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Universidade Federal de Santa Catarina

Departamento de Jornalismo
Curso de Graduação em Jornalismo
Iniciação ao Trabalho Acadêmico – 2020.1

Retratos da Violência1

LANZARIN, Fernanda2

Resumo: O presente trabalho científico apresenta, teoricamente, a produção de um


programa de rádio intitulado “Retratos da Violência”, em formato de micro-podcast. O
relatório é um estudo e análise da atuação policial no período pós redemocratização, e
quais os impactos da construção social, enraizada ao racismo estrutural, na violência
por parte das instituições federais. Por meio da revisão de pesquisas como o Anuário da
Segurança Pública de 2022, comprova-se a ambiguidade no papel das instituições
policiais. De um lado elas têm a determinação de assegurar à população seus direitos, e
em outra face observa-se um mecanismo de combate às drogas controverso, onde há
genocídio de populações em vulnerabilidade social. Nesse artigo iremos compreender
quais fatores influenciam a atuação policial vinculada à violência.

Palavras-chave: Polícia; Racismo; Violência; Genocídio.

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1 Trabalho apresentado como requisito parcial de aprovação à disciplina Rádio e Áudio Jornalismo
ministrada pela Prof.ª. Drª. Valci Zuculoto, no Curso de Graduação em Jornalismo, no primeiro semestre
de 2022, na Universidade Federal de Santa Catarina.
2 Graduanda em Jornalismo, aluna da Fase 5 na Universidade Federal de Santa Catarina.
1. INTRODUÇÃO

A disciplina Áudio e Radiojornalismo é ministrada pela professora Valci


Zuculoto, com orientação técnica por Roque Bezerra e monitoria da doutoranda do PPG
Jor, Rafaela Ferro e Luís Pires. A temática escolhida para o trabalho “Tematiquinho”,
como parte da avaliação do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), busca refletir as atuações das corporações policiais. Pois, há em nossa
sociedade uma dificuldade de construir uma memória sólida e plausível da polícia, visto
que, essa por vezes tem atitudes relacionadas à violência institucional.
A polícia do Brasil é o órgão que visa defender os direitos civis. Segundo o
artigo 144 da Constituição Federal, que prevê o funcionamento da segurança pública, é
cabível a Polícia Militar realizar o policiamento ostensivo e preservar a ordem pública.
À Polícia Civil concerne às investigações de crimes e o cumprimento de ordens
judiciais no âmbito local. A Polícia Federal, atua com base nos interesses da União ou
de suas entidades autárquicas e empresas públicas, representando quando necessário,
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional.
Essas corporações estão subordinadas aos governos dos estados, ou seja, seu
desempenho varia com as realidades distintas onde esta opera. No entanto, há
problemas em comum, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, expôs que
mesmo com a redução observada em todo o território nacional, a letalidade continua
atingindo brancos e negros de forma discrepante. Enquanto a taxa de mortalidade entre
vítimas brancas retraiu 30,9% , a taxa de vítimas negras cresceu em 5,8%.

A literatura tem demonstrado que minorias são


desproporcionalmente atingidas pelo uso
excessivo da força em diferentes países do mundo,
o que não faz do contexto brasileiro uma
exclusividade (Nix et al., 2017). Estudos indicam
que a raça-cor dos suspeitos constitui fator
importante para determinar se este é percebido
como um perigo ou não, resultando em muitos
estudos sobre “implicit bias”, ou viés implícito
(CORRELL et al., 2002; PAYNE, 2001).
A letalidade policial, como uma maneira de impor poder e mostrar o comando
por parte dos militares, teve forte atuação após a deposição de João Goulart e o golpe
civil-militar. Durante esse período houve repreensão para suprimir a liberdade de
expressão. No entanto, Luciano Goés, professor de criminologia e direito penal na
IBCCRIM e na faculdade CESUSC, destaca que, as raízes históricas dessa violência
são mais antigas.
Quando as críticas sobre a letalidade policial vem
da academia e da branquitude, há a ideia de que o
legado da polícia é por conta do período ditatorial.
Uma verdadeira mentira, a herança da policia vem
do período escravagista e senhorial. A herança dos
homens brancos sobre corpos negros. Pensar nessa
desumanização é o ponto de partida para esse
contexto amplo. (GOÉS, Luciano. Em entrevista
para o tematiquinho)

2. DESCRIÇÃO DO PROGRAMA

O programa “Retratos da Violência”, tem duração de sete minutos e quarenta e


cinco segundos. O início do programa busca contextualizar o ouvinte sobre o assunto,
destacando que o problema em debate não é algo recente. Para isso, utiliza-se a
descrição dos anos 1970, abordando a obra “Rota 66” do jornalista Caco Barcellos, de
notável exposição investigativa sobre a atuação violenta da equipe 66 das Rondas
Ostensivas, criada durante a ditadura militar.
Dentro deste cenário, é necessário apresentar ao ouvinte que o problema
permanece nos dias atuais. Para isso, o programa retrata uma linha do último ano no
Brasil, priorizando ‘recortes’ de matérias. Para complementar e legitimar as
informações já expostas, antes da primeira sonora, inclui-se dados do Anuário Brasileiro
de Segurança Pública de 2022. Adaptando o trecho transcrito para a linguagem
radiofônica:
A taxa de letalidade policial entre negros é de 4,2 vítimas
a cada 100 mil, já entre brancos ela é de 1,5 a cada 100
mil, o que equivale a dizer que a taxa de letalidade
policial entre negros é 2,8 vezes superior à taxa entre
brancos. (Anuário Brasileiro de Segurança Pública de
2022, pg 8).

Após a contextualização do tema abordado, há a inserção de trechos das falas do


professor Luciano Goés, com o objetivo de retratar teoricamente o assunto. As falas são
curtas, mas sintetizam o raciocínio proposto.
A circunstância mencionada no trabalho, não é exclusividade do Brasil, e para
expor que o tema da desigualdade racial como um efeito da atuação policial, é uma
mazela de debate mundial, o programa relembra a morte do norte-americano George
Floyd. No entanto, o cenário brasileiro tem ganhado notoriedade pois se intensifica
diante dos discursos que perpetuam a violência institucional. Como é evidenciado no
trecho em que o presidente Jair Bolsonaro (PL), durante uma entrevista, resguarda a
violência policial.
Ao fim da apresentação teórica, os dois últimos entrevistados, o policial Militar
e professor de processo penal na Unisul, Giovani de Paula, e Patrícia Zimmermann,
delegada da polícia civil em Florianópolis, representam as instituições mencionadas. Os
dois foram questionados sobre a atuação policial vinculada à violência e uso excessivo
da força.
Durante toda a execução e planejamento do programa, a trilha sonora aplicada
foi pensada como uma maneira de complementar e ambientalizar o ouvinte, utilizando
trechos de falas, ‘recortes’ de notícias e musicalidade, apenas quando necessário, como
finalidade de dinamizar o conteúdo. As fontes entrevistadas tiveram suas falas
reduzidas, dispondo nas informações a objetividade radiofônica. A locução e dicção
foram executadas visando o domínio completo da técnica de respiração ou capacidade
de emissão e a interpretação (MEDITSCH; ZUCULOTO, 2008).
A interação destes elementos visa possibilitar que o ouvinte tenha uma
experiência mais ampla e o aproxime da informação apresentada.

A palavra, a música, o silêncio e os efeitos


especiais perdem sua unidade conceitual quando
são combinados e exercem uma interação
modificadora entre eles, aumentando as
possibilidades expressivas e comunicativas do
meio. Estas combinações criam melhores
condições para os ouvintes produzirem as imagens
auditivas, fundamentais para maior percepção da
mensagem (BAUMWORCEL, 2005, p. 339).

Todas as entrevistas foram gravadas fora do estúdio, com os celulares dos


entrevistados e encaminhados para posterior edição, em seguida, foram transcritas para
facilitar a seleção dos trechos a serem usados. A finalização dos áudios, a inserção de
efeitos e trilhas sonoras foi feita com o software Adobe Audition.
A vinheta foi editada e gravada pelo técnico Roque Bezerra, com participação
do estagiário docente Anderson Baltar. O programa se encerra com os créditos de
locução, roteiro e edição por Fernanda Lanzarin, Coordenação Técnica de Roque
Bezerra, Monitoria de Rafaela Ferro e Luís Pires e orientação da Professora Valci
Zuculoto.

3. JUSTIFICATIVA E RESULTADOS

Como o próprio nome sugere, o programa “Retratos da Violência” tem o


objetivo de retratar a violência no Brasil, com enfoque na violência policial. A questão
mencionada é um dos assuntos que permeiam o atual governo, que exalta o militarismo.
Em maio de 2021 uma operação militar na favela do Jacarezinho resultou em 28
mortos, a mais letal da história do Rio de Janeiro. Infelizmente, como apresentado no
programa, essa não foi a única operação dos últimos anos com um número elevado de
mortes.
A Constituição brasileira delimita que o respeito à integridade física e à
dignidade humana não pode ser afrontado, no entanto, diante desses confrontos policiais
presenciamos que a prática se deturpa da teoria.

(Art.1º, III) “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento


desumano ou degradante” (Art.5º, III), não está cuidando de algo
teoricamente inaplicável, mas sim de uma efetiva exigência da
preservação dos direitos do homem, sem a qual a arbitrariedade, a
insegurança e o medo se generalizariam e a vida em sociedade
voltaria a um estágio de barbárie. (Lei de Abuso de Autoridade -
Lei 13.869)

Durante os últimos anos, em decorrência da pandemia de Covid-19 e adoção de


novas tecnologias nos uniformes policiais, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
de 2022 realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revelou que o número
de mortes em decorrência de ações policiais reduziu. A frágil redução nas mortes e os
dados obtidos chamam atenção, o próprio documento destaca que “embora esta redução
mereça ser celebrada, elevadas taxas de mortalidade por ações policiais permanecem em
vários estados, indicando que abusos e execuções permanecem como prática de algumas
instituições policiais”.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante este trabalho encontrei dificuldades de várias ordens. Principalmente na


viabilidade de policiais e autoridades em comentar sobre o assunto, o que dificultou
uma abrangência maior do tema do ponto de vista das instituições.
É imprescindível que comecemos a refletir sobre o uso extremo da força e
legitimidade com que a polícia mata pessoas, com a justificativa de combater a
criminalidade. A abordagem da mídia diante dos índices de letalidade policial deve
acompanhar o intuito de desconstruir preconceitos enraizados na sociedade.
O propósito deste programa é refletir como essas atuações violentas por parte
das instituições afetam de maneira desproporcional comunidades vulneráveis. No
decorrer das entrevistas e pesquisas obtive informações que proporcionaram não só
uma reflexão sobre a construção social, mas também uma conscientização das
diferenças estabelecidas, e principalmente, normalizadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BUENO, Samira; PACHECO, Dennis; NASCIMENTO, Talita; MARQUES,


David; Fórum da segurança. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022. Disponível
em:forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/05-anuario-2022-letalidade-poli
cial-cai-mas-mortalidade-de-negros-se-acentua-em-2021.pdf Acesso em 13 de julho de
2022
Presidência da República; Lei Nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm Acesso
em 25 de julho de 2022.
BAUMWORCEL, Ana. “Armand Balsebre e a teoria expressiva do rádio”. In:
MEDITSCH, Eduardo (org.). Teorias do Rádio, textos e contextos, vol. 1, p. 337-346,
Florianópolis: Insular, 2005.
CORRELL, Joshua; HUDSON, Sean M.; GUILLERMO, Steffanie; MA, Debbie
S. The Police Officer’s Dilemma: A Decade of Research on Racial Bias in the Decision
to Shoot. Social and Personality Psychology Compass, 8(5), pp. 201–213, 2014.
doi:10.1111/ spc3.12099
PAYNE, B. Keith. Prejudice and perception: The role of automatic and
controlled processes in misperceiving a weapon.. , 81(2), pp. 181–192, 2001.
doi:10.1037/0022-3514.81.2.181

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