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1i•i!!<.-rJ.m1. /{.~OI (msrau111.v h; Ce!f..triw. ni!d~r.u (r.1596-1665) (11fi,·r);
J'rtrMtt' Co/Jcl·tion; (/tn11an, bit: ·fropyright.
Sumário
Apresentação............................................................................................................................ 9
Referência~ 423
Capí111ln J
Mecanicismo e dinami~mo n:1 ciC•ncÍ:1 moderna
! .
..~·
J J6 lmJt,cn >d~ 11.Lrurc1J, iuug(11~ de d(nci.1
!\~coisas, fe itas de matéria, devem o ser que são a es[e aco divi no, que lhes
confere uma t'Xistt: ncia estável. As que fora m fo rmadas ao rcmpo da cria-
ção continham germes dest inad os a desenvolverem-se em urna sucessão
ll'm pora l: as '1 .tlóes semi nais'; µor isso se pode di zer que o u nive rso intei-
ro, com rodo seu futuro, fo i ve rdadeirame nte criado de uma VC'l (sinwl);
i~to implica, entre outras coisas, que cudo o que nos parece atividade
ca11~a l das criauJI.1s, não o é: quando nos parecem atu:lr [... ] o único que
se 1U é um <le~envolvimcnto das razões seminais soh a opera<,.ão divina
(JoliVl'I, l~l85, p. 23).
l11tcora· Ni.tt111·<1·
o
Represeucaçào do universo prolorn3 iço po1 Robe1c H1dd, elJ\ su.1 oLra Hútória tio ma·
cmcosnw e do 111icrow.<mo (1617). ~ludd (l 'i7'1 1637) cxcm.>11 e• medicina e foi um rcpre
StllíJW~. na Henascenç:1, d.is 11.ulições l'SOtérica' a\Socia1l.1, ;, c.1h.J a, ao hermetismo, :1
al11u1111ia, à .tstrologiJ e ~ magi.i bmc:.111do .111alo!\ias ou corn.:.,pondências ocultas.entre o
microco;mo e o macrocosmo. H udd, 11uc vinculou se à fro1terni11Jde Rosacruz., foi critica·
do por .\kr.cnnc, entre muros, por seu animismo, cm claro çontraste com as tendências
r.Kio:ulis1.1s associ.1d.1\ ~s cicnú1s que emcrgir"n d.1 R~voluç:to Ciemífica. O desenho
represema a N.uu1n.i como uma mu lher, que rem a máo direi1.1 (Omandada diretamen·
te por Deus por meio d.: uma com:nct', e a m:ío õt(UCrdJ, por sua vez, comandando
um mac.ico. que simuoliz..1 a :me humJn.1, con~id1·r:1da um.1 mera imitaç'io da Natureza.
O cosmo é di,·idiJo hasicaMcmc cm três regiões, a celeste (ocupada pdos anjos). a dos
pl.rncw. (incluindo o Sol) e o 1m111Jo suhlun.H. Efü· último é dividido no' lugues 11aturai>
tios quatro cl~mencos, mm o fogo logo ahaixo tb l.u.1. seguido pelo ar, pcl.i água e final·
mente p~h cerra, loçafoa<la no centro. Fssa 1cprcscnta~ãri do co,mo ainda é, pon..rnto, ana-
cronicamcmc gco..:êmrica. A, diver.>a'> subdívi,ões e lii;ur,l!> 110 mundo suLlunar referem -se
a amlogi<•<> e çorrespondên..:ia~ ente( divcrs;1~ criatura;, cujo conhecimen~o aumentaria o
poder d intervenção do homem, pda magia, n.i N.1ture1.1
G1arnra. C:orcesia Tl1>101y ofSciencc CoJk,tions, Uniw1si1y oíüklahoma Libra.riLs.
1] 8 )11lj!~t·n\ de natu rez~1 . irn.lgens de dénd.l
1
Ye1 (Y:ues, 1961). 1-Jeçse (1970, p. 78) aponta uma inAuênda cscoica sobre Giordano Bruno.
' Yaces acei1 um.1 cl.issificação do) escritos hermc:'cicos, segundo veiculem uml gnose pe." imiqa
ou ocimista. A pri111cira é dualista e de cepa ncoplacôn ica, considerando o emendo material n~<"n ·
cial menrc nefasto. A g 11ose otimis1.1 é, ao contrário, de inspiração escoica e, porcanco, mo11is1a: "a
maréria escá implt·gnad.l pelo divino, a Terra vive, move·o.c ~om uma vida divina, as esucl.1' s!m
animais vivos <fr:inos, o Sol queinu com um poder di,·ino, 11.10 h:\ qualquer parcc da natu1e1.1 <[UC
não seja boa, j.í que s:iv co<l.ts p.mes de Deus" (Vaies, 1964, p. 22). O Re11;1sci1rn:nco acrcdi1;1va
que esçes escritos fos.\t' lll llll1Íto mais antigos do q ue de futo ~'io, contendo uma sabedoc i.1 v:i lim.1
na med ida da ~nrig11 1dad.: de su:h origens. N ewron também at eeditava c111 ucn.t prism 1npim1ir1.
) 20 l111a1;en• de 11.11111,·1.1, ímogen< de ciênctJ
meca11 icismo radical estaria em ruptura tanto com o aristotd j.,11111 l"'>tol í~t ic:o
qu,111to co n1 o natu ralismo rcnascentista.3 Quando histori 1dorl·s rorno l\.oyn:
rcrn11ht·rc111 a importância, para a Revolução C ientífica, do tl''>gatc do plato-
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~t.:-c111 1-:i)mo e dirumi~mo n.t ciênci;• mockrna 121
[...) ao longo <lo século XVI 1, modos mccanicisrns de expressão masca raram
a sobrevivê ncia de modos ani mislas dt: pensamenro presentes em fi losofi as da
nacurcza anteriores. Isso fo i especialmente verdadeiro com respeito àquelt:s
fenômenos - sobretudo o~ fonômenos da vida - para os quais os mecanis-
mos relacivamence grosseiros do pcnsamc:nco do século XVII eram parcicu-
larmente inadequados. As filosofias animi~rns não tinham sido construções
ime; au1c1w · arbitrária\; elas .mh.1111 cxpr<.:ssaJo pc:rcc:pçík;, comu1is de w1 .....,
aparenccs de arividade e5pontânea no mundo físico. Etn sua maior pari._, a
filosofia mecânica do século XVII não tinha uma explicação adequada dc:.sas
fontes aparentes de atividade, e ela in11odu1iu disfarçadamcme seus próprios
princípios ativos na forma <le partículas espe(iais ou fluidos (1971, p. 391).
• Oebbus (1986. pp. 133-'Í) reprcscnu bem c's.1 nova leitura d:1 Revolução Científica.
s A preocupação central d:1 alquimia com a transmuraç.ío fund,wa-sc, d esde suas origens, n a
reoria da rnaréria de Ari~16tdcs, que :ulrnitia a pos\ihi li<hdc de transformação dos quatro ele-
mencos cnm: si por mcil• d.:i tnx:a e convtor,'.io dos pare,; d e qualidade, <1uc os definem. No
século XII, o racionali\lnt> ari.<totélico ainda forncci'.I. a c.havc rcóric.i para c~a p rática (ver
Dohbs, 1984, p. 40). A p:u 1ir do si'c.u lo XII! provavdmcnre ~oh iníluênc.ia da alquimia m Ís li-
u do Egiro, da Gréci'.I. e do mundo á1dhc -, inrmdm ~ç uma nova prohlem:írica: os alquimistas
buscam separar a quinfll me11tir1 d:1s 5Uh~t:incus. \Viglicm.111 sugere existirem analogias enue
essa essência específica das suhsrâncias e o~ diversos pnl'llmntrt dos c,wicos, que "vivificam" a
maréria inerte (1962, p. 171).
...
....
) 22 lm.1gc1u <lt' n.tCtHc:t..l, inugen~ de ciêncü
H;~, porcamo, ao lado das mudanças perceptíveis forjadas nas texturas da ma-
téria bruta, uma maneira mais sutil, sccreca e nobre de operação em qualquer
wgecaçfo, que torna seus produtos discintos d.: rodos os outms. e o pako Je
suas operações não é o volume tocai de macéiia, ma~ sim um:i porc;ão inima-
ginaYdmente pequena e muito mais sutil de mar~ria d1fu11did,1 arravó d,1
'
"'-fr<auiti\m{l c.-diu.imi~mo n:1 ci(nc.h mo<lenia ] 23
massa que, se dela fos~c scp.uada, rcstari1 somente uma rerra morta e inariva
(Newton apud Wcsrfall, l 98tí, p. 326).
6 Para uma reconstrução mais convencional e.las orige ns do conceito de força em Newton, con ·
testa ndo inclusive uma eventua l iníl uênci,1 do neoplatonismo, ver J.1mmer (1957, cap. 7-8).
face autor também discute a presumida dívida de Newton para com J. Bochme (1957, pp.
134, 142-5; cf. Dobbs, 1984, pp. 9 10). Pela importância histórica de Ncwron, nâo far.:mos
economia de citações de vários de seus trabalhos e de sua correspondência, algum.;s delas n'io
disponíveis em português.
1 Dobbs (1984) sugere que as hip<ítcses iniciais de Newton não teriam rcsiscido ao cri\'O cxpcri·
mental.
• Barker e Goldstein (1984) idcncificam d11.1s vias pelas quais pensadores do século XVI(
puderam ter contato com a cos111ologi.1 est0ica: a tradição m.:dica baseada em Galcno e a
nova edição cios crahalhos de S<!nec.1, por Jusms 1 ipsius (n 1• volume apar·:1.eu cm 1605)
O interesse fundamenca l dos filósofo, scisccmisr:is era pela ética dos estoicos, mas nca,
sendo indissociável da física esroica, propiciou, como vimos no capírulo I, um co1HM0
com a concepção escoica de nacurna. Os autores dirigem sua atenção par.1 Dnonn,
tentando evidenciar traços de conccicos estoicos unco na cosmologia•carrcsi.rn.1 qu:111to
em sua med icina e cm sua óptica. O plurnm cartc~iJ 110 seria, do ponro de vista cios amo
,•
12·1 l1 111r/º' 1h· 11 .11w c1.1, i1 11.tgens de ciência
rcs, o resulcado de u ma curiosa h ibr idação entre a co ntinuidad e qu e c a rac Le1iza o pue11111a
escoico e o acornismo da cosmologia epic11ris ca. De inspiração escoica seria também o
emp rego do co nceiLO de espíritos animais na medicina carcesiana, corno ainda a tcn caciva
d e subordina r a óptica à mecânica (os aucores referem-se à medfora do bas tão para ex-
plicar a rápida propagação da luz e a percepção visual). l\ presença de elementos estoicos
nas teorias de Descartes poderia se r retraçada a Chassinus e Basso, seus p redecessores,
que adota ram abe rtamente di'lersas ideias dos es coicos, co mo, crn C hass inus, a de uma
a lma do mundo (que o s aucores associam d irctameme ao p npumrt estoico, se m suge rirem
qualquer intermcd ias·ão n i:op latônica) . A lém disso, o estoicismo reria sugerido a diversos
filósofos e cie m iscas do s éc ulo XVII u ma teor ia da matér ia a lternativa à de A ris tóteles.
Co m isso, abria-se a perspecciva de fu ndamenta r a ruptu ra com a hierarquia ar istotélica
entre mundos sub e supralunar através d a adoção d e uma teoria ela matéria q ue inviabili-
:rnria cal h ie rarqui a (os estoicos não admitica m a existência do éter como um q u into ele-
mento preenc hendo de modo exclusivo o m u ndo supralunar). Os autores defendem, por
úlcimo, q ue a ide ia de uma legalidade na natureza, q ue consider.un central no movimento
cit-ntífico moderno, teria origem escoica, em oposição à doutr ina epicu rista, q ue; va loriza
o aca'o e não u ma orde m expressa po r le is naturais (seg u udo os aucores, a influência
.1wmi s ta/epic u ri~rn na Revo lução C ie n tífica foi su peresc imadn , em dctrimenro do papel
elo cstoiciw10). E1nbora Ba rke r e Go ldste in te n ham ressalvado o carácer especulativo das
Cl'~Cs deícndidas. n:conhecendo q ue exigiriam maior ev idência fac rnal (eles se basearam
qu.1 se cxc lusivarr1entc em bib liografia secu ndária), as limiraç õcs d o a rtigo parect:111- me
por demais c,·idcntes. Ao rest ringire m -se praticacnence a Descartes, os autores não per-
cebclll que o ncoptHonismo é d e ex crema importâ nc ia pa ra a conexão cstoita . Talvez por
isso não cn íarizcm, f;'m ucnlcum momcnco, a teleo logia dos proc essos natura is na image m
csroica de namrez;1, tam pouco - o que parece ainda ma is grave - a importância da d ico-
wmia at ivoipassivo. Os a ULores pecam por modern izar demasiadamente as concepções
escoicas, incorrendo em erros análogos aos de Sambursky ( 1959; ve r Alnances, 1990),
apesar de o c ri ticirern. Ao não eufadzarcm ca is poncos, eles co nseguc rn perce ber uma
influência esco ica sobre Descartes, mas não sobre Newton, que ;tprox imam dos epicu-
ristas. O carácc1 dinamisca da conce pção estoica de natureza é s i rnplcs 111 ~· nce igno rado,
p rivileg iando -se seus aspectos mecan ic istas, que são inc orrcta 1m ·ncc id c: miíic::idos com o
mecanicismo do século XVII, sob recudo o de cepa ca rtesiana. Ver també m :1 noca 27.
1..
Meca11 i.:isn10 e dinamismo na ciênd.1 modnn.t ·1~5
..
O un iverso d e Dt'.scanes é 1ocalmcmc p reenchido por macéria, que forma vórtices em corno
dos corpos celestes. O fenômeno gr.wi t~cional seria u1:1 efeito desse 111ovi111ent<J rotacional.
Rc né l)escarces . Epistolar Elzeuir, Amstcrdã, 1668. Universal l-fütory Arch ive I UIG.
) 26 lmilgcns dc n~turcu, ím.1gcm de ciência
~
l\kc•niri11n<> e dm>mi>mo"' ciência moderna 127
Newton e a gravitação
• 1
128 luu,..,~ 11!i tlt n :wut"1,1. im3J:l"OS de t1êncfa
s,io :111 il11ddm '' 11111 Deus volunrarisca, que foi alvo das críticas de Leibniz
t'111 :.11a rn11cspo11clt·nc i.1 com Clarkc (discípulo e porca-voz de Newton). Se-
'º McGuire cica o ~eguinte cre.::ho ele um ra~unho de Newton, provavelmente destinado a uma
d.is querii:s d.1 Opti,·,i: "Nós nfo podemos dizer <1ue coda a natureza não é viva" (1968, p. 204).
S.:gundo <:!>SC c'rudioso de Newton, css,1 seria mai\ uma evidência do débito desce para rnm O\ 11c-
opla1ô11icos de C1mhmlgc, parcicularmente Cudworch. McGuire percebe, na distinção p•lS'•ivo/
acivo, urna influência do\ estoicos, apesar de ela já se encontrar cemari1.ada cm Aristótdcs: ··o uso
que foi. Cudworth <los termos To paschón e TO poiotÍ!l é interessante. Em Arisrótcles, clc.:s fu11cio-
11;1m rcal11K1He como qualificativos adverbiais na categoria de substância. C udworth, enrretanto,
ll\a-os ( 01110 rermo~ que descrevem d11as categorias da realidade. Isso pode indica r urna influência
dos csrnicos, "j:i que usaram esses termos paca d istinguir dois tipos de enckh1<l1.:s". McGuirc revela,
al.'.'111 di,so, que na biblioteca de Newton encontrava-se um livro de Stillingfleer (edirndo cm fin~is
do ~éntlo XV I[), em que é discurido o significado desses termos na doutrina dos cswkos. essa foi
.1, vid<·11ci.1111ais di1<1J que pudemos encon1rar, na bibliografia consulcada, a respçico do conhl:ci-
111rn10 do l 'lullis1110 por Newton (McGuire, 1968, nora 148, p. 204). Krubin carul>ém Í.11. 11ma
0111.ili'c 11 11t1<'".1111c da ideia - presente cm Newton - de que o cosmo se desenvolve cm ciclo~; ideia
<111c, rn1110vi111m 110 capítulo l, é de origem estoica (Krubin, 1967, p. 346).
11 l)11:111to a s.1htr ~e N<·wton teve acesso a documemos que fo.esscm alusão aos csmitos, só pode-
mos fm:1 w11jcum.I\. Ao que sabemos, não h:í referências explícitas de Newcon ao~ c~toicos.
Ele foi um cm1di<''º de dcx;umentos antigos, em função de sua crença cm uma prisM s.1pimtia,
ou seja, na ni\1<·11cía de um conhecimento - a respeiro da m.curea e de caráter rdigimo - que
teria .sido revd.1tlo aos amigos e •JUC pf)deria ser resgatado por um método imuprcrati\"(l .1Je-
quado. E..,~a uença, cipicamcnte rcnascencisca, foi provavdmcmc cransrnicid;1 a Nc:wwn pcl.1
lcitttra d<· More. Com b.1'e nisso, é pracicunence seguro que Ncwmn teve. pelo menos, atcsso
am t:\Critos hcrméiiws e a manuscritos alquímicos antigos (Dobbs, 1981, pp. 20, 10.!- 111:
l kbhu\, l 98(í, pp. lOl 3; McGuir.:, 1967, p. 94). Em livro recente, Dobb, ( [99'.i) .1li11111 d~
1~1 cacegórita que Newton possuía em sua biblioteca vários 11\·ros que o ccri.11n i11idJdu t\.l
filosofia estoica. Uefoncle que o cscoicisrno reforçou a convicção de Newcon 11.1 cxi>té11ci.t de
princípios ativos na nature-n, lastreada cm suas leicuras de ccxcos alquímicos.
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~~
Mec>ni< ismo e dinamismo na ciência moderna 1 29
O éter em Newton
l
•
PHILOSOPHIJE
N A T U R A. L I -S
PRINCIPIA
MATHEMATICA.
IMPRIMA TllR·
S. P E P Y S, Reg. Soe. P R 1E S E S.
'J11lii )· J686.
LONDINI,
Juífu Socit111Ji.r R.eJ!.itC ac Typis Jofaplii Stre11ter. Profia.t apud
plum; Bibliopalas. A11110 MOCLXXXVJI.
":";.. _
130 lnugtm de m turcn. im;ig<:ns Jc ~iéncia
Tratar das especulações de Newton sobre o éter é uma tarefa llttc c11
frenta várias dificuldades. A primeira é a reserva do próprio Ncww11 L 111 1<>1
nar públicas suas ideias sobre o assunto. Embora desde a juventudl' L'ssL: 1c111.1
esteja entre suas preocupações, como atestam manuscritos e sua LO 11 t·spon
dência, a obra publicada só deixa emergir tais especulações a partir dl' 17 l ~.
Isso, por si, já constitui wn problema: por que Newron ocultou rais ideias
por canto tempo? E por que decide torná-las públicas a partir dcsrn d.11.1?
Outra dificuldade é que o éter de Newton varia cm sua cst1utu1a e
função ao longo do tempo. É preciso acompanhar tais mudanças, evicando -sc
uma anál:sc simplista que elimine tais diferenças.
Além disso, esse tema não pode ser desvinculado das concepçoes teo-
lógicas de N ewton sobre a interação espírito-matéria e sobre o papel de Deus
na nacure-1.a. Tal complexo de questões também incide sobrl suas 111cur~õcs
em teoria da matéria.
Por último, dar importância a tais especulações pode esbarrar nas de-
clarações, muito conhecidas, do próprio Newton de que, cm filosofr'l ex-
perimenral, não há lugar para hipóteses. Diante de cal lema metodológico
cxplícim, podemos ainda defender que suas especulações sobre o éter tenham
rido qualquer influência sobre sua obra científica e a dos seus sucessores no
século XVlll?
Começaremos analisando as fontes publicadas durante a vida de
Newton t)UC fazem referência ao éter ou a meios materiais sueis e suas pro-
priedades. Em seguida, analisaremos as fontes que só foram publicadas pos-
rnmamente. Desse modo, teremos uma ideia melhor de como tais especula-
ções foram recebidas pelos contemporâneos de Newton. A tabela 1 apresenta
uma cronologia dos principais escritos nos quais ele trata do éter, incluindo
os textos não publicados durante sua vida.
Redação Publicação
Título
~ 1670 1962
O peso e o equilíbrio cios fluidos
1676 1741
Carta .i Oldenhmg
1678-1679 1744
Carta a l\o>lc
.ll
t.l r.-.a 11icismu e Jinami~mo nJ ciência moderna 131
-._p -
132 lnur.cn1 dr u ;11111 t"/o.1. 111u:._r u~ «.te dê11c_iJ.
foi 11111i111 sc11:-.ívcl a l.1i11 c...dticas, que revelavam uma incompreensão profun-
d.t de.: SCll pt:llS:llllt'lllO.
A 1t'sl·tva qm· Newton demonstra nos Principia cm enveredar pelo ca-
111 i11IH1 d.is hipóteses é, cm grande medida, deixada de lado na Opticrt, cuja P
cdi1,.10 tL11.1 de l'/Oli. Na verdade, o tom especulativo desta Liltima obra não
(d.ido por Sl'll lorpo principal, mas por u ma série de questões (queries) que
Nt:ww11 .Ktt'St c11ta ao final. Tais questões são, em suas palavras, problemas
que ele cxpiH.: "cm vista de uma investigação ulterior a ser frita por outros".
Nelas, Newton sugc1 e linhas de pesquisa e propõe solu~ócs tenracivas para di-
versos prohkmas ck fronteira relativos a fenômenos químicos, füicos - como
a emissão e a absorçào da lul pelos corpos -, bem como especulações sobre
s:n~ crns:is, i'1duindo a causa da gravitação.
'
O n(1mero <le queries aumenta a cada edição da Optica. Na 1 , somam
16. Ncscas não há qualquer referência a um éter, d ispensando portanto uma
análise para nossos objetivos neste capítulo.
Em 1706 é publicada uma edição da Optica em lacim, com novas que-
ries, que, na 3j edição, são renumeradas de 25 a 31. Newcon rejeita mais
uma vez a hipótese de um meio fluido como o de Descartes. Não aceita nem
1m·m10 a hipótese ondulatória da natureza da luz proposta por Huyghens.
1·.~sa hipótese pn.:ssupõc a existência de um meio material que teria o papel
de suporte para os pulsos de luz. Para Newcon, essa hipótese, além de não
explicar fenômenos ópticos como a difração e a interferência - as ondas de
11 uygliens não eram transversais, mas longitudinais!-, apresentava um pro-
hkma aincl.t maior: como explicar que os planetas não sofrem, ao que lUdo
111d1ca, qu.tlquer resistência a seu movimento? Além disso, não há qualquer
cvidO: m:ia de <\llC cal meio exista. Conclui, na questão 28: "E, ponanro, para
dar 111~1,ar <tos movimentos regulares e duradouros dos planeta.~ e cometas, é
ncn:ss.hio csva1.iar os céus de roda a matéria L.. .]" (l 987a, p. 187).
E preciso 1cssaltar que Ncwcon, nesta questão, dcscarca a possibilidade
de se explicar a gravidade mec...anicamentc, isco é, apelando para um meio ma-
tei ial como o de Descartes, já que, em última instância, a gravidack tlcve-sc a
um·l p6 mei ra causa, que não é mecânica. Esta primeira causa é Dcu'i, como
Newron sut;c.:re cm um trecho mais adiante:
E sendo ess.n coisas corrccamente cracadas, não parece a pa11 i1 dos !Cnôme·
nos, que exi~ce um Ser incorpóreo, viveme, inceligentc, onillll'Sl'lltl', que no
M.c~11icísmo ~ clinJmismo na ciência moderna 133
espaço i11fl11ito (wmo <> c:spaço seria em seu sensório) vê as coisas em si mes-
nus incinumrntc e a~ fk'rcchc totalmente e as compreende cocalmente pela
pr..:scnça inmli.11,1 drl 1,, di,tntc de si? [... ] E eml>ora cada passo verdadeiro
feito nesta fllosoll.1 nüo nos leve imedi.uamentc ao conhecimento da primeira
causa, leva 11os m.1is próximo dele, e por essa razão deve ser altamente prezada
(l 987a, p. 188).
Newton afirma ter "derivado", a partir dos fenômenos, "dois ou três pt ind-
pios gerais de movimento'', ou seja, leis. Tais princípios podem, t•ntao, sei
aplicados à compreensão de outros fenômenos, mesmo que nao conheçamos
as causas destes (1987a, p. 203).
Newton havia descartado que tais causas pudessem ser mccâ11icas.
Ele deixa claro, logo em seguida, que a ordem da naturcw não pode ter siclo
produzida pela necessidade cega, a partir de um caos primitivo. Tal ordem
aponta causas finais, para o p lano do Criador. Mas o Deus de Ncwwu, como
vimos, não se limitou a criar o mundo, como o de Descartes; Ele exerce seu
domínio constantemente, por sua onipresença e pelo exercício de seu poder.
Todos os corpos são movidos por Ele em seu "sensorium uniforme e ilimi-
tado". Surpreendentemente, Newton admite até a possibilidade de esse Ser
codo-po<lero~o variai .e. "leis da Natureza e fazer mun<lo~ <lc vários tipos <.:m
várias partes elo Universo", o que, em última instância, retira qualquer fun-
damento a um princípio de uniformidade da natureza!
Na questão 31, Newton adiantou vários dos tcrruls que ele retomará
no "Escólio geral", incluído na 2ª edição dos Principia, dacada de 1713. Ele
deve ter sentido a necessidade de esclarecer suas posições acerca de assuntos
que, até então, só havia tratado em sua correspondência. 12 A incompreensão
de sua obra no continente europeu, sem dúvida, cevc um papel essencial nes-
sa decisão, como atesta a acerba polêmica entre Leibniz e Clarke que eclode
logo depois, 1J cm 1715-1716.
O "Escólio geral" destoa complcramente do conjunto dos Principia,
que é uma obra austera, difícil, que segue o estilo axiomático dos Elementos
de Euclides. No "Escólio", Newton d iscute uma série de questões filosófi-
cas e até teológicas. Mais uma vez, rejeita a teoria dos vórtices e reafirma
que o mundo foi criado e é governado por um Ser supremo: ''A necessidade
metafísica cega {...] não poderia produz.ir nenhuma variedade de coisas"
(1987c, p. 169). Desse modo, Newton reage (novamente sem citar nomes)
12 Manu\critos revelam que Newton havia previsto induir na 11 ediçao comidcraçé>t·s cl(' c.~u.íu:r
1967,filosófico,
m:iis 1968) cm um adendo ao~ Principia, mas resolveu nao fuê-lo (ver Mc.Cuire, 1966-
1' Desde 1689, Ltibniz atacara a noção de vácuo, provavelmente provocado pelo livro 11 dm l'rin-
cipia. Em 171 o. suas críticas à filosofia natural de Newton tornar:im-sc explícitas. me ,l(aCOU
e~~a filo~olia cm cartas escritas entre 1711 e 1713. Ver McGuire ( 1966- 1967, pp. 2 1-1 o\.).
Até aqui explicamos ()S rl·ntH1wnos dos céus e de nosso mar pelo poder da
gravidade, mas aind.1 n.10 dcsii;namos a c:iusa desse poder. É cerro que ele
deve pro\ir de uma causa que penetra nos centros exatos do Sol e plane-
cas, sem sofrer a menor diminuição de sua força; que opera não de acordo
com ·a quantidade das supct fícics das partículas sobre as quais ela age (como
as causa' mecânicas coswmam fuzer), mas de acordo com a quanridadc da
matéria sólida que elas concêm, e propaga sua virtude em rodos os bdm a
i111t·1r-;as di.-.cânci.1~. llc1..1csccndo 'l.mpc<- 110 quadrado inverso d.1, di~c.'.irH I
4
[...] (1978c, p.179).'
Mas até aqui não fui capal de descobrir a causa dessas propnt"dadcs da gravi-
dade a partit dos ícnômenos e não consuuo nen huma lupCncsc. Pois tudo que
não é cledu7.ido dos fenômenos deve ser chamado uma hipóccsc; e <lS hipótt·-
scs, quer metafísicas ou físicas, quer de qualilbcks oculms ou mecânicas, nfio
têm lugar na filosofia exprrirncntal [...] .
O curioso é que, após esse enfático hypothesis non fingo - que seria,
mais tarde, tão explorado pelos positivistas-, Newton permite-se, no último
parágrafo do "Escólio", especulações sobre as causas dos mais diversos fenô-
menos, vários deles tratados nas questões da Optica:
1
11
Sobrtt cs.c argu111cnw, ver l lcimann ( 1981, p. 61).
-!
Tmar..('ru tle u.uurr:1..i, im.._~(llS de ciência
is As razões para r:tis mudanças seriam segundo Guerlac (1979, 1981), os cxpt·rírnento\ dC'
Hauksbec de um lado e as crítícas de Leibniz, de outro. Ver também 1'hackray ( 1 1)~ 1, p '' ">).
11· Ver, por exemplo, Thac..kray (1981, p. '15) e Bum ( 1991, p. 275). Hornc (1982) t<11nlit<rn u í1ica
C!>-\ t imcrpre1,1ção.
/\loGanici•mo ~ <lin>mi'""' 11a ciência mod<rna 137
Não é esse meio muico mais rarefeit0 nos corpos densos do Sol, estrelas, pla-
netas e comeras do que nos espaços celestiais vazios entre eles? E ao passar por
eles a grandes distâncias, ele não se coma perpetuamente ca<la vez mais denso,
e por isso causa a gravidade daqueles corpos grandes entre si e de suas parres
com relação aos corpos, esforçando-se todo corpo para ir das panes mais den-
sas do meio em direção às mais rarefeitas?[...) E embora esse aumemo de den-
sidade possa em grandes distâncias ser extremameme vagaroso, ainda assim,
se a força d áscica dcs~c meio for cxtrem.1111c11te .:rande, pode ser suricicncc
para impelir corpos das partes mais densas dos meios para as mais rarefeitas,
com rodo aquele poder que chamamos gravidade. [... J E assim, se alguém su-
puser que o éter (como nosso ar) pode conter parrkulas que se esforçam para
se afascar umas das outr~ (pois não sei o que é esse éter) e que suas partículas
são excremameme menores do que as partícula~ do ar, ou mesmo do que as da
luz, a pequenez extrema de suas parc(culas pode comrilmir para a grandeza
da força pela qual essas partículas podem se afastar entre si, e por isso tornar
aquele meio extremameme mais rarefeito e elástico do que o ar, e por conse-
quência extrem:11ncnrc menos capa.l de n:si~tir ao movimento de projéteis, e
extremamente mais capaz de pressionar grandes corpos, esforçando-se para se
expandir (Newcon, 1987a, pp. J78-9).
Tal meio sutil poderia ainda ser o responsável pela transmissão das
sensações visuais do olho até o "sensório", pelos n ervos. E transmitirÍa os atos
de vontade do cérebro para os músculos, através dos nervos.
Portanto, Newton revê, aparcncemcnce, as objeções que fizera à ideia
de um éter, propondo uma explicação mecânica para a gravidade. A surpresa
e o constrangimento demonstrados, à época, pelos seguidores de Newcon
revelam que foi dt:.~sa maneira que o éter de 1717 foi incerprecado. 18
17
Ver Cohen (1952, p. xi).
18
VerThackray (1981, p. 45).
) 38 lnug<·n• de 111ture"'· imJgcns de tiência
1• Ver Thadm1y ( l t)8 l, p. 47). Leihniz era o que mais incomodava. Sua morte, cm 1716, podl•ter
f:ivn~ ~ &oc~o ,ko Newton de pub1icar sua' especulações sobre o éter.
~kc;u11c 1<>mo e Ju~jmi Hno n .1 Ciência modernj 139
[...]Considerarei oucra conjecrura que veio à minha menre agora , rnq11a11111 (''ó t.1v;1
escrevendo esca carca. Rt;fere-sc à causa <la gravidade. Com l·s1e fim , ''" vo115111w1
que o érer consiscc cm p.rrrcs diferindo umas das outras cm te11uid.1dc c1 n g1 ,1 u' in
definidos: que nos poros dos corpos há menor quantid.1dc d(J úcr 111 1i ~ g1mso c1 '1
proporção ao mais fino do que nos espaços ..unplos e, con,n1m·111nm·111c, que mi
grande corpo da terra existe menor quantidade do ércr lll<l is g1 º"'º l'1l1 proporção
ao mais fino que nas regiões do ar; e, ai nela, que o éter m:tis gmsso no a 1 habita as
regiões superiores da c<.:rra e o ét<.:r mais fino na rei 1a, as 1q,\iücs mais baixas do ar;
de tal modo que do alto do ar aré a superCkic da r<:tr,t e, continuando da super'-
fície da cerra até o centro da mesma, o ún torna ·setada Y<.."l mais fino ele modo
insensível. Imagine agora qualquer corpo suspenso no ar ou sobre a terra; o ért.:r
sendo por hipórcse mais grosso nos poros que se encontram nas p~rces superiores
do corpo do que naqueles que se enconu.tm nas panes inferiores; e que o éter
mais grosso, sendo menos apto a se aloj:ir naqueles poro~ do que os mais finos do
éter inferior, ele se esforçará par,1 sair e dar lugar ao éter m;iis fino de baixo, o que
não pode acontecer sem que os corpos desçam de modo a dar lugar para
que de saia[ ...] De minh:t parce eu tenho tão pouca imaginação para coisas de~s:t
n.1 ture'/a que, se n:io fosse Sl'U en~orajamento, eu nunca teria pensado cm t:ol11c:11
l>l Sobre o écer de Boyle, que teria exercido influência sobre Newton, >cr Bum ( 1991, PI'· 26·í ~7)
2
Mcguire (1968) vê uma tensão conccpluJI cncrc o crc~cimentu d.t dt:n>'ídade do fo:r nos t:5pa
ços "vazios'' e a ra1efaçáo crescc11te da matéria .
..
lm•S"" <lc 1u1urtt.1, inugens de ~iéncia
no papel algo a esse respeim (Carta a Boyle, 28 fev. 1678 -1679. ln Turnhull,
22
Scotc e l lall, 1959-1977, v. 1, p. 295).
!? A <fücinção cncr<" é[cr "grosso" e éter "fino" faz pensar em uma pos~í\'d i11ílut 11ci;1 .lu tlm11111
de l kscane~, composto <le panículas de diversos tamanhos e formas. Vn 1.1mhé 111 f\kC11i1c
( 1966- 1967, p. 2j0), sobre a inlluêncü ths explicações da gr.iviJ:l,I.: <lc huio de D11illit·r
lJ \'c.:r McGuir.: ( 19<•7) e as ong<'ns dessa noção de circularidade.
?•A influência <lc Barruw nc~a hipótese de urna conversão érer/maréria p. uc~<' d rd s1va , \'çr
(Dohbs, 1981, p. 93).
ll.lec.rnici,mo e di1umi,mo na ciência moderna 141
l...] 8, inco ncebível que a matéria bruta ina ni mada possa (s<.:m a m<.:d iação
de a lg uma outra coisa q ue não é material) opera r sobre e a focar outra macé-
1ia sem concaco mút uo, como deveria ocorrer se a g ravitação, no sentido de
Epicuro, for essencial e i nerente a ela. E essa é uma razão pela qual cu desejei
que o Sr. não arribuís~e a mim a gravidade inata. A ideia de que a gravidade
seja inata, inerente e essencial à matéria - de modo que um corpo possa agir
~ol>r..: outro à distância através do vácuo sem a mediação de: qualqm:r outra
coisa, e por meio da qual sua ação ou força possa ser transmitida de um
para o oucro é para mim um absurdo cão grande que não acredito poder
algum homem, que tenha uma faculdade competente de pensar a respeito
de assunros fi losóficos, sustentá-la. A gravidade deve ser caw.ada por um
agente atuando constantemente de acordo com certas leis, mas se esse agente
é m.ncrial ou i material, é urna questão q ue deixo para a consideração dos
meus leitores {carta a Benrky, 25 fev. 1692-1693. ln Turnbull, Scott e Hall,
1959-1977, V. l , P· 254).
...__ ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
Me<•nicismo ~ dinami>mo na ciência m<Klcrm 143
21 fase: (r l 685 - ~ 1 7 1 3) : fase teológica. As forças como ma nifes tações d ire tas da
ação e d o po der divinos; rejeita as c~pccul açó<.:s da JJ fase.
21
A problem1tica dos mediadores cmrc cspíriro e macúia é trad iciona l no neoplatonismo
e revela-se cm aurores do Renascimento, como Paracelso e van Helmont. Newton, pro
vavelmence, teve contato com ela por intermédio de lhrrow e More. As soluções desse'
filósofos eram, a e~se re~pei to, divcrgcmc~. Barrow cst,\va disposco a aceirar a possibi -
lidade de uma misrura esplrico/ m.uéria nos çorpos - influenciado pelo hermecismo e,
indireramente. pelo escoicismo. More, por ~u.1 ve1., defendia uma separação estrita ent rl'
ambos (eliminando qualquer ~uge\l:io de urna inrnconvercibilidade entre tais subscjn.
cias). Mas, contrariamentc a Descartes, More admi1ia uma ação d:i alma do mundo soh1t•
a matéria (para mais informações sobre: o uacamcmu <lesta questão no neophronisnw de
Cambridge, ver \'V'ilde, 1982). Dohbs sngl'fe que Ncw1on teria vivido essa divetgc'.·nria
como uma "tensão" d urance anos, att< <1ue \Cu co11ccito de força viesse a reso lvê-la (1')8•i,
pp. 105, 193). Encontram se traços <kssa busca dt mediadores em eKriros alquímicos de
Newron (apud McGuire, 1968, p. 207) .
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
1·1 •1 lm.ar..en1 dr 11all1ft'1.:l, 1ma1!,<:nt Jr ciC:n,ia
I"' c111iuso n·r como ainda no século XVIII, mesmo entre reprcsu1tan-
1cs do 1hrrn i11Í\11 10, a crença no voluntarismo divino tem implicações mctafí-
siL1.s e 111r1odol<'igicas.
1•:111 n:r to ponto de seu Essai sur les elemens de philosophie, publicado
c111 17'>9. d'Akrnhctt ( 17 17-1783) pergunta-se se as leis da mecânica são de
"verdade nccrss;hia ou contingente" (1965, p . 393). Entre tais leis, inclui a
lei dl· rrn.<rci.1, a do movimento composto e a do equilíbrio. Apressa-se cm
ol>~crvar q11<:, com respcilO à questão colocada, n ão se trata
!... J de ckcidir se o Autor da natureza teria podido dar-lhe ourras leis, diferences das
1111( 11(k, ol~..:1 vamo;,, a pai ti1 do monc:nto cm que a<lnlllilllo> u111 51'1 imdtg~nlc,
c:1p;\z de agir wbre a matéria, é evidence que esce Ser pode, a cada instance, movê-la
e p.1r,í·l.l ao seu bd pnuer, ou segundo leis uniformes, ou segundo kis que sejam
difcR•r"cs pa1~1 cada instante e para cada parce da macérh; a experiência comínua
dos mo' imentos de nosso corpo prova-nos, de forma sullcicnre, que a matéria, sub-
metida :1 vom<1Je de um princípio pensance, pode em seu~ movimentos afastar-se
claqudt:.\ que ela teria verdadeiramente se ela fosse abandonada a si mesma.
2
· O td.11c1 (.:, em gcrJ.I, o volumarismo divino) está normalmence ª'sod.idn ;r 11111 f'<''\irni\·
'"º 1:pi~cemológiv• ·nquanto o deísmo favorece um otimismo epistcmolâgico. fa"" irnag..:n~
t. lcc:inÍ<"Í>mo e dín:uní;mo na ciênci1 moderna 145
~
146 lrn1y,c11~ dt• na1ure1.~. i1nai.;en~ de ci<nci~
lacentes nos trabalhos de Newcon e de filósofos como Lockc. Essas imagens in-
cluíam posições acerca da fundamentação episcemológica da distinção :;cisu.:n
t ista encrc qualidades primárias e secundárias, do estatuto dos princípios .Hivos
de Newton e de sua relação com uma matéria passiva, da fo rma de panitipa~ao
divina na ordem nawral, do dualismo matéria-espírito etc.
Esses fil ósofos britânicos citados divergem em pontos fundamen tai~,
mas é possível identificar algumas tendências comuns no modo como .tbsor-
veram criticamente a imagem newtoniana de natureza:
27 Heimann aponta a presença de ideias de Bocrhaave em lkrkclcy: "01 cstoito' afirma Bcrkelq
cm Siris (1744) - também ensinaram que roda substância era originalmcrm: fogo<' deve relOI nar
ao fogo; que um fogo ativo e sutil foi d irundid11 e expandido através de wdo o universo, e que di-
versas partes dele eram produzidas, sustentada~<' mantidas junta~ por C\\a força" (apud l leirnan n,
J')73a, p. 13). A presença do esroicismo no s.:-Culo XVII! se vciiíica cm ourras esferas, não dire-
tamente ligadas à cem:ícica especifica deste c.lpírnlo. Gmmríamos de registrar, nesta nota, algn
mas evidências que mereceriam ser explor.1da,. Galc110 (séc.ulo li d.C.), po1 exemplo, u:ve grande
influência sobre a fisiologia no século XVIJI. Ele utilizou se amplamente da concepção esmica
de pneuma e rnnsticui uma das principais fontes que nos permitem resgatar a filosofia cscoica. l-lis-
coriadores como Gilli~pie, por sua VC'L, identificam uma inspiração estoica subjacente à imagem de
naturaa de filósofos iluminis1.1s, como Dide1ot, <1ue buscavam na natureza um fundamento para
a •virwde~ (1960). Didcrot fa1 uso, em rodo ca<;<>, da metáfora estoica da "aranha em sua ceia",
com o intuito de ilustrar a imerdepmdência dos fenômenos em nível cosmológico (1961, pp. 315,
3.H). Cal>eria aqui, sem dúvida, uma inwstiga<,'áo a respeito <la míluência de Spinoz.a e de I eib11iz
- cujas imagens de natureza revelam uma influt'nci.1 e~toica -sobre diverso~ filósofos franceS<:s do
s.-culo XVIII. Tais imagens rcpercmiráu no Rornamismo e nas especulações da f'lawrphi/o;ophi~
{ver l .ovejo)', 1964, e as di,cus~s do c1pítulo 4).
2
·' O conceito de poder, conforme utili1ado na filosofia 11acural britânica, adquiriu estaturo fi
losóftco a partir de Locke (ver Hcirnann e McGuire, 1971) . Ver o capítulo G, para mai~ in-
formações sobre 0 maceri,1li\mo de Pricsdc.:y e sua participação na Lunar Society. ao Lido de
faamLUs Darwin, o avô de Ch.1rlcs Darwin.
148 1111 .aJ~<"n s ,te 11 .auu rt.l . 1111.1gt:1H de ciên.cia
l ~ssa expc1 iê11cia imediata de interações com a matéria revelaria sua rcali-
dack 1'd1i 111a, e não uma qualidade primária como a dureza. A realidade da
111a1(1 i.1 1nluz sl', en1;10, a tal conjunto de forças e poderes manifestados na
cxpcrillncia ordi11á1 ia.
I~mhora Nl'wton tenha estabelecido uma divisão clara entre qualidades
primárias l' seu111<lá1 ias e mancido uma postura claramente dualista- distin
guindo nutéria de Ím<ja - , algumas de suas ideias parecem ter influenciado o
reducioni~mo dinamisca de filósofos como Pricsdey. Destacamos as seguintes
teses newcomanas:
~~~ ·~~~~-
t
'
Antes de Pricsrk y, encontramos concepções análogas cm trabalhos de Ro-
berc Greene e de J. Mitchel, publicados nas primeiras décadas do século XVIII. "
30
N ewton ainda supunha a cxistê11cia <lt partícul~ sólidas em sua teoria <la macéri:i (ver
lh;ickray, 1981). Ver Heimann e .'\1cGu11c: (1971, pp. 241-2).
3
P•tra l tlll•l disc.ussão especifica1T1enre ck•s proh1 •nas episcernológicos colo~ados pela cradi\ ãu
..
;
d 1 ,1am i~ta britânica, ver Harré (1980). .. -
1:.0 lmag~ns <l~ natur~tJ , 1m.ig.:n< de ciência
[ ... ] visão da nacureza da matéria que considera seus átomos últimos como
ct.ncros de força, e não como tantos pequenos corpos envolvidos por forças,
º' corpos sendo considerarlos, em abstrato, independentes das forças e ca-
paLcS de existir sem elas. Nesca úlcima concepção, ~ pequenas partículas
têm uma forma definida e cerro tamanho limitado; na primeira concepção,
c~te 11 10 é o c:c.o, pois aquilo que representa o tamanho pode ser considerado
csrendt>ndo-se a qualquer distância aonde cheguem as linhas de força ela par-
tícul,\; a partícula é, na \'erdade, suposta existir somente através dc.ssas forças,
e onde elas estão, ela est;\. Considerar a matéria nessa perspecciva conduúu-
-rnc, gradualmente, a ver as linhas de força como calvez a sede das vibrações
dos fenômenos radiantes (1839- 1855b, p. 447).
I! Ver ..:apículo 7.
31 1 l.í uma grande polêmica <.m torno da imporcância das ideias de Boscovich neste contexto.
forJday e Pricsdey citam Boscovich como cendo defendido ideias análogas às suas. Will iams
- à frcnre de outros historiadores - apoia-se nessa evidência para defender a ascendência bos·
covichiana das lanhas de força de hmday (ver, e. g .. Williams, 1966). Boscovich desenvolve
uma rcoriJ da m;ttt'ria que tenca um compromi:>So encre os princípios da mccafísict leibni11iana
(como a lei de continuidade) e os princípios da imagem newtoniana ck n:nurc:1.1.. Iloscovich
concehcu todo corpo como constituído por centros de força punciforrne.s. Tais cen1ros seriam
não extensos. meros pontos geométricos, porém indivisíveis e dotados de inérd:t. Uma única
lei de força s~rL1 re~ponsávd por rodos os fenômenos narnrais, indo da coeúo à acrai,:lo gra
vitacional. Hcimann, cm sua crítica a Williams, ressalta que a redução da rn.itéria a forç<is, nJ
teoria da m:m:ria de Farad.Ly, pouco teria a ver com a reoria de Boscovich, cm que os centros
d1.: força constiwem a matéria, j:í que possuem propriedades como a indivisibili<lade, ;1 info.i,1
\
- ~
~a impenerrabilidade (ver Ht:imann, 1971 a). Isso nfo impede que Bo~covich seja considerado
um dos principai> rcpresem::mtes do chamado ··dinamirn10... Jammer também o inclui ne~sa
tradiç.'io (1957, capírulo 9).
' É interessame registrar que Bréhier, au1or de drios 1r,1balhos hoje clássicos sobre os estoicos,
pt:rccbc analogias entre a reoria cs1oica do i.:on1ato enrrc: doi~ rnrpos que supõe uma imerpc-
netraç:io entre eles - e os "áromos de Far:iday" como centro de forças permeando todo o r,paço
(m Bréhier, J962. pp. 40-4).
»Ver McGuirc (1974, pp. 121-2).