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O Céu está caindo

J.R.P.LIMA

— O céu está caindo! — Ele gritou, enquanto puxava uma corda amarrada em meu pescoço.
Já faz muito tempo, vi a lua três vezes desde então. Lembro-me que perambulavamos
em busca de tesouros. Mas a estrada estava cheia de marcas, e o ar densamente impregnado,
era maravilhosamente atraente. Porém, antes mesmo que eu pudesse correr, e levá-lo comigo
no encalço dos odores rodopiantes, Ele disparou, arrastando-me rua abaixo.
Por ser perspicaz, não tardei em compreender a real natureza da situação. Estanquei
em meio a divertida e alucinada corrida sem sentido. Era preciso ir para um local seguro,
óbvio. Mas aquele abrigo que surgiu, era quente e seco. Ainda por cima, haviam diversos
cheiros que me puxavam para lá, fisgado pelo nariz como o peixe que se via preso ao anzol.
O barulho dos tesouros caindo ao chão me fez sair do transe olfativo. Então, o vi
desesperado enquanto catava todos os objetos que rolavam sobre os paralelepípedos. Eu,
como bom garoto que sou, apressei-me em ajudar. Assim, logo aquelas preciosidades
estavam de volta ao sacolão que Ele carregava para cima e para baixo.
Entenda, não era ganância de nossa parte. Perder nossos tesouros era como aceitar
a barriga vazia e o roncar de nossos estômagos. Eu odiava a canção da fome e, se tudo desse
certo, não a ouviria nos dias vindouros. Na realidade, eu odiava a fome por inteira, odiava
como me sentia e como Ele ficava na presença dela.
Tentei levá-lo ao abrigo quente e repleto de odores suculentos. Porém, os sujeitos
que ali estavam, nos enxotaram para fora. Era quase sempre assim, nos olhavam como nós
olhávamos para os ratos que tentavam abocanhar nossa comida. Era lamentável, fiquei triste e
confuso com a situação, será que só Ele percebia que o céu estava caindo? Seriam os outros
tolos demais para notar? Bem, eu não sei. De toda forma, corremos.
Antigamente tudo era mais fácil, eu tinha um lugar quentinho para onde voltar e
Ela me dava tudo o que eu precisava. Cuidados, proteção e alimentação. Ela era o meu
mundo. Agora eu tenho a Ele, temos um ao outro. E corríamos, a cada poça d'água, a cada
pedaço do céu que nos encharcou, eu senti a vida colorir e me senti feliz por estar com Ele.
Isso tudo já faz algum tempo, e Ele não acordou hoje. A verdade é que depois
daquela noite não saímos muito, ouvi um ronco no peito dele. E fico triste em dizer que a
fome fez morada em mim novamente. Mas eu o coloco em primeiro lugar. Por tanto, trouxe
algo para ele comer e tentei fazê-lo sair dos cobertores, mas meu amigo recusou a minha
ajuda, pareceu nem me ouvir. Agora eu estou aqui, esperando Ele acordar.
FIM

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