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4.

ºano
Cantinho da Leitura
História de um papagaio
(…)

EMIGRANTE [apregoando]
Quem quer comprar um papagaio? Quem quer? Tenho aqui um papagaio
fenomenal, o mais inteligente de todos os papagaios. Três mil euros por um papagaio!
Só três mil euros e leva um papagaio que fala como nenhum outro. Quem quer? Quem
quer comprar?

[O Emigrante passa por um grupo de homens que o olham intrigados. Destaca-se um Grande
Lavrador, com ar arrogante. Trocista e armado em espertalhão, o Lavrador dirige-se ao Emigrante.]

LAVRADOR
Mostra-me lá a tua mercadoria, homenzinho.

[O Emigrante mostra o papagaio que o lavrador mira, afetando indiferença.]

EMIGRANTE
Este papagaio vale uma fortuna, senhor, mas eu estou disposto a vendê-lo
apenas por três mil euros.

LAVRADOR [risonho]
Três mil euros por um papagaio é um descaramento. [Voltando-se para o papagaio:]
Ó louro, tu vales três mil euros?

VOZ DO PAPAGAIO
Não há dúvida! Não há dúvida!

[Espanto do Lavrador e dos restantes feirantes.]

CORO
E foi assim que o Lavrador comprou o papagaio.

[Ação sem palavras do Lavrador a comprar o papagaio e do Emigrante a ir-se embora, todo
contente.]

CORO
Mas o papagaio em casa do Lavrador nunca mais voltou a falar.

[O Apresentador que já apagou do quadro alguns apontamentos da feira, desenha alguns


apontamentos da casa do Lavrador ou passa a outra folha. Vê-se o Lavrador, impaciente, dando voltas à
roda do papagaio.]

LAVRADOR [ameaçando o papagaio]


Falas ou não falas, idiota?

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4.ºano
[Silêncio.]

LAVRADOR
Não vales um pataco e nem sequer para a panela serves, porcaria de bicho!

[Silêncio.]

LAVRADOR
Fala! Diz qualquer coisa, nem que seja uma parvoíce!

[Silêncio.]

LAVRADOR
Tempo perdido. Dinheiro perdido! Ah, que burro, que burro que eu fui em ter
gasto o que gastei, por causa de um papagaio. Que burro que eu fui! Que burro!

VOZ DO PAPAGAIO
Não há dúvida! Não há dúvida!

CORO [fazendo eco]


Não há dúvida! Não há dúvida!

[O Apresentador agarra no pau onde está o papagaio e foge com ele, enquanto o Lavrador corre
atrás, ameaçando o papagaio. Correm pela sala e desaparecem.]

FIM

TORRADO, António – "História de um papagaio" in Teatro às Três Pancadas. Alfragide: Editorial Caminho, 2010
[fragmento].

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4.ºano
Olha o passarinho
(…)

D. TERESA
Não rio que fico mal.

[O fotógrafo Alípio desespera-se. Vai aos bastidores e traz uma máscara prazenteira de palhaço.
Faz umas momices diante de D. Teresa, enquanto recita:]

ALÍPIO
Dona Teresa Baronesa,
um retrato sem a lindeza
dum risinho tal e qual,
de certeza, Dona Teresa,
que até parece avareza…

D. TERESA
Não rio que fico mal.

[O fotógrafo Alípio deita fora a máscara e ajoelha diante de D. Teresa, enquanto recita,
acompanhado por gestos burlescos:]

ALÍPIO
Dona Teresa, por fineza,
um risinho menos mal…

[D. Teresa, chocada, rejeita-o e levanta-se. Perseguida pelo fotógrafo, que não para de recitar, D.
Teresa vai experimentando as várias cadeiras, num jogo constante de sentar-se e levantar-se.]

ALÍPIO
Nessa cadeira e tão tesa.
nessa frieza real,
qual travessa de ir à mesa,
pão com açorda sem sal,
nessa cara de aspereza
como janela em taipal,

nessa viseira e tristeza,


nessa tristeza geral
mais parece, com franqueza,
a fachada, sem bandeira
domingueira,
da Câmara Municipal.

D. TERESA
Não rio que fico mal.

[Nesta ocasião, D. Teresa senta-se na cadeira proibida, que se desmancha. D. Teresa estatela-se,
espetacularmente. Perde a compostura. Alípio não consegue conter uma gargalhada. Ajudada por Alípio,
D. Teresa levanta-se e recompõe-se. Contagiada pelo riso de Alípio, começa a operar-se uma mutação no

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rosto de D. Teresa. Primeiro, um risinho opresso, a que se segue um riso soluçado, de quem não está
habituado a rir-se… Finalmente, solta-se-lhe o riso pleno. Logo o risonho fotógrafo aproveita o facto para
cativar em retrato o riso de D. Teresa.]

(…)

TORRADO, António – "Olha o passarinho" in Teatro às Três Pancadas. Alfragide: Editorial Caminho, 2010 [fragmento].

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