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IUr01Iu C1110 •••

Josep Fontana
Coordenação IJ'tlllol'l"I
,..,
Irmã jacirua Turolo (i,II( :1 Introduçao ao estudo
Assessoria Admintstrtühu!
Irmã Teresa J\ntl Sol'i:lllt da história geral
Assessoria comerctat
Irmã Áurea de Alrn 'ida N:lS<'iIlIl'11111

Coordenação da Coleção C/~II('/f', 01 li,


••••
Tradução

Luiz Eugênio V "sci<) Heloísa Reichel

Revisão Técnica
Beatriz Teixeira Weber
José Jobson Arruda

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ciersnae SOCIalS
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s us d C'Itos. I'. rI,If(),
-xpl cito, dlr 'to, in isiv . Não usa meias-palavras, int .rdltos,
nlus: 'S, m '[Moras, ircunlóquios. Por isso mesmo, em certos pas- o cenário da
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sos, suas formulaçõ s cortantes chegam a ser rudes. A rudeza que
I ou 'os pod m s p rrnitír, pela densidade intelectual e humana história
[u ' .arr 'gamo Sem peias, põe-se de corpo inteiro em suas obras,
11ÜO s in 10 casual a escolha da epígrafe, nos versos de Walt
Whitman: "Esta é a cidade e eu sou um dos cidadãos", cabendo-
Ih ' por inteiro a paráfrase "Esta é a história e eu sou um doshis-
toriad r s".
o cenário da história é o cenário da atividade humana:
o meio físico em que se desenvolve a vida dos homens e das mu-
lheres. Seu estudo comporta um duplo enfoque: o das relações
do homem com o meio que o rodeia e o da identificação das suas
atividades. Antes, os historiadores ocupavam-se apenas da dis-
José Jobson de Andrade Arruda
tribuição humana no espaço: da "geografia histórica". Nos últi-
mos anos, porém, aprenderam a ver a importância da relação
transformadora do homem com o meio natural que o rodeia.

as
----~: bases físicas da vida
o ponto de partida do estudo da relação do homem com
o meio é a consideração da dinâmica da vida. Toda a energia uti-
lizada pelos seres vivos procede, em última instância, do Sol.
Como se pode ver no gráfico (figura 1.1), a maior parte da ener-
'gia que nosso planeta recebe pela radiação solar retoma refleti-
da ao espaço em forma de luz ou de calor. Uma parte dessa ener-
gia esquenta a terra e os mares, sendo absorvida e transformada
pelas plantas; outra parte é retida na atmosfera pela presença de
nuvens e, principalmente, de gases que a absorvem, como o dió-
xido de carbono.
Podemos ver, na figura l.2, como se produz o aproveita-
mento da energia pela matéria viva, representada como um
ecossistema com diversos níveis tráficos (ou seja, de alimenta-
ção). A energia solar recebida - umas 3.000 Kcal por m' ao dia
- reflete-se em uma grande proporção, porém as plantas absor-
vem uma parte da mesma por meio da fotossíntese. As plantas
formam o primeiro nível trófico, denominado autótrofos porque
se alimentam por si mesmas, sem ter que consumir o que pro-

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1m/os porqu ' d 'I' -nd '111, '111 ultima insf nela, das I lantus I ara m -ntam I' animais h .rblvor s) > I ter eira ao quarto (o dos
ullm -ruar s" animais .arnív ros qu se alim ntam de outros carnívoros), há
p rdas su essivas em cada passo, como conseqüência da energia
qu o animais consomem para buscar alimento (os herbívoros
deslocando-se para pastar, os carnívoros, para caçar) e, se são de
sangue quente, para manter a temperatura do corpo.

Radiação solar

~o

Calor da respiração
dissipada no espaço
Radiação enviada
ao espaço

Figura 1.1. Balanço dos intercâmbios de energia entre a atmosfera e


a superfície: flechas brancas, luz solar; cinzas, radiação infraverme-
lha; rajada, calor (de Duplessy e Morel,Temporal sobre el planeta,
r
Madrid, Acento, 1993).

De acordo com a segunda lei da termodinâmica, em cada Figura 1.2. De ]ean Paul Déleage, Historia de Ia ecologia, Barcelona,
passo dado de um nível trófico a outro, uma parte da energia se Icaria, p.148.

dilui em forma de calor que se irradia ao espaço, perdendo o


ecossistema: é o que se denomina "respiração". A perda das plan- Temos, pois, perdas sucessivas por "respiração", ou seja,
tas do primeiro nível trófico está representada no gráfico por RI' por radiação de calor, além da representada por aquelas partes
Da energia recebida em uma superfície coberta de vegetação, só dos seres vivos que não são assimiladas pelos que deles se ali-
uma pequena parte - ao redor de 2% do total - é utilizada pelas mentam, mas que ficam como detritos que são utilizados por or-
ganismos especializados, os decompositores, que têm uma impor-
plantas na fotossíntese; porém, é justamente desta pequena par-
te que depende toda a cadeia da vida. r tância essencial porque devolvem, ao ciclo da vida, uma série de
substâncias minerais que de outro modo se perderiam.
O segundo nível trófico, o dos animais herbívoros (que se
alimentam exclusivamente de plantas), recebe só a pequena É fácil dar-se conta que cada piso superior, cada nível tró-
quantidade de energia sintetizada pelos vegetais. Na passagem fico, tem uma possibilidade de manutenção da biomassa - do vo-
lume total da matéria viva (representado no gráfico pelos retângu-

13
----+----------------!
1
capítulo I o cenário da história

s de superfície tracejada) - cada vez menor e envolve um apro- um número reduzido de outros produtos vegetais. Calculou-se
v itamento cada vez mais reduzido da energia solar recebida. que um homem, para sobreviver alimentando-se naturalmente,
Numa representação elementar, 10 é a radiação solar, 11 a necessita um espaço dez vezes maior que o que é necessário a
parte aproveitada pela fotossíntese, da qual tem que se descon- um macaco. Daí, o grande avanço que a invenção da pecuária
tar RI - a respiração neste nível - para obter 12, que é a parte significou para os humanos, permitindo a utilização de animais
máxima que poderá absorver o segundo nível trófico com a in- herbívoros (ovelhas, vacas, coelhos ete.) que podem assimilar ali-
gestão das plantas. Se, de 12, subtrairmos agora R2 - a respiração mentos vegetais que o homem não pode utilizar diretamente,
deste nível - teremos 13, que é o que pode absorver o terceiro mas, sim, indiretamente, consumindo a carne e o leite daqueles.
nível (o dos carnívoros que comem herbívoros), do qual se sub- O que consiste numa aberração é que alimentemos o gado com
trai R3, sua respiração, para obter 14, que é o que chega aos car- cereais que poderíamos consumir diretamente, como atualmente
nívoros que se alimentamde outros carnívoros, os quais só apro- se faz em muitos casos (cerca de 37% da colheita mundial de ce-
veitam, para formar a sua biomassa, o que resta depois de dedu- reais destina-se ao consumo animal), pois, desta forma, perde-
zir sua própria respiração. Em cada um desses passos, há uma mos uma grande quantidade do potencial da alimentação huma-
perda considerável de energia. na pelo gosto de obter uma comida mais refinada. Isto vem de-
Detenhamo-nos um momento a considerar em qual dos ní- monstrar nossa vocação de carnívoros. 2
veis tróficos se situaria o homem. É um herbívoro ou um carnívo-
ro? Do ponto de vista natural, é fundamentalmente um carnívoro
a máquina planetária ventos e
- no princípio de sua história talvez fosse mais um coletor de car- ~-------
ne putrefata do que caçador! - que completa sua alimentação co- correntes
mendo frutas, um alimento vegetal que pode assimilar diretamen-
t~, difer ntemente do que acontece com a maioria das ervas c O Sol tem outros efeitos sobre a vida, além de proporcio-
rolhas, que não pode digerir sem que lhe provoquem problemas nar-lhe energia. O mais importante é a manutenção de tempera-
int stinais. No entanto, o homem conseguiu estender sua alimen- turas adequadas para os seres vivos: um fenômeno no qual têm
tação vegetal graças ao cozimento, que lhe permite assimilar ali- participação essencial as correntes do mar e os ventos, que de-
rn entes que, de outro modo, resultariam ingeríveis e, inclusive, terminam, em boa medida, as diferenças climáticas.
venenosos: não pode se alimentar com o grão do trigo como fa- A água dos mares e os ventos atmosféricos têm grandes
z em muitos animais, ou com batata ou mandioca cruas, porém circulaçôes determinadas pela rotação do planeta (poderíamos
sab fazer pão de trigo ou cozinhar as batatas e a mandioca. dizer que 'se atrasam' em relação à rotação da massa sólida,
A grande diferença de alimentação que existe entre um ho como conseqüência da chamada "força de Coriolis") apresentan-
111 '111 e um macaco, para citar um exemplo, é que este pode ali
do giros regulares que vão no sentido dos ponteiros do relógio
m .ntar-se de folhas e ervas, o que lhe permite aproveitar ampla ao norte e, no sentido contrário, ao sul. A figura 1.3 mostra como
m 'I l 'a energia acumulada pela fotossíntese em seu ambícntc. os alísios sopram do paralelo 30 até o Equador (tanto no sul
I':nquanto isso, o h mern só pode comer diretamente os frutos l'

t 2. É certo que há seres humanos vegetarianos, porém uma das caracte-


rísti 'as que define a condição humana é precisamente sua capacidade de
I, O: arqu '6logos comprovaram qu ' os ossos los animais quv SI' VIU (111 sohrcpor-s ' a sua vocação natural. Ser vegetariano é ser "antinatural" no
11,1111 IIOS 11I1I'lI1os humanos não corrcspond '111,freqÜl'I1II'IIII'1111', ;1)11111' scnticlo zoológ: o - o que não quer dizer que o seja no sentido "huma-
11\()ll'5 11:IIIl'S dos 11l'S1l10S " em alguns, pode se Vl'" qlll' as 111:111':1' di' no" - . 'luas' s .mpre tem sido socialmente mal visto: vegetarianos eram
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guru I, ) li '('mil '(11 j I 'ntlfl ar que há uma r tação paral 'Ia Ia março e chegavam à Goa até setembro, aproveitando os ventos
.1j.\WI 10 mar na sup 'rfí lc, Ent mdc-se, assim, p rqu , na 'J o 'a de verão. Permaneciam ali até janeiro e fevereiro, saindo de Goa
1[1 J1[lV .gaç: () a veja, foi possível dar o salto transoceânico apro- quando sopravam os ventos do norte, para chegar à Lisboa em
v .ltando as ir ulaçõ s dos v ntos e as correntes. Levado pelos agosto ou em setembro: passavam um ano no mar e, ano e meio,
altsíos, s se podia chegar da Europa à América através duma na viagem completa.
rota qu fosse até o sul, tocando as Canárias, e que conduzia ne-
. .ssaríam ote às Antilhas (é a rota da viagem de Colombo); e ,
da América à Europa, só se podia voltar, subindo mais ao norte,
para tomar a corrente do Golfo e aproveitar os contralísios que
S pram de oeste à leste.

o
Figura 1.4

Vimos que as correntes superficiais da água do mar circu-


lam no mesmo sentido que os ventos: dos ponteiros do relógio
ao norte e inversamente, no sul. A água quente dos trópicos cir-
s cula de leste a oeste, no sentido contrário ao da rotação da Ter-
ra, até chocar-se com um obstáculo. Em um passado remoto, a
água do Atlântico, que se aquece em frente às costas da África,
Figura 1.3.
corria até o Pacífico e até a Ásia até que, há uns três milhões de
anos, se produziu um fato extraordinário destinado a ter grandes
conseqüências sobre a história humana. Uma série de fenõmenos
No oceano Índico, ao contrário, estes ventos são menos
importantes porque a presença da grande massa montanhosa do
Himalaia determina outro tipo de ventos dominantes, as mon-
3. As razões da circulação estaciona I monçõnica são fáceis de entender.
ções, que não são constantes como os alísios, mas têm uma flu- No verão, o continente está mais quente do que o mar, o ar que se en-
tuação sazonal: sopram de norte a sul durante o inverno (e, nes- contra sobre as terras se eleva e é substituído pelo mais frio que vem do
t s meses, as embarcações a vela que vinham do sul não podiam mar; no inverno, ao contrário, o mar conserva o calor, o ar que fica so-
ntrar nos portos da Índia) e, do sul a norte, durante os três me- bre ele se eleva e os ventos sopram, vindos das massas geladas do
Himalaia.

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dido t 'r uma temperatura mais suave qu a de outras zonas do
unt ',~ clr -uluvam I' I 'st ' a o st , S" a .urnulararn no aribc " planeta na mesma latitude. No Paleolítico, por exemplo, o limite
I r -sslonunck com granel f r a at o norte, d ram lugar à cor- dos gelos na Europa se encontrava mais ao norte do que na Amé-
r .ntc 'ir ular do golfo que é a mais potent cio mundo. Esta COf- rica e os ventos cálidos lhe asseguravam um pluviosidade maior
(figura l. 5).
r .ru ' sob' pela costa norte-americana até que encontra a barr i-
ra submarina dos bancos da Terra Nova; a água fria que vem do
P )[0 Norte impede que a quente progrida mais além e a desvia
til' O leste, em direção à Europa. Na zona de contato destas duas
grand s correntes - desde Terra Nova até a Islândia e as costas
da Noruega - localiza-se uma das zonas marinhas biologicamen-
t mais fecundas do mar, onde a pesca é muito rica.

Figura 1.6. A circulação termohalina (de Silvie Loussaume, Climat,


d bier à demain, Paris, CNRS Éditions, 1993, p. 83).

Porém, a água do mar não circula apenas pela superfície.


Tem outros caminhos, em profundidade, que permitem renovar
, o oxigênio e assegurar a vida. Esta circulação termohalina (figu-

." I
:
ra Ló), uma denominação que deriva das palavras gregas que
significam "calor" e "sal", tem sua origem nas diferenças de den-

O "
sidade produzidas pela temperatura e pela salinidade. A água da
zona do Antártico tem uma maior densidade porque, ao conge-

.., lar, o gelo desprende cerca de 70% do sal que contém e carrega
de salinidade as águas próximas de modo que estas, ao aumen-
tar de peso, afundam, iniciando uma circulação em profundida-
de que será compensada por outras correntes de água menos
oeste
densa (e mais quente) em sentido contrário. Esta circulação é im-
portantíssima porque a água superficial leva o oxigênio até o fun-
Escudo de Massas do do mar enquanto que, a que sobe para substituí-Ia, arrasta até
gelo continentais
emersas a superfície os minerais - nitratos, fosfatos, carbono e minúscu-
Fronteira da
água fria las quantidades de alguns metais - necessários ao desenvolvi-
mento dos organismos vegetais que têm que fazer a fotossíntese.
Figura 1.5. O gelo e a corrente do golfo durante a última glaciação.
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" p , 'I:tl. ( prtm -lro 'lu ' d 'v 'mos vai irlzar . quc, corno um los afl rarn nto de águas profundas: são zonas de mar que hoje se
dois 'I -m 'nlOs transmlssorcs Ia .n .rgía solar, o mar t .m uma ln - defendem a tiros de canhão.
port; n Ia .ru .ial.
A relação do homem com o mar tem que ver, além disso,
upa 70% da superfí 10 planeta; isto significa qu r '- com a navegação, que se encontra submetida pelos condiciona-
, ibe 70% de toda a radiação solar ,como retém uma parte mentos naturais, estando ainda mais na época da navegação a
maior da energia r cebida do que a atmosfera, atua como regu- vela (quer dizer, na maior parte da história da humanidade). Para
lador do calor. A fotossíntese, ao contrário, é menos eficaz aqui fazermos uma idéia destes condicionamentos, examinaremos o
qu n ci 10 terrestre que vimos antes. O fitoplâncton ou plânc- caso de um mar que tem sido fundamental em nossa história,
ton veg tal (composto por algas, em geral muito pequenas, que como é o Mediterrâneo.
S' o arrastadas pelas correntes) que o produz é encontrado abun-
O Mediterrâneo tem poucos rios importantes que lhe per-
dant mente nas zonas onde há correntes profundas que levam mitem recuperar a água evaporada. Antes da construção das re-
água para a superfície e, com ela, os nutrientes necessários para presas do Nilo, só recebia, de seus rios, 25% da água evaporada
os processos da vida. As zonas centrais dos oceanos - estes ma- (agora lhe chega menos). Outros 4% vinham do mar Negro, que
res tropicais de um azul profundo - são, em termos da vida, va- recebe do Danúbio e dos grandes rios russos e ucranianos mais
zios e estéreis como um deserto. água do que evapora, o que provoca a existência de uma corren-
O fítoplâncton é consumido pelo zooplâncton herbívoro
te até o sul pelos estreitos da Turquia; porém 71% da água de
(formado por animais minúsculos), que, por sua vez, é absorvi- substituição da evaporada entra pelo estreito de Gibraltar em
do pelos pequenos predadores, os quais servem de alimento a uma grande corrente superficial, compensada por outra profun-
peixes maiores, que são os que, finalmente, nós comemos. Cál- da, que leva ao Atlântico a água mais salgada do Mediterrâneo.
culos feitos na zona do canal da Mancha mostram que cada hec- Esta corrente de superfície, que tem uma velocidade de seis mi-
tare de mar produz, ao dia, 5 Kg de fitoplâncton que, depois de lhas/ ajuda a explicar a dificuldade das viagens até o Atlântico.
passar pelos níveis tróficos do zooplâncton e dos pequenos pei- Assim, gera-se uma corrente superficial que gira em senti-
xes que o comem, dão 26 g de pescado apto para nosso consu- do contrário aos ponteiros do relógio, a uma velocidade que
mo. A complexidade da cadeia alimentar no mar explica estes varia de seis milhas em Gibraltar até meia ou uma milha nas cos-
baixos rendimentos. tas do grande golfo da Itália, França e Espanha. No estreito de
Falamos antes da importância do afloramento à superfície Mesina pode chegar, também, a ser de seis ou mais milhas, o
de águas profundas que carregam elementos minerais. Quando
os organismos marinhos morrem sem haver sido consumidos
por outros, depositam-se no fundo do mar e, com eles, os mine-
4. As marés vermelhas que aparecem, em certas ocasiões, próximas à
rais que formam seu corpo, os quais ficarão depositados sem de-
costa, são conseqüência do lançamento, no mar, de adubos químicos uti-
comporem-se. Onde não há afloramentos de águas profundas lizados na agricultura. O plâncton vegetal encontra, então, substâncias
(upwelling), estas substâncias ficam inertes no fundo, as águas minerais abundantes, cresce enormemente e forma estas camadas de al-
superficiais são pobres em minerais, há pouco plâncton e não gas vermelhas que acabam sendo excessivas: o zooplâncton não pode
chegar a consumi-Ias e as algas, muito abundantes, esgotam o oxigênio
existe muita vida, há, portanto, pouca pesca. Próximo às costas,
disponível, não permitindo a vida animal.
onde o vento empurra a água superficial mar a dentro e faz su- 5. Um nó é uma medida de velocidade que eqüivale a uma milha marí-
bir a das camadas mais profundas para substituí-Ia, ou ali onde tima (quer dizer 1.852m) por hora.

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1\ 'I' '.'Ir 'l)t~lI' lo, a Isto, os ventos lomlnant '.'I qu " durunt ' .ompre 'nu 'r qu • os onclicionantes do meio tiveram um papel
os 111 '.'I '.'I '111 qu . S • navegava nos I .mpos unt -rtor os ao vapor, írnp rtante na história do mundo mediterrâneo (figura 1.7).
qll'r liz 'r no ver; o, luas ° s 'mpr ° sopravam d ' noro -st, ti su-
I -ste, 'sp ° .íalm .nt . no Mediterrâneo ori enral, entenderemos por
'lu " ti princípio, as condiçõ s para a navegação eram muito mais
favoráv 'is para os habitantes das costas européias do que para os
tias c stas africanas, que têm ventos e correntes contrárias para
viajar de leste a oeste e que, tão pouco, tinham facilidades nas
t rav essias de sul a norte porque, quando sopra o vento do sul, o
vcnt quente ou siroco, este é tão violento que não serve para a
navegação.

Figura 1.8. Este mapa, que indica as rotas seguidas pelos navegantes
fenícios e os lugares onde estabeleceram suas colônias, confirma,
neste caso concreto, o que mostra o anterior (Robin Osborne, Gree-
ce in the making, 1200-479 BC, Londres, Routledge, 1996).

Correntes
........ ~ Rotas principais de neveeeçãc

~~~~~~
Ventos dominantes (no verão)
800Km
o clima e a história
Até agora falamos de aspectos estáticos, que parecem mais
Figura 1.7. Correntes, ventos dominantes (no verão) e principais ro- próprios da geografia do que da história, Agora, faz-se necessá-
tas de navegação no Mediterrâneo (de Jonh H. Pryor, Geography, rio considerar a ação do meio natural desde um ponto de vista
technology, and uiar; Cambridge, Cambridge University Press, 1988). dinâmico: a influência das mudanças do clima na história.
Desde a antigüidade, especulou-se sobre a influência que
Existe, além disso, um contraste entre as costas do norte, as diferenças de clima exerceram nas sociedades humanas. O
que têm abundância de portos e refúgios de fácil acesso, e as do tema foi divulgado por um dos grandes pensadores ilustrados do
sul que, na parte ocidental, oferecem uma acolhida difícil, estan- século XVIII, Montesquieu, que escreveu tanto sobre ciências na-
do cheias de rochedos, de modo que, historicamente, têm sido turais, quanto sobre política e história." Montesquieu sustentava
cenário de inumeráveis naufrágios e desastres; enquanto isso, na
parte oriental, são planas e com bancos de areia. Por outra par-
te, as ilhas que facilitam as escalas nas longas viagens, desde Chi- 6. Sendo produtor de vinho de Bordeaux que exportava para a Inglater-
pre até Maiorca, estão muito mais próximas da costa norte. Para ra, é compreensível que vivesse dependente do clima, que tanta influên-
cia tinha na qualidade e na quantidade do vinho, gerador de sua fortuna.
dominar o Mediterrâneo, os muçulmanos tiveram que ocupá-Ias

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no '( ra ' l, faz os h om 'os mais f rt s ativos, dá-lh 'S .onflan- ni 7 nas águas dos mares do passado, que conhecemos graças ao
çu '111 si m .srn 8 • os faz mais vai ntes fato de que as conchas dos foraminíferos fósseis refletem qual era
f 'dor! lade. Nos países quentes, ao contrário, as fibras se rela- a proporção destes isótopos na ágüã"Qüando estavam vivos, o
xam, diminui sua força e os homens são preguiçosos. Com esta que nos permite fazer, a partir destes fósseis, um calendário bas-
l 'orla, justificava-se a escravização dos negros que viviam nos tante exato das flutuações do clima nos últimos 780.000 anos (fi-
tr pi s, sob o argumento de que não trabalhariam se não fos- gura 1.9). Também podemos estudar as variações que ocorreram
s em obrigados a fazê-lo. no campo magnético segundo a orientação que mostram as par-
Existe também outro velho preconceito, paralelo a este, se- tículas nas correntes de lava, tendo, ainda, outros sinais, mais
gundo o qual, onde o clima é suave e a vida fácil, os homens se complexos, que nos proporcionam respostas muito ricas.
sforçam pouco - é o tópico da ociosidade rnerídíongl, - enquan- No gráfico da figura 1.10 há uma curva que mostra a evo-
to que, ao contrário, condições de vida mais difícif'e'stimulam a lução da temperatura nos últimos 125.000 anos (as datas medem-
iniciativa humana e são mais favoráveis ao desenvolvimento da se de zero, que é o momento atual, para trás, até 125.000 anos
civilização, desde que não cheguem a ser tão duras que a sim- antes do presente), obtida a partir das camadas anuais de gelo da
ples sobrevivência absorva toda a capacidade dos homens, impe- Groenlândia. No gráfico, aparece claramente refletida a última
dindo-os de progredir em outros aspectos, como ocorre nos de- glaciação; o aquecimento dos últimos dez mil anos parece espe-
sertos e nas zonas polares geladas, onde habitam os lapões e os tacular, porém, podemos ver, que não é outra coisa do que um
Inuit, Não vale a pena ocupar-se destes preconceitos porque os retorno à situação anterior à glaciação.
elementos fundamentais que baseiam nossa cultura - como o al-
fabeto e o sistema numérico índio, sem os quais a ciência moder-
na teria sido impossível - não foram inventados no frio norte,
mas sim no quente sul.
Muito mais interessante, ao contrário, é o papel que tive-
ram as variações do clima na história das sociedades humanas: o
esfriamento e as glaciações, o ressecamento progressivo de algu-
mas zonas ou as inundações.
Como podemos conhecer a evolução do clima no passado?
Só conservamos medidas regulares de temperatura e de pluviosi-
dade há uns duzentos e cinqüenta anos. Para etapas anteriores,
dependíamos, até algum tempo, dos testemunhos mais ou menos
impressionistas dos contemporâneos: relatos de inundações ou de
secas, preces 'aos santos etc. Hoje, entretanto, somos capazes de
fazer que alguns registros naturais nos falem dando-nos respostas 7. Na água do mar, encontram-se dois isótopos do oxigênio, com um
exatas. Os gelos polares, cujas camadas foram se acumulando sem peso atômico de 16 e 18 respectivamente (o segundo em uma propor-
ção muito reduzida), que se comportam de maneiras distintas no que diz
se derreterem, não só nos proporcionam informações sobre a
respeito à evaporação. A proporção que tem existido em um momento
temperatura, como, inclusive, sobre a composição do ar - a quan- dado, entre um e outro, indica se houve maior ou menor degelo de ne-
tidade de dióxido de carbono que continha, por exemplo - gra- ves (quer dizer, se a época era mais ou menos quente).
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limite superior
do núcleo
surgimcnto de manchas solares. Quando o Sol é ativo, há man-
chas e, paradoxalmente, as zonas livres das mesmas são mais bri-
13 lhantes. O resultado é que o astro emite um pouco mais de ener-
o 32
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gia e, principalmente, muito mais partículas carregadas que pro-
ü)~ 75 vocam tempestades magnéticas, dificultam as comunicações sem
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128 fio e dão lugar a auroras boreais.

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c Figura 1.10. Evolução da temperatura, deduzi da das mudanças na


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concentração relativa dos isótopos de oxigênio, nos últimos 125.000
~ 15
~~=_~~~-~~·m----------
õ: 16
592 anos (de H.H. Lamb, Climate history and the modern world, Londres,
627 Methuen, 1982, p.85)
17
647
18
688
___ 1200 19 Porém, percebeu-se que estas diferenças de radiação solar
700

são demasiado pequenas para' explicar fenômenos como os das


glaciações. A linha explicativa atual tende a buscar a causa na
combinação das variações da translação da Terra em uma órbita
elíptica, que às vezes a aproxima e outras a distancia do Sol, e da
precessão do eixo de rotação, já que, como é sabido, a Terra gira
sobre ela mesma como um pião que tem um extremo de seu eixo
fixo enquanto o outro - a parte superior de onde a tomamos para
Figura 1.9. Flutuações da temperatura nos últimos 780.000 anos. Os
anos, em uma escala que vai desde o presente até 700.000 antes do fazê-Ia girar - vai descrevendo círculos. Isto afeta, sobretudo, o
presente (e segue além desta data), podem ser vistos na última colu- hemisfério norte. Na atualidade, este hemisfério encontra-se, no
na (expressa em milhares). A curva da esquerda indica a proporção inverno, na zona mais próxima ao Sol e, no verão, na mais dis-
em que se encontra o isótopo mais raro do oxigênio na água e a co-
luna situada ao lado mostra, em preto, os períodos quentes e, em tante, o que atenua o efeito das duas estações extremas. Ao sul,
branco, os frios. ao contrário, a combinação dá lugar a verões mais quentes e in-
vernos mais frios. Porém, há onze mil anos, era o contrário e era
no norte onde ocorriam estes invernos mais frios.
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A qu 'sttl0 ,lodavla, mais 'oJ1lpl .xa d que mostra esta A 11 ulol!,;:lo alll1osI' '1'1e:1 no v 'lho 'olHl11 '111' qu 'I' diz 'I',
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um WMi mo este, que corresponde à história do clima no he- I 01' duas grandes massa' de ar: um limite superior (um anticiclo-
Il1lsf ri norte, não é válido para o sul. Sabemos, por exemplo, n ,) de ar frio sobre o pólo Norte, que é relativamente estática, e
qu 'na poca glacial havia grandes massas de gelo no Ártico que outro que está sobre o Saara e sobre a Arábia, que tem uma cer-
I 'S iam até a metade da Inglaterra e que, pela retenção de água ta mobilidade, deslocando-se de sul a norte e vice-versa. A razão
n .sta massa, o nível do mar era 40 m mais baixo - podia-se ir a deste comportamento diferente dos dois limites superiores é que
p 'do ontinente à Inglaterra e da Inglaterra à Irlanda. Porém, no as variações da atividade solar influem muito pouco no pólo,
Antártico, a situação era parecida com a de hoje - não fazia mais onde os raios chegam indiretos, sendo muito nos trópicos, e que
frio, n m havia mais gelo -, nos trópicos, havia maior aridez e, a diferença do calor recebido faz mover este limite superior do
em alguns lugares, fazia mais calor que hoje (por exemplo, a sul. Entre os dois máximos (entre os dois anticiclones) situa-se
água do Índico era mais quente). A falta de chuvas no nordeste uma espécie de vale por onde passam os ares úmidos do Atlân-
da Sibéria, por sua vez, dava lugar a que não houvesse gelo, o tico: as depressões que se dirigem ao continente euroasiático em
qu permitiu que os homens pudessem passar por ela e, como o forma de ciclones. Da atividade solar que desloca o limite supe-
mar havia baixado de nível, a cruzassem, andando até a América rior do sul depende, pois, o curso desta circulação que leva chu-
pela zona de Bering. vas em uma ou outra direção e que marcou a história da Ásia
Na Europa, a temperatura era, em média, uns 4° a 6° abai- central com suas ondulações. Quando há chuvas, a erva cresce
xo da atual, porém, o fato de que houvesse poucas chuvas fazia na estepe e os povos nômades prosperam; quando vem a seca,
com que a neve fosse escassa e os invernos não muito mais ri- a subsistência se lhes torna impossível, tendo que fugir para os
gorosos que os atuais (não é verdade que os homens viveram territórios próximos, invadindo Europa, a Índia ou a China. As-
1 em cavernas, entre outras razões porque elas não existiam em sim explicam-se as grandes invasões, como a dos hunos, dos tur-
número suficiente para alojá-los). O homem foi se adaptando a cos e dos mongóís."
estas mudanças climáticas: foi seguindo em direção ao norte,
acompanhando os rebanhos de grandes animais que fugiam da
falta de pastos como conseqüência da aridez, vestindo-se com as
peles dos animais que caçava a fim de defender-se das tempera-
turas mais baixas.
Não obstante, a temperatura não basta para explicar tudo
em relação ao clima. Um dos fatores mais importantes - como
podemos compreender facilmente hoje, quando estamos acostu-
mados a ver cotidianamente gráficos meteorológicos que mos-
tram o deslocamento das zonas de altas e baixas pressões - é a
circulação atmosférica: as mudanças nas circulações dos ciclones
(convém não confundir os ciclones com os furacões), ou talvez
seja melhor chamá-los "depressões", que são as zonas de baixa
pressão às que se opõem os anticiclones, ou zonas de alta pres-
8. Isto, que é mais complexo do que esta visão simplificada pode fazer
são (anticiclone eqüivale normalmente a bom tempo - tempo en- crer, está admiravelmente explicado no livro de L.N. Gumilev, La busque-
solarado e seco - e depressão, a chuva e mau tempo). da de um reino imaginaria, Barcelona, Crítica, 1994, p. 24 s.

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