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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO

JHONNATA DOS SANTOS NOGUEIRA DA CONCEIÇÃO

DAS VIDAS TRANS AO DISCURSO: AS


CONFIGURAÇÕES DA PRODUÇÃO DO SENTIDO
TRANSFÓBICO

Seropédica
1°SEMESTRE/2021
SUMÁRIO
DAS VIDAS TRANS AO DISCURSO: AS CONFIGURAÇÕES DA PRODUÇÃO DO SENTIDO TRANSFÓBICO ........ 1
1. PRIMEIRAS PALAVRAS ........................................................................................................................... 2
2. APORTE TEÓRICO .................................................................................................................................. 3
2.1 Análise do Discurso Francesa ............................................................................................................. 3
2.2 Identidade de gênero e o corpo transexual ................................................................................... 3
2.3 Brevemente sobre alguns conceitos .............................................................................................. 4
3. METODOLOGIA ...................................................................................................................................... 5
3.1 Natureza dos dados ............................................................................................................................ 5
3.2 Aspectos metodológicos ...................................................................................................................... 6
3.3 Os dados .............................................................................................................................................. 6
4. CRONOGRAMA ...................................................................................................................................... 6
5. REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 7

1. PRIMEIRAS PALAVRAS

Os indíviduos são interpelados pelo discurso e por esse fazem-se sujeitos na sociedade.
Para o desenvolvimento deste trabalho entendemos a sociedade como heterocentrada, ou seja, em
que os sujeitos na condição de produção ampla de heterossexuais produzem sentidos previlegiados
sobre os comportamentos, os padrões e as normas da transgeneridade.
Esse fato é exemplificado pelos dados disponibilizados pela Associação Internacional de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (Ilga), a qual constata que o Brasil é o país que mais
mata travestis, mulheres transexuais e homens trans no mundo 1. Também, segundo a Articulação
Nacional de Travestis e Transexuais ( Antra)2, com dados extraídos em 2020, o Brasil continua
em primeiro lugar em assassinato de pessoas trans.
Nesse contexto torna-se inegável que mulheres e homens trans são alvos de violência. O
interesse deste trabalho está delimitado ao campus socio-histórico do discurso, portanto a
proposta é investigar as regularidades constituintes de uma formação discursiva transfóbica a
partir de enunciados comumente proferidos contra pessoas transgeneras.
Para isso nos serviremos, inicialmente, dos pressupostos da Análise do Discurso francesa
inaugurada por Michel Pêcheux e difundida no Brasil por Eni P. Orlandi, da qual trabalharemos,
inicialmente, com os conceitos de formação discursiva, condição de produção e interdiscurso
também com as contribuições de Danilo da C. P. Silva sobre violência linguística e com os
estudos de Berenice Bento (2006, 2014) e de Guaracira Lopes Louro (2000,2004) acerca do corpo
trans e identidade de gênero, que estão explicitados na fundamentação teórica.

1
Disponível em: https://mpabrasil.org.br/artigos/parem-de-nos-matar-o-brasil-e-o-pais-que-mais-mata-lgbts-na-
america-latin,, acesso dia 11/03/2021 as 16h01 min.
2
Disponível em: https://antrabrasil.org/assassinatos/ , acesso dia 11/03/2021 as 16h30min.
Em relação aos dados, partiremos de um corpus piloto composto por dezessete enunciados
extraídos de três matérias virtuais, em que essas sintetizam frases transfóbicas, como está
explicado no tópico de metodologia. Tratará-se de uma pesquisa bibliográfica de cunho
interpretativo e qualititativo.
Por meio de uma análise prévia dos dados, destacamos como hipótese principal que o
discurso transfóbico surge como um mecanismo ideológico regulador da (re) configuração dos
sentidos da dicotomia gênero/ corpo, tal apontamento é norteado por questionamentos como: É o
corpo transexual que define o gênero sexual ou é o gênero sexual que define o corpo transexual?;
A transfobia nasce a partir de uma perspectiva conservadora de gênero (homem/mulher) ou o
conceito de gênero que é conservador?; Existe uma produção compulsória de sentidos sobre o
corpo transgenero, por uma lente cisgenera binária?
Este projeto de pesquisa torna-se relevante enquanto ocorrerem ataques discursivos as
pessoas transgêneras, sejam no campo virtual ou experencial da realidade, bem como é pertinente
para os estudos linguísticos, educacionais e antropológicos da Teoria Queer, contribuindo como
respaldo teórico para debates sobre a violência de gênero trans, nas áreas jurídicas, legislativas e
principalmente educacionais, visto que por meio de uma pesquisa exploratória, percebemos que
ainda há pouco material produzido sobre tal temática.

2. APORTE TEÓRICO

2.1 Análise do Discurso Francesa

Concebe-se a Análise do Discurso de linha francesa (AD) como um modelo


metodológico que surgiu na década de 60, associadas a uma tradicional prática escolar
francesa: a explicação de textos. Trata-se, portanto, de uma metodologia que, privilegiando a
interdisciplinaridade, articula pressupostos teóricos da linguística, do materialismo histórico e
da psicanálise.
Esses pressupostos abarcam conceitos fundamentais como o de formação social, o de
língua e o de discurso, estando todos eles atravessados por uma teoria da subjetividade de
natureza psicanalítica. Não obstante, a noção de história está estreitamente ligada à de social,
tendo sido deslocada ao conceito de condições de produção (CP) proposto por Pêcheux
(1969): a fim de evitar associações psicossociológicas, que transformariam em simples
circunstâncias as determinações históricas do acontecimento discursivo. Propôs-se, então,
aliar a noção de CP à análise histórica das contradições ideológicas presentes na materialidade
dos discursos, articulando-as às formações discursivas.
2.2 Identidade de gênero e o corpo transexual

Entendemos gênero sexual como uma construção social, intimamente, ligada às


ideologias dominantes de uma sociedade heterocentrada, e por essa, comumente determinada
como o masculino e o feminino. Para Bento, Xavier e Sarat (2020, p. 6) “associa-se gênero a
genital e espera-se que haja uma perfeita simetria entre sexo biólogico, gênero e orientação sexual,
considerada como uma ‘verdade universal’ ou ‘ verdade biológica’”. A margem desse
pensamento estão os individuos que não seguem essa lógica, que são as identidades transexuais e
não-binárias3. A transgeneridade é postulada por individuos que não se identifica com o orgão
genital do seu nascimento, tal postulação está fundada num imaginário de ordem que a genital
define o gênero, dessa forma nascer com um pênis enquadra o indivíduo ao gênero masculino e
com uma vagina ao gênero feminino, que também é o princípio da cisnormatividade, ou seja, para
Jesus (2012, p. 14) “a palavra cisgêneros se define como um termo “guarda-chuva”, abrangendo as
pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi determinado no seu nascimento”.
Identidade de gênero e orientação sexual são conceitos diferentes, não podendo ser
confundido, pois o primeiro trata-se de gênero e o segundo refere-se, aos enquadres das
sexualidades. Tendo em mente que o discurso médico-biólogico é um aparato ideólogico
definidor da naturalidade, portanto o ato transgressor da transgeneridade pauta-se no rompimento
do natural. Com isso, a condição de produção proposta pelo discurso médico-científico foi uma
resposta reguladora para essa construção identitária tida como “antinatural”, projetando sentidos
que , segundo Silva ( 2019, p.958),
a mesma sociedade que produz o adoecimento (quando não a morte) das pessoas
trans elabora para estas um discurso de patologização das suas perfomances
identitárias, tomadas em si mesmas como adoecidas face à sua inconformidade
com o modelo supostamente natural homem/ mulher. Disso decorre a retirada de
sua autonomia sobre suas vidas, uma vez que “doentes de gênero” passam a ter
suas existências tuteladas através de uma série de dispositivos engajados nessa
tarefa.
Nessa linha de pensamento, a normalidade é repressora de individualidades, também,
reguladora das perfomances dos sujeitos e, consequentemente, das projeções de posições-sujeitos
do discurso. Com isso, para análise dos dados entendemos que as projeções do sujeito que produz
sentido, está respaldada primariamente numa formação discursiva médico-biólogica, firmada por
uma ideologia reguladora da normalidade de gênero.
2.3 Brevemente sobre alguns conceitos

Segundo Orlandi (2001), um dos fatores que integram a produção do discurso é a


memória, que, ao ser acionada, faz valer as condições de produção. Estas podem ser consideradas
em sentido estrito (contexto imediato) ou amplo (contexto sócio-histórico), e “ambos os processos
são resultado do trabalho da língua sobre a língua, trabalho esse que não tem sua origem no
sujeito, mas que se realiza nele (Mariani, 1997, p. 38), fazendo com que haja a ilusão do sujeito de
se considerar fonte primeira dos sentidos de enunciados por ele proferidos, além da impressão de

3
Neste trabalho atento das identidades transexuais, mas não deixo de assinalar a existência das não-binárias.
realidade que possui sobre aquilo que diz, desconsiderando outras possíveis formas de dizer
(Pêcheux, 2009).
A memória, ao relacionar-se com o discurso, é tratada como interdiscurso que, segundo
Pêcheux (2009), consiste no já dito, aquilo que fala sempre antes, possibilitando, então, “dizeres
que afetam o modo como o sujeito significa em uma situação discursiva dada” (Orlandi, 2001, p.
31). Ou seja, não há discurso que não se relacione com outros discursos. Segundo Orlandi (idem),
É o que chamamos memória discursiva: o saber discursivo que torna possível todo dizer e que
retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada
tomada da palavra. O sujeito do discurso é caracterizado por projeções. Ele não tem lugar, mas
sim posições (Orlandi, 2001, p. 40), e elas são produzidas pelas formações imaginárias, estas
sendo criadas e significadas a partir da memória em relação ao contexto sócio-histórico – relações
de poder.
Um trabalhador pode, por exemplo, assumir discursivamente a posição do patrão, bem
como um indivíduo oprimido pode assumir a de seu opressor. Há dentro disso, também, a
possibilidade de antecipação, que consiste na criação de imagens acerca da posição assumida por
determinado sujeito, permitindo com que se fale de forma a atingir possíveis objetivos. Assim
como os sujeitos podem assumir posições diversas, as palavras podem ter significados distintos,
dependendo da ideologia à qual o enunciador está interpelado. O termo “viado” pode ser
pejorativo, quando proferido por homofóbicos, ou funcionar como tratamento carinhoso entre
amigos. Trata-se da formação discursiva, que, segundo Orlandi (2001, p. 43) é a materialização da
ideologia, ou seja, onde a ideologia produz seus efeitos, determinando o que pode ou não ser dito,
além dos sentidos que um mesmo enunciado pode apresentar, como descrevemos anteriormente
3. METODOLOGIA
3.1 Natureza dos dados
Os dados foram retirados de três matérias virtuais, que são:

1. “ Não parece, mas é transfobia: 20 frases que você não deve dizer jamais”, da
Revista Marie Claire, na seção comportamento, publicada no dia 25 de junho
de 2019 e acessada no dia 18 de fevereiro de 20214;

2. “ 5 frases transfóbicas que muita gente fala sem saber”, do site Purebreak,
texto redigido por Larissa Barros, publicado no dia 08 de janeiro de 2020 e
acessado no dia 18 de fevereiro de 2021, no momento de acesso, a matéria
possuía cinquenta compartilhamentos5;

3. “ 6 frases transfóbicas que precisam sumir do seu vocabulário”, do site Yahoo

4
Disponível em Não parece, mas é transfobia: 20 frases que você não deve dizer jamais - Revista Marie Claire |
Comportamento (globo.com)
5
Disponível em: 5 frases transfóbicas que muita gente fala sem saber - Purebreak
notícias, na seção Yahoo Vida e Estilo, texto redigido por Marcela de Mingo,
publicado 14 de agosto de 2020 e acessado no dia 18 de fevereiro 20216.
3.2 Aspectos metodológicos
A análise dos dados será de cunho qualitativo e interpretativo. Foram extraídos trinta e
um enunciados, porém houve um recorte prévio baseado em eliminar enunciados repetidos,
também a exclusão de enunciados que não se articulam, de forma mais pontual, com objetivo
específico de analisar a maneira que as sequências discursivas estabelecem posições-sujeitos
que se relacionam com o discurso médico-biólogico, portanto ficaram delimitadas dezessete
sequências discursivas para a análise.
3.3 Os dados

1. "Você tem peito, então você é mulher."


2. "Você é homem ou mulher?"
3. "Pessoas trans tem nojo do próprio corpo."
4. "Sem útero, sem opinião."
5. "Mas você nasceu mulher / homem"
6. "Qual o seu nome de verdade?"
7. "Você já fez operação de mudança de sexo?"
8. "Nem parece que você é homem / mulher"
9. “O que você está fazendo aqui, sua mulher barbada?
10. “Olha ali o travecão”
11. “Você parece mulher!”
12. “Realmente ela é linda, pena que não é mulher de verdade”
13. “Se você não me contasse, eu ia continuar achando que você é homem!"
14. “Você é tão lindo, pena que não tem... [pênis]”
15. “Você é linda, só a voz mesmo que não engana”
16. "Eu tenho que tentar conviver com essas 'coisas' porque, para mim, não é normal"
17. "Você nunca vai fazer o que um homem de verdade faz"

4. CRONOGRAMA

Jul. Ago. Se Out. Nov. Dez.


t.
Estudo dirigido dos textos teóricos X

Sistematização dos dados e dos principais conceitos X X

Análise e interpretação dos dados com articulação dos conceitos X X

Estruturação e escrita da monografia X X

Defesa pública da monografia X

6
Disponível em: 6 frases transfóbicas que precisam sumir do seu vocabulário (yahoo.com)
5. REFERÊNCIAS

BENTO, B. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de


Janeiro: Garamond, 2006;

BENTO, N. M. de J., XAVIER, N. R., SARAT, M. Escola e infância: a transfobia rememorada.


Cadernos pagu, n. 59, 2020;

LOURO, G. L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte, Autêntica, 2000;

LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte,
Autêntica,2004;

MARIANI, B. S. C. Fundamentos teóricos da análise do discurso: a questão da produção de


sentidos. Caderno de Letras, Niterói, v. 15, p. 33-46, 1997;

ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 8ª ed. Campinas: Pontes


Editores, 2001;

PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Campinas/SP: Editora


da Unicamp, 1995 [1975];

SILVA, D. da C. P., Meta pragmática da violência linguística: patologização das vidas trans em
comentários online. Trab. Ling. Apl., Campinas, n. 58.2: 956-985, maio/ago, 2019.

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