criativa as questões
éticas e também a pressão que existe no mercado para a apresentação de re-
sultados financeiros positivos, o que é frequentemente um dos aspectos mais
importantes na avaliação de performance na diretoria executiva (resultados
de curto prazo). Outro aspecto importante ligado ao exercício da criatividade
contábil é, segundo Santos e Grateron (2003), a impunidade, em todos os
sentidos (jurídico, social, mercantil, etc.). As origens e as características da
contabilidade criativa podem ser resumidas em aspectos ligados aos princí-
pios e normas contábeis e também ao comportamento humano e social. Essa
distinção é exposta no Quadro 1.

Quadro 1. Origens e características da contabilidade criativa.

Do comportamento
Dos princípios e normas contábeis humano e social

Existência de múltiplas estimativas Valores éticos e culturais

Flexibilidade, arbitrariedade e Atitude do administrador


subjetividade na aplicação das normas diante da fraude

Diferentes, porém válidas, interpretações


dos princípios e normas contábeis

Conceito base de imagem fidedigna


pouco clara ou indeterminada

Cuidados da administração na aplicação de


princípios como prudência, confrontação
de receitas e despesas, e uniformidade

Fonte: Nascimento et al. (2017, p. 4).


422 Fraudes contábeis

A contabilidade criativa é um tema importante também no contexto da administração


pública. O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão responsável por julgar as contas
do governo, rejeitou por unanimidade as contas da gestão da ex-presidente Dilma
Rousseff, por dois anos consecutivos (2014 e 2015). No que tange às contas de 2015,
o TCU apontou 12 quesitos, incluindo irregularidades nos repasses do Tesouro aos
bancos públicos – popularmente conhecidas como “pedaladas fiscais” – e aumento
de gastos por decreto, sem autorização do Poder Legislativo.

Do ponto de vista da teoria de agência, a forma com que ocorre a re-


muneração da diretoria é um dos aspectos mais importantes relacionados à
contabilidade criativa: se os planos de benefícios (salários, pagamento em ações,
opções de ações) dos dirigentes estão atrelados aos resultados financeiros de
curto prazo, gera-se um incentivo para que eles se engajem em atividades
relacionadas à contabilidade criativa. Por outro lado, na ausência de políticas
de remuneração que induzam o esforço máximo por parte dos dirigentes
(pagamento em ações da própria empresa em vez de salário, por exemplo), é
provável que os diretores executivos não se sintam suficientemente motivados
para dar o máximo no comando da empresa. Esse “dilema” sugere que exista
um intervalo no qual a política de remuneração de curto prazo dos diretores
executivos crie os incentivos necessários do ponto de vista do esforço, sem, no
entanto, aumentar significativamente os incentivos para que eles se engajem
em atividades de cunho fraudulento para gerar resultados melhores.
Por isso, a remuneração da diretoria é um importante mecanismo interno de
governança corporativa que busca coibir o engajamento de gestores em práticas
fraudulentas, com destaque para a contabilidade criativa. Conforme o Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa (2016), a remuneração “deve servir
como uma ferramenta efetiva de atração, motivação e retenção dos diretores
e proporcionar o alinhamento de seus interesses com os da organização”. A
partir desse fundamento, o IBGC (INSTITUTO..., 2016, p. 75-77) estabelece
as seguintes recomendações práticas:

a) A remuneração da diretoria deve estar vinculada a resultados, com metas de


curto e longo prazos relacionadas de forma clara e objetiva à geração de valor
econômico para a organização. A remuneração deve ser justa e compatível
com as funções e os riscos inerentes a cada cargo e devidamente contabilizada.
Fraudes contábeis 423

b) As organizações devem ter um procedimento formal e transparente de


aprovação de suas políticas de remuneração aos diretores, incluindo eventuais
benefícios e incentivos de longo prazo pagas em ações ou nela referenciados.
As metas e as premissas de eventual remuneração variável devem ser men-
suráveis e auditáveis.
c) Na criação da política de remuneração, o conselho de administração, por
meio do comitê de remuneração ou de pessoas, se houver, deve considerar os
custos e os riscos envolvidos nesses programas, inclusive ocasional diluição
de participação acionária dos sócios, no caso de adoção de benefícios de
longo prazo pagos em ações.
d) A política de remuneração não deve estimular ações que induzam os dire-
tores a adotar medidas de curto prazo sem sustentação ou que, ainda, prejudi-
quem a organização no longo prazo. Deve-se evitar o caráter imediatista das
metas relacionadas à remuneração variável ou, ainda, a criação de desafios
intangíveis ou inconsistentes, que induzam a diretoria a expor a organização
a riscos extremos ou desnecessários.
e) A estrutura de incentivos deve incluir um sistema de freios e contrapesos,
que indique os limites de atuação dos envolvidos e evite que uma mesma
pessoa controle o processo decisório e sua respectiva fiscalização. Ninguém
deve estar envolvido em qualquer deliberação sobre sua própria remuneração.
O diretor-presidente deve encaminhar para aprovação do conselho a proposta
de remuneração da diretoria.
f) O conselho deve submeter sua proposta dos valores e da política de remu-
neração da diretoria à aprovação da assembleia geral.
g) A remuneração anual dos administradores deve ser divulgada individu-
almente. Caso não o seja, deve ser divulgada agregada por órgão social ou
comitê (ex.: conselho de administração, diretoria, conselho fiscal e comitês
de assessoramento), com indicação da remuneração máxima, mínima e da
média recebida pelos membros do órgão social. Ambas as formas de divulgação
devem destacar, separadamente, a remuneração recebida por administradores
que sejam sócios controladores ou por pessoas a elas vinculadas.
h) A divulgação da remuneração deve discriminar, também, todo tipo de
remuneração, fixa ou variável, e benefícios. Mantendo reserva sobre os pontos
sensíveis para a concorrência, devem ser divulgadas e explicadas as políticas
de remuneração e de benefícios dos administradores, incluindo os eventuais
de longo prazo e, quando existentes, as regras de bônus de retenção, de saída
e/ou de não competição. Da mesma forma, devem ser divulgados valores
relativos a eventuais negócios entre a organização, sociedade controlada ou
coligada e a empresa controlada por executivos.

Além do papel específico da remuneração da diretoria, existem alguns


órgãos de governança cuja função é justamente coibir fraudes e práticas de
gerenciamento de resultados. Em síntese, as funções desses órgãos e sua relação
com as demonstrações contábeis e financeiras podem assim ser definidas
(ANDRADE; ROSSETTI, 2015, p. 258):
424 Fraudes contábeis

„„ Auditoria interna: é o órgão responsável por implantar sistemas de


controle e de auditoria, abrangendo todos os processos, práticas e roti-
nas internas. Além disso, deve zelar para que os relatórios contábeis e
financeiros sejam aderentes às leis e regulamentos aplicáveis e também
sejam confiáveis, abrangentes e oportunos.
„„ Auditoria independente: suas funções incluem verificar a conformi-
dade no cumprimento de disposições legais; auditar as demonstrações
financeiras; e verificar se as demonstrações de resultado refletem
adequadamente a realidade da sociedade.
„„ Comitê de auditoria: além de supervisionar a elaboração dos relatórios
financeiros, compete ao comitê de auditoria acompanhar e avaliar o
ambiente de controle (auditoria interna e externa), e também identificar,
analisar e avaliar os riscos relevantes da companhia.
„„ Conselho fiscal: é o órgão que tem como incumbências fiscalizar os atos
dos administradores, opinar sobre o relatório anual da administração,
analisar e emitir opinião sobre demonstrações financeiras, acompanhar
o trabalho dos auditores independentes e denunciar irregularidades e
fraudes.

O Committee of Sponsoring Organizations of the Tradeway Comission (COSO) é uma


das principais referências sobre controles internos, gerenciamento de riscos e detecção
de fraudes no ambiente corporativo. Em setembro de 2017, o COSO divulgou uma
atualização do documento Enterprise Risk Management – Integrated Framework, elaborado
originalmente em 2004 e que sintetiza um conjunto de práticas integradas para a
gestão de riscos nas organizações. Para mais informações sobre esse documento e
também sobre outras orientações do COSO (COMMITTEE..., 2017), acesse o link a seguir.

http://www.coso.org/ic.htm
Fraudes contábeis 425

Afinal, quem são os fraudadores e o que eles


perseguem?
Uma das lacunas que propicia a atuação fraudulenta nas empresas é a defi-
ciência nos controles internos. No entanto, sabe-se que, mesmo quando os
controles são efetivos, os fraudadores podem burlá-los. Por isso, uma das
formas de coibir ações fraudulentas é entender o perfil de quem se engaja
nesse tipo de atividade escusa. Entender o perfil, seja pessoal, profissional
ou relacionado à forma de ação, é importante para as organizações traçarem
estratégias preventivas.
Nesse sentido, uma pesquisa recente realizada pela consultoria KPMG,
denominada Perfil global do fraudador (KPMG, 2016), traz informações
relevantes para entendermos quem são os agentes engajados em atividades
fraudulentas. Os resultados decorrem da aplicação de um questionário deta-
lhado aos funcionários da empresa, de março de 2013 a agosto de 2015, sobre
aproximadamente 750 fraudadores. A cobertura dessa pesquisa é mundial, ou
seja, envolve entrevistados de diversos países.
Os resultados dessa pesquisa mostram que deficiências nos controles in-
ternos contribuíram para a ocorrência de fraudes em cerca de 60% dos casos
analisados. Mesmo diante de controles efetivos, portanto, os fraudadores
encontram meios para ludibriá-los (40% das ocorrências). A seguir são listadas
as principais características de quem comete ação fraudulenta, segundo os
dados da pesquisa.

„„ Forma de agir: um episódio de fraude contábil tem duas vezes mais


chances de ser praticado em grupos do que em iniciativas solitárias. A
pesquisa da KPMG identifica que isso se deve, em parte, ao fato de que
os fraudadores precisam compactuar com outros para poder burlar os
mecanismos de controle. A pesquisa mostra também que grupos maiores
(cinco ou mais pessoas) tendem a prejudicar mais, financeiramente, do
que grupos pequenos ou fraudadores isolados.
„„ Idade: 68% dos autores estão na faixa etária entre 36 e 55 anos, percen-
tual similar ao da pesquisa divulgada em 2013. A maior concentração
em uma faixa etária ocorre entre os fraudadores do gênero feminino,
em que 45% se enquadram no grupo da faixa etária entre 36 e 45 anos.
„„ Gênero: do ponto de vista do gênero, aproximadamente 79% dos frau-
dadores são homens, 17% são mulheres, e em 4% dos casos não há
informação quanto ao gênero. Apesar de ser menor do que a de homens,
a proporção de mulheres tem subido desde 2010, ano da primeira edição
426 Fraudes contábeis

da pesquisa (a segunda edição foi em 2013). Há também diferença na


posição dentro da empresa: fraudadores homens tendem a ter posições
mais sênior do que as fraudadoras mulheres nas organizações. Contudo,
esse resultado possivelmente se dá pelo fato de que as mulheres ocupam,
em média, menos cargos de alto escalão nas empresas do que os homens.
„„ Características profissionais: 61% dos indivíduos que agem em conluio
dentro de um grupo fraudador ou não são empregados da empresa, ou são
empregados que trabalham com profissionais que não são empregados
da empresa, incluindo ex-empregados. Isso reforça a necessidade de
uma maior due diligence de terceiros referentes a esses profissionais
na condição de fornecedores e clientes.
„„ Cargo corporativo: 34% dos fraudadores são executivos ou diretores
não executivos; 32% são gerentes e 20% são membros do corpo funcional
da empresa. Com relação à pesquisa anterior (2013), a proporção de
executivos ou diretores não executivos manteve-se estável; aumenta-
ram as proporções de gerentes (antes, 25%) e de demais membros da
empresa (antes, 16%).
„„ Tecnologia: a tecnologia auxilia tanto o fraudador quanto a empresa
objeto da fraude. Porém, ela é relativamente pouco explorada para
prevenir, detectar e responder a fraudes. Do ponto de vista de quem
combate a fraude (empresa-alvo), apenas 3% das empresas da amostra
utilizaram data analytics – ferramentas que podem examinar milhões
de transações, buscando itens suspeitos. Já os fraudadores utilizaram
a tecnologia a seu favor em quase 25% dos casos.

Esses aspectos sugerem que fraudes no ambiente corporativo são de difícil


detecção e prevenção e acontecem das mais diversas formas, mas que algu-
mas práticas de combate a essas iniciativas podem ajudar as organizações. A
tecnologia pode ser uma arma cada vez mais valiosa para identificar e coibir
fraudes – o uso da ciência de dados para monitorar ameaças e identificar
inconsistências internas pode ser de grande auxílio, e há muito espaço para
melhorias, especialmente no Brasil. Esses avanços devem ser implementados
e observados dentro de um sistema maior, que englobe o gerenciamento de
todos os riscos corporativos – operacionais, de mercado, etc. – e que exija
avaliações e atualizações contínuas. São esses avanços nos sistemas de contro-
les internos que podem reduzir significativamente a ocorrência de fraudes no
ambiente corporativo, melhorando a relação entre as empresas e a sociedade
e catalisando o desenvolvimento econômico.
Fraudes contábeis 427

1. Fraudes contábeis são manipulações realidade da sociedade. Assinale a


intencionais das demonstrações alternativa que se refere ao órgão
financeiras para criar uma ilusão de governança em questão.
sobre a saúde financeira de uma a) Assembleia geral.
entidade. Quanto a seus impactos, b) Conselho de administração.
avalie a alternativa correta. c) Auditoria independente.
a) Afeta a empresa que é d) Direção executiva.
objeto de fraude, apenas. e) Comitês de remuneração.
b) Afeta a empresa que realizou a 4. Sobre contabilidade criativa,
auditoria independente, apenas. assinale a alternativa correta.
c) Afeta o mercado como um todo. a) Trata-se de um conjunto de
d) Afeta o conselho fiscal técnicas e práticas realizadas
da empresa, apenas. por parte de um gestor com
e) Afeta a empresa que é objeto de a finalidade de manipular e
fraude e a empresa que realizou obter um nível de resultados
a auditoria independente. (lucros ou prejuízos) desejado.
2. Segundo o Conselho Federal b) Trata-se de um sinônimo
de Contabilidade (CFC), o que de fraude contábil.
diferencia fraude contábil de erro c) Trata-se de erro contábil do
contábil é que o primeiro é de tipo involuntário, já que trata de
natureza ______, enquanto o alteração dos demonstrativos
segundo ocorre de forma ______. financeiros e contábeis.
Interpretar equivocadamente d) Trata-se de um erro contábil
as variações patrimoniais é do tipo voluntário, uma vez
exemplo de ______ contábil. que a ação é premeditada.
a) Voluntária; involuntária; fraude. e) Trata-se de uma reclassificação
b) Involuntária; voluntária; erro. financeira, cujo impacto
c) Involuntária; voluntária; fraude. em termos de resultado
d) Voluntária; involuntária; erro. financeiro é nulo.
e) Voluntária; involuntária; 5. A pesquisa “Perfil global do
criatividade. fraudador” (KPMG, 2016) fornece
3. Alguns órgãos no processo de um retrato do perfil de quem
governança corporativa nas comete fraudes. Aproximadamente
organizações têm papel importante 68% dos agentes fraudadores
na prevenção de fraudes contábeis relatados no levantamento estão
e práticas de contabilidade criativa na faixa etária entre _____.
visando à manipulação dos dados Quanto ao cargo executivo, há
financeiros. Um deles, em especial, maior prevalência de _____. Os
tem como prerrogativa verificar fraudadores costumam agir _____.
se as demonstrações do resultado a) 36 e 55 anos; executivos ou
refletem adequadamente a diretores não executivos;
428 Fraudes contábeis

de forma solitária. d) 19 e 39 anos; gerentes;


b) 19 e 39 anos; executivos de forma solitária.
ou diretores não e) 36 e 55 anos; executivos
executivos; em grupo. ou diretores não
c) 36 e 55 anos; gerentes; em grupo. executivos; em grupo.

ANDRADE, A; ROSSETTI, J. Governança corporativa: fundamentos, desenvolvimento


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Leitura recomendada
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pdf/2016/12/br-estudo-governanca-corporativa-2016-2017-11a-edicao-final.pdf>.
Acesso em: 30 ago. 2017.
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esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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