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POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS

ACADEMIA DE POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS

INVESTIGAÇÃO POLICIAL NA PERSPECTIVA DE GÊNERO

Administração: Dra. Yukari Miyata


Belo Horizonte – 2023
INVESTIGAÇÃO POLICIAL NA PERSPECTIVA DE GÊNERO

Coordenação Geral
Yukari Miyata

Subcoordenação Geral
Marcelo Carvalho Ferreira

Coordenação Didático-Pedagógica
Rita Rosa Nobre Mizerani

Coordenação de Área Temática


Diego Fabiano Alves

Conteudista:
Amanda Machado Celestino
Diego Fabiano Alves
Isabella Franca Oliveira
Lydiane Maria Azevedo

Revisão e Edição:
Divisão Psicopedagógica - Academia de Polícia Civil de Minas Gerais

Reprodução Proibida
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 4
2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER .................................................. 6
2.1 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER EM NÚMEROS .............. 11
2.2 A PROTEÇÃO ESPECIALIZADA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA:
LEI Nº 11.340/2006 – LEI MARIA DA PENHA ........................................................ 15
2.3 A ESPECIALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO POLICIAL ................................... 22
2.4 A ATUAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL NOS TERMOS DA LEI Nº 11.340/2006 ...... 25
3 ATENDIMENTO E INVESTIGAÇÃO POLICIAL COM PERSPECTIVA DE
GÊNERO ................................................................................................................... 35
3.1 DIRETRIZES PARA A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DE FEMINICÍDIO COM
PERSPECTIVA DE GÊNERO ................................................................................. 47
3.2 EMPREGO DE TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA E SOFT
SKILLS PARA O PROFISSIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA ............................. 49
4 VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO LGBTQIA ............................................. 57
4.1 GÊNERO ....................................................................................................... 60
4.2 ORIENTAÇÃO SEXUAL ................................................................................ 64
4.3 VULNERABILIDADE DA POPULAÇÃO LGBTQIA+ ...................................... 66
4.4 AMPARO NORMATIVO PARA PROTEÇÃO DE VIOLÊNCIAS PAUTADAS NA
DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO E DA ORIENTAÇÃO
SEXUAL.................................................................................................................. 74
4.5 CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA .............................................................. 76
4.6 ESTUPRO CORRETIVO ............................................................................... 79
4.7 LEI MARIA DA PENHA .................................................................................. 80
4.8 NOME SOCIAL .............................................................................................. 81
4.9 RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL ........................................................... 83
5 ATENDIMENTO E INVESTIGAÇÃO POLICIAL COM PERSPECTIVA DE
GÊNERO ................................................................................................................... 86
5.1 BUSCA PESSOAL ......................................................................................... 88
5.2 USO DE CELAS ............................................................................................ 90
5.3 USO DO BANHEIRO ..................................................................................... 91
6 ASPECTOS PRÁTICOS DO ATENDIMENTO POLICIAL DE MULHERES EM
SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR .......................................... 94
7 CLASSIFICAÇÃO DAS DELEGACIAS ESPECIALIZADAS EM ATENDIMENTO À
MULHER DA POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS .................................................. 99
8 ASPECTOS PRÁTICOS DO ATENDIMENTO POLICIAL DE PESSOAS
LGBTQIA+ .............................................................................................................. 101
9 CONCLUSÃO .................................................................................................... 105
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 107
1 INTRODUÇÃO

A partir do final do século XX, o conceito de gênero passou a ser tratado como
uma categoria de análise, por meio da qual partem as discussões sobre as
desigualdades inerentes às relações sociais e sexuais. É a partir do gênero que se
estabelecem as noções naturalizadas do que é masculino e do que é feminino, mas
também é por meio deste conceito que se torna possível desconstruir e desnaturalizar
estes papeis fixos e preestabelecidos. Neste sentido, entende-se que gênero é
conceito dinâmico, que se move para além do binarismo masculino-feminino
naturalizado, exatamente como forma de questionar o padrão hegemônico do que se
entende como natural ou normal.
Neste sentido, podemos compreender gênero como o sexo socialmente
construído, de tal modo que o sexo biológico não se confunde com o gênero, conceito
este atrelado às relações sociais. Assim, o gênero é desenvolvido a partir das relações
sociais, ligado à performance, e é categoria que dá significado às relações de poder.
A constituição social do gênero tem como base a delimitação de espaços, com
diferenciação entre o que é público e o que é privado, a divisão de papeis,
estabelecida em razão do sexo, e estereótipos, os quais funcionam como marcadores
de diferenças do que é ser homem e do que é ser mulher.
Considerando que as desigualdades geradoras de violência têm base no
gênero, a especialização do atendimento policial passou a ser uma necessidade
precípua. Com isto, as atividades de Polícia Judiciária foram ampliadas, sobretudo,
para o acolhimento de pessoas em situação de vulnerabilidade em razão do gênero.
Neste cenário, é imperativo superar as limitações no atendimento ao público que a
ausência de percepção de gênero acarreta no dia a dia policial.
A partir deste esboço teórico, este curso tem a finalidade de qualificar policiais
civis e servidores administrativos da Polícia Civil de Minas Gerais para o atendimento
e para a investigação policial com a perspectiva ampla de gênero, abrangendo as
mulheres em situação de violência doméstica e as violências pautadas na orientação
sexual e na identidade de gênero.
Para atingir este objetivo, iniciaremos com a apresentação do conceito analítico
de gênero e sua aplicação na prática policial especializada no atendimento à mulher
em situação de violência. Em seguida, realizaremos um estudo sobre a violência em
razão da orientação sexual e da identidade de gênero. Ao longo do curso, serão
4
realizadas demonstrações práticas sobre o atendimento policial e investigação
criminal adequados, a fim de permitir a compreensão sobre as especificidades que
envolvem o gênero na atuação policial.

5
2 VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER

A violência de gênero contra a mulher é Figura 1


uma questão complexa, considerada uma das
formas de violação dos direitos humanos, de
acordo com a Declaração de Viena (ONU, 1993).
A violência de gênero é multicausal, exatamente
em razão das raízes culturais da questão
(D’OLIVEIRA et al, 2009). Os dados e as
pesquisas sobre o tema revelam que não há um
perfil específico de vítimas, já que os atos de
violência podem atingir mulheres de qualquer
classe socioeconômica, idade, raça, cor, grau de
escolaridade ou estado civil. Igualmente, não há
Fonte: PCMG.
um padrão típico de homens autores de violência.
O marcador presente em todos os casos de violência contra a mulher no âmbito
das relações familiares, domésticas ou afetivas é o gênero (AMARIJO et al, 2020). O
fator gênero significa que há mulheres em situação de vulnerabilidade em razão do
exercício de poder nas relações como forma de controle e dominação. Esse quadro
está presente em relações assimétricas com desnível e desequilíbrio de poder no
feminino, em razão da condição do gênero feminino que gera a sujeição das mulheres.
Tal condição é percebida na violência doméstica e familiar, assim como nas situações
de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A violência de gênero é um conceito amplo, que está geralmente relacionada ao
vetor homem-mulher e pode ser percebida nos âmbitos doméstico, familiar ou
intrafamiliar (SAFFIOTI, 1999). O termo violência contra a mulher, empregado pelo
movimento feminista na década de 1980, relacionava-se à opressão do sexo feminino
pelo patriarcalismo (DEBERT; GREGORI, 2008). Assim, termos como violência contra
a mulher, violência doméstica, violência conjugal e violência familiar foram usadas de
forma indistinta. Foi somente a partir da década de 1990 que o termo violência de
gênero começou a ser usado para indicar a violência praticada contra a mulher pelo
fato de ser mulher, resultado do processo de dominação masculina (PASINATO, 2005).
A Organização das Nações Unidas adotou o termo violência contra a mulher
(VCM) em 1993, reconhecendo tal fenômeno como violação dos direitos humanos. De
acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
6
Contra a Mulher1 (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994), considera-
se violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause
morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera
pública como na esfera privada. A criminalização de condutas com o signo de violência
doméstica contra a mulher gerou a publicização do debate, transferindo para a ordem
pública temas que antes eram ligados à esfera privada (DEBERT; GREGORI, 2008).
Por sua vez, a Lei Maria da Penha adotou a expressão violência doméstica e familiar
contra a mulher para definir como tal qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial (BRASIL, 2006).
A violência, em todas as suas formas, seja física, psicológica, moral, patrimonial
ou sexual surge como mecanismo para recuperação do controle e do poder
(BOURDIEU, 2022). Trata-se de um grave problema social, com viés cultural,
silencioso, vivenciado no ambiente das relações privadas e transmitido de geração
em geração (AMARIJO et al, 2020). As diferenças biológicas e sexuais são utilizadas
como justificativa para constituição de estruturas sociais de dominação, amplamente
naturalizadas na família, no mercado de trabalho, nas crenças populares, na mídia,
nas instituições e em outros ambientes de socialização. Essas diferenças configuram
o que se denomina papeis tradicionais de gênero, os quais marcam a colocação da
mulher em determinados espaços predefinidos.
Há, portanto, que se superar os estereótipos de gênero que estão na essência
da violência doméstica e familiar contra a mulher. No Brasil, assim como nos demais
países, a principal causa da ocorrência de crimes dessa natureza é a desigualdade
de gêneros, ou seja, a diferença de papéis sociais atribuídos a homens e mulheres e
a maior importância dada à função desempenhada aos atores do sexo masculino. Em
se tratando de violência de gênero contra a mulher, o corpo é o espaço de manifestação
da violência cotidiana, que revela a condição de vulnerabilidade (OLIVEIRA et al, 2015).
Percebe-se uma divisão social a partir do sexo biológico: ao homem foi dado
exercer atividades na esfera pública, ele seria responsável pela provisão da família e
pela manutenção da ordem, sendo concedido a ele os atributos de virilidade laborativa,
sexual e agressividade. O menino aprende desde cedo que deve ser ‘macho’, exercer
a sua vontade sobre os outros mesmo que, para isso, fosse preciso usar de violência.

1A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher foi adotada
em Belém do Pará, no Brasil, em 9 de junho de 1994, pela Organização dos Estados Americanos, motivo
pelo qual é conhecida como Convenção de Belém do Pará.
7
A virilidade é um atributo masculino que exige demonstração pública de força e
de honra, segundo essa concepção tradicional dos papeis de gênero e de formação
de masculinidades. Nesse estado de coisas, a ordem social é forjada como uma
“imensa máquina simbólica”, que legitima a dominação masculina (BOURDIEU, 2020,
p. 24). Essa força, que pode ser simbólica ou real termina por atingir os corpos
femininos. No habitus masculino, a virilidade é algo que deve ser demonstrado e
validado pela comunidade, o que acaba por confinar os homens em um espaço de
carga e de vulnerabilidade. O medo de demonstração de fraqueza ou de ser
ridicularizado em sua honra perante a sociedade resulta na adoção de mecanismos
violentos de poder.
Sobre essa construção social e cultural do masculino, recomendamos o
documentário O Silêncio dos Homens. O material foi produzido pelo Papo de Homem
(https://papodehomem.com.br/), fruto de um projeto que ouviu mais de 40 mil pessoas
em questões a respeito das masculinidades, em parceira com o Consórcio de
Informações Sociais (CIS) da USP. Assista!

Figura 2

Fonte: Disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=NRom49UVXCE.

O enfrentamento à violência de gênero contra a mulher exige a quebra da


resistência de gerações anteriores, moldadas a partir da masculinidade violenta. O
padrão de masculinidade deve ser alterado em uma nova construção cultural, com
base na educação e na oferta de novos valores do que é ser homem em uma
sociedade livre, justa e igualitária.
Outro documentário que auxilia na confrontação com esse método de formação
da masculinidade violenta é o “A máscara que você vive”, uma tradução livre para
“The Mask You Live In”, lançado em 25 de janeiro de 2015, da diretora Jennifer Siebel
Newsom. O material aborda o machismo enraizado socialmente e trata a
8
masculinidade impositiva do que é “ser homem” como uma máscara que traz severos
prejuízos ao homem. Assista!

Figura 3

Fonte: “A máscara que você vive” está disponível no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=PQbIkhDiE7M.

De outro lado, historicamente, a mulher foi ensinada a exercer as funções da


esfera privada, dos cuidados com os filhos, com a vida doméstica e a conservação do
casamento. Desde criança a menina já aprendia a lavar, cozinhar e montar o enxoval,
sendo atribuídas a ela as características de docilidade, feminilidade e delicadeza. A
identidade feminina é construída com base nos dispositivos amoroso e materno. Por
meio da subjetivação do dispositivo amoroso, as mulheres são criadas para ostentar
características que as façam ser escolhidas, o que molda seu comportamento de
acordo com o olhar do outro. Já o dispositivo da maternidade implica na constituição
biológica para gerar um filho como um fator relacionado ao cuidado do outro, mesmo
que a ação implique em afastar os próprios desejos e suas necessidades (LUDIVICE;
ZANELLO, 2023).
Esse destacamento da vida da mulher sempre voltada para o outro acarreta na
maior propensão a tolerar relacionamentos abusivos e violentos, como forma de
sacrifício, renúncia e crença de que pode mudar o comportamento do parceiro. O
sentimento de culpa acompanha as mulheres, o que as fazem mudar de ideia, por
exemplo, após a denúncia, acreditando que agiram de forma precipitada ou atribuem
a si a causa do ato violento. É comum que as mulheres imaginem que podem
9
prejudicar o agressor, afinal ele é um bom pai e trabalhador, ou que os filhos podem
ser afetados com o afastamento do pai (LUDIVICE; ZANELLO, 2023).
A partir da diferença física do sexo biológico, as diferenças sociais foram
naturalizadas em papéis definidos e muito claros, os chamados papéis sociais ou
papéis de gênero, os quais se fazem presentes na nossa comunidade até dos dias de
hoje. A violência de gênero surge quando um dos atores decide não desempenhar
esse script atribuído a ele, por exemplo, quando a mulher opta por não ser submissa
ao marido, por não ser maternal, por trabalhar fora de casa, estudar ou ter uma
carreira de destaque.
Quando a mulher desafia os papeis tradicionais de gênero, é possível que ela
se torne uma vítima de violência de gênero, ou seja, alvo de alguma forma de violência
(física, psicológica, moral, sexual, patrimonial) em decorrência do gênero. Os
agressores agem com violência na expectativa de recobrar o controle e a dominação
sobre a mulher, ou até mesmo atuam como forma de punir ou corrigir a vítima, sob o
pretexto de manter a ordem doméstica e demonstrar seu poder em relação à mulher.
É comum que os autores de violência justifiquem seu ato violento porque foram
provocados pelo comportamento da vítima, seja pelo cuidado displicente com os
filhos, pela falha nas tarefas domésticas ou pelo comportamento controlador por parte
delas (ex.: ciúmes, não permitir saída com amigos, brigar porque estava no bar ou
porque voltou tarde para casa). Por outro lado, os agressores também explicam as
ações violentas em razão da bebida alcoólica ou problemas financeiros, mas atribuem
à mulher o ponto focal do início da discussão (STENZEL, 2019).
Esse deslocamento de culpa ou desvio de sua própria responsabilidade é
chamado de desengajamento moral (JESUS; SILVA, 2018). Neste cenário, instaura-
se um processo autorregulatório por meio do qual a pessoa se afasta de padrões
morais para justificar uma ação imoral, com a tentativa de eximir-se da culpa. Assim,
a bebida pode ser uma justificativa pela perda do controle ou até mesmo a repreensão
em razão do uso da bebida pode servir de artifício para explicar os atos violentos.
Compreender as dimensões e as consequências das distorções entre os
gêneros é fundamental para o desempenho da atividade policial especializada no
atendimento à mulher. A superação do modelo social que naturaliza a violência contra
a mulher parte, necessariamente, da atuação dos profissionais da segurança pública,
considerando a Delegacia de Polícia uma das mais utilizadas portas de entrada para
o acesso à justiça da mulher em situação de violência.
10
No vídeo a seguir, “Violência Doméstica: por que elas não vão embora?”, uma
palestra ministrada no TEDx Fortaleza, Juliana Wallauer explica por que é tão difícil
as mulheres decidirem ir embora de relações violentas. O conteúdo nos permite
compreender algumas das razões mais sensíveis e presentes nos casos de violência
no âmbito das relações de intimidade e como a visão do policial deve ser ampliada
para correto atendimento dos casos de violência. Assista!

Figura 4

Fonte: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gOgrS0FDjjk.

A perspectiva de gênero, portanto, é ferramenta imprescindível no exercício da


atividade policial, que deve orientar o acolhimento integral, humanizado e respeitoso
das mulheres em situação de violência, bem como deve orientar todos os atos
pertinentes à investigação policial. É com este intuito que avançaremos no estudo das
questões de gênero nas hipóteses de violência contra a mulher.

2.1 A VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA A MULHER EM NÚMEROS

Antes de aprofundarmos mais sobre a perspectiva de gênero na violência


doméstica e familiar contra a mulher, é importante apresentar algumas estatísticas
recentes sobre o tema. A orientação da atuação policial por meio de números permite
a formulação de políticas públicas e é fonte de tomada de decisão.

11
Em termos técnicos, a Lei Maria da Penha é reconhecida pela Organização das
Nações Unidas (ONU) como a terceira melhor lei do mundo na questão da violência
doméstica e familiar, atrás apenas da legislação chilena e espanhola. Apesar disso, o
Brasil continua apresentando números alarmantes de violência contra a mulher, sendo
considerado o 5° país no ranking de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das
Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). As estatísticas sobre violência
doméstica e familiar nos mostram o quanto ainda é necessário trabalhar para garantir
a igualdade de direitos entre homens e mulheres por meio do enfrentamento da
violência de gênero.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, edição 2020,
divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 1.341 mulheres foram
vítimas de feminicídio em 2021, com predomínio de mortes no âmbito das relações
íntimas de afeto, já que em 81,7% dos casos o feminicídio foi praticado pelo
companheiro ou ex-companheiro. Estes dados revelam a maior vulnerabilidade das
mulheres nas relações íntimas de afeto, já que os parceiros íntimos são os autores
mais comuns crimes contra a mulher.

Figura 5

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Por sua vez, os dados coletados pelo FBSP na 4ª edição do relatório Visível
Invisível, uma pesquisa de vitimização de mulheres, estima-se que, nos últimos doze
meses, 18,6 milhões de mulheres foram vítimas de violência doméstica no Brasil.
12
Figura 6

Fonte: “Visível e Invisível – 4ª Edição (2023)” / Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Destas, 45% não adotaram nenhuma providência em relação ao fato mais


grave sofrido; 14% procuraram uma Delegacia Especializada de Atendimento à
Mulher; 1,7% optaram pelo registro virtual da ocorrência; 1,6% ligaram para o Ligue
180 e 4,8% acionaram a Polícia Militar via 190.
Entre as razões para o não acionamento da Polícia 21,3% das mulheres não
acreditavam que a polícia pudesse oferecer solução e 14,4% informaram não ter
provas suficientes. Comparando os dados obtidos pela pesquisa de vitimização do
FBSP e os dados oficiais da Polícia Civil de Minas Gerais, verifica-se uma ampla
defasagem entre o número de registros realizados e o quantitativo de fatos
envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, o que evidencia a
“invisibilidade”.

Figura 7

Fonte: “Visível e Invisível – 4ª Edição (2023)” / Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


13
Figura 8 O aperfeiçoamento do treinamento
do profissional da segurança pública para
atendimento com a perspectiva de gênero
tem o condão de melhorar a crença da
mulher em situação de violência nos
serviços prestados pela Polícia Civil. Os
dados revelam que há um desestímulo das
vítimas em procurar auxílio junto às
DEAMs ou delegacias de polícia
territoriais, considerando o risco de sofrer
violência institucional ou de a exposição
de seu caso não gerar nenhuma
providência concreta, deixando-a ainda
mais vulnerável em seu ambiente de
conflito doméstico. As delegacias de
Fonte: “Visível e Invisível – 4ª Edição (2023)” –
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. polícia devem ser ambientes de proteção,
acolhida e segurança das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Os dados sobre vitimização de mulheres no Brasil coincidem com as
informações dos bancos de dados policiais sobre a violência doméstica e familiar, no
que se refere ao vínculo entre as partes, já que revelam que predomina a violência
nas relações íntimas de afeto e o ambiente da casa é o espaço de maior
vulnerabilidade para mulheres.

Figura 9

Fonte: “Visível e Invisível – 4ª Edição (2023)” / Fórum Brasileiro de Segurança Pública.


14
Em Minas Gerais, no ano de 2022, foram registrados 140.061 Registros de
Eventos de Defesa Social (REDS) relacionados à violência doméstica e familiar contra
a mulher, contra 145.774 casos denunciados em 2021.
Em 2022, 171 mulheres foram vítimas de feminicídio, enquanto que, em 2021,
foram 155 feminicídios em Minas Gerais. No que se refere ao vínculo entre as vítimas
e os agressores, prepondera, igualmente, o laço afetivo, pois a maioria dos crimes é
praticada pelo parceiro íntimo, ou seja, companheiros ou ex-companheiros. Chama a
atenção o fato de em que 85,98% dos feminicídios não havia nenhuma solicitação de
medidas protetivas por parte das vítimas, o que evidencia ainda mais a invisibilidade
dos casos de violência de gênero contra a mulher (MINAS GERAIS, 2023).
A análise dos dados estatísticos permite compreender a necessidade de
formulação de novas políticas públicas e a avaliação de políticas públicas já existentes
para garantia da proteção da mulher. Igualmente, revela a importância dos serviços
existentes contarem com profissionais qualificados, proporcionando o acolhimento e
encaminhamento à rede de proteção, evitando a prática de novas violências, inclusive
do feminicídio.

2.2 A PROTEÇÃO ESPECIALIZADA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA:


LEI Nº 11.340/2006 – LEI MARIA DA PENHA

A Lei nº 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha,


estabeleceu um microssistema de proteção integral da mulher em situação de
violência, instituindo princípios, instrumentos e mecanismos para garantia dos direitos
da mulher. As normas de proteção da mulher são formatadas nos seguintes tópicos,
no que se refere à assistência especializada: medidas integradas de prevenção,
assistência à mulher em situação de violência, atendimento pela autoridade policial e
procedimentos especializados promovidos por uma rede multidisciplinar.
Como norte para interpretação da lei, devem ser considerados os fins sociais a
que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em
situação de violência doméstica e familiar. Políticas públicas devem ser criadas para
garantia dos direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e
familiares, no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. Neste sentido, é dever da família, da
15
sociedade e do poder público o desenvolvimento das condições necessárias para o
efetivo exercício desses direitos.
De acordo com a Lei nº 11.340/2006, os mecanismos de proteção à mulher
aplicam-se independentemente da orientação sexual, revelando sua pertinência nos
casos de relações homoafetivas entre mulheres (artigo 5º, parágrafo único, Lei nº
11.340/2006). Por outro lado, considerando que a lei aplica-se às mulheres, não estão
abrangidos no âmbito de proteção especializado os relacionamentos homoafetivos
entre homens, de modo que o tratamento policial e do sistema de justiça criminal se
dará nos moldes do Código Penal e legislação pertinente ao caso.
Ademais, reconhece-se a incidência da legislação de proteção à mulher nas
hipóteses de mulheres transexuais, travestis e transgêneros (Decisão proferida pela
6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em 06/04/2022)2. Apesar de inexistir previsão
legal expressa, o entendimento majoritário é que se aplica a Lei Maria da Penha às
mulheres trans, por tratar-se de uma violência de gênero que atinge identidades
femininas. Inclusive, o Enunciado 46 do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de
Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (FONAVID) versa sobre o assunto:
Enunciado 46: A Lei Maria da Penha se aplica às mulheres trans, independentemente
de alteração registral do nome e de cirurgia de redesignação sexual, sempre que
configuradas as hipóteses do artigo 5°, da Lei 11.340/2006.
O objetivo da Lei Maria da Penha, é, portanto, coibir e prevenir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da classe, raça, etnia,
orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, com a finalidade
de se garantir uma vida sem violência. Configura violência doméstica e familiar contra
a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão,
sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.
A violência de gênero é um conceito amplo, que está geralmente relacionada
ao vetor homem-mulher. A proteção específica da mulher pode ocorrer nos âmbitos
doméstico, familiar e das relações íntimas de afeto (artigo 5º, Lei nº 11.340/2006), com

2 Em agosto de 2022, após o precedente fixado pelo STJ, a Polícia Civil de Minas Gerais publicou a
Resolução 8.225 para, alterando resolução anterior, estabelecer que mulheres transexuais e travestis,
vítimas de violência doméstica ou familiar baseada no gênero, fossem atendidas em delegacia
especializada, independentemente de mudança do nome no registro civil ou da realização de cirurgia
de redesignação sexual. Entre os anos de 2020 e 2022, a Polícia Civil de Minas contabilizou o
atendimento de 224 mulheres transexuais vítimas de violência doméstica.
16
especificação precisa do que se considera cada um desses espaços de relação
interpessoal:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de


convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive
as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços
naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou
tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

A violência no âmbito da unidade doméstica é caracterizada pelo espaço


territorial onde ocorrida a violência: a residência dos envolvidos, a casa, o lar. Neste
ponto, estão abrangidos os moradores da casa, sendo esta considerada o espaço de
convívio permanente de pessoas, independentemente de vínculo familiar, podendo
possuir ou não, admitindo, ainda, as pessoas esporadicamente agregadas ao
ambiente doméstico. Além dos casos que contemplem moradoras com vínculo familiar
(tias, sobrinhas, primas, sogras, noras etc.), são exemplos de violência doméstica
contra a mulher as situações que envolvam empregadas domésticas, diaristas e
repúblicas de estudantes ou trabalhadores.
A violência familiar é aquela que ocorre entre pessoas ligadas por vínculos
consanguíneos ou por afinidade, podendo ser vista no interior da unidade doméstica
ou fora deste limite, circunstância que sempre ocorre na violência intrafamiliar, que é
percebia por integrantes da mesma família, mas fora do território doméstico. A
violência doméstica pode tocar a violência familiar/intrafamiliar, mas pode ocorrer
envolvendo pessoas que não são aparentadas, mas que dividem o espaço da unidade
doméstica (SAFFIOTI, 1999).
O termo violência por parceiro íntimo designa os casos de violência praticados
no contexto de relações íntimas de afeto. A violência nas relações de afetividade
atinge casais que mantêm relacionamento ou que já romperam, independentemente
de coabitação, do tempo de relacionamento ou término e do grau de compromisso.
Dessa forma, consideram-se parceiros íntimos: cônjuges e ex-cônjuges, mesmo que
em um relacionamento não formalizado, namorados e ex-namorados, indivíduos que
mantenham ou mantiveram união estável, pessoas que possuam filhos em comum,
mesmo que não morem juntos. Nota-se que os parceiros íntimos são os agressores
mais comuns (MOROSKOSKI et al., 2021).
17
Embora não se ignore que os homens também possam ser sujeitos de violência
nas relações de intimidade (SOARES, 1999), as mulheres são submetidas a um maior
risco de homicídio nas relações íntimas de afeto violentas (WOOD et al., 2021). O
feminicídio de mulheres é propositalmente rotulado de feminicídio, com a finalidade
de garantir maior visibilidade ao tema e ao enfrentamento das causas deste crime.
A Lei Maria da Penha ainda prevê, de forma não taxativa, que são formas de
violência doméstica e familiar contra a mulher: “I - a violência física, entendida como
qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”.
Podem ser tipificadas como violência física, por exemplo, os crimes de lesão
corporal e feminicídio (artigo 129 e artigo 121, parágrafo 2°, inciso VI, c/c §2º-A, todos
do Código Penal), bem como a contravenção penal de vias de fato (artigo 21 do
Decreto Lei nº 3.688/41).

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe


cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe
prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante
ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento,
vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do
direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde
psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de
2018)

O comportamento típico, ademais, ocorre quando o agente ameaça, humilha,


rejeita, discrimina a vítima, diminuir, inferioriza ou amedronta a mulher. A violência
psicológica pode ser tipificada como ameaça (artigo 147 do Código Penal),
perseguição/stalking (artigo 147-A do Código Penal) e violência psicológica, também
chamada de dano emocional (artigo 147-B do Código Penal).
A violência psicológica pode ser de difícil identificação, muitas vezes,
considerando a sutileza de determinadas condutas e o fato de que não deixa marcas
visíveis ou até mesmo vestígios, em certas circunstâncias. A série Maid (2021),
disponível na Netflix, aborda a violência psicológica de forma bastante sensível e
realista, retratando a rota crítica da mulher em situação de violência, o abandono da
família, a questão envolvendo os filhos, o alcoolismo, a dependência financeira, entre
outros temas. Vale a pena assistir!

18
Figura 10

Fonte: Netflix.

Sobre a rota crítica da violência doméstica, entende-se o percurso que as


mulheres agredidas vivenciam na luta por seus direitos quando decidem romper o
ciclo da violência. A rota crítica corresponde a todos os caminhos e alternativas
percorridas pela mulher vítima. As respostas inadequadas, discriminatórias ou
culpabilizadoras das vítimas resultam na reiteração da violência e no acirramento da
rota crítica.
De acordo com Sagot (2000), a rota tem início com a determinação das
mulheres de se apropriarem de suas vidas e de seus filhos, com a finalidade de romper
o silêncio e sair do relacionamento violento. Ao longo desse período de rompimento,
nota-se a presença de diversos fatores que dificultam a realização prática desta
decisão: percepção de que as instituições não contribuirão para o seu caso,
representações sociais, significados da violência intrafamiliar, frustrações, medo,
dependência econômica. A coexistência desses fatores impacta no retorno da mulher
ao ciclo de violência.
Vejamos como Sargot (2000, p. 89, tradução nossa) desenvolve o conceito de
rota crítica:

A rota crítica descreve as decisões e ações empreendidas pelas mulheres e


as respostas encontradas tanto em suas esferas familiares e comunitárias
quanto nas instituições. No nível institucional, os fatores de resposta estão
associados ao acesso, disponibilidade e qualidade dos serviços, que são
determinados tanto por fatores estruturais e regulatórios quanto pelas
representações sociais, atitudes e comportamentos dos mutuários. inter-
relacionadas entre si e atuam sobre a subjetividade das mulheres para

19
fortalecê-las ou fragilizá-las em sua decisão de iniciar e continuar uma busca
por ajuda e soluções.

Destaca-se que a rota crítica não é um processo linear, tendo em vista a sua
complexidade, sujeito a avanços e retrocessos. Ademais, não há que se falar em rota
crítica una, mas várias rotas críticas ao longo da história da mulher que decide romper
o padrão de violência vivenciado. O desencadeamento da rota crítica implica, em
muitas situações, o incremento do risco para a mulher, o que deve ser explorado no
momento da avaliação do risco, durante o preenchimento do Formulário Nacional de
Avaliação de Risco.

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a


constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não
desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a
induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua
sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou
que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição,
mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite
ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

A violência sexual provoca, usualmente, nas vítimas, sentimentos de medo,


culpa e vergonha, motivo pelo qual elas preferem ocultar os fatos. Ademais, nem
sempre as mulheres reconhecem como violência a relação sexual não desejada nas
relações afetivas, além de outras não terem o conhecimento que podem recusar tais
práticas sexuais. Nessa modalidade se encontram os crimes de estupro, estupro de
vulnerável se a vítima for menor de 14 anos ou, quando a mulher adulta, por
enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática
do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, importunação
sexual, exposição da intimidade, entre outros crimes contra a dignidade sexual.
A exposição da intimidade, inclusive, é uma forma muito usual de prática de
crime contra a mulher, especialmente após o rompimento do relacionamento. O
agressor, de posse de fotografias ou vídeos que revelam a intimidade da mulher,
ameaça (artigo 147 do Código Penal) ou divulga o conteúdo, justamente com a
finalidade de trazer prejuízos para a imagem e a honra da mulher (artigo 218-C do
Código Penal). O Código Penal prevê causa de aumento de pena nas hipóteses em
que tal fato é praticado com o intuito de vingança (pornografia de revanche).

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à


venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio
20
de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -,
fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro
ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou,
sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído
pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais
grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)

Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)


§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é
praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto
com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº
13.718, de 2018)

O registro não autorizado da intimidade sexual também é conduta típica comum


nos casos que envolvem violência de gênero contra a mulher. Desse modo, produzir,
fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato
sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes é
crime.

Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio,


conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e
privado sem autorização dos participantes: (Incluído pela Lei nº 13.772, de
2018)
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela Lei
nº 13.718, de 2018)
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em
fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa
em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (Incluído pela
Lei nº 13.718, de 2018)

Fazer montagens com a finalidade de incluir pessoa em cena de nudez ou ato


sexual ou libidinoso de caráter íntimo também é crime.

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que


configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus
objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer
suas necessidades;

Vale esclarecer que, usualmente, apresenta-se como meio para práticas de


outros atos de violência em relação à vítima (física ou psicológica). A violência
patrimonial atinge mulheres de qualquer condição socioeconômica. Contudo, é
artifício muito comum nos casos de violência praticados por agressores pertencentes
à alta classe social.

21
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure
calúnia, difamação ou injúria.

A violência moral é aquela que normalmente ocorre de forma conjunta à


violência psicológica. Compreende-se como qualquer conduta que consista em
calúnia (imputar à vítima fato criminoso sabidamente falso), difamação (divulgar fato
desonroso que ofenda a reputação da vítima) e injúria (atribuir à vítima qualidades
negativas, ofensivas à sua dignidade ou o decoro). Os tipos penais estão previstos
nos artigos 138 a 140 do Código Penal.
Retomando a análise preliminar a Lei Maria da Penha, observa-se que a política
pública construída para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher é
caracterizada pela atuação articulada entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, além da previsão de ação de organismos não governamentais. A
segurança pública integra-se operacionalmente com o Poder Judiciário, o Ministério
Público, a Defensoria Pública e as áreas de assistência social, saúde, educação,
trabalho e habitação.
Outra diretriz prevista na Lei Maria da Penha é a especialização do atendimento
policial à mulher, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher. Desse modo,
todas as unidades policiais devem prestar atendimento especializado às mulheres,
seja a unidade de atendimento exclusivo à mulher ou não. Além disso, há o imperativo
de capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo
de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas de atuação
articulada quanto às questões de gênero e de raça ou etnia.
A especialização do atendimento da mulher sustenta-se na necessidade de
atuação dos serviços públicos com base na perspectiva de gênero.

2.3 A ESPECIALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO POLICIAL

O atendimento policial especializado é uma das principais diretrizes da Lei


Maria da Penha. É por meio do registro da ocorrência policial que a mulher em
situação de violência acessa o sistema de justiça criminal para proteção de sua
integridade e de seus direitos. As Delegacias de Polícia, especializadas ou não, são
uma importante porta de entrada para as mulheres vítimas de violência, razão pela
qual o atendimento policial deve ser continuamente especializado e atualizado de
acordo com as diretrizes de acolhimento e atendimento humanizado.

22
A criação de unidades policiais especializadas no atendimento à mulher foi o
marco da institucionalização do enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil e
publicização da resolução dos conflitos domésticos, antes tidos como de solução
privada (ANDRADE; MATOS, 2017). A criação das Delegacias Especializadas de
Atendimento à Mulher (DEAMs) aconteceu no final da década de 1980, muito antes
da edição de uma lei específica para proteção da mulher, que surgiu somente em
2006. É, portanto, um dispositivo de política pública (FRUGOLI et al., 2019) e um
instrumento de controle social formal (RIFIOTIS, 2004), que executa atividades de
acolhimento e de polícia judiciária, responsável pela promoção de direitos e da
cidadania das mulheres.
A especialização do atendimento à mulher em unidades policiais próprias
(DEAMs) ou em delegacias territoriais implica na construção de um aparato policial
específico, que considera o marcador de gênero. Dessa forma, garante-se a
facilitação da denúncia por parte das vítimas e a compreensão de seu relato de acordo
com o contexto e as particularidades deste tipo de violência. A atuação especializada
dos policiais em termos de gênero representa um ganho político para a cidadania da
mulher (BANDEIRA, 2014).
Quando a mulher em situação de violência procura uma unidade policial, ela
deseja colocar um limite na violência, mas não necessariamente um fim na relação.
Alguns fatores são apontados pela literatura como obstáculos ao registro da denúncia,
tais como: dependência emocional, dependência econômica, medo de sofrer nova
agressão, de ser humilhada, de não ser ouvida ou de ser mal atendida, receio de ser
exposta, vergonha, julgamento da família e da sociedade, não reconhecimento da
condição de vítima, não acolhimento de seu discurso, perda de status social. Por outro
lado, não é demais lembrar que quando a mulher resolve procurar auxílio policial pode
já existir uma vivência crônica de violência (RIFIOTIS, 2004).
Há também o fato de que as mulheres decidem agir ativamente contra a
violência sofrida quando os atos de agressão estendem-se aos filhos. O percentual
de mulheres mães que solicitam atendimento policial é significativo (PIRES, 2022;
LUDUVICE; ZANELLO, 2023). Crianças e adolescentes são, no mínimo, vítimas
indiretas da violência de gênero contra a mulher. É preciso atentar-se para este fator,
tendo em vista a necessidade de adoção de medidas de proteção, tal como inscrito
no Estatuto da Criança e do Adolescente, com investigação específica para apuração
dos atos criminosos quando crianças e adolescentes são vítimas. Considera-se,
23
nestes casos, a doutrina da proteção integral e os princípios do melhor interesse e da
prioridade absoluta.
O atendimento policial especializado parte do princípio de conciliar a
necessidade de acolhimento, escuta ativa, orientação e direcionamento para a rede
de apoio, com a adoção de atividades de polícia judiciária. A atividade policial é
administrativa, consistente na reunião de elementos informativos de autoria,
materialidade, dinâmica, motivação e circunstâncias do fato criminoso. A investigação
criminal nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher deve se revestir
de tecnicidade, visando à reunião de informações que viabilizem, no futuro, a
responsabilização criminal do autor por meio de uma condenação criminal.
A narrativa da vítima possui especial importância, considerando que alguns
atos criminosos são sutis e não deixam vestígios, sendo a mulher em situação de
violência a principal fonte de obtenção de informações para a investigação. Existe um
ônus probatório para a mulher que sofre violência de gênero, na medida em que a
prova de determinados fatos, em certas circunstâncias, é de difícil comprovação,
especialmente diante da escolha de se empregar violência sem deixar evidências,
concluindo que o sistema criminaliza somente os excessos (SAFFIOTI, 2001).
A lógica introduzida pela Lei Maria da Penha é de subversão da “hermenêutica
da suspeita”, ou seja, a palavra da vítima ganha especial relevância, afastando-se
quaisquer dúvidas sobre sua moralidade, condição de vítima ou credibilidade de seu
relato.
O discurso da vítima, diferentemente da linguagem policial, que geralmente é
objetiva, é tomado por emoções e sentimentos (RIFIOTIS, 2004). Nas hipóteses de
violência crônica, esse discurso, inclusive, pode não ser linear, considerando a
confusão de fatos e datas ao longo do tempo. Tal circunstância não deve gerar
descrédito na exposição dos fatos pela vítima, sendo adequado que o policial ofereça
a segurança e a tranquilidade necessárias para que a vítima consiga articular sua fala.
Se necessário, verifique junto ao Portal do Sistema Integrado de Defesa Social
(SIDS/REDS) outras ocorrências entre os envolvidos para traçar a linha do tempo de
fatos já noticiados3.

3 Para obter a linha temporal dos fatos, adicione o nome dos envolvidos entre aspas no campo
“Parâmetros de pesquisa”, no menu “Consultas” → “Registros Históricos” e altere, no campo
“Ordenação”, selecionando no tópico “Nome do campo a ser ordenado” o critério “Data do fato” e, no
tópico “Sentido da ordem”, a opção “Decrescente”. A consulta de acordo com esses parâmetros
24
Há que se fazer um ajuste, portanto, na linguagem policial para o atendimento
às mulheres em situação de violência, com o escopo de ouvi-las sem julgamento, sem
pressa, considerando, ainda, circunstâncias que atingem a clareza da comunicação,
como idade, deficiência ou profundo abalo emocional.

2.4 A ATUAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL NOS TERMOS DA LEI Nº 11.340/2006

A Lei Maria da Penha dispõe sobre a obrigação dirigida à autoridade policial em


adotar, de imediato, as providências legais cabíveis nas hipóteses de iminência ou da
prática de violência doméstica ou familiar contra a mulher, inclusive nos casos de
descumprimento de medida protetiva de urgência.
É dever da autoridade policial, em um rol não taxativo, ou seja, podendo ser
adotadas outras providências pertinentes ao caso concreto, e sem necessidade de
ordem judicial, a adoção das seguintes medidas:

I- garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de


imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto
Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo
ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de
seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os
serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o
eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação
judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de
união estável.

É extremamente importante que as mulheres em situação de violência sejam


acompanhadas por policiais até sua residência para buscar seus documentos e
pertences, tendo em vista ser habitual que elas saiam de casa logo após a violência
sofrida, deixando para trás objetos, roupas, documentos, equipamentos de trabalho,
medicamentos. Para o cumprimento da diligência, a ofendida deve possuir as chaves
da casa ou habilitar os meios necessários à entrada no imóvel. Não sendo possível
entrar na casa e havendo recusa do morador, sugere-se a expedição de mandado de
busca e apreensão para a entrada no imóvel.

permitirá encontrar a linha do tempo de REDS envolvendo as partes. É possível, inclusive, gerar um
arquivo em formato “.PDF” ou em “.CSV”.
25
Policiais civis e servidores administrativos que realizem o atendimento à mulher
em situação de violência devem conhecer a rede de proteção à mulher do seu
município: casas abrigo, centros de referência especializados, CREAS, CRAS, CAPS,
CAPSAD, Defensoria Pública, varas criminais com competência para a violência
doméstica ou Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
Promotorias de Justiça especializadas ou não, PMMG, especialmente se houver
Patrulha da Prevenção da Violência Doméstica (PPVD/PMMG) na localidade, Núcleos
de Assistência Judiciária, unidades de saúde. O domínio sobre a rede e a articulação
com seus diversos atores é útil para determinar o encaminhamento mais adequado
ao caso concreto.
Há casos em que a situação é tão grave que a mulher corre risco de morte caso
retorne para casa, razão pela qual necessita de uma medida de proteção imediata,
devendo ser encaminhada a um local seguro e sigiloso. Não havendo instituição de
abrigamento na localidade ou que atenda o município, necessário o acionamento do
Município, geralmente por meio das secretarias de assistência social, para
desenvolvimento de solução para o quadro crítico que demande abrigamento
provisório. É possível que o município forneça local seguro para abrigamento da
ofendida e de seus dependentes, seja por meio do custeio de estadia, fornecimento
de passagem para local seguro, aluguel social, entre outras alternativas, de acordo
com a política pública estabelecida na cidade.
A Lei nº 13.894/2019 alterou o inciso V do art. 11 da Lei Maria da Penha,
especificando que a mulher deve ser informada de seus direitos e sobre os serviços
disponíveis durante o atendimento policial, inclusive os de assistência judiciária para
o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de
divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável. Mais uma vez,
o domínio sobre a rede local e os serviços disponibilizados à mulher em situação de
violência doméstica e familiar revela-se fundamental.
A Lei nº 13.505/2017 alterou a Lei Maria da Penha e instituiu que é direito da
mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial
especializado, ininterrupto e prestado por servidores, preferencialmente do sexo
feminino, e previamente capacitados. Recentemente, a Lei nº 14.541/2023 dispôs sobre
a criação e o funcionamento ininterrupto de Delegacias Especializadas de Atendimento
à Mulher. Instituiu a novel lei que, além das funções de atendimento policial
especializado para as mulheres e de polícia judiciária, as DEAMs funcionarão como
ponto focal de assistência psicológica e jurídica à mulher vítima de violência, o que será
26
realizado mediante convênio com a Defensoria Pública, os órgãos do Sistema Único de
Assistência Social e os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
A nova legislação destaca o papel central das DEAMs no enfrentamento à
violência contra a mulher. Além disso, indica expressamente que as DEAMs têm como
finalidade o atendimento de todas as mulheres que tenham sido vítimas de violência
doméstica e familiar, crimes contra a dignidade sexual e feminicídios. O atendimento
às mulheres nas delegacias será realizado em sala reservada e, preferencialmente,
por policias do sexo feminino. Neste ponto, reforça-se a necessidade de atendimento
em local adequado, de modo a impedir os atendimentos em recepção ou em locais
que não se dê privacidade ao ato.
Outro ponto de destaque sobre o atendimento é que ele deve ser eficaz e
humanitário. Onde não houver DEAM, a delegacia de abrangência territorial deve
priorizar o atendimento da mulher vítima de violência por policial feminina
especializada. Segundo a lei, os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública
(FNSP)4. destinados aos Estados poderão ser utilizados para a criação de Delegacias
Especializadas de Atendimento à Mulher, em conformidade com as normas técnicas
de padronização estabelecidas pelo Poder Executivo5.
Para a execução da lei, necessária a destinação de verba específica para a
implantação do atendimento ininterrupto das DEAMs no Estado de Minas Gerais.
Atualmente, Minas Gerais conta com 69 DEAMs no interior, 4 DEAMs na capital e 1
Delegacia de Plantão Especializada de Atendimento à Mulher, sendo esta com
atendimento ininterrupto, incluindo feriados e finais de semana. A Casa da Mulher
Mineira é unidade policial especializada no atendimento às mulheres em situação de
violência que procuram atendimento por demanda espontânea, em Belo Horizonte.
Além disso, por meio da Delegacia Virtual6 é possível o registro de ocorrências
policiais das infrações penais de ameaça, lesão corporal, vias de fato, bem como o
descumprimento de medida protetiva de urgência. É possível, ainda, a solicitação de
medidas protetivas de urgência e a realização da avaliação de risco por meio do
Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR). Este atendimento é ininterrupto
e pode ser acionado de qualquer lugar, de forma online.

4 Para mais informações sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública, acesse:


https://portaldatransparencia.gov.br/funcoes/06-seguranca-publica?ano=2023.
5 Para consultar a íntegra da Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de

Atendimento às Mulheres – DEAMs (2010), acesse: http://www.compromissoeatitude.org.br/norma-


tecnica-de-padronizacao-das-delegacias-especializadas-de-atendimento-as-mulheres/.
6 https://delegaciavirtual.sids.mg.gov.br/sxgn/

27
Ao receber a ocorrência no PCNET, cujo REDS é assinalado com o código
“DV”, o/a delegado/a de polícia deve adotar de imediato as providências para
estabelecer contato com a ofendida e formalizar o EAMP com pronto envio ao Poder
Judiciário. Sugere-se o contato telefônico com a vítima, a fim de agilizar a formalização
do procedimento policial.
Ressalta-se a importância do atendimento ininterrupto, visto que o atendimento
policial é determinante para o acesso da mulher à rede de proteção e à justiça, já que
a polícia é porta de entrada de grande parte dos casos de violência doméstica. As
delegacias de polícia devem estar preparadas para receber qualquer ocorrência de
violência doméstica e familiar contra a mulher, inclusive 24h por dia no caso das
delegacias de plantão, seja em razão de condução em flagrante delito, seja em virtude
da demanda espontânea da vítima para solicitação do REDS, solicitação de medidas
protetivas por meio do EAMP e encaminhamento para atendimento da rede de apoio
e para os exames periciais necessários.
Sugere-se a priorização na ordem do atendimento dessas vítimas, colocando-as
juntamente com as preferências legais (criança, adolescente, idoso, pessoa com
deficiência, gestante etc.). Ressalta-se que há prioridade legal no atendimento de
mulheres em situação de violência por policiais femininas com treinamento especializado.
Nas equipes de plantão não especializado os policiais devem estar preparados
para o atendimento dessas demandas específicas, com aptidão para elaborar as
peças policiais específicas, orientar as vítimas sobre a rede de apoio local, inclusive
com telefones e endereços, bem como reduzir a termo as declarações da ofendida
com todas as informações necessárias à apuração do fato criminoso. Esse primeiro
contato com a vítima é essencial para a correta condução dos trabalhos de prevenção
e repressão da violência.
Tanto no atendimento especializado como nos atendimentos por delegacias de
polícia não especializada, todas as informações necessárias à formalização do EAMP
e à condução do inquérito devem ser repassadas nesse primeiro contato, bem como
devem ser apreendidos os objetos que tenham pertinência com a investigação,
atentando-se para os procedimentos da cadeia de custódia. O primeiro atendimento
bem executado evita a necessidade de novas intimações e reinquirições da ofendida,
o que impede, por consequência, a revitimização.

28
A Lei nº 13.505/2017 trouxe ainda diretrizes para a oitiva da mulher em situação
de violência, que deverá ser humanizada, respeitosa e deverá ocorrer em espaço
adequado, a fim de evitar a revitimização dessa mulher que chega à delegacia de
polícia abalada emocionalmente, devendo ser considerada a sua especial situação de
vulnerabilidade.
A legislação determina que a mulher não deve, em momento algum, ficar na
presença do seu agressor, até porque a violência acabou de ocorrer, os ânimos estão
exaltados e o agressor pode voltar a agredir a mulher mesmo na delegacia de polícia
ou na presença de policiais. Tal providência visa preservar a integridade física e
psicológica da mulher em situação de violência. Vítima e agressor, portanto, não
devem compartilhar o mesmo espaço físico, ser conduzidos na mesma viatura policial
ou usar o mesmo elevador simultaneamente. Deve-se, evitar, ainda, o contato visual
ou auditivo nas dependências da unidade policial, principalmente durante a tomada
das declarações da ofendida, a fim de que a presença do agressor não limite seu
depoimento ou a intimide.
A lei dispõe ainda que o depoimento da mulher deve ser gravado, devendo a
mídia e a degravação integrarem o inquérito. Em relação a esta determinação legal,
há uma grande dificuldade em cumpri-la, visto que a maior parte das unidades policiais
ainda não possui aparato tecnológico para a execução desta atividade. Contudo,
sempre que possível esta providência deve ser adotada considerando os ganhos em
termos de humanização no depoimento, a eliminação de perdas de conteúdo,
sentidos, detalhes, intensidade e emoção no discurso da ofendida.
O PCNET já prevê recurso tecnológico para inserção de oitiva da ofendida
realizada por videoconferência ou para anexar a oitiva realizada na unidade policial e
gravada por vídeo.

Figura 11

Fonte: PCnet.
29
Orienta-se, ainda, que as lesões corporais sejam fotografadas, com autorização
da ofendida e formalização da anuência por escrito, garantindo-se privacidade no ato
e que tal providência seja adotada por uma mulher. As fotografias devem ser
encartadas nos autos, para os quais o/a delegado/a de polícia deve atribuir sigilo, caso
apresente conteúdo íntimo. Para juntada no PCNET, inserir em “Termos Ordinatórios”
/ “Juntada”.
A seguir, a transcrição integral do artigo 10-A, da Lei nº 11.340/2006, incluído
pela Lei nº 13.505/2017:

Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e


familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e
prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino -
previamente capacitados.
§ 1º A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar
ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime
contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:
I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente,
considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de
violência doméstica e familiar;
II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de
violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato
direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;
III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições
sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem
como questionamentos sobre a vida privada.
§ 2º Na inquirição de mulher em situação de violência doméstica e
familiar ou de testemunha de delitos de que trata esta Lei, adotar-se-á,
preferencialmente, o seguinte procedimento:
I - a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse
fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da
mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e
ao tipo e à gravidade da violência sofrida;
II - quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional
especializado em violência doméstica e familiar designado pela
autoridade judiciária ou policial;
III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético,
devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.

Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o


registro da ocorrência, deverá o/a delegado/a de polícia adotar, de imediato, os
seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo
Penal:

I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a


representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e
de suas circunstâncias;

30
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado
ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas
protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida
e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha
de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão
ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VI-A - verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma
de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação,
bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela
concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei nº
10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento);
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao
Ministério Público.

Estas providências dizem respeito à atividade de polícia judiciária desenvolvida


pela Polícia Civil. A investigação policial dos casos de violência doméstica e familiar
contra a mulher deve estar comprometida com a tecnicidade, com o levantamento de
elementos informativos que subsidiem o oferecimento da denúncia pelo Ministério
Público ou da queixa-crime pelo titular da ação penal. Devem ser coletados todos os
objetos ou vestígios relacionados à infração penal, bem como devem ser levantadas
as testemunhas, se houver, com a tomada de depoimento.
A comunicação eletrônica do EAMP no PJe representou significativo ganho de
tempo na proteção da mulher em situação de violência doméstica. Por meio deste
recurso, o tempo de comunicação da solicitação de medidas protetivas ao magistrado
foi amplamente reduzido, de modo a ser praticamente instantâneo ao término do
atendimento policial da mulher na delegacia.
Devem ser inseridas no EAMP as peças obrigatórias, assinadas digitalmente,
incluindo o fato policial e a folha de antecedentes criminais dos envolvidos, com
vinculação dos dados atualizados no SIP. Reforça-se que os endereços dos
envolvidos devem estar atualizados, com a possibilidade de indicação do telefone
para intimação via Whatsapp, no caso das vítimas. A ausência do endereço ou o
endereço errado gera prejuízos para a intimação das partes sobre a decisão judicial
concessiva ou que indefere as medidas protetivas de urgência.
Há recurso disponível no PCNET na peça “Oitiva da Ofendida” para ocultar o
endereço e o telefone da vítima, visando sua proteção. É possível, ainda, apontar se
a vítima deseja ser acompanhada pela Defensoria Pública ou indicar o nome e o
telefone de seu advogado.
31
Figura 12

Fonte: PCnet.

A Lei nº 13.880/2019 acrescentou o inciso VI-A ao art. 12 da Lei Maria da


Penha, o qual determina a verificação sobre a posse ou porte legal de arma de fogo
pelo agressor. Existindo arma de fogo, tal informação deve ser juntada aos autos e a
instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte deve ser
notificada, nos termos da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).
O/A delegado/a deverá informar nos autos da prisão em flagrante ou do inquérito
se o agressor possui arma de fogo ou autorização para ter e, caso possua, deverá
constar nos autos e comunicar a ocorrência registrada à instituição responsável pela
concessão do registro ou emissão do porte. A informação nos autos de que o agressor
possui arma de fogo é relevante para que o juiz determine a sua apreensão.
A alteração na lei não permite que o delegado de polícia suspenda o porte ou
posse de arma legalizada ou que a apreenda, imediatamente, em razão da prática de
violência doméstica. A arma legalizada poderá ser apreendida pelo delegado, de
imediato, somente se tiver sido utilizada na prática do crime, na hipótese de flagrante
delito (Ex.: agressor usa a arma de fogo legal para promover ameaças ou efetua
disparo de arma de fogo). Nas demais situações, a arma deverá ser objeto de busca
e apreensão.
A arma ilegal deve ser objeto de apreensão, devendo o/a delegado/a de polícia
representar judicialmente pela expedição de mandado de busca e apreensão, estando
a arma acautelada em domicílio. No caso de arma ilegal, verifica-se, ainda, a prática
de crimes previstos no Estatuto do Desarmamento. Por esse motivo, mesmo que a
arma não tenha sido empregada para a prática do crime, deverá ser objeto de
apreensão, em flagrante delito ou por meio de mandado de busca e apreensão quando
houver necessidade de adentrar no domicílio do agressor.
Entende-se que a existência de arma de fogo potencializa os riscos da mulher
que vivencia situação de violência. Segundo o Diagnóstico da violência doméstica e
32
familiar contra a mulher nas Regiões Integradas de Segurança Pública do Estado de
Minas Gerais – 2º semestre de 2022 (MINAS GERAIS, 2023), 22,8% dos crimes de
feminicídio ocorridos no Estado em 2022 foram praticados com emprego de arma de
fogo. As armas brancas ainda são os instrumentos mais comuns na prática do
feminicídio (48%), tendo em vista a facilidade de uso de objetos à disposição do
agressor, facilmente encontrados no interior da unidade doméstica. Contudo, é preciso
reforçar a esfera de proteção da mulher, retirando do alcance do agressor armas de
fogo que podem ser utilizadas para a prática de feminicídio.
Em se tratando de profissionais da segurança pública e de Colecionadores,
Atiradores Desportivos e Caçadores – os CACs – é válido, no momento de solicitação
de informações à corporação ou ao Comando do Exército, solicitar o mapa de armas
do agressor. O mapa de armas indica a quantidade e especifica o tipo de arma de
fogo, calibre, marca, número de série. Esta providência garante uma diligência de
busca e apreensão mais efetiva, retirando da posse do agressor todas as armas de
fogo registradas em seu nome, bem como garante maior segurança à diligência
policial de cumprimento do mandado de busca e apreensão, permitindo, inclusive, a
preparação da melhor estratégia de tomada e adentramento no imóvel.
A Lei nº 13.505/17, em seu art. 12-A, trouxe uma imposição aos Estados e ao
Distrito Federal de, na formulação de suas políticas e planos de atendimento à mulher
em situação de violência doméstica e familiar, conferir prioridade, no âmbito da Polícia
Civil, à criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), de
Núcleos Investigativos de Feminicídio e de equipes especializadas para o atendimento
e a investigação das violências graves contra a mulher. A Polícia Civil de Minas Gerais
possui em seu organograma o Núcleo Especializado de Investigação de Feminicídio,
no Departamento de Investigação de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
O art. 12-B, §3º, também acrescentado pela citada lei, possibilitou à autoridade
policial requisitar os serviços públicos necessários à defesa da mulher em situação de
violência doméstica e familiar e de seus dependentes. Esse artifício legal permite o
acionamento de órgãos públicos que possam prestar serviços à mulher vítima e seus
dependentes, reforçando que o enfrentamento à violência doméstica e familiar se dá
por mecanismos articulados. Para além do atendimento policial, a mulher em situação
de violência e seus dependentes devem ser assistidos pela rede de apoio e é nas
delegacias de polícia o espaço mais comum para que as mulheres sejam orientadas
sobre seus direitos e como acessar os órgãos de assistência.
33
Uma atualização necessária diz respeito à inovação trazida pela Lei nº 14.550,
de 19 de abril de 2023, que promoveu mudanças na Lei Maria da Penha. A partir de
agora, as medidas protetivas de urgência serão concedidas em juízo de cognição
sumária a partir do depoimento da ofendida perante a autoridade policial ou da
apresentação de suas alegações escritas. O indeferimento das medidas protetivas
ocorrerá somente na hipótese de inexistência de risco à integridade física, psicológica,
sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
Isso significa uma ampliação do acesso à Justiça pelas mulheres em situação
de violência, na medida em que poderão apresentar suas alegações por escrito, para
fins de concessão de medidas protetivas. Significa, ainda, que o indeferimento do
pedido poderá ocorrer somente no caso de inexistência de risco, o que implica na
imprescindibilidade da avaliação de risco por meio do Formulário Nacional de
Avaliação de Risco. Por sua vez, a manutenção das medidas protetivas também fica
vinculada ao risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da
ofendida ou de seus dependentes, não havendo mais que se falar em fixação de prazo
limite de duração das medidas protetivas de urgência.
Outra novidade trazida pela lei é que as medidas protetivas de urgência serão
concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de
ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de
ocorrência. Na prática, quer dizer que não há necessidade de representação criminal
para concessão das medidas protetivas ou de o fato ser típico para aplicação das
medidas protetivas. Essa hipótese de recusa era muito comum. Com isso, superamos
mais um entrave no acesso à Justiça da mulher em situação de violência.
A lei indica também que as disposições de proteção especializada da mulher
serão aplicadas a todas as situações de violência doméstica, familiar ou de relação
íntima de afeto, independentemente da causa ou da motivação dos atos de violência
e da condição do ofensor ou da ofendida.

34
3 ATENDIMENTO E INVESTIGAÇÃO POLICIAL COM PERSPECTIVA DE
GÊNERO

A perspectiva de gênero na condução do atendimento e da investigação policial


parte do pressuposto de que gênero é uma categoria histórica e analítica que
demonstra a diversidade de papeis atribuídos socialmente a homens e mulheres e
que culmina com as distorções de poder e com as desigualdades. Estas
desigualdades e assimetria de poder geram, comumente, a prática das violências
suportadas pelas mulheres nos ambientes doméstico, familiar e nas relações de
intimidade.
O atendimento policial nas hipóteses de violência doméstica e familiar é alvo
de críticas e de questionamentos, o que gera a necessidade de mudança da
percepção da sociedade sobre a atuação policial. Este objetivo somente será
cumprido com o comprometimento de todos os policiais e servidores administrativos
da Polícia Civil de Minas Gerais no treinamento especializado e na aplicação prática
das diretrizes do atendimento humanizado e acolhedor, compreendendo as
especificidades que permeiam as questões de gênero. Os órgãos de segurança
pública, portanto, devem superar a visão estereotipada e preconceituosa da mulher
em situação de violência, rompendo seu vínculo com a perpetuação das
desigualdades e com o patriarcado nas instituições.
A Polícia Civil é responsável pela fase preliminar de repressão estatal, antes da
deflagração da persecução penal, extraindo elementos de informação de autoria e
materialidade delitiva, a fim de subsidiar a atuação do titular da ação penal. O trabalho
de polícia judiciária é, portanto, preventivo e repressivo. São princípios norteadores
das DEAMs, especificamente: a especialização, a primazia dos direitos humanos, a
igualdade, a não discriminação, o direito a uma vida sem violência, o atendimento
integral, a celeridade e o acesso à justiça (BRASIL, 2016).
A atuação com a perspectiva de gênero considera a mulher no centro da
investigação, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda,
cultura, nível educacional, idade ou religião. Entende-se que a mulher vítima de
violência é pessoa em situação de vulnerabilidade (BRASIL, 2016). A atuação focada
na mulher em situação de violência implica no dever de informação e participação no
inquérito policial. A proteção especializada da mulher deve contemplar sua assistência
integral.
35
Figura 13 Além disso, os profissionais de
segurança pública devem compreender
o ciclo da violência, também chamado
de espiral da violência, considerando a
reiteração de atos de violência em
escalada e sucedidos de fases de
bonança. A demonstração dessa
percepção por parte dos policiais gera
nas vítimas o sentimento de confiança
nas autoridades e no sistema de justiça
criminal, motivo pelo qual deve ser
estimulado.
Fonte: Governo de Santa Catarina. O ciclo da violência/espiral de
violência desenvolve-se em três fases: aumento da tensão, ataque violento e lua de
mel. O momento do aumento da tensão é aquele em que são praticados atos que
geram na mulher uma sensação de perigo, instabilidade e insegurança, geralmente
permeados por intimidações, críticas, medidas de isolamento, desconfiança, gritos, o
que comumente se denomina de violência simbólica (BORDIEU, 2022). Neste estágio,
a vítima é tomada por ansiedade e tenta se antecipar para evitar o comportamento do
agressor com a finalidade de conseguir gerir melhor o conflito (SOARES, 1999).
É comum que o agressor tenha acessos de raiva, mostrando-se tenso e irritado
por situações irrelevantes. A mulher, em contrapartida, ao tentar acalmar o agressor,
buscando evitar qualquer conduta que possa vir a desagradá-lo, costuma ter
sentimentos de aflição, medo, angústia, tristeza, ansiedade, dentre outros. Esta fase
não é facilmente reconhecida, eis que, geralmente, a vítima tende a negar que tais
violências estão acontecendo com ela, escondendo os fatos para as demais pessoas.
É comum que a mulher acredite que fez algo de errado, além de justificar o
comportamento violento do agressor em fatores externos, tais como: problemas no
trabalho, dívidas, estresse, utilização em excesso de álcool e drogas ilícitas. Essa
tensão pode durar dias, meses ou anos, todavia, tende a se intensificar, ocasionando,
assim, a segunda fase.
O acirramento da tensão nas relações evolui para a etapa seguinte, o ataque
violento, que é a fase crítica onde os atos criminosos acontecem: ameaças de morte
ou de agressão física, ofensas à honra, exposição da intimidade, lesão corporal,

36
disparos de arma de fogo, feminicídio. As agressões podem evoluir em intensidade,
frequência ou gravidade. É neste momento que a vítima procura auxílio policial.
Nesta fase, o descontrole do agressor chega ao limite. Toda a tensão
acumulada na primeira fase se materializa em violência verbal, física, psicológica,
patrimonial ou sexual. Tais violências tendem a se intensificar na sua frequência e
escala. A mulher sente-se paralisada e impossibilitada de reação, mesmo tendo
consciência de que o agressor está descontrolado e com poder destrutivo em relação
à sua vida e/ou de terceiros.
A vítima, neste estágio, sofre consequências psicológicas intensas, como, por
exemplo: ansiedade, oscilação de peso, insônia, fadiga, solidão, medo, raiva,
confusão, dor, pena de si mesma, além da vergonha. Tendo em vista o pico das
agressões, é neste momento que a vítima costuma buscar ajuda médica e apoio de
amigos e/ou familiares, além de tomar outras decisões, como a de registrar um boletim
de ocorrência, pedir o divórcio ou, até mesmo, cometer autoextermínio.
Na fase seguinte, a vítima vivencia a experiência de uma lua de mel, ou seja, o
agressor demonstra arrependimento e se compromete a mudar seu comportamento,
oferecendo promessas, presentes e afeto. É o momento em que o agressor manipula
emocionalmente a vítima e ela acredita em seu potencial de mudança (BRASIL, 2016).
Esta fase se caracteriza pelo arrependimento do agressor. Com o intuito de se redimir
das violências e de conseguir a reconciliação, o agressor torna-se amável.
Neste ponto, o agressor envolve a vítima com carinho e atenção, desculpando-
se pelas agressões, prometendo mudanças e não repetição de práticas violentas. É
um período de relativa calma. A mulher se sente feliz ao constatar os esforços,
mudanças de atitude, além de recordar os momentos agradáveis que vivenciaram.
Com os sentimentos de remorso demonstrado pelo agressor, a vítima se sente
responsável por ele, estreitando, assim, a relação de dependência entre os
envolvidos. Neste estágio, uma sensação mista de medo, confusão, culpa e ilusão
invadem os sentimentos da mulher.
Contudo, o ciclo de violência doméstica contra a mulher se renova, gerando a
recorrência dos atos violentos (LUCENA et al., 2016). Compreende-se o momento
mais perverso do ciclo, ao retornar à repetição sucessiva das retromencionadas fases,
continuamente, ao longo de meses ou anos, culminando, em situações limites, em até
um eventual feminicídio.
De acordo com Lucena et al. (2016, p. 6):
37
O ciclo da violência inicia-se de uma forma lenta e silenciosa, que progride
em intensidade e consequências. O agressor muitas vezes não lança mão
inicialmente de agressões físicas, mas coíbe a liberdade individual da vítima
e fomenta humilhações e constrangimento.

A violência evolui em graus, partindo de atos de violência psicológica até chegar


na violência física, testando os limites de tolerância da vítima. A mulher que vivencia
o ciclo de violência apresenta consequências de ordem física e psicológica, bem como
em suas relações sociais da vítima (LUCENA et al., 2016). Em se tratando da mulher
que se encontra em situação de violência, geralmente, não lhe basta saber dos seus
direitos para conseguir romper com o ciclo da violência, tendo em vista que a própria
natureza deste tipo de relacionamento abusivo faz com que a vítima se isole do seu
convívio próximo e, consequentemente, encontre dificuldades e limitações ainda
maiores para tomar alguma atitude.
É importante ter em mente, que, geralmente, as mulheres em situação de
violência procurarão as delegacias de polícia no ápice do espiral de violência para
registrar a denúncia e, de igual modo, voltarão à unidade policial para “retirar a queixa”
na fase da lua de mel. Compreender essa dinâmica e as ambiguidades das ações
dessas mulheres eleva a prestação do serviço de segurança pública nos casos de
violência doméstica e familiar. O profissional de segurança pública, comprometido e
especializado, consegue perceber essas oscilações de comportamento e oferecer às
vítimas a orientação adequada, alertando-as de que as mutações no ciclo de violência
são previsíveis e que a escalada da violência é uma possibilidade.
As mulheres em situação de violência comumente solicitam a retirada das
medidas protetivas por estarem sob influência do próprio fenômeno da violência de
gênero. Na construção da subjetividade da mulher, estão os dispositivos do amor, do
cuidado e da maternidade. As mulheres são influenciadas em suas decisões quando
percebem que os filhos estão sendo prejudicados do convívio paterno, que o ex-
marido é um bom pai e trabalhador e que pode sofrer prejuízos no trabalho e
comprometer sua renda. Além disso, pode acreditar que tomou a atitude de denunciar
com a “cabeça quente”, que aquele companheiro era seu ideal de casamento e família,
e que é seu dever ajudar/salvar seu cônjuge do alcoolismo e da dependência de
drogas, entre outros pensamentos que minimizam o ato violento.
A dependência financeira também é fator que estimula a retirada das medidas
protetivas pelas mulheres em situação de violência. O isolamento, o afastamento do
mercado de trabalho e da formação profissional são características da violência de
38
gênero contra a mulher. Ao término da relação, a mulher apresenta restrições para se
inserir no mercado de trabalho, seja porque ficou anos sem exercer sua atividade
laborativa, seja porque não se capacitou para se candidatar a algum posto de trabalho
(LUDUVICE; ZANELLO, 2023).
A ausência de percepção sobre o risco é outro elemento que gera a retirada
das medidas protetivas de urgência. As mulheres podem subestimar a situação de
perigo ou, ainda, decidem retomar o relacionamento com o agressor, motivo pelo qual
compreendem que não estão mais em risco. As medidas protetivas de urgência são
vinculadas à necessidade de proteção das mulheres, motivo pelo qual o ideal, diante
desta solicitação das vítimas, é reaplicar o Formulário Nacional de Avaliação de Risco
(FONAR) e orientá-la sobre os fatores de risco detectados. A palavra final durante o
atendimento policial, contudo, sempre será da mulher em situação de violência, em
decisão orientada, esclarecida e informada de todos os riscos e dos mecanismos de
superação. Apesar disso, é possível que o Poder Judiciário mantenha a decisão
judicial, verificado o risco atual ou iminente de nova violência.

Artigo 18, §3º - Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a


pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever
aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de
seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.

É fundamental que o profissional de segurança pública compreenda a dinâmica


da violência doméstica e familiar contra a mulher. Por isso, alguns elementos precisam
ser explorados. Pesquisas indicam que o ciúme, o fato de o homem se sentir
contrariado, a ingestão de álcool e a crença de traição são elementos que permeiam
os atos de violência contra a mulher (DEEKE, 2009).
O ciúme é causa de aumento da tensão entre o casal. É comum que o/a
agressor/a acredite que a mulher o esteja traindo e insiste para confirmar sua suspeita,
exigindo que a vítima confesse o relacionamento extraconjugal. Em alguns casos, a
suspeita é infundada, o que gera impactos de ordem psicológica na mulher, que se
sente controlada, vigiada, ofendida em sua honra e menosprezada. A prática de atos
de violência nesta circunstância evidencia a tentativa de exercício de controle, domínio
e punição pelo/a agressor/a.
A contrariedade com uma ordem dada pelo/a agressor/a também pode ser fator
de desencadeamento de violência. A violência é empregada como forma de coagir e
subordinar a mulher aos seus comandos e às suas regras. Esse elemento tem relação
39
com a manutenção de papeis tradicionais de gênero. Na medida em que a mulher se
distancia dos papeis convencionais, ela sofre violência como forma de limitação de
seus desejos, crenças, vontades e decisões. É possível, contudo, que essa luta de
poderes seja recíproca, o que acirra o quadro de conflito entre os envolvidos,
demonstrando que a violência apresenta caráter relacional.
A ingestão imoderada de álcool não é causa da violência, mas é fator
desinibidor dos sentidos que pode potencializar atos de violência. O consumo
excessivo de álcool pode revelar uma personalidade impulsiva e também pode
funcionar como uma desculpa social para a prática de atos violentos. Verifica-se a não
aceitação por parte do agressor de que a mulher interfira em seus hábitos e
comportamentos relacionados ao álcool (frequentar bares, chegar tarde em casa, virar
madrugada, limitar a quantidade e o tipo de bebida etc.), o que pode ser episódio
desencadeador de violência. Além do mais, em alguns casos, nota-se que a mulher
se vê responsável por tirar o homem do alcoolismo, em uma postura de salvadora ou
de codependência.
De modo geral, a codependência é atrelada à violência de gênero nas relações
afetivas. A codependência é conceito da psicologia que retrata pessoas que, para se
sentirem seguras e autoconfiantes dependem da aprovação ou da validação do outro.
De acordo com Saffioti (2002, p. 16): “os co-partícipes não são iguais nem
desempenham o mesmo papel na relação; complementam-se. Dependem dessa
relação violenta da mesma forma que a nutrem”. O rompimento da relação com
codependência somente se dá com auxílio externo (SAFFIOTI, 2002; SAFFIOTI,
2004). Tal circunstância aumenta a potência do trabalho policial para o rompimento do
ciclo de violência, por meio da orientação adequada e encaminhamento para o ator
da rede com atribuição e especialização no assunto.
Noutro giro, percebe-se que a violência doméstica aumenta nas situações de
desemprego do homem, pois a perda do status de provedor atinge a virilidade
masculina (SAFFIOTI, 2004). O desemprego do agressor é o fator sociodemográfico
de risco de maior peso para o feminicídio (CAMPBELL et al., 2003), eis que significa
a perda do status de provedor e gera uma “subversão da hierarquia doméstica”,
afetando a virilidade masculina (SAFFIOTI, 1999, p. 87). Para Saffioti (1999), a
impotência econômica desencadeada pelo desemprego ocupa posição semelhante à
impotência sexual no imaginário de perdas masculino. Por outro lado, a autonomia
financeira da mulher pode estar relacionada à violência por parceiro íntimo em
40
contextos socioculturais mais arraigados ao domínio masculino sobre a mulher e aos
padrões tradicionais de gênero (D’OLIVEIRA et al., 2009).
A traição real ou putativa é fator que demonstra no imaginário do agressor a
perda de domínio sobre o lar e sobre o corpo da mulher. Existe um medo de perder a
figura de pai para os filhos e a presença de outro homem no contexto doméstico
impulsiona atos violentos. A imaginação de que está sendo traído ou a traição em si
afeta a masculinidade e traduz-se em sentimentos de vergonha e humilhação.
Novamente, como forma de recuperação do controle e do poder, o agressor vale-se
de violência (DEEKE, 2009).
A permanência no relacionamento pode ser dar diante da crença ou esperança
de mudança de comportamento do cônjuge. Contudo, o medo também é outro
elemento presente nas justificativas das mulheres para não abandonar o
relacionamento abusivo. Funciona como forma de controle e intimidação, silenciando
a violência. Pode-se dizer que existe um aprisionamento no relacionamento,
caracterizado pela perda da liberdade e de dominação pelo outro, o que fragiliza a
autoestima e a autodeterminação das mulheres em situação de violência. Há de se
considerar também o medo que a mulher tem de ficar só, o julgamento da família e da
sociedade e a perda de um status social, resultado da concentração do papel feminino
na maternidade ou no cuidado doméstico (ZANCAN; WASSERMANN, 2013).
A ambivalência é uma característica do relacionamento violento. O/A agressor/a
não é mau o tempo todo, o que faz com que a mulher entenda que os atos de violência
são isolados, apesar de inseridos na vivência íntima (ZANCAN; WASSERMANN,
2013). É possível que ela desenvolva a crença de que a violência faz parte do
relacionamento (SAFFIOTI, 1999).
O Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR), hoje inserido no REDS,
é instrumento para identificação dos fatores de risco. Conhecer as circunstâncias ou
os elementos que indicam maior possibilidade de uma recidiva de violência ou seu
agravamento é essencial para o atendimento adequado das mulheres em situação de
violência. Constitui uma estratégia importante de atuação sob perspectiva de gênero,
que compreende o feminicídio como um fenômeno evitável.
Considera-se, dessa forma, que os objetivos da abordagem em termos de
gerenciamento de risco, por meio da aplicação correta da lei e de intervenção
compatível com o nível de risco detectado (LÓPEZ-OSSORIO et al., 2019). À
identificação dos fatores de risco segue a avaliação em níveis diferentes de risco para,
41
então, permitir a adoção de um conjunto específico de ações relacionadas ao
planejamento de segurança por meio dos fatores de proteção da vítima (LÓPEZ-
OSSORIO; GONZÁLEZ-ÁLVAREZ; ANDRÉS-PUEYO, 2016).
A superação da violência doméstica, por se tratar de evento ocorrido no âmbito
do afeto, exige, geralmente, ruptura externa. Ou seja, a mulher em situação de violência
não consegue colocar, sozinha, um fim nos atos violentos. Por outro lado, verifica-se
que a violência doméstica possui uma trajetória oscilante, marcada por rompimentos e
reaproximações no relacionamento. A conduta das mulheres em situação de violência
é sujeita a ambiguidades, o que é compreensível já que se trata de relações travadas
na ordem dos afetos e, também, porque são carecedoras de autonomia, além do que
os homens figuram geralmente como provedores da unidade doméstica e há pressão
externa para manutenção do vínculo familiar (SAFFIOTI, 1999).
Em atenção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, as
instituições deverão ser adotadas as seguintes orientações, de acordo com as Diretrizes
nacionais de investigação criminal com perspectiva de gênero (BRASIL, 2016):

1. Facilitar o exercício do direito à defesa e à assistência jurídica gratuita,


em todas as fases do processo penal ou civil derivado da violência doméstica
e familiar sofrida.
2. Favorecer o direito a realizar suas declarações utilizando seu próprio
idioma, seja em língua estrangeira ou em dialetos existentes no país,
devendo ser assistida por intérprete no registro de ocorrência, na informação
de direitos e, se for o caso, na prática de quaisquer outras diligências até a
finalização do processo judicial. A assistência de intérprete será gratuita. Nas
zonas remotas, a ausência de intérprete poderá ser substituída pela
assistência de terceira pessoa apta a atuar como tal.
3. Responder de forma oportuna e efetiva às suas solicitações para a
prevenção, assistência, proteção, sanção e erradicação da referida violência.
4. Adotar ou solicitar de forma imediata as medidas protetivas de urgência
ou cautelares, que sejam pertinentes.
5. Dar à mulher e aos seus familiares as informações pertinentes e
possibilitar sua oitiva, em qualquer fase do processo, inclusive quando a
mulher tenha manifestado de forma expressa a sua intenção de não
representar o suposto agressor nem de participar no processo.
6. Ter em conta a sua opinião a tempo de adotar qualquer medida durante
a fase de investigação ou no procedimento que lhe possa afetar.
7. Facilitar sua participação nas fases de investigação e processo judicial,
bem como o conhecimento do andamento das ações, com acesso à
informação e às resoluções processuais e a tudo que possa ter relação com
a sua proteção e a tutela de seus interesses.
8. Favorecer o seu direito às ações investigativas para certificar os fatos
comunicados, tendo em conta as circunstâncias especiais em que os atos de
violência ocorrem e quem são as suas testemunhas naturais.

42
9. Proteger sua intimidade, garantindo a confidencialidade das atuações.
10. Oferecer tratamento humanizado, evitando a revitimização.
11. Reconhecer o direito a se opor à realização de inspeções sobre o seu
corpo quando não houver ordem judicial. E nos casos em que seja manifesto
o seu acordo, têm direito a
serem acompanhadas por pessoas da sua confiança. Nas provas periciais
tentar-se-á sua realização por profissional especializada/o e formada/o com
perspectiva de gênero.

Há determinadas circunstâncias que potencializam a vulnerabilidade das


mulheres em situação de violência, as quais se relacionam com a interseccionalidade:
crianças e adolescentes do gênero feminino vítimas de violência doméstica e familiar,
mulheres idosas, mulheres com deficiência, mulheres negras, mulheres quilombolas,
mulheres indígenas, mulheres refugiadas ou mulheres imigrantes. Para verificar as
especificidades no atendimento de cada um desses grupos, sugerimos a leitura
integral das Diretrizes nacionais de investigação criminal com perspectiva de gênero 7
(BRASIL, 2016)
Segundo o manual, em síntese, em relação a vítimas estrangeiras, deve-se
executar o atendimento no idioma da mulher, acionando servidores com fluência na
língua ou utilizando aplicativos de tradução. O Google Tradutor pode ser uma
ferramenta bastante útil, além de prática e gratuita.
No que tange às vítimas negras, judias, ciganas, procedentes de outras regiões
do país, por exemplo, atentar-se para o fato de que existem formas de violência com
caráter racista, o que deve ser corretamente inserido nos autos para adequada
tipificação (Lei nº 7716/1989, recentemente alterada pela Lei nº 14.5322/2023).

Art. 2º-A Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro, em razão


de raça, cor, etnia ou procedência nacional. (Incluído pela Lei nº 14.532, de
2023)
Pena: reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº
14.532, de 2023)
Parágrafo único. A pena é aumentada de metade se o crime for cometido
mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas. (Incluído pela Lei nº 14.532,
de 2023)

O atendimento de mulheres idosas, de crianças e adolescentes deve se pautar


pela simplicidade nas entrevistas, as quais devem ser breves e em linguagem
condizente com o perfil da vítima, se necessário, com pausas estratégicas. É

7 Disponível em https://www.mprj.mp.br/documents/20184/227964/dir_nac_invest_crim.pdf.
43
necessário estabelecer um vínculo de confiança e demonstrar que estão em local de
segurança e de acolhimento.
No caso de mulheres em situação de vulnerabilidade social ou econômica,
necessário extrair tais informações e verificar qual serviço da rede de apoio deve ser
acionado para prestar os atendimentos de ordem psicossocial. Verificar, inclusive, se
é o caso de abrigamento provisório, adotando-se as medidas necessárias à acolhida
em termos de moradia transitória.
Tratando-se de mulheres em situação de rua, acionar os equipamentos
municipais para acolhida e assistência. Nestes casos, colher o maior número de
informações sobre os fatos, sobre suas relações de parentesco e qualificação, bem
como sobre o local onde pode ser encontrada, evitando, assim, a perda de referências
sobre a localização dessas mulheres.
Neste ponto, é importante que o policial tenha compreensão de que as
mulheres em situação de rua estão em situação crítica de vulnerabilidade, tanto nas
questões afetas ao gênero, como de ordem socioeconômica. São mulheres que
podem estar implicadas na dependência química e/ou em sofrimento mental. A
eliminação de todas as formas de preconceito e discriminação é medida essencial.
Tais mulheres estão em situação de maior risco, inclusive de feminicídio.
Na hipótese de mulheres em situação de violência com orientação sexual
homoafetiva ou bissexual, inserir tal informação nos autos. Como sabido, a Lei Maria
da Penha aplica-se independentemente da orientação sexual da mulher (artigo 5º,
parágrafo único, Lei nº 11.340/2006).
Nos casos de atendimento de mulheres transexuais, travestis e transgêneros,
informar tal circunstância nos autos, perguntando sempre a forma como preferem ser
chamadas e indicando nos autos seu nome social. A aplicação da Lei Maria da Penha
se dará independentemente de alteração do registro civil, realização de cirurgia de
redesignação sexual, tratamento hormonal ou de exteriorização de características
femininas. Aqui, o que determina a aplicação da lei, é a autodeclaração.
Nestas duas últimas situações, são inadmissíveis gracejos, críticas ou
menosprezo à mulher em situação de violência em virtude de sua orientação sexual
ou identidade de gênero ou ao seu agressor.
Em se tratando de vítimas com deficiência, realizar o atendimento em
conformidade com o impedimento de longo prazo que possuam (físico, mental,
intelectual ou sensorial), com clareza, pausas necessárias, tempo de duração
44
adequado, linguagem, bem como por meio de aplicativos ou canais que facilitem o
atendimento. Para mulheres com deficiência auditiva (surdas/mudas), sugere-se os
aplicativos: ProDeaf Móvel, o Hand Talk, Uni LIBRAS ou a Central de Interpretação de
Libras (CIL/BH), pelo telefone (31) 3270-3625 ou via Whatsapp (31) 98217-5358. Os
aplicativos acionam intérpretes para intermediação do atendimento por chamada de
vídeo.
O atendimento não inclusivo de pessoas com deficiência pode acarretar em ato
de discriminação em razão da deficiência. Desse modo, todo comportamento
negligente, discriminatório, opressor, desumano ou degradante deve ser evitado. O
mesmo se aplica para discriminações de ordem racial, religiosa, de orientação sexual,
etária (mulheres idosas, crianças ou adolescentes), imigrantes.
Em todo caso, na hipótese de a mulher desejar estar acompanhada por pessoa
de sua confiança, permitir sua participação durante o atendimento para que a vítima
se sinta mais segura. Orientar que o/a acompanhante não pode intervir na fala da
vítima, conduzindo suas declarações, com gentileza e educação.
Importante ressaltar que a violência institucional é tipificada na nova lei de
abuso de autoridade, Lei nº 13.869/2019, vejamos:

Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de


crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou
invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade: (Incluído pela
Lei nº 14.321, de 2022)
I - a situação de violência; ou (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou
estigmatização: (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Incluído pela
Lei nº 14.321, de 2022)
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes
violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada
de 2/3 (dois terços). (Incluído pela Lei nº 14.321, de 2022)
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando
indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro. (Incluído pela Lei nº
14.321, de 2022)

O atendimento policial às vítimas de violência doméstica, como dito, deve


afastar qualquer foram de revitimização. A revitimização é uma nova violência
praticada contra a vítima que decorre daquela que ela já sofreu, especialmente
quando ela passa por eventual sofrimento psíquico na interação com as instituições
que deveriam protegê-la.
São formas de revitimização, entre outras:

45
▪ Desvalorizar a gravidade dos fatos narrados, estimulando a vítima a não
registrar a ocorrência ou oferecer representação criminal;
▪ Questionar a veracidade dos fatos, colocando dúvida sobre a ocorrência
do fato criminoso, o que acontece principalmente nos crimes sexuais;
▪ Lançar questionamento sobre o interesse financeiro, emocional ou social
da vítima com o registro da ocorrência;
▪ Alegar uso abusivo da lei, dar credibilidade à versão do agressor e
desprezar a narrativa da ofendida;
▪ Culpabilizar a mulher pela violência sofrida, recriminá-la moralmente pela
continuidade da relação, apesar das agressões, questionar o por quê de
ela não ter adotado nenhuma providência antes e só agora resolveu
procurar a polícia;
▪ Praticar racismo institucional, discriminando grupos étnicos, raciais, por cor
ou procedência nacional;
▪ Expor a situação de violência perante terceiros, no ambiente da unidade
policial, falando alto ou realizando atendimento em local não privativo,
como recepções e salas de espera. Recomenda-se que a mulher em
situação de violência seja chamada pelo nome no interior da unidade
policial ou pelo termo “solicitante”;
▪ Realizar julgamento sobre a conduta da mulher, suas decisões, reações
diante da violência, seus hábitos, suas crenças, sua profissão, sua forma
de vestir ou de se expressar;
▪ Minimizar a violência sofrida pela mulher, comparando-a com outros casos;
▪ Dizer o que a vítima deveria ter feito na situação de violência,
menosprezando o poder de decisão da mulher e colocando-a em maior
situação de vulnerabilidade;
▪ Fazer piadas ou gracejos durante o atendimento da mulher, solicitar seu
número telefônico ou rede social para fins pessoais. Os demais servidores
que não estejam executando o atendimento devem se atentar para deixar
o ambiente agradável e propício ao atendimento, evitando falas altas e
algazarras.
▪ Aplicar o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR) como se
fosse um interrogatório policial. A entrevista com a ofendida deve ocorrer
em ambiente de cordialidade, de forma pausada, explicando que se trata
de procedimento que visa conscientizá-la sobre o nível de risco, motivo
pelo qual importante a realização daquelas perguntas.

Por outro lado, são estratégias colaborativas ao enfrentamento à violência de


gênero contra a mulher, entre outras:

▪ Prestar informações e orientações às mulheres em situação de violência,


sem julgamento e em escuta ativa, em postura acolhedora e compreensiva.
▪ Incorporar estratégias de investigação que não se fundamentem
exclusivamente na palavra da vítima, ou seja, precisamos nos preparar
para a ausência de colaboração dela ao longo da investigação.
▪ Manter o ambiente de atendimento em ordem e silêncio.
▪ Adotar mecanismos e elementos informativos capazes de subsidiar uma
responsabilização do agressor nos crimes de natureza pública
incondicionada. Desse modo, o atendimento deve estar pautado na
consciência de gênero e na compreensão sobre o ciclo da violência. Para
tanto, a título de exemplo, poderíamos adotar métodos de investigação
como entrevistas com vizinhos e testemunhas, gravações, produção
antecipada de provas etc.
▪ Representar pela antecipação de provas consistente no depoimento
especial da mulher em situação de violência, a fim de evitar a revitimização.
É possível adotar esta providência quando a ofendida estiver
profundamente abalada emocionalmente e na situação de reinquirição da
46
vítima, por requisição ministerial, por exemplo. O/A delegado/a de polícia
deve elaborar representação por medida cautelar inominada no PCNET
para antecipação de prova, consistente no depoimento especial da vítima.

Enunciado nº 57: De acordo com a gravidade das diversas formas de


violência doméstica e familiar contra a mulher e/ou da vulnerabilidade da
vítima, poderá ser utilizada a modalidade de depoimento especial, por
aplicação analógica da Lei nº 13.431/2017, com base no Art. 10-A da Lei
Maria da Penha, nos arts. 3º, “f”, 4º e 7º, da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém
do Pará) e Recomendação (CEDAW), a fim de assegurar forma humanizada
de coleta de depoimentos e preservação da dignidade da pessoa humana,
evitando retraumatizações. (Aprovado por unanimidade no XIII FONAVID –
Teresina/PI).

▪ Adotar postura integrativa entre a investigação e a prevenção da reiteração


da violência. Devemos trabalhar no sentido de investigar e responsabilizar
o autor por fatos pretéritos e adotar uma atuação proativa, criando
estratégias de proteção à mulher, monitorando casos de risco e integrando
a rede de proteção à mulher em situação de violência.

A intervenção da rede para combater um problema complexo como a violência


doméstica e familiar visa ajudar a vítima a sair do ciclo e diminuir a probabilidade de
novos episódios de violência de nível mais grave.
Conclui-se que, todos nós, enquanto atores integrantes de uma rede articulada
de proteção à mulher em situação de violência de gênero precisamos adotar uma
postura de corresponsabilidade pela proteção dessa mulher e para evitar futuros atos
de violência. Precisamos superar a ideia de que temos uma função exclusivamente
repressiva e reforçar que a proteção integral das vítimas é nosso dever constitucional.

3.1 DIRETRIZES PARA A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DE FEMINICÍDIO COM


PERSPECTIVA DE GÊNERO

O documento “Diretrizes para investigar, processar e julgar com perspectiva de


gênero as mortes violentas de mulheres” (BRASIL, 2016), elaborado pelo Escritório
da ONU Mulheres no Brasil em parceria com a Secretaria de Políticas para Mulheres
da Presidência da República (SPM/PR) e apoio do governo da Áustria. Trata-se de
uma versão adaptada do Modelo de Protocolo latino-americano para investigar as
mortes violentas de mulheres por razões de gênero (femicídio/feminicídio), elaborado
pelo Escritório Regional da ONU Mulheres e o Escritório Regional do Alto
Comissionado de Direitos Humanos (2014).
De acordo com o documento (BRASIL, 2016, p. 15):

47
As Diretrizes Nacionais visam colaborar para o aprimoramento da
investigação policial, do processo judicial e do julgamento das mortes
violentas de mulheres de modo a evidenciar as razões de gênero como
causas dessas mortes. O objetivo é reconhecer que, em contextos e
circunstâncias particulares, as desigualdades de poder estruturantes das
relações de gênero contribuem para aumentar a vulnerabilidade e o risco que
resultam nessas mortes e, a partir disso, aprimorar a resposta do Estado, em
conformidade com as obrigações nacionais e internacionais assumidas pelo
governo brasileiro.

É objetivo das diretrizes nacionais a “mudança de olhar” do profissional,


adotando a perspectiva de gênero para auxiliar nas investigações do crime de
feminicídio. A investigação da violência de gênero contra a mulher, de forma ampla,
deve ser desprovida de estereótipos e preconceitos discriminatórios. Deve-se
incorporar a perspectiva de gênero na investigação criminal para evitar que, além da
violência cometida no âmbito privado ou público, haja também a violência institucional.
Considerando o mandato constitucional e legal para a investigação dos crimes
contra a mulher com base no gênero atribuído à Polícia Civil, recomenda-se o
estabelecimento de um fluxo de comunicação entre as unidades policiais e outras
instituições, bem como o desenvolvimento de uma investigação preliminar,
notadamente na cena do crime, com posterior investigação de seguimento.
Deve-se atentar para as circunstâncias em que ocorreu o feminicídio, as
características pessoais da vítima e do/a agressor/a. Os estereótipos que contribuem
para a impunidade e a tolerância social devem ser transformados em violência por
razões de gênero, ou seja, devem ser colhidos elementos que demonstrarão que a
motivação principal para o crime foi a condição de gênero da vítima, o “fato de ser
mulher”.
Por razões de gênero compreendem-se o sentimento de desprezo,
discriminação ou posse relacionados à desigualdade estrutural que caracteriza as
relações entre homens e mulheres. As interseccionalidades também devem ser
consideradas na apuração do feminicídio, tais como as seguintes características da
vítima: raciais, étnicas, etária, de orientação sexual, de situação econômica, social ou
cultural.
Para aprofundamento do estudo, sugerimos a leitura integral das “Diretrizes
para investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes
violentas de mulheres”, disponível em https://www.onumulheres.org.br/wp-
content/uploads/2016/04/diretrizes_feminicidio.pdf.

48
3.2 EMPREGO DE TÉCNICAS DE COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA E SOFT
SKILLS PARA O PROFISSIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA

A formação continuada do profissional de segurança pública visa ao


desenvolvimento de sensibilidade e habilidade para o atendimento de mulheres em
situação de violência, de modo que exerçam suas funções respeitando direitos e
garantias fundamentais, sem revitimização. A capacitação dos agentes atuantes na
segurança pública para o atendimento de situações de violência contra a mulher é de
importância ímpar, mormente porque, em parte significativa dos casos, ele é o primeiro
representante do Poder Público com quem a vítima tem contato. Simboliza, naquele
momento, toda a rede de apoio com a qual a mulher em situação de vulnerabilidade
poderá contar para interromper o ciclo de violência por ela vivenciado.
O emprego de habilidades de comunicação e habilidades comportamentais
pode ser útil para os órgãos de segurança pública no contato com mulheres em
situação de violência. Técnica de comunicação não violenta, como a escuta ativa, e o
desenvolvimento de aptidão comportamental, as chamadas soft skills serão
abordadas neste tópico.
As soft skills são um conjunto de habilidades e competências relacionadas ao
comportamento humano, de caráter socioemocional e interpessoal. Podemos
exemplificar essas habilidades como: inteligência emocional, empatia, ética,
liderança, resolução de conflitos, flexibilidade, a capacidade de tomar decisões, a
gestão de equipes. Já a técnica profissional, o conjunto de saberes do profissional de
segurança pública, como o registro de ocorrências policiais, a formalização de
procedimentos, o cumprimento de mandados de prisão e busca e apreensão, as
diligências em local de crime, entre outras atividades policiais correspondem ao que
se entende como hard skills (competência técnica).
As soft skills estão relacionadas à forma pela qual as pessoas se comportam
diante de determinadas situações. É inegável que a atuação policial exige o contato
com o público, diante de situações de adversidade, conflito e violência. Este cenário
conduz para a necessidade de despertar no policial o desenvolvimento das
habilidades comportamentais, não cognitivas, para além do desenvolvimento técnico
e operacional.
Conheça agora algumas soft skills que podem ser úteis para a atuação do
profissional de segurança pública no enfrentamento à violência doméstica e familiar
contra a mulher:
49
SOFT SKILLS Figura 14

1. Comunicação
2. Liderança
3. Flexibilidade e resiliência
4. Trabalho em equipe
5. Criatividade
6. Proatividade
7. Empatia
8. Ética no trabalho
9. Pensamento crítico
10. Atitude positiva Fonte: Blog Feedz.

A abordagem sob a perspectiva da escuta ativa e comunicação não violenta


surgiu durante o movimento a favor dos direitos civis e contra a segregação racial nos
Estados Unidos, na década de 1960. Foi sistematizada pelo psicólogo norte-
americano Marshall Rosenberg, que ensinava mediações e técnicas de comunicação
em instituições que lutavam contra a segregação.
Parte do pressuposto de que todos somos seres compassivos por natureza,
com as mesmas necessidades humanas básicas, no entanto, as estratégias violentas
– verbais ou físicas – são comportamentos aprendidos, ensinados e apoiados pela
cultura predominante. A conscientização sobre esse fenômeno é o primeiro passo
para desconstrução de padrões e crenças dominantes que orientam o atendimento.
Nesse contexto, a primeira abordagem policial deve ser humanizada e
adequada para evitar o descrédito de todo o sistema protetivo estatal e revitimização
da denunciante, valendo-se da escuta ativa e de soft skills. Por isso é importante que
o/a policial esteja atento/a aos sentidos e aos significados que está dando à sua
intervenção com a vítima, para não correr o risco de sua função de proteção tornar-se
o seu oposto. Logo, a compreensão das questões envolvidas na dinâmica da violência
de gênero é essencial para nortear a atuação policial.
A capacitação e treinamento dos profissionais de segurança pública no
atendimento às vítimas de violência doméstica evita a revitimização da mulher ao
procurar os órgãos públicos. A revitimização pode ser entendida como o resultado de
condutas e posturas equivocadas, atitudes racistas, machistas, misóginas, com raízes
patriarcais, preconceituosas, discriminatórias de determinados agentes públicos que
não só contribuem para o retorno da vítima à vivência violenta, mas acabam gerando
50
ou reforçando outros episódios traumáticos e violentos decorrentes da ineficiência e
ineficácia do atendimento.
Determinadas práticas são reproduzidas por instituições e servidores do Estado
que, na sua inabilidade na atuação, acabam por favorecer e perpetuar a violência
contra as mulheres, seja a partir de ações ou omissões dos deveres de reestabelecer
os direitos de proteção das mulheres, seja por um tratamento, por vezes, altamente
discriminatório. Figura 15

A série Inacreditável (2019), produzida


pela Netflix, trata sobre uma jovem que é
acusada de fazer uma falsa denúncia de
estupro. Anos depois, duas investigadoras
encaram casos parecidos. Por meio do
enredo da série é possível analisar diversos
comportamentos policiais e investigativos
que desestimulam e desacreditam a versão
da vítima, expondo-a a práticas vexatórias
e revitimizadoras. Vale a pena assistir!
Para quem presta o primeiro
atendimento à denunciante, é importante
considerar os significados e os impactos
que o ato violento pode ter para a própria Fonte: Netflix.
vítima, independente da percepção pessoal que o policial tenha da situação relatada.
Sabe-se que os impactos da violência doméstica na vida de uma mulher podem ser
muito mais desastrosos do que comumente se pensa. A situação é muito mais ampla
e complexa, e pode não caber no olhar pontual e circunstanciado do/a policial.
As Delegacias Especializadas de Atendimento a Mulher (DEAMs) são unidades
especializadas da Polícia Civil para atendimento à mulher em situação de violência de
gênero. Na qualidade de unidade policial especializada, as DEAMs adequaram sua
atuação aos desafios de novas realidades sociais no exercício de suas atribuições.
Tais unidades desempenham um papel decisivo na Política Nacional de
Enfrentamento à Violência contra a Mulher8, não só porque são uma importante porta

8 Para obter o arquivo completo da Política Nacional de Enfrentamento à Violência Doméstica (2011),
acesse: https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/hp/acervo/outras-
referencias/copy2_of_entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-
as-mulheres.

51
de entrada das mulheres na rede de serviços, mas também pelo seu papel de
prevenção e de repressão à violência contra as mulheres.
Atentamos ao fato de que as orientações do atendimento com base nestes
princípios deverão nortear toda a atividade da Polícia Civil, dos servidores da
segurança pública atuantes em unidades especializadas ou não.
Tendo em mente essas novas diretrizes e desafios, as ações de prevenção,
registro de ocorrência, formalização do EAMP e investigação devem ser feitas por
meio de acolhimento. Essa postura exige a adoção de comunicação não violenta e
escuta ativa, profissional e observadora, de forma a propiciar o rompimento do
silêncio, do isolamento destas mulheres e, em especial, dos atos de violência, aos
quais estão submetidas.
Por estar imerso em uma cultura machista, nenhum homem, mulher ou agente
público está livre de pensar ou agir de forma preconceituosa, pois a ação individual
em relação ao outro é intencionalmente orientada ao que o indivíduo pensa em relação
ao outro e ao que ele representa coletivamente.
O pensamento contempla uma diversidade de saberes, crenças, valores e
virtudes que nos guiam na direção do certo/errado, do permitido/proibido e do
bem/mal. Logo, o primeiro passo para um atendimento não-revitimizador é o
reconhecimento de que determinadas crenças não são suficientes ou mesmo
apropriadas para respeitar a condição singular de cada mulher que vivencia situação
de violência, porque essas crenças tendem a generalizar essa mulher.
As pessoas que praticam a comunicação não violenta encontraram maior
autenticidade em sua comunicação, maior compreensão, aprofundamento da
conexão e resolução de conflitos. Partindo deste pressuposto, ao iniciar o
atendimento, o servidor deverá certificar-se de que a sala de espera/atendimento
comporta ambientes separados para a mulher vítima e para o/a agressor/a. A
organização do espaço de espera e atendimento é uma atitude simples e de baixo
custo que gera impactos significativos no acolhimento e na Classificação da DEAM,
conforme veremos a seguir ao tratar sobre essa iniciativa estratégica da PCMG.
Durante a oitiva, o primeiro passo é acolher e observar com neutralidade e
atenção o que está realmente sendo relatado em uma determinada situação, levando
sempre em consideração a palavra da mulher, em ambiente adequado, com sala
reservada, para manter a privacidade da mulher e do seu depoimento.
52
Acolher é estabelecer e firmar, durante a escuta, uma comunicação empática
que permita que o profissional perceba e reconheça (e até sinta) as emoções do outro
como se fossem suas, sem julgamento. A empatia é a disposição para colocar-se no
lugar do outro. Um dos efeitos positivos da comunicação empática é que o profissional
provavelmente tratará a vítima (e demais envolvidos) como gostaria de ser tratado/a
se estivesse no lugar dela/es.
O policial deverá ouvir a narrativa da mulher sem fazer qualquer apontamento,
sem preconceito, discriminação ou juízo de valor sobre os fatos. Escutar ativamente
envolve perceber a comunicação verbal e a não verbal. Quem escuta ativamente
mantém neutralidade e não-julgamento: não concorda ou discorda do que foi dito, mas
confirma que foi escutado corretamente.
Posteriormente deverá recapitular o que a vítima disse, de modo a situá-la no
tempo e espaço, auxiliando-a a ordenar as ideias e fatos, bem como com a intenção
de confirmar o que foi dito, se foi realmente compreendido por quem presta o
atendimento.
No momento do atendimento não temos informações suficientes para emitir
qualquer opinião diante da complexidade que envolve a violência doméstica. Não
temos informações suficientes do histórico pessoal, familiar e afetivo que envolve
aquela mulher, não temos conhecimento de seus dramas, traumas, de todas as
experiências que explicam seu aqui e agora. Por essa razão, é necessário vigilância
para que não sejamos emissários de conselhos ou soluções mágicas para a resolução
do problema, pois o nosso ponto de vista é extremamente restrito no momento.
Portanto, evite mediar conflitos ou fazer reconciliações, mesmo que você as
vislumbre como alternativas para a solução do problema. Essas intervenções, quando
viáveis, devem ser realizadas por instituição e profissional especializados e fora do
contexto do atendimento policial.
É importante empregar uma linguagem que possibilite conexão, que aproxime
as pessoas. Atenção ao vocabulário, linguagem e forma de comunicação (verbal e
não verbal), a fim de não dar espaço, no atendimento, para conflitos e confrontos
interpessoais. Esses conflitos podem surgir da falta de comunicação e despreparo,
devido ao uso coercitivo ou manipulador da linguagem que visa induzir a sentimentos
de culpa, medo, depreciação. O confronto desqualifica a fala da mulher, seja indicando
que a fala dela contém inverdades, contradições, lacunas ou exageros. Essa atitude
obstaculiza qualquer possibilidade de estabelecimento de vínculo entre o/a policial ou
servidor administrativo e a vítima.
53
É preciso muita atenção a tais posturas, pois, a suspeição quanto à fala da
vítima revela outras formas de violência: induzir sutilmente a responsabilização e a
culpabilização da mulher pela própria violência, eximindo ou minimizando a
responsabilidade do autor pela suposta violência cometida; estimular a desistência da
denúncia em nome dos impactos que o ato poderá ter na vida do suposto agressor,
no convívio com os/as filhos/as, no futuro profissional, na perda do emprego, na
inclusão do seu nome em “ficha criminal”, na sua possível condenação, ou seja, sujar
a imagem e a reputação social e familiar do autor da violência por um problema que
poderia ser resolvido de outro modo. Figura 16
Algumas formas de se comunicar
podem gerar comportamentos e trocas
violentas. Por exemplo, comparações,
julgamentos moralizantes e exigências.
Neste processo é importante ter em vista
as interpretações carregadas de vieses
e estereótipos que reforçam tal conduta,
por exemplo, dizer que mulheres gostam
Fonte: Blog Feedz .
de apanhar, ou que estão num
relacionamento abusivo porque querem, ou que a mulher provocou a agressão.
A escuta ativa requer prática: em uma sociedade onde estamos habituados a
ouvir para responder, para escutar ativamente é preciso reeducar os hábitos de
comunicação, para não interromper a fala da outra pessoa, não ter o ímpeto de
concordar ou discordar do que foi dito, de acrescentar algo ou de dar respostas ou
soluções às demandas trazidas.
A escuta ativa implica em ouvir sem querer se antecipar com uma resposta,
mas apenas ouvir. Uma recomendação de leitura sobre o assunto é o texto “A
Escutatória”, de Rubem Alves. No início do texto, o autor já emite a seguinte
provocação: “Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso
de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”. E
continua: “A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite
melhor...Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.Como se
aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...”9.

9 O texto completo está disponível no site:


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4132953/mod_resource/content/1/Texto%20de%20Rubem%20Alves.pdf.

54
A escuta ativa, também conhecida como escuta dinâmica, faz parte da
comunicação não violenta e é essencial no atendimento a mulheres em situação de
violência.
Confira a seguir os principais aspectos da escuta ativa e pratique no seu dia a
dia de trabalho:

▪ O foco deve estar centrado na vítima, para que ela se sinta segura e você
compreenda o assunto em toda a sua amplitude.
▪ Escute a vítima atentamente, não pensando em outras coisas.
▪ Não faça outras atividades enquanto fala ou escuta uma vítima.
▪ Não selecione na fala da vítima somente aquilo que o agrada, recusando
toda comunicação que seja uma crítica ou que não satisfaça uma
expectativa. Deixe que a fala dela seja livre e faça complementos sobre
aspectos importantes para a investigação, se perceber que há pontos não
esclarecidos.
▪ Procure ouvir a vítima com empatia, se colocando no lugar dela,
procurando sentir como ela sente a questão.
▪ Durante a escuta não julgue a vítima com suas perspectivas pessoais. Não
emita opiniões pessoais ou conselhos.
▪ Antes de iniciar o procedimento de escuta desligue o celular ou acione o
modo silencioso, evite conversas paralelas com colegas de trabalho e não
fique olhando para o relógio ou para o celular.
▪ Procure escutar com tranquilidade, sem apressar a fala da vítima,
pensando no próximo compromisso ou no próximo atendimento.
▪ Não conclua os pensamentos da vítima antes que ela termine de falar.
▪ Adote postura corporal e verbal que demonstre uma postura de
cooperação com a vítima. Adote semblantes compreensivos.
▪ Atente-se para a modulação da voz durante o atendimento, não grite, não
fale alto.
▪ Ao longo do diálogo, faça confirmações sobre o que você entendeu da fala
da vítima.
▪ Se houver necessidade emergencial de resolver algum assunto externo ao
diálogo (atender um telefonema urgente, tirar uma dúvida com um colega),
seja respeitoso e peça licença para interromper o diálogo com a vítima.

Finalmente, os policiais responsáveis pelo atendimento e acolhimento das


vítimas devem conhecer as diretrizes e procedimentos da DEAM ou, se não estiver
em uma unidade especializada, os serviços disponíveis para atendimento de mulheres
em situação de violência, conhecer os equipamentos da rede de apoio, possuir
material de informação e de orientação para estas mulheres. A orientação não se
confunde com conselhos. Orientar significa dominar os direitos e garantias da mulher
em situação de violência e verificar qual o melhor encaminhamento.

55
A postura assertiva do/a policial deve se pautar na exposição e na orientação
legal, direta, clara, honesta e apropriada à forma singular como cada mulher vivencia
e percebe a sua situação, ressaltando que a denúncia/rompimento da relação podem
trazer vantagens e ganhos muito maiores que “a queixa pela queixa”, com o cuidado
de não criar expectativas falsas ou irrealistas em relação à solução do problema.
Para finalizar, vale pontuar o estratégico papel técnico, ético e político que
desempenha o servidor da segurança pública na garantia da segurança e da
integridade física e psicológica das mulheres vítimas de violência doméstica. A
conquista desses objetivos depende, fundamentalmente, da intencionalidade das
suas condutas e posturas durante o contato com as vítimas.
É importante destacar que não se atentar para os desafios acima é o mesmo
que revitimizar a mulher e, ao revitimizá-la, o/a policial se distancia do papel protetivo
da polícia e, assim, passa a fazer parte dos fatores de risco de reiteração das
violências vivenciadas pela vítima.

56
4 VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO LGBTQIA

Após tratar sobre a violência de gênero contra a mulher, nesta unidade serão
abordadas as violências contra a população LGBTQIA+, as quais são pautadas na
discriminação em razão da identidade de gênero e da orientação sexual.
Conhecer melhor os conceitos relacionados ao gênero e à orientação sexual,
entender que pessoas que não se identificam com a cisgeneridade e a
heterossexualidade são historicamente vítimas das mais diversas formas de violência,
reconhecer a vulnerabilidade destas pessoas e compreender a necessidade de um
atendimento adequado é fundamental para os que profissionais da segurança pública
possam prestar um serviço de qualidade à população, trabalhando na prevenção e
redução da violência, bem como na responsabilização dos agressores, uma vez que
o Brasil é reconhecido internacionalmente por ser um dos países mais hostis aos
corpos e subjetividades trans.

Cisgeneridade: É a condição da pessoa cuja identidade de gênero


corresponde ao gênero que lhe foi atribuído no nascimento. O termo cisgênero
é o oposto da palavra transgênero.

Heteressexualidade: É atração romântica e/ou sexual entre pessoas do


gênero oposto. É uma categoria da orientação sexual.

As estatísticas apontam que nosso país é líder em homicídios de pessoas


transexuais e travestis pelo 14° ano consecutivo, de acordo com o documento ONG
Transgender Europe, publicado no site https://revistahibrida.com.br/brasil/brasil-lider-
assassinatos-trans/. Outro dado relevante trazido pelo Dossiê lançado pela ANTRA e
IBTE é que, em pesquisa realizada no ano de 2017, 99% das pessoas LGBTI+
participantes afirmaram não se sentirem seguras no país. Estes dados demonstram a
necessidade de uma atuação qualificada da segurança pública, desde o atendimento
da vítima, durante a investigação, com o objetivo de culminar na responsabilização
dos agressores, bem como na produção de dados estatísticos destas violências, que
permitem a formulação de políticas públicas.
Para uma melhor compreensão da sigla LGBTQIA+, uma vez que será utilizada
diversas vezes ao longo do curso, é fundamental reforçar o significado de cada uma
das letras, quais sejam:

57
L – Lésbica: Mulheres, cis ou trans, que são atraídas afetiva e/ou sexualmente
por outras mulheres cis ou trans.
G – Gay: Homens, cis ou trans, que são atraídos afetiva e/ou sexualmente por
outros homens cis ou trans.
B – Bissexual: São homens e mulheres que se relacionam afetiva e
sexualmente com pessoas de ambos os gêneros.
T – Transexual/Transgênero: Pessoas que se reconhecem com gênero
diferente do atribuído ao nascimento. Vale lembrar que o que determina se uma
pessoa é transexual é a identidade, independente da realização de qualquer processo
cirúrgico.
Q – Queer: O Q (“queer”), em inglês que na tradução significa estranho, foi
acrescido para representar pessoas que não se identificam por padrões impostos pela
sociedade ou não sabem definir o seu gênero.
I – Intersexo: pessoas cujo desenvolvimento sexual e corporal – expressado
em hormônios, genitais, cromossomos, e/ou outras características biológicas – não se
encaixa ao gênero feminino ou masculino por ter nascido com os dois órgãos sexuais.
A – Assexual: São pessoas que não sentem nenhuma atração sexual por
outras pessoas, independente de gênero ou da orientação sexual.
Sinal +: contempla todas as diversas possibilidades e orientação sexual e/ou
de identidade de gênero que existam.

Verifica-se que na sigla LGBTQIA+ há pessoas com características diferentes


entre si, existindo em comum entre elas o não enquadramento na
cisheteronormatividade, estando expostas a constantes violações dos direitos
humanos.

SAIBA MAIS!

Já foram utilizadas outras siglas para identificar a População LGBTQIA+, que evoluíram ao longo
dos anos de forma a representar todas as pessoas.
A primeira sigla a se tornar conhecida foi a GLS: que significa gays, lésbicas e simpatizantes. Essa
sigla logo caiu em desuso, pois simpatizante poderia ser qualquer pessoa que “simpatize’ com o
movimento, ainda que heterossexual, não sendo estes protagonistas do movimento.
Posteriormente, a sigla passou a ser GLBT: que significa gays, lésbicas, bissexuais e
transgêneros.
Em seguida, utilizou-se a sigla LGBT: que significa lésbicas, gays, bissexuais e travestis, alterada
por pressões das mulheres lésbicas, pois entenderam que sofriam dupla opressão, por ser mulher e
em decorrência da orientação sexual.
Há alguns anos foram acrescidos o Q (Queer), o I (Intersexuais) e o A (Assexuais) além do sinal +,
que abriga outras orientações sexuais e identidades de gênero que existem, fazendo com que todos
se sintam representados.
58
Após os conceitos iniciais e um breve histórico sobre as siglas que já existiram,
necessário discorrer sobre dois pontos fundamentais em relação à População
LGBTQIA+, que é a Identidade de Gênero e a Orientação Sexual.
A imagem a seguir ilustra a diferença entre identidade de gênero, sexo biológico
e orientação sexual.

Figura 17

Fonte: Cartilha Ministério Público e os Direitos de LGBT.

Fazendo um breve comparativo com o corpo humano, é possível dizer que a


identidade de gênero está na cabeça da pessoa, ou seja, é a maneira como ela se
enxerga, isto é, o gênero com o qual ela se sente parte. Já a orientação sexual se
refere à atração sexual, mostra para qual lado sua sexualidade está “orientada”. Na
figura seria demonstrada pelo coração, no corpo humano, representando a ordem dos
afetos e da sexualidade. O sexo biológico, por sua vez, seria as características físicas
e cromossômicas, ou seja, a genitália que a pessoa veio ao mundo.
59
4.1 GÊNERO

Antes de adentrar no conceito de gênero, é preciso discorrer, ainda que


brevemente, sobre sexo biológico, que é o conjunto de informações cromossômicas,
órgãos genitais, capacidades reprodutivas e características fisiológicas secundárias
que distinguem machos e fêmeas ou intersexuais. Ou seja, diz respeito às
características biológicas que a pessoa tem ao nascer. É o que existe objetivamente:
órgãos, hormônios e cromossomos.

Feminino: vagina, ovários, cromossomos xx

Masculino: pênis, testículos, cromossomos xy

São consideradas intersexos/intersexuais as pessoas que possuem variações


em seus caracteres sexuais. Essa variação pode ou não envolver ambiguidade
genital, combinações de fatores genéticos e variações cromossômicas sexuais
diferentes. Intersexualidade é o nome dado para as variações do desenvolvimento
sexual responsáveis por corpos que não podem ser encaixados na norma binária
(mulher/homem, feminino/masculino, vagina/pênis).
Fundamental esclarecer que não há gênero no sexo biológico, o que existe é
uma expectativa social de gênero em relação ao corpo/genital.
Já o gênero é aquilo que diferencia as pessoas socialmente, considerando-se
os padrões histórico-culturais atribuídos a homens e mulheres, conforme já trazido de
forma detalhada na unidade de violência contra a mulher. Nessa perspectiva, o gênero
pode ser construído e desconstruído, sendo entendido aqui como algo mutável e não
limitado.
O gênero, mesmo que tenha sido um termo designado inicialmente para
diferenciar homens e mulheres, refere-se a características que representam a
subjetividade íntima das pessoas: o gênero é como cada um se reconhece, com base
nas referências que recebeu durante a vida.
Este conceito é utilizado para distinguir a dimensão biológica da dimensão
social, baseando-se no raciocínio de que há machos e fêmeas na espécie humana,
mas a maneira de ser homem e de ser mulher é realizada pela cultura. Pressupõe que
os conceitos de homem e de mulher são produtos da realidade social, e não
decorrência da anatomia de seus corpos.
60
O documento Proteção, Promoção e Reparação dos Direitos das Pessoas
LGBT e de Identidade de Gênero, elaborado pela Escola de Formação em Direitos
Humanos de Minas Gerais, traz a seguinte definição:

Por sua vez, o gênero diz respeito às construções sociais do que é ser homem
ou ser mulher, bem como às relações entre os grupos sociais que preenchem
de sentido o que é “masculino” e o que é “feminino”. O conceito de gênero
tem sido amplamente utilizado pelo feminismo como categoria analítica útil
para destacar esses papéis e as possibilidades das mulheres para além de
qualquer determinismo biológico. As críticas feministas mostraram que
gêneros masculino e feminino são construções sociais assimétricas em que
há dominação e desigualdades entre homens e mulheres. Nesse sentido, o
gênero é visto como a roupagem cultural que se associa à natureza dos
corpos. Nas sociedades ocidentais considera-se, por exemplo, que a
feminilidade está associada à delicadeza, à fragilidade, ao cuidado e à vida
doméstica no âmbito privado. A masculinidade, por outro lado, é construída
com referência à força, à virilidade e à atuação na esfera pública. Essa divisão
de estereótipos não representa apenas uma descrição das relações
existentes, mas é um modo de normatizar os corpos: espera-se que homens
e mulheres se encaixem e se adequem a esses modelos do que é a
masculinidade e a feminilidade (LOPES, 2016, p. 18).

O Glossário Antidiscriminatório Volume 4 – Equidade de Gênero e Combate à


Violência Doméstica, do Ministério Público de Minas Gerais, o qual se encontra
disponível no material complementar, conceitua gênero nos seguintes termos:

Gênero: Conceito utilizado por diferentes campos de estudos e que, em uma


perspectiva contemporânea, sustenta que, quando as pessoas nascem, um
gênero é atribuído a elas, passando então a ser consideradas (pelos pais e
pela sociedade) como pessoas do gênero feminino ou do masculino. Na visão
binarista de gênero prevalente na sociedade atualmente, tal classificação traz
expectativas correspondentes. Espera-se de uma menina que se comporte
de determinadas maneiras e de um menino que se comporte de outras. E
embora existam pessoas que se sentem à vontade com as expectativas
sociais e culturais vinculadas ao gênero que foi atribuído a elas, há aquelas
que não se encaixam no padrão esperado e experimentam um sofrimento
muito intenso quando são coagidas a agir de modo incompatível com o
sentimento mais profundo acerca de quem são e quem gostariam de ser,
apenas para se adequarem a um padrão considerado por determinados
grupos sociais como “ideal” ou “correto”. A compreensão contemporânea
acerca do conceito de gênero não nega a existência de diferenças biológicas
entre homens e mulheres nem tem essa pretensão. Trata-se, na prática, de
uma importante ferramenta de análise, que auxilia no combate à
discriminação e à violência, contribuindo, assim, para a construção de uma
sociedade mais justa e inclusiva (BUTLER, 2017) (MINISTÉRIO PÚBLICO,
2023, p. 51).

Já a identidade de gênero é uma experiência interna e individual do gênero de


cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento,
incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação
61
da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e outros) e outras
expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos
(PRINCÍPIOS, 2006).
Identidade de gênero é a percepção que uma pessoa tem de si como sendo do
gênero masculino, feminino ou de alguma combinação dos dois, independente de
sexo biológico. A identidade de gênero da pessoa não necessariamente está visível
para as demais pessoas. Existem pessoas que não se identificam com nenhuma
dessas definições e outras que se identificam com ambas.
A pessoa cuja identidade de gênero corresponde ao gênero que lhe foi atribuído
no nascimento é cisgênera. Já quando a identidade de gênero diverge do gênero que
lhe foi atribuído no nascimento pelo seu sexo biológico, o indivíduo é transgênero.
Importante trazer ainda o conceito de expressão de gênero, que nada mais é
como a pessoa manifesta-se publicamente, incluindo nome, vestimentas, acessórios,
corte de cabelo, comportamentos, formas de falar, características corporais e da forma
como interage com as demais pessoas. Vale mencionar que algumas pessoas
possuem a mesma expressão de gênero durante a vida toda e outras podem mudar
ao longo do tempo ou com base nas circunstâncias.
O que é uma pessoa transexual? Segundo Jaqueline de Jesus: “a
transexualidade é uma questão de identidade. Não é uma doença mental, não é uma
perversão sexual, nem é uma doença debilitante ou contagiosa. Não tem nada a ver
capricho” (JESUS, JAQUELINE, 2012, p. 14). E continua: “ao contrário do que se
costuma pensar, o que determina a identidade de gênero transexual é a forma como
as pessoas se identificam, e não um procedimento cirúrgico. Em decorrência disso,
muitas pessoas que hoje se reconhecem ou são taxadas como travestis seriam, em
teoria, transexuais” (JESUS, JAQUELINE, 2012, p. 15).
Em resumo:

O que é um homem transexual? Pessoa que quer ser reconhecida como


homem.
O que é uma mulher transexual? Pessoa que deseja ser reconhecida como
mulher.
O que é uma travesti? O termo travesti engloba pessoas que têm uma
identidade de gênero feminina, mas que não se entendem como mulheres
trans. É uma manifestação tipicamente latina, de pessoas que tiveram o
gênero masculino designado no nascimento, mas descobriram em si essa
força feminina que forma sua identidade.

62
Há posicionamento que o conceito de travesti e mulher trans se equivalem.
Durante muito tempo, o termo era considerado pejorativo ou associado à prostituição.
Contudo, atualmente o conceito vem sendo ressignificado e passou a ter mais peso
político. Há pessoas que afirmam com orgulho que são travestis devido à história do
termo.

ATENÇÃO!!!

Drag Queen/Drag King são artistas que se vestem, de maneira estereotipada, conforme gênero
masculino ou feminino, para fins artísticos ou de entretenimento. A sua personagem não tem relação
com sua identidade de gênero ou orientação sexual.
Desta forma, não se confunde com pessoas transexuais ou travestis.

Em relação à identidade de gênero, há as pessoas não binárias, que não se


identificam com quaisquer dos gêneros binários: masculino ou feminino, e as pessoas
com gênero fluido, ou seja, aquelas que não reivindicam uma identidade fixa, que
transitam entre o ser/se fazer homem ou mulher.
O vídeo da CNN, cujo link encontra-se a seguir, traz informações sobre as
diversidades em relação ao gênero e à sexualidade. Assista!!!

https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/identidade-de-genero-mostra-como-as-
pessoas-se-reconhecem-no-mundo/ Figura 18

O documentário nacional Transversais


traz a história de cinco pessoas diferentes do
Ceará que têm em comum um fato: de um
modo ou outro foram atravessadas pela
transexualidade. De diferentes classes
sociais, histórias de origem e profissão, as
cinco vidas dão depoimentos sobre suas
histórias de como é ser trans, de como foi o
processo até o presente de cada um, as
fronteiras que tiveram que enfrentar, a família
e a sociedade em si. Todos falam sobre o
duro processo da transição, tanto
emocionalmente quanto fisicamente e a alegria que os traz de finalmente serem quem
são. Não deixe de assistir.
63
4.2 ORIENTAÇÃO SEXUAL

Após uma breve exposição sobre sexo biológico, gênero, identidade de gênero
e expressão de gênero, é fundamental trazer informações sobre sexualidade e
orientação sexual para melhor compreensão das especificidades da população
LGBTQIA+.
A sexualidade pode ser definida como a necessidade de receber e expressar
afeto e contato que proporcionem sensações prazerosas para cada um. A
sexualidade, portanto, não se restringe ao sexo e considera uma múltipla combinação
de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais. Ela engloba o toque, o abraço,
o gesto, a palavra que transmite prazer etc.
Já a orientação sexual tem relação com o modo que as pessoas se sentem em
relação à afetividade e à sexualidade. Trata-se da atração ou ligação afetiva que se
sente por outra pessoa.
Pessoas que gostam de outras do gênero oposto são chamadas de
heterossexuais ou heteroafetiva. Já quando o interesse é por uma pessoa do mesmo
gênero, a pessoa é denominada como homossexual ou homoafetiva.
Há ainda as pessoas que se sentem atraídas por ambos os gêneros. São os
bissexuais.

SINTETIZANDO:

Pessoa heterossexual: É aquela que se relaciona ou deseja se relacionar


com pessoa de gênero diferente daquele com o qual se identifica.

Pessoa homossexual: É aquela que deseja se relacionar com pessoas iguais


ao gênero que se identifica.

Pessoa lésbica: É uma mulher cisgênero ou transexual que se relaciona


afetiva ou sexualmente ou deseja se relacionar com outras mulheres.

Pessoa gay: É um homem cisgênero ou transexual que se relaciona afetiva


ou sexualmente ou deseja se relacionar com outros homens.

Pessoa bissexual: É aquela pessoa que deseja se relacionar com outra


pessoa de qualquer gênero.

Em relação à orientação sexual, há os assexuais, que são as pessoas que não


se interessam sexualmente por nenhum gênero.
Há também os pansexuais, que são pessoas que sentem atração por indivíduos
de gênero diverso, do mesmo gênero, de ambos os gêneros, e também por todas as
64
demais pessoas que se encontram no amplo espectro de gênero, como pessoas não
binárias, de gênero fluido ou agênero.
Vale mencionar que para os conceitos trazidos leva-se em conta a identidade
de gênero e não o sexo biológico. Nada impede, claro, que a pessoa sinta-se atraída
exclusivamente por pessoas cisgêneras.
Assim, é a partir da identidade de gênero que poderá ser pensada a orientação
sexual da pessoa. Os/as transexuais podem ser heterossexuais, lésbicas, gays ou
bissexuais, como ocorre com as pessoas cisgênero, dependendo do gênero que adota
e do gênero com relação ao qual se atrai afetivo-sexualmente.
Reforça-se que as possibilidades de autoidentificação e de relacionamento
afetivo/amoroso são uma livre expressão de cada pessoa, existindo diversas
possibilidades. O Manual de Atendimento e Abordagem da População LGBTI por
Agentes de Segurança Pública traz alguns exemplos, quais sejam:

Exemplo 1: Uma mulher, trans ou cis, pode ser lésbica se sua orientação
sexual se direcionar a uma outra mulher (trans ou cis); assim como
heterossexual, se sua orientação se direcionar a um homem (trans ou cis).

Exemplo 2: Uma pessoa não binária pode sentir desejo afetivo e/ou sexual
por outra pessoa não binária ou por alguém que se identifica com o gênero
binário masculino ou feminino, ou ainda de gênero fluido.

Não se deve utilizar o termo opção sexual, pois a sexualidade é inerente à


personalidade, ou seja, a pessoa não escolhe, ela é e se reconhece como
heterossexual, homossexual ou bissexual. A pessoa descobre-se ao longo de seu
desenvolvimento e, a partir daí, tem noção de sua atração por um ou mais gêneros.
Assim, conclui-se que a sexualidade e o desejo sexual das pessoas é direcionado
internamente, não sendo uma opção por qual gênero sentirão atração afetiva e sexual.
Em nenhum contexto deve-se utilizar o termo homossexualismo, o qual foi
usado até 1985 para designar um comportamento de minoria como doença. Use
“homossexualidade”, transexualidade e “bissexualidade” para demonstrar que já sabe
que são alternativas saudáveis da sexualidade.
O vídeo produzido pelo Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT da
UFMG esclarece a razão do termo correto a ser utilizado é Orientação Sexual e não
Opção Sexual.

65
https://www.youtube.com/watch?v=zjUKJIzjU3Q&t=4s

O quadro abaixo traz um resumo dos conceitos estudados para melhor fixação
da temática.

Figura 19

Fonte: Agência Brasília.

4.3 VULNERABILIDADE DA POPULAÇÃO LGBTQIA+

A população LGBTQIA+ é alvo de violência simbólica, psicológica, sexual,


institucional e física, pelo fato da sua identidade de gênero e/ou sua orientação sexual
não se encaixarem nos padrões de cisgeneridade e heteressexualidade. As violações
de direitos são motivadas por intolerância, preconceito e discriminação e tem relação
com desconhecimento, alienação, valores morais baseados em argumentos do senso
comum, com cunho religioso, invisibilidade, ignorância, dentre outros.
As pessoas LGBTQIA+ no Brasil sofrem um processo histórico marcado por
exclusão familiar, social, escolar e do mercado de trabalho, resultando em sua
acentuada subalternização, com a privação de direitos elementares que a toda
66
população deveriam ser assegurados em um Estado Constitucional Democrático de
Direito.
As atitudes e sentimentos negativos em relação à população LGBTQIA+
iniciam-se no ambiente familiar e perpassa pelos demais ambientes frequentados,
como escola, vizinhança, saúde, trabalho, dentre outros.
Sugere-se o filme Meu Nome é Ray Figura 20

(Three Generations), que conta a história


do homem trans Ray, que nunca se
identificou com o gênero feminino que lhe
foi atribuído no nascimento e se prepara
para fazer a cirurgia de transgenitalização.
Sua mãe tenta encontrar a melhor forma de
lidar com a questão, contudo sua avó
homossexual recusa-se a aceitar a
resolução e cria um conflito familiar. Assista!
As pessoas que não se identificam
com o gênero que lhe foi atribuído no
nascimento, ou seja, os transexuais, são as
principais vítimas deste processo de
exclusão familiar, social e escolar. Há uma
estimativa de que 13 anos de idade seja a média em que travestis e mulheres
transexuais são expulsas de casa pelos pais (ANTRA, 2017) - e que cerca de 0,02%
estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio e 56% não possuem o
ensino fundamental (Dados do Projeto Além do Arco-íris/Afro Reggae). Essa situação
se deve muito ao processo de exclusão escolar, gerando uma maior dificuldade de
inserção no mercado formal de trabalho e deficiência na qualificação profissional
causada pela exclusão social. (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021)
Neste contexto de ruptura familiar e exclusão social, a evasão escolar e a falta
de qualificação profissional dificultam o ingresso no mercado de trabalho formal.

Com aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade social e de


miseráveis, a crise econômica, a política e aumento do desemprego,
acreditamos que se mantém atual a estimativa de que apenas 4% da
população trans feminina se encontra em empregos formais, com
possibilidade de promoção e progressão de carreira. Da mesma forma,
67
vemos que apenas 6% estão em atividades informais e subempregos,
mantendo-se aquele que é o dado mais preocupante: 90% da população de
travestis e mulheres transexuais utilizam a prostituição como fonte primária
de renda. (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2021, p. 44)

Sem conseguir empregos formais estáveis ou outras formas seguras de


geração de renda, a prostituição não raro se apresenta como a única forma de
subsistência, o que torna essa população mais vulnerável a redes de exploração
sexual.
Estima-se que 90% da população trans no Brasil tem a prostituição como fonte
de renda e única possibilidade de subsistência. Outra informação relevante é de que
70% dos assassinados foram direcionados àquelas que são profissionais do sexo,
sendo que 55% deles aconteceram nas ruas.
É necessário entender que o cenário de violência a que a população trans é
submetida, somado à exclusão do mercado de trabalho e a demais sofrimentos
relacionados a exclusões em todos os campos da sociedade, acarreta em maiores
taxas de adoecimentos mentais (transtornos mentais comuns, depressão, ansiedade,
ideações e tentativas de suicídio) e maiores adoecimentos em geral (relacionados a
tabagismo, abuso de álcool e de substâncias ilícitas, infecção por HIV e outras IST,
afastamento dos serviços de saúde, uso de hormônios inadequados, aplicação de
silicone industrial, etc.) quando comparados à população cisgênero.
Estima-se que jovens rejeitados por sua família por serem LGBTQIA+ têm 8,4
vezes mais chances de tentarem suicídio. Dentre adolescentes, lésbicas, gays e
bissexuais têm até cinco vezes mais chances de tirarem a própria vida do que as/os
heterossexuais.
Nota-se que toda a população LGBTQIA+ está mais suscetível a violências do
que as pessoas heterossexuais e cisgêneras, justamente em razão da sua orientação
sexual e/ou identidade de gênero.
A figura ao seguir, extraída da Cartilha A Violência LGBTQIA+ no Brasil,
demonstra que a exclusão da População LGBTQIA+ inicia na família, no ambiente
doméstico, e posteriormente nos demais ambientes, quais sejam, educação, trabalho,
saúde e, criando um ciclo de exclusão que pode culminar em episódios de violência
mais graves.

68
Figura 21

Fonte: Cartilha A Violência LGBTQIA+ no Brasil

Deve-se constar que a violência vivida pela população LGBTQIA+ não é


apenas física, mas também psicológica e caracterizada pelo não acolhimento desta
população em diversos espaços.
Apesar dos diversos avanços conquistados ao longo dos anos, a LGTBfobia é
uma triste realidade no Brasil e ocorre em diversos espaços: no espaço público, no
âmbito institucional, e principalmente, no ambiente familiar e doméstico. Estar em uma
sociedade fundada com esse grau de violência em relação à diversidade é estar
sujeito à antecipação da morte, à exclusão, às agressões físicas e verbais.

Os crimes de ódio diferenciam-se dos crimes em geral em razão de sua


motivação. Isso porque são praticados contra determinada pessoa em razão
da intolerância do agente contra a vítima, em razão dela pertencer a
determinado grupo social. Ou seja, são praticados contra determinada
pessoa em razão do preconceito do agente contra a vítima, em razão desta
pertencer a um grupo social que aquele acha intolerável. É precisamente o
caso da transfobia, a saber, as violências (físicas e morais) e discriminações
(diretas, indiretas, institucionais, etc.) contra travestis, mulheres transexuais
e homens trans, bem como da homofobia e da bifobia, enquanto violências e
discriminações contra lésbicas, gays e bissexuais. Logo, crimes de ódio são
mais graves que os crimes comuns. Um homicídio cometido por intolerância
a uma pessoa em razão de seu modo de ser é mais grave que um homicídio

69
cometido contra alguém por uma intempérie momentânea. O mesmo vale
para os crimes em geral. (Dossiê ANTRA, 2017)

Com grande frequência são noticiados casos de graves violências contra a


população LGBTQIA+, como alguns exemplos trazidos anteriormente, que aportam
na Polícia Civil para o atendimento/acolhimento da vítima e a investigação criminal.
70
É possível observar que nas situações de violência por motivo de preconceito,
discriminação ou intolerância há uma crueldade por parte dos agressores, o que
assusta a população em todos os cantos do país.
O Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras
em 2022, produzido pela Antra, trouxe as principais formas de violações registradas,
com registros em praticamente todos os estados do país:

Quadro 1 – Variações de Direitos Humanos

Fonte: Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022.

Há uma dificuldade na constatação dos reais índices de violência contra a


População LGBTQIA+, devido a grande subnotificação destes casos e, ainda, mesmo
quando notificados, os registros não são realizados de forma adequada, com
enquadramento das ocorrências na tipificação correta, dificultando a verificação da
real proporção da situação.
A ausência de dados concretos em relação à População LGBTQIA+ e em
relação às violências praticadas contra a mesma é um entrave na formulação de
políticas públicas que visam combater tais violações de direitos.
Reafirma-se que o Brasil ocupa uma posição nada confortável em relação à
LGBTfobia. As estatísticas apontam que é o país que mais mata pessoas
transgêneras e travestis do mundo.
71
Figura 22

Fonte: Dossiê: assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022.

De acordo com o Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e


transexuais brasileiras – 2021, a cada 10 assassinatos de pessoas trans no mundo,
quatro ocorreram no Brasil. E das 140 vítimas de homicídios em 2021, 135 eram
travestis/mulheres trans, deixando nítido que a motivação, assim como a própria
escolha da vítima tem relação direta com a identidade de gênero (feminina) expressa
pelas vítimas, que representam 96% dos casos.

Figura 23

Fonte: https://www.medicina.ufmg.br/pessoas-transgenero-ainda-enfrentam-
barreiras-nos-servicos-de-saude/.
72
A maior parte das vítimas é jovem, entre 13 e 29 anos, a maioria é negra,
empobrecida e reivindica ou expressa publicamente o gênero feminino. Homens trans
e pessoas transmasculinas são minoria em crimes de assassinatos/homicídio
violentos. Entre as vítimas, a prostituição é a fonte de renda mais frequente, sendo
fator de alto risco quando a pessoa trans apresenta aparência e estética não-
normativas. Verifica-se que uma pessoa trans que não fez modificações corporais e
não expressa sua inconformidade de gênero explicitamente não confronta a
sociedade cis, não estará exposta às mesmas violências que as demais.
Constatou-se que os crimes ocorrem majoritariamente em locais públicos,
principalmente, em via pública, em ruas desertas e à noite, os casos acontecem em
sua maioria com uso excessivo de violência e requintes de crueldade, além da maior
parte dos suspeitos não costuma ter relação direta, social ou afetiva com a vítima.
De acordo com os dados apresentados, as mulheres trans e travestis são mais
vulneráveis a todas as formas de violência, razão pela qual devem ser propostas
ações afirmativas para as mesmas, conforme motivos apresentados no Dossiê
Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras- 2022, quais
sejam:

▪ Dentre toda a comunidade LGBTQIA+, são as travestis e mulheres trans,


especialmente negras e periféricas, a maior parcela desempregada, em
subempregos e/ou na prostituição;
▪ Em termos gerais, tem a menor renda de toda a comunidade LGBTQIA+;
▪ É a parcela da população que enfrenta os maiores índices de abandono
familiar;
▪ Tem os maiores índices de expulsão dos espaços públicos entre as
pessoas LGBTQIA+;
▪ São as identidades mais marginalizadas e que enfrentam os piores
estigmas sociais;
▪ São as principais vítimas de transfobia no ambiente educacional e, devido
à exclusão, tem menor escolaridade e maior dificuldade de acesso à
universidade;
▪ São as mais perseguidas no esporte, especialmente os de alto rendimento;
▪ Sofrem maior rejeição pública;
▪ É a maioria dos casos de suicídio entre pessoas LGBTQIA+;
▪ Tem o maior índice de infecção e estigmas relacionados ao HIV/AIDS;
▪ Devido a violência e dificuldade de acesso a direitos básicos,
especialmente aos cuidados em saúde, tem a menor estimativa de vida;
▪ São aquelas que constroem menos relações afetivas/familiares devido a
transfobia, fetichização e hipersexualização de seus corpos;
▪ Entre pessoas trans, é maioria no cárcere e as que menos recebem visitas;
73
▪ De acordo com dados recentes da TGEU, representam cerca de 95% dos
casos de assassinatos de pessoas trans no mundo;
▪ São as mais perseguidas por grupos conservadores, feministas
transexcludentes e outros grupos de ódio antitrans;
▪ São as vítimas prioritárias do discurso da "ideologia de gênero" e;
▪ São as maiores vítimas de violência política de gênero.

Como ocorre na violência doméstica e familiar contra a mulher, é possível


observar que determinadas circunstâncias potencializam a vulnerabilidade da
população LGBTQIA+, as quais se relacionam com a interseccionalidade: raça, classe
social, gênero, idade, dentre outros, demandando uma atenção maior por parte da
Segurança Pública e demais instituições estatais, com a implementação de políticas
afirmativas.

4.4 AMPARO NORMATIVO PARA PROTEÇÃO DE VIOLÊNCIAS PAUTADAS NA


DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO E DA ORIENTAÇÃO
SEXUAL

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) afirma que todo ser
humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos na
Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,
religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.
A Constituição Federal de 1988 prevê que a República Federativa do Brasil
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos fundamentos a
dignidade da pessoa humana. São objetivos fundamentais trazidos na Carta Magna
construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. Além disso, prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza.
No ano de 2006, em reunião realizada na Indonésia com representantes de 25
países, foi elaborado o documento “Princípios de Yogyakarta”, que reconhece as
violações de direitos por motivos de orientação sexual ou identidade de gênero como
violações de direitos humanos. É um dos documentos mais importantes no âmbito
internacional relacionado à temática e encontra-se disponível no material complementar.

74
De acordo com o referido documento, a discriminação com base na orientação
sexual ou na identidade de gênero inclui qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferência baseada na orientação sexual ou identidade de gênero que tenha o
objetivo ou efeito de anular ou prejudicar a igualdade perante a lei ou proteção igual
da lei, ou ainda o reconhecimento, gozo ou exercício, em base igualitária, de todos os
direitos humanos e das liberdades fundamentais.
Consta no documento que a discriminação baseada na orientação sexual ou
identidade de gênero pode ser, e comumente é, agravada por discriminação
decorrente de outras circunstâncias, inclusive aquelas relacionadas ao gênero, raça,
idade, religião, necessidades especiais, situação de saúde e status econômico.
Dentre os princípios trazidos na normativa, o Princípio 5 (cinco) refere-se à
Segurança Pessoal e tem grande importância para os policiais e servidores
administrativos da Polícia Civil, afirmando que toda pessoa, independente de sua
orientação sexual ou identidade de gênero, tem o direito à segurança pessoal e
proteção do Estado contra a violência ou dano corporal, infligido por funcionários
governamentais ou qualquer indivíduo ou grupo. Para efetivação dos direitos previstos
no referido princípio, os Estados deverão:

a) Tomar todas as medidas policiais e outras medidas necessárias para


prevenir e proteger as pessoas de todas as formas de violência e assédio
relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero;
b) Tomar todas as medidas legislativas necessárias para impor penalidades
criminais adequadas à violência, ameaças de violência, incitação à violência
e assédio associado, por motivo de orientação sexual ou identidade de
gênero de qualquer pessoa ou grupo de pessoas em todas as esferas da
vida, inclusive a familiar;
c) Tomar todas as medidas legislativas, administrativas e outras medidas
necessárias para garantir que a orientação sexual ou identidade de gênero
da vítima não possa ser utilizada para justificar, desculpar ou atenuar essa
violência;
d) Garantir que a perpetração dessas violências seja vigorosamente
investigada e, quando provas adequadas forem encontradas, as pessoas
responsáveis sejam processadas, julgadas e devidamente punidas, e que as
vítimas tenham acesso a recursos jurídicos e medidas corretivas adequadas,
incluindo indenização;
e) Realizar campanhas de conscientização dirigidas ao público em geral,
assim como a perpetradores/ as reais ou potenciais de violência, para
combater os preconceitos que são a base da violência relacionada à
orientação sexual e identidade de gênero.

75
4.5 CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA

A LGBTfobia é o termo utilizado para compreender as violências cometidas


contra a população LGBTIA+. Devemos evitar utilizar o termo “homofobia” para referir-
se a qualquer forma de violência contra a população LGBTQIA+.
Em sentido amplo, homofobia é entendida como opressão motivada na
orientação sexual, real ou suposta, das vítimas (contra lésbicas, gays, bissexuais,
assexuais e pansexuais) e, em sentido estrito, apenas contra homossexuais (daí
bissexuais demandarem pelo termo bifobia, por exemplo). Esse termo apaga a
transfobia, ou seja, a opressão motivada na identidade de gênero, real ou suposta,
das vítimas (contra travestis, transexuais, ou seja, a pessoas que não se identificam
com o gênero que lhes foi designado ao nascer) Figura 24
e outras violência contra pessoas LGBTI+
(BENEVIDES, 2020).
Mesmo diante das diversas formas de
violência praticadas em desfavor da população
LGBTQIA+ e das constantes lutas e dos
movimentos sociais, o Congresso Nacional
ainda não editou uma legislação criminalize a
homofobia e a transfobia.
Até junho de 2019, quando uma pessoa
da população LGBTQIA+ era vítima de um
delito que envolvesse aversão odiosa quanto à
sua orientação sexual ou identidade de gênero,
a Autoridade responsável por enquadrar a
conduta praticada aos delitos existentes na
legislação vigente seguia o estabelecido no
Código Penal Brasileiro com suas penalidades.
Em 13 de junho de 2019, o STF julgou a
ADO 26 (Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão) e do MI (Mandado de Injunção)
4733 e reconheceu a mora do Congresso
Nacional em legislar sobre atos atentatórios Fonte: Disque 100.

sobre direitos fundamentais dos integrantes das comunidades LGBTQIA+


76
reconhecendo como sendo crime de Racismo (Lei 7716/89) até que se edite a norma
regulamentando o assunto.
No julgamento a Ministra Carmem Lúcia, iniciou dizendo: “todo preconceito é
violência e causa sofrimento”, e continuou:

Numa sociedade discriminatória como a que vivemos, a mulher é diferente, o


negro é diferente, o homossexual é o diferente, o transexual é diferente.
Diferente de quem traçou o modelo, porque tinha poder para ser o espelho e
não o retratado. Preconceito tem a ver com poder e comando. Quem submete
o outro é mandante. Aliás, não submete. Escraviza (...) STF, ADO 26,
13.06.2019.

Nesses termos, estabeleceu que, até que sobrevenha uma lei emanada do
Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização
definidos no artigo 5º, XLI e XLII, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou
supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de
gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua
dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica
aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei do Racismo, constituindo
também na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar
motivo torpe.
Neste julgamento, foi feita uma ressalva, com relação à liberdade religiosa.
Ainda hoje é comum que algumas religiões Figura 25

não tolerem a união homoafetiva e repudiam


severamente esse tipo de conduta. Assim,
neste julgado, foi estabelecida a liberdade
religiosa, independe da denominação
confessional professada, a cujos fiéis e
ministros (sacerdotes, pastores, rabinos,
mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou
celebrantes das religiões afro-brasileiras,
etc.) é assegurado o direito de pregar e de
divulgar, livremente, pela palavra, pela
imagem ou por qualquer outro meio, o seu Fonte: CNJ.
pensamento de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus
livros e códigos sagrados.

77
Nessa linha, os fiéis e ministros podem ensinar segundo sua orientação
doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os fatos
de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de
sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem
discurso de ódio, ou seja, aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a
hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de
identidade de gênero.
A decisão enfatizou que o conceito de racismo projeta-se para além de
aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta de uma construção de
índole histórico e cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e
destinada ao controle ideológico, à denominação política, à subjugação social e à
negação da alteridade da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem
grupo vulnerável e por não pertencerem ao estamento que detém posição de
hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes,
degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em
consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e
lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.
No mesmo sentido foi a decisão do Mandado de Injunção 4733/DF, proposta
pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e transgêneros (ABGLT)

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS E TRANSGÊNEROS -


ABGLT

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção,


vencido o Ministro Marco Aurélio, que não admitia a via mandamental. Por
maioria, julgou procedente o mandado de injunção para (i) reconhecer a mora
inconstitucional do Congresso Nacional e; (ii) aplicar, com efeitos
prospectivos, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito, a Lei
nº 7.716/89 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes
de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional à discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero, nos
termos do voto do Relator, vencidos, em menor extensão, os Ministros
Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (Presidente) e o Ministro Marco Aurélio,
que julgava inadequada a via mandamental. Plenário, 13.06.2019.

Assim, o plenário decidiu, por maioria de votos, que, até que se edite uma
norma regulamentando a matéria que versa sobre homofobia e transfobia, será
aplicada a Lei nº 7.716/1989 (crimes contra o racismo). Resaltando que, nos cultos
religiosos, dada a liberdade religiosa, essa decisão não alcança nem restringe, desde
que não incite discursos de ódio, seja em forma de discriminação ou preconceito.
78
Essa criminalização da homofobia/transfobia pelo Supremo Tribunal Federal
representou uma importante conquista para a Comunidade LGBTQIA+, pois tipificou
uma conduta criminosa envolvendo o gênero e orientação sexual das pessoas com
uma possível punição prevista na Lei 7716/1989. Enquanto isso, aguarda-se uma
legislação por parte do Congresso Nacional.
A Cartilha Direitos da População LGBT do MPPE traz alguns exemplos de
LGBTfobia, que ocorre quando a pessoa:

▪ Foi proibido/a de entrar e/ou permanecer em algum estabelecimento


público ou privado em razão da sua sexualidade.
▪ Alguém lhe prestou atendimento seletivo ou diferenciado, não previsto em
Lei.
▪ Foi retirado/a de algum local por trocar carinho com seu/sua parceiro(a).
▪ Foi proibido/a de unir-se com seu parceiro(a).
▪ Algum familiar ou conhecido lhe abusou sexualmente por ser LGBTQIA+.
▪ Foi perseguida, sofreu assédio moral ou foi demitida do trabalho.
▪ Sofreu bullying ou foi expulso/a da escola.
▪ Não recebeu assistência ou atenção adequada em ambientes públicos ou
privados.
▪ Alguém lhe bateu ou espancou por ser LGBTQIA+.
▪ Sofreu ameaças de morte por ser LGBTQIA+.
▪ Teve negado o direito da utilização do banheiro de acordo com o gênero
de identificação.
▪ Não teve respeitado o direito ao uso do Nome Social.

4.6 ESTUPRO CORRETIVO

Dentre as diversas formas de violência contra a População LGBTQIA+, neste


tópico trataremos do estupro corretivo, que foi incluído no Código Penal em 2018 como
causa de aumento de pena de 1/3 a ⅔ nos crimes de estupro. Entende-se como
estupro corretivo quando a violência sexual é praticada para controlar o
comportamento social ou sexual da vítima.
Ocorre quando o autor pratica a violência sexual contra a vítima em razão da
sua orientação sexual ou identidade de gênero, como nos casos em que o homem
estupra a mulher lésbica como uma forma de ensiná-la a gostar de homens, por
exemplo. Também se configura estupro corretivo quando a violência é praticada para
controlar comportamento social da vítima.

79
Nestes casos, a motivação do delito está relacionada com a inconformidade do
autor com a sexualidade ou comportamento social da vítima. Assim, o autor pratica a
violência sexual contra mulheres lésbicas ou bissexuais ou homens transexuais como
forma de curar sua sexualidade ou identidade de gênero, ou pratica a violência sexual
em razão da vítima ser profissional do sexo, se realizar com várias pessoas, controle
de fidelidade, modo de vestir, dentre outros comportamentos na sociedade.
De acordo com Rogério Sanches Cunha:

Já a majorante do estupro corretivo abrange, em regra, crimes


contramulheres lésbicas, bissexuais e transexuais, no qual o abusador quer
"corrigir" a orientação sexual ou o gênero da vítima. A violação tem requintes
de crueldade e é motivada por ódio e preconceito, justificando a nova causa
de aumento. A violência é usada como um castigo pela negação da mulher à
masculinidade do homem. Uma espécie doentia de ‘cura’ por meio do ato
sexual à força. A característica desta forma criminosa é a pregação do
agressor ao violentar a vítima. Os meios de comunicação indicam casos em
que os agressores chegam a incitar a “penetração corretiva” em grupos das
redes sociais e sites na internet (o que, isoladamente, pode caracterizar o
crime do art. 218-C – apologia ou induzimento à prática do estupro – caso
sejam veiculados fotografias ou registros audiovisuais (p. 15).

Ressalta-se que não são todos os estupros de mulheres lésbicas que


configuram estupro corretivo, sendo necessário verificar a motivação do autor do
crime, quando é manifestada essa tentativa de reversão da sexualidade da vítima.

4.7 LEI MARIA DA PENHA

Como já afirmado anteriormente, a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)


prevê expressamente a proteção da mulher em união homoafetiva no parágrafo único
do artigo 5º (BRASIL, 2006, grifo nosso):

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar


contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de
convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as
esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por
indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais,
por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha
convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

80
As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de
orientação sexual.

Reforça-se a aplicação da Lei Maria da Penha para coibir a violência doméstica


e familiar contra mulheres transexuais e travestis quando baseada no gênero,
independente de cirurgia de transgenitalização, alteração do nome ou sexo no
documento civil, conforme diversas decisões sobre a temática. Inclusive este é o
entendimento da sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, que estabeleceu a
aplicação da referida Lei às mulheres trans, conforme trecho do relator ministro
Rogerio Schietti Cruz a seguir:

Este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres


humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata.
As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve
alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente
nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias.STJ, 6ª
Turma, REsp nº 1.977.124, 05.04.2022.

Nestes casos, aplica-se todos os direitos garantidos pela Lei Maria da Penha,
como atendimento pela Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher na PCMG,
nos termos da Resolução 8.225/2022, solicitação de medidas protetivas,
encaminhamento a Casas Abrigo, acompanhamento policial para retirada de
pertences, encaminhamento ao hospital, acompanhamento jurídico, dentre outros.

4.8 NOME SOCIAL

Figura 26
Em 2016 foi publicado o Decreto nº
8.727/2016 que estabelece o uso do nome
social e reconhecimento da identidade de
gênero de pessoas travestis ou
transexuais no âmbito da administração
pública federal, autárquica e fundacional.
Segundo estabelece o decreto Fonte: Portal ANOREG.
federal, nome social é aquele que a pessoa travesti ou transexual se identifica e é
socialmente reconhecida. Já a identidade de gênero é a dimensão da identidade de
uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de
masculinidade e feminilidade e com isso se traduz em sua prática social, sem guardar
relação necessária com o sexo atribuído no nascimento.
81
O documento Diagnóstico sobre o acesso à retificação de nome e gênero de
travestis e demais pessoas trans no Brasil, elaborado pela Antra, explica:

O nome social carrega junto ao corpo os múltiplos sentidos de feminilidade


e/ou masculinidade que operam como constituintes do gênero. Dessa forma,
o nome pelo qual são reconhecidas as travestis e demais pessoas trans atua
como parte do processo de reposicionamento dessas pessoas dentro da
estrutura social a partir do rompimento com o gênero designado. O nome
social não deve ser confundido com apelido ou alcunha, visto que está
intimamente ligado à identidade de gênero da pessoa e cumpre o papel de
evitar situações humilhantes e vexatórias, ou mesmo o tratamento por um
nome que não representa aquela existência no extrato social.
Embora o nome seja considerado equivocadamente como uma característica
inata, uma parcela considerável da sociedade não se identifica com o nome
e/ ou o gênero designados no momento do nascimento. Nesse sentido, a
partir da necessidade de adequar o nome à identidade de gênero
autopercebida, travestis e demais pessoas trans passaram a adotar a
utilização do chamado nome social.
Em definição direta, o nome social é o nome pelo qual travestis e demais
pessoas trans se identificam e são reconhecidas em suas relações sociais.
Embora seja utilizado como um paliativo de uma problemática que ainda não
foi solucionada pelo Estado brasileiro, o nome social pode ser adotado por
pessoas trans de todas as idades, inclusive por crianças e adolescentes.
Nome social é uma tecnologia inovadora desenvolvida pelas travestis, em
uma resposta direta a forma jocosa com que agentes públicos se dirigiam a
essas pessoas tratando-as de forma desumanizada (p. 17, 18).

Em 27 de janeiro de 2017 foi editado o Decreto nº 47.148 em Minas Gerais que


assegura o direito de uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero
de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública estadual.
Em 05 de fevereiro de 2018 mais uma conquista foi alcançada. Publicou-se o
Decreto Federal nº 9.278/2018 que assegura validade nacional às carteiras de
Identidade e regula sua expedição. Esse Decreto estabeleceu que algumas
informações poderão ser incluídas a pedido do interessado, dentre elas, o nome
social. Referido decreto foi integralmente revogado pelo Decreto 10.977/2022, que
também prevê a possibilidade da inclusão do nome social na Carteira de Identidade.
O nome social poderá ser incluído mediante requerimento escrito do
interessado com a expressão “nome social”, sem prejuízo da menção ao nome do
registro civil, no verso da Carteira de Identidade, e sem a exigência de documentação
comprobatória. O nome social também poderá ser excluído, se assim o interessado
desejar, mediante requerimento escrito.
No Sistema Único de Saúde (SUS), o respeito ao direito ao nome social e à
identidade de gênero do usuário do serviço está assegurado pela Portaria nº
1.820/2009. Já a Receita Federal expediu a Instrução Normativa nº 1.718/2017
autorizando a inclusão do nome social no CPF do (a) contribuinte transexual ou travesti.
82
As pessoas transexuais e travestis também têm direito a utilizar o nome social
no seu título de eleitor, nos termos da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral n°
23.562/2018. De acordo com a Resolução, a pessoa travesti ou transexual poderá,
por ocasião do alistamento ou de atualização de seus dados no Cadastro Eleitoral, se
registrar com seu nome social e respectiva identidade de gênero, sendo certo que o
nome social não poderá ser ridículo ou atentar contra o pudor.
O nome social constará no título de eleitor impresso ou digital bem como no
Cadastro Eleitoral, preservados os dados do registro civil. A Justiça Eleitoral restringirá
a divulgação de nome civil dissonante da identidade de gênero declarada no
alistamento ou na atualização do Cadastro Eleitoral.
Fundamental ressaltar que o nome social independe de registro em qualquer
documento, sendo uma escolha da pessoa transexual ou travesti, que deve ser
respeitada por todos, utilizando-se o nome social para sua identificação. A inclusão do
nome social não altera o nome de registro civil na certidão de nascimento ou
casamento da pessoa trans.

4.9 RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL

De acordo com o Guia para Retificação do Registro Civil de Pessoas Não-


Cisgêneras:

(...) garantir o direito de retificação registral/documental para pessoas


nãocisgêneras significa ampliar o acesso à cidadania e a direitos básicos de
identidade e personalidade. Ter os documentos constando o nome e
marcador de gênero com os quais as pessoas se identificam permite que
esses indivíduos tenham orgulho de apresentar suas identificações, evitando
que sejam expostos a humilhação, conflitos e constrangimentos em
consultórios médicos, serviços públicos, processos seletivos, cursos, escolas
e faculdades, assim por diante. Um estudo norte americano recente
demonstrou que o respeito ao nome de pessoas trans diminui as taxas de
suicídio e depressão nesta comunidade. Os pesquisadores conversaram com
129 jovens transgêneros, transexuais e com outras identidades não-
cisgêneras, como agênero e gênero fluido. A pergunta principal era relativa a
quais contextos seus nomes eram aceitos. Os pesquisadores concluíram que
quem pode usar o nome escolhido em mais ambientes apresenta até 71%
menos sintomas de depressão, pensa 34% menos em suicídio e tem o risco
de tirar a própria vida reduzido em 65%, em comparação aos entrevistados
que são constantemente chamados de outras formas. Portanto, a
possibilidade de retificação tem também um aspecto de saúde pública e
prevenção de adoecimento mental e suicídio, mostrando a importância do
respeito ao nome e gênero (p. 7).

83
A requalificação civil é quando a pessoa altera nome e gênero na certidão de
nascimento e, portanto, em todos os outros documentos. Em março de 2018, uma
decisão do STF (Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275) passou a garantir que
essa alteração seja feita administrativamente em um cartório de registro de pessoas
naturais, sem a necessidade de ação judicial e sem a necessidade de cirurgia de
redesignação sexual ou apresentação de laudos. A decisão foi proferida na Ação
Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria Geral da República para
que o artigo 58 da Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) fosse interpretado de
acordo com o princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição
Federal, permitindo a alteração do nome e gênero no registro civil por meio de
averbação no registro original.

Conclusão do voto: "Julgo procedente a presente ação direta para dar


interpretação conforme a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica
ao art. 58 da Lei 6.015/73, de modo a reconhecer aos trangêneros, que assim
o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da
realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à
substituição de prenome e sexo diretamente no registro civil (STF, ADI 4.275,
01/03/2018).

Com a decisão, não é mais necessária qualquer autorização judicial para que
seja realizada a alteração do registro civil ou ainda a comprovação de realização de
procedimentos cirúrgicos ou acompanhamento médico ou psicológico, sendo
necessário apenas o procedimento no cartório de registro civil.
É um grande avanço porque reconhece a autodeterminação de nome e gênero,
independente da genitália, garantindo um direito da personalidade do sujeito, sem
precisar de advogado ou acessar o Judiciário em um processo moroso.
Qualquer pessoa travesti ou transexual acima de 18 anos pode solicitar a
alteração, em qualquer cartório de registro civil do território nacional, sem a presença
de advogado ou defensor público. Para menores de 18 anos, a mudança será possível
somente via judicial.
De acordo com a decisão do STF, podem ser alterados somente o nome,
somente o gênero ou ambos. Podem ser alterados também os agnomes indicativos
de gênero (ex: filho, júnior, neto).
O Provimento nº 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça dispõe que:

Art. 2º Toda pessoa maior de 18 anos completos habilitada à prática de todos


os atos da vida civil poderá requerer ao ofício do RCPN (Registro Civil de

84
Pessoas Naturais) a alteração e a averbação do prenome e do gênero, a fim
de adequá-los à identidade autopercebida.
§ 1º A alteração referida no caput deste artigo poderá abranger a inclusão ou
a exclusão de agnomes indicativos de gênero ou de descendência.
§ 2º A alteração referida no caput não compreende a alteração dos nomes de
família e não pode ensejar a identidade de prenome com outro membro da
família.

Art. 4º O procedimento será realizado com base na autonomia da pessoa


requerente, que deverá declarar, perante o registrador do RCPN, a vontade
de proceder à adequação da identidade mediante a averbação do prenome,
do gênero ou de ambos.
§ 1º O atendimento do pedido apresentado ao registrador independe de
prévia autorização judicial ou da comprovação de realização de cirurgia de
redesignação sexual e/ou de tratamento hormonal ou patologizante, assim
como de apresentação de laudo médico ou psicológico.

A Resolução do CNJ não prevê a isenção de custas para pessoas trans que
não possam arcar com essas despesas de alteração de nome. Tal fato dificulta ou até
mesmo inviabiliza a efetivação deste direito, considerando a grande vulnerabilidade
social que a maior parte da população transexual está inserida.

85
5 ATENDIMENTO E INVESTIGAÇÃO POLICIAL COM PERSPECTIVA DE
GÊNERO

Durante o atendimento da população LGBTQIA+ e durante a investigação


policial dos crimes de LGBTfobia é esperado do Policial Civil conhecimento acerca
dos conceitos de gênero e orientação sexual, das vulnerabilidades que estão pessoas
vivenciam, das normas aplicáveis, de forma a acolher adequadamente a vítima e
possibilitar a coleta de elementos probatórios que demonstrem a motivação da prática
criminosa.
O servidor da Polícia Civil deve entender que as pessoas que não se encaixam
na cisgeneridade e heteressexualidade estão sujeitas às mais diversas formas de
violações de direitos e necessitam de um atendimento especializado, que ocorra livre
de julgamentos, preconceitos, estigmatização, sendo capaz de compreender o
contexto em que estas pessoas estão inseridas e evitar qualquer forma de
retimização.
É válido destacar que as forças de Segurança Pública são duramente criticadas
pelo atendimento realizado junto à população LGBTIA+, por não conhecer claramente
os conceitos de identidade de gênero e orientação sexual, por ignorar referidas
informações durante a entrevista com a vítima, não incluindo tais circunstâncias no
registro policial, por não se atentar que determinada conduta noticiada ocorreu num
contexto de LGBTfobia, por não respeitar o uso do nome social, e, em determinados
casos, por prestar um atendimento preconceituoso e discriminatório, com a utilização
de piadas ou atitudes de deboche, menosprezo ou crítica em relação à vítima.
Para evitar este tipo de constrangimento e criar um atendimento acolhedor e
humanizado, devemos estar familiarizados com questões quanto a nomenclaturas e
serviços relacionados às pessoas LGBTQIA+.
Ao aplicar o conteúdo trazido neste curso, o servidor da Polícia Civil gera uma
maior confiabilidade na instituição Polícia Civil, incentivando o registro de diversas
violências que atualmente não são notificadas, permite que a vítima se sinta acolhida
e devidamente respeitada em seus direitos, além de construir dados mais fidedignos
acerca das violações de direitos que ocorrem diariamente.
Diversas violências praticadas contra a população LGBTQIA+ não chegam ao
conhecimento das forças de Segurança Pública por motivos diversos, dentre eles,
receio da prática de violência institucional, com discriminação pela própria Segurança
86
Pública e Sistema de Justiça, crença na impunidade, morosidade dos procedimentos,
além do fato de reviver a violência sofrida.
É válido reforçar que, infelizmente, as pessoas LGBTQIA + são constantemente
discriminadas por familiares, amigos, colegas de trabalho, por profissionais de
instituições públicas e privadas, dentre outros espaços. Neste sentido, cabe à Polícia
Civil proporcionar um atendimento especializado, protetivo, isento de qualquer forma
de preconceito ou discriminação. Ao aplicar o conteúdo trazido neste curso, os
servidores proporcionam uma maior confiabilidade da população LGBTQIA+ e da
população em geral na Polícia Civil, como uma instituição que garante a efetivação
dos direitos humanos.
Não podemos tolerar a prática de violência institucional em desfavor de
nenhuma vítima, cabendo aos servidores conhecimento específico para atender de
forma adequada as vítimas que encontram-se em grupos historicamente
discriminados, como no caso da população LGBTQIA+.
Durante o atendimento da população LGBTQIA+, o profissional deve seguir as
seguintes recomendações:

● A identificação social da vítima deve ser respeitada, de acordo com a sua


autodeclaração.
● A abordagem deve ser respeitosa, não utilizando quaisquer comentários
ofensivos quanto ao nome informado nem uso de nomes pejorativos ou
piadas que possam constranger a pessoa;
● É necessário perguntar a forma pela qual a pessoa gostaria de ser chamada.
Esse nome, seja ele feminino, masculino ou neutro, deve ser utilizado
durante o atendimento e preenchimento dos documentos necessários.
● Ainda que o nome das travestis e transexuais não tenha sido alterado no
registro civil, possuem o direito de serem chamadas pelos seus nomes
sociais e de tratamento conforme o gênero que se identificam.
● Devem-se evitar perguntas a respeito da realização ou não de cirurgias de
mudança de sexo.
● O servidor da Polícia Civil deve mostrar interesse na ocorrência e incentivar
a vítima a proceder com o registro do fato, visando a melhor forma de
garantia dos direitos da pessoa.
● O profissional não deve repetir o nome de registro da pessoa em voz alta
caso seja diferente de seu nome social, devendo constar nos registros o
nome social informado e o nome de registro.
● O profissional deve sempre se lembrar de perguntar se a pessoa faz uso do
mesmo nome que consta em sua documentação, ou se prefere ser chamada
(o) por outro nome social ou apelido.
87
● Evitar usar pronomes e outros termos que indicam gênero binário quando
estiver falando com a pessoa pela primeira vez, quando não se sabe ainda
a sua identidade de gênero.
● Evitar a revitimização e sempre se colocar no lugar da pessoa.
● Estar familiarizada (o) com questões, nomenclaturas e serviços
relacionados às pessoas trans e travestis.
● Garantir uso de pronomes adequados de acordo com o gênero autorreferido
(Sra., Sr., ela, ele, etc.).
● Usar os termos que as pessoas usam para descrever a si mesmas e a suas
(seus) parceiras (os). Por exemplo, se alguém se chamar de “gay”, não use
o termo “trans” ou “travesti”.
● Dê à pessoa a sua total atenção e garanta que reconhece as suas questões
e preocupações de forma positiva e solidária.
● Respeite a pessoa atendida, não trate os outros de forma a demonstrar
superioridade e aja com a cortesia e a naturalidade que todos merecem.
● Não existe quase nenhuma situação em que seja aceitável utilizar os termos
populares em relação à População LGBTQIA+, em geral pejorativos, para
qualquer pessoa. Retire-os de seu vocabulário.
● Nunca ria, comente, aponte, ou faça piadas ou comentários
preconceituosos.
● Não presuma uma intimidade exagerada num esforço para mostrar-se não
preconceituoso.
● Escute a pessoa trans sem noções ou ideias preconcebidas. As pessoas
trans são diferentes umas das outras, nem todas são excessivamente
femininas ou masculinas ou querem realizar o tratamento com hormônios
e/ou cirurgia etc.
● Pessoas trans são como qualquer outra e não precisam ser tratadas com
estranhamento.

IMPORTANTE!!!

As técnicas de comunicação não violenta e soft skills para o profissional de segurança pública
abordadas no tópico referente à violência doméstica e familiar contra a mulher podem e devem ser
aplicadas no atendimento da população LGBTQIA+ sempre que cabível.

5.1 BUSCA PESSOAL

A busca pessoal em pessoas transexuais e travestis pode gerar algum tipo de


dúvida durante a atuação dos policiais, motivo pelo qual serão trazidas orientações
para este tipo de abordagem. Em relação aos gays, lésbicas, bissexuais e assexuais
não há discussão, visto que possuem identidade de gênero correspondente ao órgão

88
genital, razão pela qual devem sofrer abordagem policial pelo policial correspondente
ao sexo/identidade de gênero.
Vale mencionar que em uma situação de abordagem da população LGBTQIA+,
o policial deve agir de forma não discriminatória e respeitar a autodeclaração da
pessoa abordada, de forma a garantir o respeito e a dignidade da pessoa, sem deixar
de observar todos os procedimentos de segurança, levando os riscos que a pessoa
oferece, como ocorre em toda atuação policial.
Recomenda-se que policiais civis femininas realizem prioritariamente a busca
e abordagem em mulheres transexuais e travestis. Caso o nome social informado seja
diferente do nome de registro, reforça-se a necessidade de evitar a repetição em voz
alta do nome de registro da mulher transexual ou travesti, chamando-a pelo nome
social feminino. Deve ainda utilizar termos femininos, como senhora, ela, dela, dentre
outros.
No que tange à abordagem de homens transexuais, os documentos que tratam
sobre o procedimento apresentam divergências, com a possibilidade da busca ser
realizada por profissionais masculinos, profissionais femininos ou ainda que o
abordado seja consultado sobre a forma de revista mais adequada para si.
A Resolução SEJUSP nº 173, de 21 de julho de 2021, disciplina o procedimento
de revista nas unidades do Sistema Prisional do Estado de Minas Gerais, nos termos
do art. 14:

Art. 14 O procedimento de revista nas unidades do Sistema Prisional do


Estado de Minas Gerais será realizado preferencialmente por aparelho de
scanner corporal.
Parágrafo único Na impossibilidade de realização do procedimento de revista
por aparelho de scanner corporal, serão adotados os seguintes
procedimentos, com absoluto respeito à dignidade da pessoa humana:
I - homens autoidentificados como gays serão revistados por 2 (dois)
servidores do sexo masculino habilitados a fazer a revista;
II - mulheres autoidentificadas como lésbicas serão revistadas por 2 (duas)
servidoras do sexo feminino habilitadas a fazer a revista;
III - homens transexuais que não realizaram procedimento de redesignação
sexual serão revistados por 2 (duas) servidoras habilitadas do sexo feminino;
IV - homens transexuais que realizaram procedimento de redesignação
sexual serão revistados por 2 (dois) servidores do sexo masculino, seguindo
as normas dispostas a todos os demais custodiados;
V - quando alocadas em unidades femininas, as mulheres transexuais que
realizaram procedimento de redesignação sexual, serão revistadas por 2
(duas) servidoras do sexo feminino, seguindo as normas dispostas a todas
as demais custodiadas;
VI - quando alocadas em unidades masculinas, as travestis e mulheres
transexuais que não realizaram procedimento de redesignação sexual,

89
poderão ser revistadas por 2 (dois) servidores do sexo masculino, caso não
existam 2 (duas) servidoras habilitadas para o procedimento.

No âmbito da Polícia Civil, orienta-se que, sempre que possível, a pessoa a ser
abordada seja consultada sobre a forma de revista mais adequada para si. Caso não
seja viável, que seja realizada prioritariamente por profissionais femininos.
Acrescenta-se o fato de que muitos homens transexuais utilizam binder (faixa ou
colete de compressão das mamas) e packer (prótese peniana) e, caso seja necessária
sua retirada para revista/busca, o procedimento deve ser realizado de forma discreta,
em local fechado e seguro, sem exposição dos acessórios.
Reforçam-se as orientações de utilização do nome social informado pelo
homem trans, independente do nome de registro, bem como o uso de pronomes
masculinos, como senhor, ele, dele, dentre outros.
Caso necessária a revista de pertences da população LGBTQIA+, esta deve
ser realizada de forma discreta, sem exposição dos mesmos e sem comentários
ofensivos ou preconceituosos em relação aos objetos/acessórios.

5.2 USO DE CELAS

Há situações em que pessoas transexuais ou travestis são conduzidas às


Delegacias de Polícia na condição de autores de crimes, sendo necessário o
acautelamento temporário das mesmas em celas até o encaminhamento à respectiva
unidade prisional.
O Princípio 9 do Princípios de Yogyakarta (CORRÊA & MUNTARBHORN, 2007)
prevê que “toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e com
respeito pela dignidade inerente à pessoa humana. A orientação sexual e identidade
de gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa”.
Dispõe ainda que os Estados devem garantir que a detenção evite uma maior
marginalização das pessoas motivada pela orientação sexual ou identidade de
gênero, expondo-as a risco de violência, maus-tratos ou abusos físicos, mentais ou
sexuais.
Neste sentido, a travesti ou a mulher transexual em restrição de liberdade deve
ser mantida em separado dos homens, visando protegê-la de constrangimentos e/ou
violência transfóbica. Já os homens transexuais devem ser mantidos em separado

90
dos outros homens, com o intuito também de protegê-lo de constrangimentos e/ou
violência transfóbica.
Em relação aos homens trans, reforça-se que a anatomia de seus corpos
demanda esse cuidado para protegê-los de agressões, violências ou outras violações
de direitos humanos.
Em Minas Gerais, a alocação da população LGBTIA+ nas unidades prisionais
do Estado está disciplinada na Resolução nº 173/2021:

Art. 5° As alocações nas Unidades Prisionais ocorrerão, regra geral, da


seguinte maneira:
I - mulheres transexuais que não realizaram o procedimento de redesignação
sexual e travestis: serão alocadas na Penitenciária de São Joaquim de Bicas
I - Professor Jason Soares de Albergaria ou em espaços específicos e
separados para pessoas LGBTQIA+ destinados às pessoas do gênero
masculino, garantindo-lhes os direitos assegurados no Art. 5, XLIX da
Constituição Federal;
II - mulheres transexuais que realizaram o procedimento de redesignação
sexual: serão alocadas em espaços específicos e separados para pessoas
LGBTQIA+ destinados às pessoas do gênero feminino, garantindo-lhes os
direitos assegurados no Art. 5, XLIX, da Constituição Federal;
III - homens cisgêneros gays e bissexuais: serão alocadas na Penitenciária
de São Joaquim de Bicas I - Professor Jason Soares de Albergaria ou em
espaços específicos e separados para pessoas LGBTQIA+ destinados às
pessoas do gênero masculino, garantindo-lhes os direitos assegurados no
Art. 5, XLIX, da Constituição Federal; e
IV - mulheres cisgêneras, lésbicas e bissexuais, e homens transexuais: serão
alocadas em espaços específicos e separados para pessoas LBGTQIA+
destinados a pessoas do gênero feminino, garantindo-lhes os direitos
assegurados no Art. 5, XLIX, da Constituição Federal.

O Policial Civil deverá levar em consideração a autodeclaração da pessoa em


relação à orientação sexual e à identidade de gênero para tomada da decisão, levando
sempre em consideração o princípio da dignidade da pessoa e a segurança de todos
os envolvidos.

5.3 USO DO BANHEIRO

Outro tópico que merece ser trazido ao debate é a utilização dos banheiros por
parte das pessoas transexuais.
Em relação às pessoas lésbicas, gays e bissexuais, quando cisgêneras, isto é,
a identidade de gênero corresponde ao gênero atribuído no nascimento, não há
discussão, devendo utilizar o banheiro correspondente ao sexo que coincide com a
identidade de gênero.

91
No que tange aos intersexuais e pessoas de gênero fluido, estas devem possuir
o direito a escolher o banheiro que será utilizado, pois transitam entre a identidade de
gênero masculina e feminina.
O ponto mais sensível gira entorno da seguinte questão: As pessoas
transexuais e travestis devem usar o banheiro do gênero que se identificam ou o
banheiro de acordo com o seu gênero atribuído ao nascimento?
Há quem defenda que as mulheres não estariam seguras compartilhando
banheiros com transexuais já que poderiam ser vítimas de abusos por parte delas e
até mesmo poderia ter homens se passando por transexuais para cometer delitos
dentro dos banheiros femininos.
Não há nenhum dado concreto que possa levar à afirmação de que as mulheres
estariam mais vulneráveis compartilhando o banheiro com pessoas trans, muito pelo
contrário, as pessoas transexuais que são cotidianamente humilhadas e expulsas dos
banheiros públicos em uma atitude totalmente preconceituosa. E quanto à invasão do
banheiro por homens se passando por transexuais para cometer delitos, além de não
ter nenhum dado concreto que isso aconteceria, o agressor deverá ser punido com as
penas do delito que vier a cometer.

Neste campo, pode-se relacionar o direito à utilização de banheiros com o


conteúdo essencial do direito de igualdade, com a proibição de discriminação
direta e indireta por motivo de identidade de gênero, sem esquecer da
intersecção entre tal critério proibido de discriminação e a idade, dada a
intensidade dos prejuízos para crianças e adolescentes trans. Esta disputa
por qual banheiro deve ser utilizado pelas travestis e transexuais
frequentemente ganha espaço na mídia e no Poder Judiciário, sendo
retratada a partir de diversos pontos de vista, seja em apoio às travestis e
transexuais, seja defendendo que não devam utilizar o banheiro feminino.
Quanto à privacidade como fundamento para proibição de utilização,
pondera-se sobre a parcialidade e insuficiência do argumento, na medida em
que transexuais obrigadas a utilizar um banheiro que não corresponde à sua
identidade de gênero também tem sua privacidade violada. É de
conhecimento público os episódios de violência desferida contra pessoas
trans em banheiros masculinos, como também evidente o prejuízo à saúde,
que abarca o direito de realizar necessidades fisiológicas não apenas em
ambientes apropriados, como também livre de discriminação. Isso sem falar
da exposição pública vexatória e desrespeitosa à honra, à imagem e à vida
privada das pessoas trans que, no caso relatado da repercussão geral que
será julgada pelo STF, resultou na perda de controle e na excreção nas
próprias vestes, em espaço público, sob o olhar de transeuntes. A
transexualidade, não importa se abordada biomédica ou socialmente, é
indissociável do modo de ser e de estar no mundo das pessoas transexuais.
Ela não é atributo ou característica secundária ou acessória, possível de
desagregar da existência humana de tais pessoas. Desse modo,
desconsiderar ou excluir pessoas em virtude de tal condição identitária
significa ferir o âmago da proteção constitucional da dignidade humana.
(RAUPP; HERTZOG, 2015, p. 212)
92
Existe um projeto de lei (PL nº 5.008/2000) que proíbe a discriminação de
banheiros públicos de acordo com a identidade de gênero. Isso significa que, se a
proposta for aprovada pelos parlamentares, o uso desses espaços poderá ser feito de
acordo com a identidade de gênero com a qual a pessoa se identifica.
Esta é justamente a demanda da população trans, que reivindica que pessoas
trans possam utilizar, de forma segura, o banheiro de acordo com sua identidade de
gênero autodeclarada, bem como a existência de banheiros sem marcação de gênero
ou unissex/multigênero de uso individual, para além dos "masculinos e femininos"
No ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) já é possível a escolha do
banheiro por travestis e transexuais e a utilização de acordo com o gênero com o qual
se identificam.
Tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) o Recurso Extraordinário 845.779,
com repercussão geral, que discute a reparação de danos morais a transexual que
teria sido constrangida por empregado de um shopping em Florianópolis (SC) ao
tentar utilizar banheiro feminino. Embora o recurso não tenha sido finalizado, já
existem diversas decisões que concedem o direito da pessoa transexual de utilizar o
banheiro público no qual se sentem confortáveis.
Com o objetivo de pressionar o STF para retomar o julgamento do Recurso
Extraordinário, a ANTRA lançou a campanha “STF, Libera Meu Xixi”, de forma a
garantir que todas as pessoas possam usar o banheiro de acordo com sua identidade
de gênero, isto é, que travestis e mulheres trans usem o banheiro feminino e homens
trans, o masculino.
Neste sentido, baseados nos direitos da igualdade e dignidade da pessoa
humana, a orientação é de que as pessoas transexuais e travestis possam utilizar o
banheiro de acordo com sua identidade de gênero nas unidades policiais.
Entende-se que a proibição da utilização de banheiros de acordo com a
identidade de gênero pode configurar a prática de transfobia.

93
6 ASPECTOS PRÁTICOS DO ATENDIMENTO POLICIAL DE MULHERES EM
SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR

Em termos práticos e técnicos (hard skills), o profissional de segurança pública


responsável pelo atendimento das mulheres em situação de violência e condução das
investigações criminais relacionadas à temática deve orientar-se pelas seguintes
informações:

• Indicar o local do fato, com especificação detalhada. O local do fato fixa a


atribuição para a investigação e a competência para o julgamento do
processo. Além do mais, é relevante saber se o fato ocorreu na casa dos
envolvidos, na casa da vítima ou de terceiros, se aconteceu no trabalho, na
escola/faculdade, ou local de convivência da vítima, em via pública ou se
ocorreu de forma online e qual o meio de comunicação empregado;
• Se o fato ocorreu de forma online, importante destacar o recurso tecnológico
empregado (e-mail, aplicativos, redes sociais etc.), indicando o endereço
eletrônico, número telefônico, grupo de contatos, perfil da rede social,
incluindo o URL (endereço eletrônico que permite que o site ou perfil seja
encontrado na rede).
• Na elaboração do REDS, é necessário preencher todos os campos não
devendo ignorar “gênero”, “orientação sexual”, “CPF”, “e-mail” (caso
existente) dentre outros campos. Sugere-se que o histórico do REDS seja
resumido, com as informações indispensáveis para o despacho do(a)
delegado(a) de polícia, especialmente no que se refere aos fatos e
capitulação legal. Em caso de dúvida na tipificação, questionar ao(à)
delegado(a) de polícia sobre o tipo penal correto. Evitar inserir no REDS a
capitulação genérica de “outras ocorrências de defesa social”, para a qual
deverão ser reservados os casos de fato atípico ou que ainda exigem
maiores esclarecimentos.
• Se o fato ocorreu por meio telefônico (ligação ou SMS), indicar o número do
terminal telefônico da chamada ou mensagem de texto. Indicar data e
horário da ligação/mensagem, tempo de duração, se ligação, ou o extrato
de chamadas/mensagens recebidas, incluindo informações sobre a caixa
postal.
• Junte aos autos do procedimento policial por meio do “Termo de Juntada”
no PCNET os arquivos de áudio, som, vídeo, imagem que a vítima
apresentar, os quais deverão ser encaminhados para realização de perícia.
• Especificar se houve ou não testemunhas do fato. As testemunhas deverão
ser passíveis de identificação por meio da qualificação ou de
sinais/características que seja possível a localização. Indicar o endereço ou
telefone de contato no termo de declarações da ofendida, se possível. Os
contatos por meio telefônico facilitam a intimação da testemunha.

94
• Constar se houve atendimento médico prévio, apontando na oitiva a unidade
de saúde que realizou o atendimento e, se possível, o número do prontuário
de atendimento médico. Caso a vítima possua relatórios de atendimento
médico, juntar aos autos, informando o consentimento dela na juntada do
documento. Caso a vítima autorize acesso ao seu prontuário médico,
constar a manifestação de vontade na oitiva, pois facilitará a requisição
policial junto à unidade de saúde.
• Constar se a vítima deseja oferecer representação criminal ou requerimento
de queixa, informando de todas as providências subsequentes necessárias.
Esclarecer sobre o prazo de oferecimento de representação criminal ou
requerimento de queixa, caso a vítima não deseje adotar tais providências
no momento (prazo decadencial de seis meses). Orientar que, nos casos de
ação penal privada, a vítima precisará constituir advogado ou solicitar
atendimento na Defensoria Pública para proposição da queixa-crime.
Informar que o atendimento policial não supre esse requisito.
• Esclarecer a vítima sobre todos os procedimentos de encaminhamento da
medida protetiva, análise e deferimento pelo magistrado, bem como sobre
os procedimentos de investigação.
• Orientar a vítima sobre a necessidade de comparecimento ao exame de
corpo de delito. Em todo caso de lesão corporal, expedir a guia de exame
de corpo de delito, mesmo que a vítima manifeste que não deseja ser
submetida ao exame. A realização do exame, em si, ficará a cargo da
ofendida, mas a providência de polícia judiciária deve ser adotada, qual seja,
o encaminhamento para o IML ou local de realização do exame de corpo de
delito.
• Sugere-se que todas as unidades policiais, especializadas ou não, realizem
o “acolhimento integral”, que consiste no procedimento unificado de
atendimento, por meio do qual o servidor da PCMG confecciona o REDS e
também fica responsável pela formalização do termo das declarações da
ofendida no PCNET e os demais procedimentos relacionados ao EAMP. Tal
prática tem se mostrado eficiente para reduzir o tempo de espera das
vítimas e para evitar a revitimização.
• Caso não conste o Formulário Nacional de Avaliação de Risco (FONAR) no
REDS, preenchê-lo no PCNET. Orienta-se que o FONAR não seja tratado
como procedimento investigatório, já que sua finalidade é detectar o nível
de risco para fins de atendimento na rede de enfrentamento à violência,
assim não se deve copiar o FONAR nas declarações da ofendida.

Especificamente no termo de oitiva da ofendida, recomenda-se a adoção dos


seguintes procedimentos:

• Com uma postura acolhedora, certificar a qualificação da ofendida com


nome completo, RG, CPF, telefone e endereço atualizados, obrigatoriamente,
e e-mail, se possível. Fazer a vinculação do indivíduo no SIP pelo PCNET.

95
• Perguntar se ela deseja as medidas protetivas de urgência, esclarecendo
em que consistem. Perguntar se a vítima deseja representar criminalmente
contra o investigado, explicando de forma compreensível em que consiste a
representação criminal.
• Nos casos de ação penal privada (ex.: calúnia, difamação, injúria, dano
simples), orientar a vítima sobre a necessidade de oferecimento de queixa-
crime no prazo decadencial de seis meses, por meio de advogado
constituído ou da Defensoria Pública.
• Perguntar qual seu atual tipo de relação com o investigado (vínculo
doméstico, familiar ou afetivo). Tratando-se de vínculo afetivo, consignar o
tempo de relacionamento e o tipo de relacionamento (namoro, noivado,
casamento, união estável, se apenas moram juntos etc.). Havendo filhos,
consignar o nome e a idade (cadastrar os filhos no EAMP, na peça Termo
de Requerimento da Ofendida, campo “dependentes”, após cadastramento
dos filhos no campo “pessoas” / “envolvidos”); verificar se existe filho com
deficiência; verificar se a vítima é dependente financeiramente do agressor,
se residem em casa própria ou de aluguel; verificar se a vítima é pessoa
com deficiência ou se a agressão agravou a deficiência.
• Quanto aos fatos, sempre descrever com detalhes, não utilizar expressões
vagas. Narrar os fatos com coerência lógica e cronológica, com indicação
do lugar, do horário, ao menos aproximado, da presença de testemunhas
individualizadas/identificáveis, se houve atendimento médico e o local de
atendimento, bem como as expressões utilizadas, a dinâmica e as
circunstâncias da agressão física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial.
• Descrever na oitiva da ofendida de forma detalhada a dinâmica,
circunstâncias e motivação da infração penal, efetuando as perguntas de
esclarecimento de forma respeitosa. Cada fato deve ser descrito de modo
individualizado e com especificação do contexto de cada um. Devem ser
evitadas narrativas generalizadas e que não apontem o modo da ação
criminosa como, por exemplo, “QUE foi ameaçada por seu ex-marido”.
CORRETO: “QUE foi ameaçada de morte por seu marido (COMO), ontem,
dia xx/xx/xxxx, por volta de xxhxx (QUANDO), enquanto voltava para casa
do trabalho, em uma rua deserta (ONDE); QUE não houve testemunha do
fato, pois estava sozinha (AUSÊNCIA DE TESTEMUNHAS); QUE seu ex-
marido disse que iria matá-la com uma faca se não conseguisse buscar uma
arma de fogo (DINÂMICA), caso não reatasse o relacionamento
(MOTIVAÇÃO)”.
• De acordo com o caso concreto, perguntar se ela recebeu atendimento
médico na época dos fatos, questionando qual o local do atendimento, se
positivo (unidade de saúde).
• Em Belo Horizonte, havendo lesão corporal, emitir guia de ECD e solicitar
que a vítima assine o documento, orientando que o exame poderá ser
realizado no Posto do IML na DEAM, em horário de expediente, ou no IML,
no Bairro Gameleira, em qualquer horário. No interior, orientar a ofendida a
procurar o local de referência para atendimento médico-legal. Em todo caso,
expedir a guia pericial (procedimento obrigatório) e explicar à ofendida a
96
importância de realização do ECD para a conclusão da investigação. Caso
a vítima se recuse a receber a guia de ECD expedida, consignar tal
circunstância em sua oitiva. Colher assinatura da ofendida com data de
recebimento da guia pericial;
• De acordo com o caso concreto, perguntar se a ofendida ainda teria
eventuais mensagens (texto, áudio, vídeo ou imagem) de celular, e-mail ou
de aplicativos de mensagens ou de redes sociais que foram enviadas pelo
investigado na época dos fatos evidenciando os crimes narrados no
procedimento policial.
• Durante o primeiro atendimento, havendo apresentação de mídia digital com
áudio ou vídeo, salvar o arquivo no computador e elaborar termo de juntada
no PCNET. Em sede de investigação, ao emitir a ordem de serviço ou a guia
pericial, realizar a juntada do referido arquivo nestas peças, a fim de permitir
a transcrição ou a degravação do material.
• Em Belo Horizonte, durante o primeiro atendimento, havendo indicação de
que há mensagens de texto (e-mail, SMS, Whatsapp ou outro aplicativo),
elaborar Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), disponível no
PCNET, no módulo EAMP, orientando a ofendida a agendar data e horário
para apresentação do celular para realização de perícia. Emitir guia de
requisição pericial, opção SEM MATERIAL, “Código 71”, informando todas
as características do aparelho celular e quem o apresentará para perícia.
Além disso, deverá ser discriminado o trecho, arquivo ou conversa de
interesse criminalístico e que deverá ser objeto de perícia. Informar à vítima
que o celular não será apreendido e tão logo seja realizada a extração de
dados pelo perito, o aparelho celular será devolvido. Orientar a ofendida a
apresentar o celular sem senha de bloqueio de tela, a fim de facilitar a
atuação pericial. No interior, proceder à apreensão do aparelho celular para
fins de realização do exame pericial ou adotar o fluxo estabelecido na
localidade para realização da perícia de forma a minimizar os impactos para
a ofendida.
• Caso a ofendida não apresente de imediato os arquivos, orientá-la a
procurar a DEAM/DPC com a mídia salva em pen drive, consignando prazo
razoável. Inserir este compromisso no termo de oitiva da ofendida.
• Caso a ofendida não possua mais o conteúdo das mensagens ou o aparelho
celular, consignar esta circunstância em sua oitiva expressamente.
• De acordo com o caso concreto, perguntar se houve testemunhas
presenciais ou que tomaram conhecimento dos fatos logo após a infração
penal e que visualizaram o estado físico ou emocional da ofendida. Nunca
perguntar se a ofendida “deseja indicar” testemunhas, pois se trata de um
ato de investigação e a indicação de testemunhas não é um ato de
liberalidade da ofendida. Indicar expressamente em que categoria se
encaixa a testemunha e o que presenciou ou tomou conhecimento. Indicar
a testemunha pelo nome completo, telefone e/ou endereço ou, caso a vítima
não saiba declinar o nome completo, com o máximo de informações
possíveis sobre sua qualificação (nome dos pais, telefone, endereço ou
qualquer outro dado que seja possível realizar pesquisa futura). Evitar
97
consignar menção a testemunhas de forma genérica (ex.: “vizinho”, “primo”,
“minha irmã”, “colega de trabalho”). Caso a testemunha esteja
acompanhando a ofendida na unidade, reduzir a termo suas declarações
prontamente. Caso não haja testemunha, fazer menção expressa no termo
de declarações de que não houve testemunha dos fatos.
• Tratando-se de descumprimento de medida protetiva de urgência, solicitar
a apresentação da decisão judicial e que a vítima exponha o modo como se
deu o descumprimento das medidas protetivas. Se o contato tiver ocorrido
por mensagem, adotar as providências indicadas neste documento. Caso a
vítima tenha mantido contato voluntário com o investigado, consignar o
modo como se deu o consentimento. Neste caso, mencionar no documento
se a vítima deseja a manutenção das medidas protetivas de urgência. Em
hipótese nenhuma, deixar de realizar o procedimento porque a ofendida não
está na posse da medida protetiva. Realizar consulta na interface do PJe no
PCnet para verificar se houve deferimento da medida protetiva e ciência do
agressor, juntando-se as peças ao procedimento policial. Para tanto,
sugere-se que os/as delegadas tenham acesso a todos os EAMPs
elaborados no âmbito de sua circunscrição. De forma imediata, expedir
ofício ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar ou Vara Criminal com
competência para violência doméstica, a fim de comunicar o
descumprimento das medidas protetivas e, não havendo informação sobre
a ciência do agressor, solicitar a certidão de intimação do investigado sobre
as medidas protetivas. Havendo elementos informativos suficientes no ato
do primeiro atendimento e tratando-se de caso grave e com risco elevado,
o/a delegado/a de polícia deverá representar pela prisão preventiva do
investigado.
• Informar a vítima que poderão ser efetuados contatos remotos, por telefone,
whatsapp ou e-mail, tanto com ela quanto com as testemunhas
mencionadas, visando à celeridade da conclusão das investigações.

98
7 CLASSIFICAÇÃO DAS DELEGACIAS ESPECIALIZADAS EM ATENDIMENTO
À MULHER DA POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS

A Resolução nº 8.203/2021 instituiu o método de classificação das Delegacias


Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs no âmbito da Polícia Civil do
Estado de Minas Gerais – PCMG. A classificação é gerada considerando cinco níveis,
de acordo com a pontuação obtida em três dimensões: recursos humanos; estrutura
e funcionamento; fluxos de trabalho.
O método de classificação das DEAMs foi desenvolvido com base nas diretrizes
e princípios previstos na Norma Técnica de Padronização das Delegacias
Especializadas de Atendimento às Mulheres da Secretaria de Políticas para as
Mulheres do Governo Federal10. A Comissão de Classificação das DEAMs (Resolução
nº 8.178 de 21 de julho de 2021) realizou levantamento in locu em todas as unidades
especializadas do Estado de Minas Gerais, após estudo técnico visando à
compreensão dos elementos que permeiam a violência de gênero contra a mulher no
Estado de Minas Gerais, compreendendo os fatores humanos, estruturais e de
trabalho necessários ao bom funcionamento de uma DEAM.
No que tange aos recursos humanos, é analisada a atuação exclusiva dos
servidores, por carreiras, em proporção ao número de habitantes, na DEAM; na
identificação de servidores do sexo feminino por carreira; na verificação da existência
de atendimento psicossocial na estrutura interna da DEAM; e na constatação de
capacitação periódica ou esporádica sobre a temática violência doméstica e familiar
contra a mulher.
Na dimensão estrutura e funcionamento, avalia-se a independência da
estrutura predial, bem como exclusividade de espaços para o atendimento
especializado; na análise de equipamentos de acessibilidade à pessoa com
deficiência, ao idoso e pessoa com dificuldade de locomoção; na identificação dos
equipamentos de trabalho; e na existência de veículos oficiais exclusivos.
Por fim, no quesito fluxos de trabalho, verifica-se a atribuição exclusiva no
atendimento da mulher vítima de violência doméstica e familiar, bem como da
apuração do crime de feminicídio, na modalidade tentada ou consumada; na utilização

10 Para consultar a íntegra da Norma Técnica de Padronização das Delegacias Especializadas de


Atendimento às Mulheres – DEAMs (2010), acesse: http://www.compromissoeatitude.org.br/norma-
tecnica-de-padronizacao-das-delegacias-especializadas-de-atendimento-as-mulheres/.
99
de sistema informacional oficial (PCNET); no atendimento individualizado de vítimas
e agressores; no suporte policial para retirada de pertences da vítima que estejam em
poder do agressor; no tempo de espera para atendimento da mulher; na confecção
imediata do Expediente Apartado de Medidas Protetivas - EAMP; na tempestividade
na remessa do EAMP; e na eficiência no atendimento médico legal para realização do
exame de corpo de delito.
O artigo 2º e seus parágrafos da Resolução nº 8.203/2021 indicam as
categorias de análise em cada dimensão do estudo (recursos humanos, estrutura e
funcionamento e fluxos de trabalhos). O artigo 3º, §1º, da mesma resolução indica a
atribuição de pontos e o §2º estabelece os níveis de classificação:

I – DEAM nível 1: unidade que alcançou a soma de 0 a 6 pontos;


II – DEAM nível 2: unidade que alcançou a soma de 7 a 13 pontos;
III – DEAM nível 3: unidade que alcançou a soma de 14 a 20 pontos;
IV – DEAM nível 4: unidade que alcançou a soma de 21 a 27 pontos; e
V – DEAM nível 5: unidade que alcançou a soma de 28 a 32 pontos.

Ao final do estudo e da averiguação in locu, a Resolução nº 8.204/2021 dispôs


sobre a Classificação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher –
DEAMs no Estado de Minas Gerais no ano de 2021. Confira a íntegra do documento
em https://intranet.pc.mg.gov.br/documento/exibir/22077.
A Classificação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher do
Estado de Minas Gerais permite a visualização da situação de pessoal, estrutural e
de fluxo de trabalho, visando a uma mínima uniformização dos trabalhos de
enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher. Por outro lado, permite
a identificação dos pontos de necessidade de melhoria e destinação de recursos
financeiros para a execução de obras, reformas e aquisições. Igualmente, permite
melhor gestão de recursos humanos. Além disso, contribui para o compartilhamento
e divulgação de boas práticas policiais.
A alteração da classificação da DEAM para nível superiores segue critérios
objetivos. O conhecimento sobre as categorias de análise permite ao gestor a
realização de intervenções práticas que podem melhorar a classificação da unidade
policial especializada. Por tal motivo, é ferramenta que contribui para o avanço do
enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, para a gestão da
unidade policial e para a adoção de práticas que aperfeiçoam a atuação policial.

100
8 ASPECTOS PRÁTICOS DO ATENDIMENTO POLICIAL DE PESSOAS
LGBTQIA+

ATENÇÃO!!!

Em relação às mulheres lésbicas e mulheres transexuais e travestis vítimas de violência doméstica


e familiar baseada no gênero, aplicam-se todos os aspectos práticos do atendimento policial
abordados no capítulo anterior

Em 2017 foi elaborado pelo Ministério Público e pela Universidade Federal de


Minas Gerais um documento orientador para preenchimento do REDS em relação aos
campos de “Identidade de Gênero”, “Orientação Sexual” e “Causa Presumida”. São
apontamentos realizados no citado documento acerca da importância do
preenchimento adequado dos campos nos sistemas policiais relacionados à
identidade de gênero e orientação sexual:

Um REDS preenchido adequadamente identifica as pessoas envolvidas na ocorrência e


fornece informações sobre sua localização, possibilitando uma investigação apurada.
Nesse sentido, os campos de nome social, orientação sexual e identidade de gênero são
imprescindíveis para o reconhecimento das pessoas LGBT relacionadas ao fato,
permitindo o esclarecimento acerca desse tipo de crime e garantindo a conclusão das
investigações.

Deve-se atentar para o fato de que muitas pessoas travestis e transexuais possuem um
histórico de rompimento familiar e estabelecem novos vínculos comunitários, onde são
conhecidas apenas por seu nome social - esse nome se difere de um simples “apelido”
ou “alcunha”, pois constitui parte de sua identidade. Assim, o preenchimento do nome
social é de extrema importância para tornar possível a investigação dos fatos relatados,
a localização da pessoa, e, ainda, a notificação de sua comunidade em caso de óbito,
hospitalização ou prisão em flagrante, por exemplo.

Deve-se observar que as marcações de gênero e orientação sexual ajudam a caracterizar


contextos de vulnerabilidade.

As informações contidas no REDS permitem a produção de dados sobre as violações


cometidas em desfavor das pessoas LGBT. O acompanhamento desses números
garante o aperfeiçoamento das políticas de segurança pública criadas para o
enfrentamento às violações de direito.

A elaboração do REDS é de suma importância para o andamento dos inquéritos. Seu


correto preenchimento, portanto, permitirá o melhor embasamento das investigações e
demais procedimentos necessários à efetivação da justiça.

101
Além das orientações acima, o profissional de segurança pública responsável
pelo atendimento da população LGBTQIA+ e condução das investigações criminais
relacionadas à temática deve orientar-se pelas seguintes informações:

• Na elaboração da ocorrência policial, é imprescindível o preenchimento dos


campos identidade de gênero e orientação sexual da pessoa atendida. O
servidor deverá perguntar ao envolvido e não presumir o gênero ou a
orientação sexual da pessoa ao incluir no campo específico no REDS;

• O nome social das pessoas transexuais e travestis deve ser preenchido em


campo próprio sempre que for diferente do nome de registro e precisa ser
adotado durante todo o atendimento;

• Detalhar, no histórico do REDS, qual o tipo de violência sofrida, com o


máximo de detalhes possível, trazendo elementos que relacionem a
motivação do delito com a orientação sexual e/ou identidade de gênero da
vítima como ações e palavras que evidenciem a LGBTIfobia.

Estes três primeiros tópicos possuem grande relevância na produção de dados


estatísticos relacionados às violências praticadas contra a população LGBTQIA+, com
a identificação dos tipos de violações, locais de maior incidência, perfil dos
agressores, além de diversas informações sobre a vítima, tais como, faixa etária,
identidade de gênero, orientação sexual, raça. De posse destes dados, é possível
formular políticas públicas para proteção da população LGBTIA+.
Além disso, como o registro da ocorrência pode ser feito em qualquer unidade
policial e não necessariamente na Delegacia responsável pela investigação, é
imprescindível constar no histórico do REDS todos os elementos que indicam que o
fato em apuração trata-se de LGBTfobia, o que auxiliará a investigação, direcionando
para uma apuração com enfoque nas vulnerabilidades da vítima.
Tem-se, ainda, durante a formalização do REDS, a relevância e a necessidade
de preenchimento adequado do campo denominado “causa ou motivação presumida”
(na aba “dados finais”) do evento registrado. É aqui o espaço destinado ao registro
das hipóteses fáticas de homofobia, lesbofobia, bifobia e transfobia: o relator da
ocorrência tem como opção de preenchimento o código “0129”, conforme a figura
abaixo:

102
Figura 27

Fonte: Ambiente de treinamento do sistema REDS.

• Indicar a data, horário e local dos fatos com a maior precisão possível. Estas
informações facilitam a realização de diligências posteriores para comprovar
a materialidade delitiva e identificar a autoria, como a localização de
câmeras de segurança. Além disso, o local do fato fixa atribuição para
investigação e competência para a ação penal;

• Constar informações detalhadas do agressor que facilitem/permitam sua


identificação, como características físicas, vestimentas, presença ou não de
piercings, tatuagens e cicatrizes, sotaque ou qualquer outra característica
marcante;

• Se o fato ocorreu de forma online, importante destacar o recurso tecnológico


empregado (e-mail, aplicativos, redes sociais etc.), indicando o endereço
eletrônico, número telefônico, grupo de contatos, perfil da rede social,
incluindo o URL (endereço eletrônico que permite que o site ou perfil seja
encontrado na rede).

• Se o fato ocorreu por meio telefônico (ligação ou SMS), indicar o número do


terminal telefônico da chamada ou mensagem de texto. Indicar data e
horário da ligação/mensagem, tempo de duração, se ligação, ou o extrato
de chamadas/mensagens recebidas, incluindo informações sobre a caixa
postal.

103
• Indicar as testemunhas que presenciaram os fatos, com nome, endereço e
telefone, sempre que possível. As testemunhas deverão ser passíveis de
identificação por meio da qualificação ou de sinais/características que seja
possível a sua localização.

• Caso a vítima apresente áudios, vídeos, imagens ou prints das violências


sofridas, juntá-las ao procedimento e encaminhar à perícia;

• Em caso de agressões físicas, informar se a vítima foi atendida em alguma


unidade de saúde, devendo constar qual e, se possível, o número do
prontuário médico. Caso a vítima possua relatórios de atendimento médico,
juntar aos autos com autorização desta. Sempre que possível registrar as
agressões em fotografias, com o consentimento da vítima, devidamente
formalizado, para juntada ao procedimento. Encaminhar a vítima para o
exame de corpo de delito;

• Indicar os serviços públicos especializados existentes no município para o


atendimento da pessoa LGBTQIA+, como Comissões da Diversidade
Sexual e de Gênero da OAB, Núcleos Especializados de Prática Jurídicas
nas universidades, ONGs LGBTQIA+ e ativistas de direitos humanos, bem
como Conselhos LGBTQIA+ e Coordenações de Políticas LGBTQIA+, e
realizar os devidos encaminhamentos;

• Informar a vítima sobre os seus direitos e as fases do procedimento de


investigação e do processo criminal.

104
9 CONCLUSÃO

A violência de gênero contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ é fato social de


especial gravidade no cotidiano do Brasil e, também, de Minas Gerais. Essas formas
de violência representam evidente violação dos direitos humanos fundamentais e têm
impacto profundo na vida das vítimas, bem como na sociedade como um todo. Nesse
contexto, a atuação da Polícia Civil desempenha papel crucial na busca pela justiça,
proteção das vítimas e prevenção desses crimes.
Os temas tratados no presente curso são problemas complexos que exigem
uma resposta abrangente por parte das autoridades públicas, notadamente das
agências responsáveis pela aplicação da lei. A polícia de investigação criminal
desempenha importante protagonismo na luta contra esses crimes, através da coleta
de elementos informativos, identificação dos agressores e encaminhamento dos
casos para o sistema de Justiça Criminal. A atuação da PCMG visa não apenas
responsabilizar os agressores, mas também proporcionar um ambiente seguro e justo
para as vítimas.
A importância da atuação da polícia de investigação criminal nesses casos é
evidente em diversos aspectos. Em primeiro lugar, a investigação adequada e
imparcial é fundamental para garantir que a violência de gênero e os crimes baseados
em orientação sexual ou identidade de gênero sejam devidamente documentados e
processados. Sem uma investigação efetiva, as vítimas correm o risco de
revitimização e os autores de violências saiam impunes, perpetuando a sensação de
desamparo e a falta de confiança no sistema de justiça.
Além disso, a atuação da polícia de investigação criminal envia uma mensagem
clara à sociedade de que a violência de gênero e a discriminação não serão toleradas.
Ao investigar e responsabilizar os agressores, a polícia demonstra o compromisso em
proteger os direitos humanos e garantir a segurança de todas as pessoas,
independentemente de sua identidade de gênero ou orientação sexual. Essa
mensagem contribui para a mudança de atitudes e para a construção de uma
sociedade mais livre, igualitária e solidária.
É importante ressaltar que a atuação da polícia de investigação criminal não
deve se limitar apenas à reação aos crimes já ocorridos, mas também deve ser
proativa na prevenção da violência de gênero e da discriminação. Isso pode ser feito
através de campanhas de conscientização, treinamento dos agentes policiais em
105
questões de gênero e diversidade, e estabelecimento de parcerias com organizações
da sociedade civil que trabalham na área. A prevenção é fundamental para romper o
ciclo de violência e criar um ambiente seguro e inclusivo para todas as pessoas.
Em resumo, a violência de gênero contra mulheres e pessoas LGBTQIA+ é
uma questão alarmante e urgente. O exercício das atribuições constitucionais pela
PCMG afigura-se indispensável na luta contra esses crimes, buscando justiça,
proteção e prevenção. Ao investigar os casos, responsabilizar os agressores e
trabalhar em parceria com a sociedade civil, a polícia contribui para a construção de
uma sociedade mais igualitária, onde todas as pessoas possam viver livres de
violência e discriminação.

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