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ºano
Cantinho da Leitura
História de um papagaio
(…)
EMIGRANTE [apregoando]
Quem quer comprar um papagaio? Quem quer? Tenho aqui um papagaio
fenomenal, o mais inteligente de todos os papagaios. Três mil euros por um papagaio!
Só três mil euros e leva um papagaio que fala como nenhum outro. Quem quer? Quem
quer comprar?
[O Emigrante passa por um grupo de homens que o olham intrigados. Destaca-se um Grande
Lavrador, com ar arrogante. Trocista e armado em espertalhão, o Lavrador dirige-se ao Emigrante.]
LAVRADOR
Mostra-me lá a tua mercadoria, homenzinho.
EMIGRANTE
Este papagaio vale uma fortuna, senhor, mas eu estou disposto a vendê-lo
apenas por três mil euros.
LAVRADOR [risonho]
Três mil euros por um papagaio é um descaramento. [Voltando-se para o papagaio:]
Ó louro, tu vales três mil euros?
VOZ DO PAPAGAIO
Não há dúvida! Não há dúvida!
CORO
E foi assim que o Lavrador comprou o papagaio.
[Ação sem palavras do Lavrador a comprar o papagaio e do Emigrante a ir-se embora, todo
contente.]
CORO
Mas o papagaio em casa do Lavrador nunca mais voltou a falar.
LAVRADOR
Não vales um pataco e nem sequer para a panela serves, porcaria de bicho!
[Silêncio.]
LAVRADOR
Fala! Diz qualquer coisa, nem que seja uma parvoíce!
[Silêncio.]
LAVRADOR
Tempo perdido. Dinheiro perdido! Ah, que burro, que burro que eu fui em ter
gasto o que gastei, por causa de um papagaio. Que burro que eu fui! Que burro!
VOZ DO PAPAGAIO
Não há dúvida! Não há dúvida!
[O Apresentador agarra no pau onde está o papagaio e foge com ele, enquanto o Lavrador corre
atrás, ameaçando o papagaio. Correm pela sala e desaparecem.]
FIM
TORRADO, António – "História de um papagaio" in Teatro às Três Pancadas. Alfragide: Editorial Caminho, 2010
[fragmento].
D. TERESA
Não rio que fico mal.
[O fotógrafo Alípio desespera-se. Vai aos bastidores e traz uma máscara prazenteira de palhaço.
Faz umas momices diante de D. Teresa, enquanto recita:]
ALÍPIO
Dona Teresa Baronesa,
um retrato sem a lindeza
dum risinho tal e qual,
de certeza, Dona Teresa,
que até parece avareza…
D. TERESA
Não rio que fico mal.
[O fotógrafo Alípio deita fora a máscara e ajoelha diante de D. Teresa, enquanto recita,
acompanhado por gestos burlescos:]
ALÍPIO
Dona Teresa, por fineza,
um risinho menos mal…
[D. Teresa, chocada, rejeita-o e levanta-se. Perseguida pelo fotógrafo, que não para de recitar, D.
Teresa vai experimentando as várias cadeiras, num jogo constante de sentar-se e levantar-se.]
ALÍPIO
Nessa cadeira e tão tesa.
nessa frieza real,
qual travessa de ir à mesa,
pão com açorda sem sal,
nessa cara de aspereza
como janela em taipal,
D. TERESA
Não rio que fico mal.
[Nesta ocasião, D. Teresa senta-se na cadeira proibida, que se desmancha. D. Teresa estatela-se,
espetacularmente. Perde a compostura. Alípio não consegue conter uma gargalhada. Ajudada por Alípio,
D. Teresa levanta-se e recompõe-se. Contagiada pelo riso de Alípio, começa a operar-se uma mutação no
(…)
TORRADO, António – "Olha o passarinho" in Teatro às Três Pancadas. Alfragide: Editorial Caminho, 2010 [fragmento].