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O SER HUMANO, ESSE DESCONHECIDO

"Quando os pais interferem ou tentam influenciar a livre expressão de seus filhos,


suas diretivas são interpretadas diferentemente pelos pais, pelos observadores e pela
própria criança. "

Eric Berne

A personalidade humana

O ser humano é uma criatura de mil facetas, intrigante, versátil, criativa. Seu comportamento é
variado, suas reações únicas e muitas vezes surpreendentes. Seu potencial de aprendizagem e sua'
capacidade de ajustamento têm desafiado qualquer tentativa de mensuração.
A Análise Transacional, criada pelo psiquiatra canadense Eric Berne, propõe-se a compreender o
comportamento das pessoas, sua variabilidade e complexidade, ao abordar a personalidade humana
como um sistema biopsicossocial aberto e dinâmico, constituído por três subsistemas genericamente
denominados de estados de ego (Figura 1).

Figura 3. Diagrama estrutural da personalidade

Como afirma Eric Berne "o interesse básico da Análise Transacional é o estudo dos estados
de ego, que são sistemas coerentes de pensamentos e sentimentos manifestados por padrões de
comportamento correspondentes".
Segundo Berne, "um estado de ego pode ser descrito fenomenologicamente como um sistema
coerente de sentimentos relacionados a uma determinada questão, operacionalmente como um conjunto
de padrões de comportamento coerentes, e pragmaticamente como um sistema de sentimentos que
motivam um conjunto de padrões de comportamento afins”. Stewart e Joines lembram com muita
propriedade que estado de ego é um conceito utilizado para descrever determinados fenômenos, isto
é, um conjunto de sentimentos, pensamentos e comportamentos que não possuem existência própria à
parte da personalidade das pessoas. Entretanto, versões simplistas da Análise Transacional tendem a
utilizar inadequadamente esse conceito, ao atribuir a essa metáfora uma espécie de existência material
própria, ou seja, retificando-a.

Subsistemas da personalidade: os estados de ego

De acordo com a teoria da Análise Transacional, podemos distinguir três aspectos da


personalidade humana denominados órgãos psíquicos que se manifestam fenomenologicamente como
estados de ego exteropsíquico, neopsíquico e arqueopsíquico, Coloquialmente esses estados de ego são
conhecidos como Pai, Adulto e Criança. (Por se tratar de termos aos quais Berne atribuiu um sentido
diferente do convencional, são grafados em letras maiúsculas).
O conceito de estados de ego constitui o alicerce da Análise Transacional, abrangendo toda a
variedade de formas de pensar, agir e sentir dos seres humanos.
Berne, desde os primórdios da Análise Transacional, utilizou-se de uma metáfora visual para
representar graficamente os estados de ego, com o intuito de facilitar a transmissão de suas ideias
(Figura 2).

Figura 2. Órgão Psíquico (a) e estados de ego (b)

Os estados de ego podem ser analisados em termos de:


 Estrutura: refere-se ao "o quê" ou "conteúdo" do estado de ego e é representado através dos
diagramas estruturais de primeira, segunda ou terceira ordem.
 Função: refere-se ao "como" ou processo e é representado através do diagrama funcional.

Estado de Ego Pai (P)

"O estado de ego Pai é um conjunto de sentimentos, atitudes e padrões de comportamento


que se assemelham àqueles de uma figura parental”.
Do ponto de vista estrutural, o estado de ego Pai é um conceito de vida aprendido, isto é, um
conjunto de comportamentos, pensamentos e sentimentos copiados de fontes exteriores (daí o termo
exteropsique), principalmente dos progenitores, familiares e outras figuras parentais que, de alguma
forma, representaram modelos e figuras de autoridade ou tiveram um papel significativo, principalmente
nos primeiros anos de vida. Esse conjunto é gravado da forma como foi observado, interpretado e
registrado pelos indivíduos. Abrange os valores, as tradições, a moral a ética, os costumes,
julgamentos, preconceitos, aspectos esses que se perpetuam, através dos padrões culturais transmitidos
de geração em geração. (Figura 3).
Figura 3. Diagrama estrutural de primeira ordem (a) e funcional (b) do estado de ego PAI

Do ponto de vista funcional, podemos distinguir dois aspectos, a um tempo distintos e


complementares, do estado de ego Pai:

Pai Crítico ou Controlador (PC)

É deste aspecto da personalidade que emanam os julgamentos, críticas, preconceitos, acusações,


controles, ordens, imposições, censuras, exigências, limites, punições.

Pai Protetor ou Nutritivo (PP)

É desse aspecto da personalidade que se originam as manifestações de apoio, estímulo,


proteção, orientação, ajuda, o dar segurança, permissão, conforto, a preocupação com o bem-estar do
outro.

Exemplos de frases parentais:

 Isto está completamente errado! (PC)


 Não desanime, na próxima vez fará melhor! (PP)
 Não se pode mais confiar nas pessoas. (PC)
 A culpa é sua, nunca faz nada direito! (PC)
 Na minha opinião, você agiu mal. (PC)
 Eu confio na sua capacidade de realizar esse trabalho. (PP)
 Não dirija o carro após tomar bebidas alcoólicas. (PP)
 Atenção que o chão está escorregadio. (PP)

Comportamentos observáveis característicos do estado de ego Pai (P)

ÁREAS PAI CRíTICO (PC) PAI PROTETOR (PP)


POSTURA Ativo, queixo alto, mantém Ereto, acolhedora, receptivo
distância

GESTOS Braços cruzados, dedo em Mão sobre os ombros,


riste, punho cerrado braços abertos

Cenho franzido, severo Bondoso, receptivo


EXPRESSÃO
FACIAL Crítico, reprovadora Amigávell, tranquilo

TOM DE VOZ Autoritário, cortante Terno, suave, acolhedor

Certo/errado, bom/mau Não se preocupe, eu


compreendo, eu te ajudo,
PALAVRAS Bonito, feio, preciso eu faço por você
Deve, preciso, tem que
Quadro 1. Comportamentos observáveis característicos do Estado de Ego Pai (P)

Estado de Ego Adulto (A)


O estado de ego Adulto caracteriza-se por um conjunto autônomo de sentimentos, atitudes e
padrões de comportamento que são adequados à realidade. Segundo Berne, observa-se que o Adulto é
organizado, adaptável, inteligente e é vivenciado como uma relação objetiva com o meio ambiente
externo, baseado numa testagem autônoma da realidade.
Do ponto de vista estrutural, o estado de ego Adulto (A) pode ser considerado como um
conceito de vida raciocinado. E um repositório de informações fatuais, do pensamento lógico e analítico e
da constatação do aqui e agora.
Do ponto de vista funcional, manifesta-se através da capacidade de coletar dados e
informações da realidade interna (subjetiva) e externa (objetiva) de forma neutra, processá-los, tirar
conclusões. Como afirma Berne, "estados de ego Adulto dizem respeito à coleta e processamento
autônomo de dados e o estimar probabilidades como base para a ação".

Exemplos de frases provenientes do estado de ego Adulto (A):


 São oito horas da noite.
 A reunião está marcada para as 16:00 horas de amanhã.
 Neste momento a temperatura da sala é de 23 graus centígrados.
 Que dia é hoje?
 Qual o preço desta gravata?
 Retirei estes dados da revista "X".

Comportamentos observáveis característicos do estado de ego Adulto (A)


ÁREAS ADULTO (A)

POSTURA Descontraída, flexível

GESTOS Explicativos, adequados ao que a pessoa faz ou diz

EXPRESSÃO FACIAL Alerta, tranquila

TOM DE VOZ Firme, calmo, compassado

PALAVRAS O quê, como, quando, por quê observo, concluo, penso

Quadro 2. Comportamentos observáveis característicos do estado de ego Adulto (A)

Estado de Ego Criança (C)

O estado de ego Criança é um conceito sentido de vida. É o aspecto gratificante,


espontâneo e autêntico da personalidade humana. É constituído por "um conjunto de sentimentos,
atitudes e padrões de comportamento que são relíquias da infância do próprio indivíduo".
Do ponto de vista estrutural, o estado de ego Criança constitui o "mundo íntimo de
sensações, experiências e adaptações onde residem os sentimentos, atitudes e padrões de comportamento
que são relíquias da infância do indivíduo".
Do ponto de vista funcional, o estado de ego Criança expressa-se através de comportamentos
semelhantes aos da infância, formas arcaicas de relacionamento e comunicação, e manifestações
autênticas e espontâneas de sentimentos e necessidades.
Figura 4. Diagrama estrutural de primeira ordem e diagrama funciona!

Criança Livre (CL)

É a faceta do estado de ego Criança que não foi alterada pelo processo educativo ao qual é
submetido o ser humano, desde o seu nascimento perdurando por toda a vida. Constitui, também, a parte
mais gratificante da personalidade, fonte das emoções autênticas, da criatividade, da curiosidade,
espontaneidade, autenticidade. Comportamentos afetivos, impulsivos, autoindulgentes e egocêntricos.
Também caracterizam a expressão desta parte da personalidade humana. James e Jongeward denominam-
na Criança Natural.

Pequeno Professor (Peq. Prof)

Também conhecido como o Adulto da Criança do ponto de vista estrutural (análise


estrutural de segunda ordem), é considerado por James e Jongeward como pertencendo à análise
funcional do estado de ego Criança. Expressa-se através da intuição, da curiosidade e da criatividade, da
capacidade de manipulação, características das crianças. A consciência intuitiva, o saber sem saber por
que e como sabe, a capacidade de colher dados da realidade através das sensações OU de indicadores
sutis da linguagem não verbal das pessoas são capacidades que podem continuar ativas durante toda a
vida se forem aceitas e estimuladas durante a infância. Nossa sociedade, entretanto, tende a valorizar a
racionalidade e só muito recentemente está compreendendo a importância de outras alternativas de
leitura do mundo, como é o caso da intuição. É a utilização desta que permite, por exemplo, inferir o todo
de uma situação com apenas uma parte dos dados, uma capacidade fundamental na Era do
Conhecimento na qual a abundância de dados tende, paradoxalmente, a inviabilizar o acesso a todas as
fontes disponíveis sobre um determinado assunto.

Criança Adaptada (CA)

A Criança Adaptada é fruto das pressões sociais que agem sobre a criança através das figuras
parentais externas ou introjetadas no sentido de moldar o seu comportamento.
Ao nascer, o bebê encontra à sua volta padrões de comportamento estabelecidos, aos quais
precisará ajustar-se de alguma forma. Esses padrões traduzem as expectativas parentais que poderão
provocar censuras e castigos, se forem contrariadas. A criança, pelo fato de
necessitar aprovação, tenderá a fazer tudo para consegui-la, adaptando suas formas de sentir, pensar e
agir, a fim de atender àquilo que ela entende serem as expectativas das figuras parentais.
A Criança Adaptada manifesta-se de duas maneiras:
 Criança Adaptada Submissa (CAS)
Caracteriza-se por comportamentos de cumprimento dos padrões e expectativas parentais gerais
e/ou específicas, ou seja, cumprindo ordens, obedecendo regras, procurando agradar.
 Criança Adaptada Rebelde (CAR)
Caracteriza-se por uma forma de adaptação inversa, isto é, por comportamentos que
contrariam os padrões e expectativas parentais gerais e/ou específicos, expressa através de
comportamentos de oposição, rebeldia, procrastinação.
Exemplos de frases características do estado de ego Criança:
 Adoro sorvete de chocolate! (CL)
 Não vou porque o chefe não me deixa sair mais cedo. (CAS)
 Telefono a hora que bem entender. (CAR)
 Vou pedir quando o chefe estiver de bom humor. (Peq. Prof.)
 Se você precisar, eu fico até mais tarde para terminar o trabalho.
 (CAS)
 Este cheirinho de pizza está me deixando com uma fome! (CL)
 Não fico depois do expediente nem morto. (CAR)
 Não sei bem o que é, mas tenho a sensação de que aconteceu alguma coisa errada aqui.
(Peq.Prof.)

Comportamentos observáveis característicos do estado de ego Criança (C)


Áreas CL peq.Prof. CAS CAR

Flexível. Estática, Tensa, Arrogante,


POSTURA movimentada cabeça encolhida, desafiadora,
mutante ligeiramente cabisbaixa provocante
inclinada

Expansivos. Cuidadosos, Contidos. Bruscos.

GESTOS rápidos, intencionais tímidos. desafiadores


descontraídos exploradores desajeitados inesperados

Curiosa, Observadora, Ansiosa. De desafio,


EXPRESSÃO indagadora. desconfiada, insegura, irônica,
FACIAL excitada. cautelosa procurando de desprezo
de expectativa, aprovação/
impaciente aceitação
TOM Agudo. Baixo. suave. Baixo. pouco Cortante,
DE VOZ barulhento, envolvente expressivo agudo
vibrante
PALAVRAS Oba.quero. Se eu fizer. Sim, está bem. Não, discordo.
TÍPICAS não quero. você"" faço. vou. como faça/Vá você.
agora. já Quando você.... achar melhor. como/quando
Será que""". você que sabe eu quiser.
OLHAR Expressivo Cativante Inexpressivo Ressentido.
desafiador
Quadro 3. Comportamentos observáveis característicos do estado de ego Criança (C)

Circuitos positivo e negativo dos estados de Ego


Todos os estados de ego são parte integrante da personalidade humana, todos são necessários e
importantes, porém, a forma como são utilizados pelas pessoas poderá ter efeitos construtivos ou
destrutivos para ela e para os relacionamentos que estabelece.
Ao distinguirem-se os dois circuitos, positivo e negativo, ou OK e NÃO OK, é possível
diferenciar os comportamentos característicos exteriorizados de cada um deles.
Do ponto de vista funcional, podemos distinguir duas facetas na utilização dos estados de ego
Pai e Criança: positiva e negativa. O Adulto atua apenas no circuito positivo, estando excluído no
negativo, uma vez que neste o contato com a realidade interna e externa no aqui e agora encontra-se
bloqueado ou prejudicado .. Esse fenômeno será focalizado quando forem abordadas as irregularidades
dos estados de ego.

Figura 5. Diagrama funcional dos estados de ego por circuito [Positivo (+) e Negativo (-)

No circuito negativo os estados de ego Pai e Criança mantêm intercâmbios diretos, não sendo
processados pelo estado de ego Adulto. A consequência disso é que esses intercâmbios se realizam em
nível do não consciente, privando o indivíduo de utilizar-se de dados de sua realidade interna. No
circuito positivo tais intercâmbios são realizados através do estado de ego Adulto, proporcionando
consciência plena dos dados da realidade interna e externa.
Convém ressaltar que as descrições específicas de cada estado de ego apresentadas na Figura 7
não têm a intenção de denotar quaisquer juízos de valor, nem implicam em julgamentos de
qualquer espécie. Distinguem, apenas, o elenco de características e as possíveis consequências da
utilização dos estados de ego Pai e Criança em cada um dos dois circuitos, bem como da ativação ou
desativação do estado de ego Adulto.

Diálogo interno e dinâmica do intrarrelacionamento


Como afirma Berne, "Criança, Pai e Adulto não são ideias práticas, nem neologismos
interessantes, mas referem-se a fenômenos baseados na realidade" que denotam estados da mente,
percepções e reações comportamentais correspondentes.
Cada estado de ego constitui um subsistema do sistema personalidade e cada subsistema tem a
capacidade de interagir com os outros. Essa interação é conhecida como diálogo interno e o seu fluxo
se altera de acordo com o circuito positivo ou negativo (Figura 6).

Figura 6. Diálogo interno ou dinâmica do intra- relacionamento

No circuito negativo, os diálogos processam-se diretamente entre estados de ego Pai e Criança,
sem o envolvimento do estado de ego Adulto que se encontra desenergizado. Nesse caso as ações e
reações são determinadas apenas pelos estados de ego Pai e Criança.
No circuito positivo, caracterizado pela energização do estado de ego Adulto, as ações e reações
são determinadas pelo processamento de dados provenientes dos estados de ego Pai e Criança, da
observação da realidade externa e do consenso atingido entre os valores e julgamentos do estado de
ego Pai, as necessidades da Criança e o senso de realidade do estado de ego Adulto, envolvendo o
sistema personalidade como um todo harmônico e integrado.
Figura 7: Resultantes comportamentais do circuito positivo

Irregularidades dos estados de ego


Quando o sistema personalidade se encontra integrado, seus subsistemas, os estados de ego,
encontram-se claramente delineados, com limites definidos, porém com suficiente flexibilidade para
permitir a circulação fluente da energia psíquica necessária para o acionamento de qualquer um dos
estados de ego, garantindo assim sua ativação e prontidão.
Essa condição, entretanto, nem sempre ocorre em virtude de irregularidades estruturais ou
funcionais.

Figura 8. Resultantes comportamentais do circuito negativo

Berne distingue dois tipos de irregularidades estruturais ligadas a alterações da estrutura


psíquica:

Exclusão
É uma irregularidade que corresponde ao acúmulo de energia psíquica em um ou dois estados de
ego em detrimento do(s) outro(s), levando o(s) estado(s) de ego ativo(s) a predominar no comportamento
do indivíduo. Segundo Berne, "a exclusão manifesta-se por uma atitude estereotipada e previsível que é
mantida com uma certa Constância, por um tempo tão longo quanto possível diante de qualquer situação
ameaçadora."

Distinguem-se dois tipos de exclusão:

1. Exclusão de um único estado de ego. Ocasionado pela concentração da energia psíquica nos outros
dois, podendo assumir as seguintes formas:
 Exclusão do estado de ego Criança
Em geral ocorre como uma forma defensiva para desativar a Criança Negativa e garantir o
controle social. É também comum em pessoas que não possuem permissão para usufruir da vida,
usar sua criatividade ou intuição.
 Exclusão do estado de ego Pai
Observado em pessoas amorais, que agem de forma irresponsável, não ética, que têm dificuldade
de estabelecer seus próprios limites. Quando ocorre, os indivíduos apresentam pouca capacidade
de dar apoio e proteção a si mesmos ou aos outros.

 Exclusão do estado de ego Adulto


Quando o indivíduo apresenta exclusão do estado de ego Adulto, seus comportamentos,
sentimentos e pensamentos dos estados de ego Pai e Criança não estão relacionados com o
"aqui e agora".
2. Exclusão de dois estados de ego
Berne denomina este fenômeno de Pai Excludente, Adulto Excludente ou Criança Excludente,
no qual um dos estados de ego concentra uma tal energia psíquica que dificulta/impede a energização dos
outros dois. Utilizam-se também os termos Pai Constante, Adulto Constante e Criança Constante para
caracterizar essa condição.
 Pai Constante ou exclusão dos estados de ego Adulto e Criança
Neste caso predomina no comportamento do indivíduo o estado de ego Pai, tendendo ao
autoritarismo, superproteção, inflexibilidade, criando condições propícias para relações de
dependência, nepotismo, concentração de poder e falta de autonomia. Os comportamentos
tendem a ser estereotipados, repetitivos, impositivos, de resistência às mudanças, orientados por
padrões tradicionais, fora do contexto sociocultural e dos valores vigentes.

Figura 12. Exclusão dos estados de ego A e C

 Adulto Constante ou exclusão dos estados de ego Pai e Criança


Caracteriza indivíduos frios, calculistas, exacerbadamente objetivos, que não se permitem
sentir/demonstrar emoções e sentimentos, empatia, compaixão, proteção, solidariedade. O
Adulto Constante pode ser comparado a um processador de dados que parece não se envolver
com nada.

Figura 13. Exclusão dos estados de ego P e C

 Criança Constante ou exclusão dos estados de ego Pai e Adulto


Segundo James e Jongeward", "o perpétuo garoto ou menina que, como Peter Pan, se recusa a
crescer". Tem dificuldade em assumir a responsabilidade por seus próprios atos e tomar
decisões. Procura o apoio e a proteção de outros, bem como direcionamento (aprovação ou
crítica), atenção e reconhecimento.
Figura 14. Exclusão dos estados de ego P e A

A exclusão se manifesta quando a maioria das reações exteriorizadas provém de um ou dois


estados de ego, ou seja, quando um ou dois subsistemas da personalidade estão desativados
temporariamente As exclusões mais frequentes são as de curta duração. Tendem a ser de caráter
episódico e não uma experiência de vida contínua.

Contaminação

É um fenômeno que decorre da intrusão de aspectos parenta (exteropsique) ou da Criança


(arqueopsique) no estado de ego Adulto, resultando numa diferenciação insuficiente entre eles. Esta
passagem incontrolada de mensagens contamina o estado de ego Adulto, impedindo a tomada de
decisões autônomas.

A contaminação pode ser de três tipos:

1. Contaminação simples do estado de ego Adulto pelo estado de ego Pai


Ocasionada pela aceitação de preconceitos e dados distorcidos/incompletos como se fossem
informações objetivas da realidade. Em geral, as pessoas tendem a aceitar as opiniões das figuras
parentais, como se fossem verdades testadas e comprovadas. Isso é um indicador de contaminação do
estado de ego Adulto pelo estado de ego Pai.
Exemplos: Profissões "apropriadas" para homens e mulheres. Preconceitos de raça, religião
etc.

Figura 15. Contaminação do estado de ego Adulto pelo estado de ego Pai

2. Contaminação simples do estado de ego Adulto pelo estado de ego Criança


Gerada por ilusões ou percepções arcaicas distorcidas que são confundidas com a realidade.
Também neste caso a qualidade dos dados processados pelo estado de ego Adulto comprometem as
decisões e conclusões autônomas.
Exemplos: Pessoas que temem viajar de avião usam casos de acidentes aéreos para comprovar a
veracidade de suas conclusões (errôneas) a respeito do perigo deste meio de transporte.
Figura 16. Contaminação do estado de ego Adulto pelo estado de ego Criança

3. Contaminação dupla do estado de ego Adulto pelos estados de ego Pai e Criança
Ocorre quando o estado de ego Adulto utiliza como fontes de dados os preconceitos do Pai e as
ilusões e fantasias da Criança. Nesse caso, as conclusões e decisões estarão desligadas da realidade,
apesar das tentativas ele racionalização.

Figura 17. Dupla contaminação do Adulto pelos estados de ego Pai e Criança

Tanto a exclusão como a contaminação comprometem a integração harmônica dos três


subsistemas da personalidade, resultando no subaproveitamento do seu potencial de autonomia.
No Quadro 4, apresentamos um exemplo do que tende a acontecer na solução de problemas
quando o estado de ego Adulto se encontra descontaminado, contaminado pelo PC e pela CA. No
primeiro caso, o estado de ego Adulto atua como executivo da personalidade, processando e testando os
dados da realidade interna e externa. No segundo e terceiro casos estamos diante do fenômeno da
contaminação que distorce e compromete o processamento e verificação desses dados, prejudicando a
capacidade de solucionar problemas da pessoa em questão.

Quadro 4. Repercussão da Contaminação no Processo de Resolução de Problemas

Egograma

O Egograma foi criado e desenvolvido por Dusay um dos discípulos diretos de Berne, e parte do
princípio que "quando um estado de ego aumenta em intensidade, outros devem decrescer por causa do
deslocamento da energia psíquica que, no seu total, permanece constante em cada indivíduo".
Dusay define o Egograma como um "gráfico de barras que mostra a relação entre as partes da
personalidade e a quantidade de energia psíquica que emana destas". Trata-se de um histograma não
quantificado que representa visualmente a relação de proporcionalidade da distribuição da energia
psíquica entre os vários estados de ego funcionalmente considerados. Baseia-se na intuição e é
logicamente construído através da cooperação entre o "sentir" e o "pensar" de cada um de nós.

Figura 18. Egograma de um apreciador de esportes radicais

Figura 19. Egograma em forma de sino

O Egograma é um instrumento útil para facilitar a integração das pessoas que fazem parte de
grupos de trabalho, permitindo a cada participante expandir seu autoconhecimento e ter a oportunidade
de receber feedback de seus colegas, comparando a autopercepção com a heteropercepção. Permite,
ainda, compreender porque surgem dificuldades de relacionamento entre determinadas pessoas e que
opções existem para minimizá-las/eliminá-las.
No sentido de tornar essa atividade mais rica e acessível, criamos o egograma quantificado.
Trata-se de um gráfico de barras quantificado que permite comparar as diferenças entre a autopercepção
e a percepção dos companheiros do grupo, bem como o grau de transparência e/ou defensividade
em relação ao comportamento exteriorizado, segundo os conceitos de abertura e fechamento da Janela
de Johari.
Figura 20. Egograma quantificado

Nossa experiência em trabalhos dê integração de equipes tem demonstrado a utilidade do


Egograma quantificado quando os participantes possuem informações suficientes sobre estados de
ego e quando o nível de confiança grupal criado no processo de treinamento já atingiu um grau suficiente
para permitir uma atividade dessa natureza.


Estados de ego e cultura organizacional

Embora o conceito de estados de Ego tenha sido concebido como um quadro de referência
teórico para compreender a estrutura e o funcionamento da personalidade humana, é possível utilizá-lo
para compreender a cultura organizacional em geral, e a das empresas produtoras de bens e serviços
em particular.
Da mesma forma como os indivíduos utilizam preferencialmente determinados estados de ego,
também as empresas desenvolvem um modus operandi ou cultura específica, que se traduz em normas
formais e informais, padrões e expectativas explícitos ou implícitos que irão demandar dos que nela
atuam o uso de determinados estados de ego. Em geral, são os iniciadores (proprietários,
fundadores, administradores etc.) da empresa que estabelecem os traços básicos da cultura
organizacional, como normas, regras e procedimentos, crenças e valores que regem a vida das
pessoas enquanto membros de uma empresa, distribuição de autoridade e responsabilidade, formas
de controle, estrutura hierárquica, estilos de relacionamento entre níveis, funções e áreas, estilo de
liderança, critérios de admissão e demissão etc.
Uma organização na qual predomina o PC tende a ser autocrática, com o poder de decisão
centralizado na cúpula, a comunicação predominante é de cima para baixo do ponto de vista
hierárquico, há pouca receptividade para feedback, os controles tendem a ser rígidos, há resistência às
mudanças, pouca flexibilidade e dificuldade de ajustamento às instabilidades, baixa capacidade de
resolver problemas e gerar alternativas.
Empresas com esse perfil tendem a atrair indivíduos autoritários para as posições de mando, e
pessoas submissas e conformadas para os níveis hierárquicos inferiores. Essas características são
encontradas em empresas familiares, como também em empresas tradicionais, que detêm o monopólio
de certos produtos ou serviços ou são avessas aos
processos de modernização. Em economias competitivas, essas empresas tendem a desaparecer
em função da lentidão de respostas às novas demandas do mercado.
Organizações que privilegiam a técnica, a racionalidade, a objetividade, a impessoal idade,
considerando as pessoas como meros componentes de uma máquina produtiva, tendem a enfatizar o
A. O relacionamento informal é limitado, haverá pouco calor humano e o turnover tenderá a ser
elevado em virtude de um clima de distanciamento, de baixa identificação com o grupo e com os
objetivos da organização.
As organizações nas quais predomina o estado de ego C caracterizam-se ou por sua
criatividade e dinamismo excessivos que poderão ameaçar a sua estabilidade, no caso da CL, ou
pela inadequação, imobilismo ou receio de correr riscos, no caso da CA. No primeiro caso, citamos
empresas de vanguarda que apresentam sucesso rápido, mas desaparecem logo do mercado por
seu comportamento imediatista e inconsequente. No segundo caso, temos as grandes
corporações internacionais excessivamente presas às diretrizes da matriz e que acabam por
perder a noção das características específicas dos mercados nacionais onde atuam.
O conceito de estados de Ego, quando utilizado na análise da cultura de uma determinada
organização, possibilita não só o diagnóstico preliminar das necessidades de mudança, como
também a seleção das estratégias mais apropriadas para implementá-la. A cultura da empresa
constitui um dos fatores que impedem ou facilitam a mudança, uma vez que, ao modelar o
desenvolvimento de normas, regras, procedimentos, crenças, tradições e expectativas, atua sobre
o comportamento das pessoas no ambiente de trabalho, fazendo-o tanto no nível consciente, quanto
Aplicação Prática:
no inconsciente.
Pense em uma empresa com a qual tenha alguma familiaridade.

Considerando as características dessa empresa. responda às seguintes questões:


Qual é. na sua percepção. o estado de Ego predominante dessa empresa?
Em que dados baseia essa afirmação? (pense na forma de atuar da empresa como um todo: Como
se comportam as pessoas. como se vestem. como é o clima da empresa. quem é considerado bom
funcionário. qual é o ritmo de trabalho vigente. as pessoas são elogiadas ou não. há confiança. há
cooperação ou competição etc.)
Quais as principais fraquezas dessa empresa?
Qual o estado de ego predominantemente utilizado pelas pessoas dessa empresa?
Quais as principais forças dessa empresa?

Convém lembrar que embora um estado de Ego possa predominar numa empresa, isto não
significa que os outros não estejam sendo utilizados. Use o egograma para ter uma ideia da
proporção em que os estados de Ego atuam na empresa em questão.

Como reconhecer os estados de ego?


Berne distinguiu quatro formas de reconhecer os estados de Ego no processo de
intrarrelacionamento (diálogos internos) e inter-relacionamento (relacionamento com os outros).

Diagnóstico Comportamental

Este se dá através da observação do comportamento exteriorizado consciente ou


inconscientemente pelas pessoas em termos de palavras, gestos, tom de voz, postura, olhar e expressão
facial, ou seja, através da linguagem verbal e não verbal e das coerências/incoerências entre essas duas
formas de expressão.
A importância da linguagem corporal foi abordada por muitos autores, principalmente nas
décadas de 60 e 70, dentre eles Alexander Lowen e Mehrabian , cujos estudos demonstram que a
expressão facial (incluindo o olhar) e a postura física transmitem 55% do conteúdo da mensagem,
enquanto voz e inflexão contribuem com outros 38%. E os 7% restantes são transmitidos pela linguagem
verbal.
Berne ressaltou que embora a incidência de vários indicadores característicos de um
determinado estado de Ego sinalize, com alta probabilidade de acerto, a atuação desse estado de Ego,
convém checar este diagnóstico preliminar com outras formas de reconhecê-lo.

Diagnóstico Social

Baseia-se na observação de como nossos interlocutores respondem aos estímulos que enviamos.
Assim, se uma pessoa utiliza predominantemente o estado de Ego Pai (ver capítulo Relacionamento
interpessoal), haverá elevada probabilidade de as respostas se originarem na CA de seus interlocutores.
Nas empresas com estruturas organizacionais rígidas e hierarquizadas e com cultura
marcadamente parental e controladora, esse é um fenômeno comum. As chefias tendem a ser autocráticas
e centralizadoras, e os subordinados, para manter seus postos de trabalho, tendem a submeter-se a essas
condições. Gerentes e supervisores, cujos subordinados assumem uma postura de passividade, limitando-
se a cumprir ordens, ou sabotá-las por "debaixo do pano", que resistem a assumir responsabilidade,
estarão provavelmente atuando a partir do PC, e, sem se darem conta disso acabam prejudicando a
qualidade e a quantidade dos resultados alcançados por sua equipe, além de tolher o crescimento pessoal
e profissional das pessoas que dela fazem parte.
Um lembrete importante: a equipe reflete a ação de seu coordenador e o estilo de liderança
deste reflete a forma como utiliza seus estados de Ego.

Diagnóstico Histórico

Quando a pessoa pode declarar a figura parental que ofereceu o protótipo de um


determinado comportamento.
Diagnóstico Fenomenológico

Quando o indivíduo pode reexperienciar o momento ou a época histórica na qual assimilou o


estado de ego parental.
As duas últimas formas de diagnóstico, o histórico e o fenomenológico, são utilizadas apenas
nos processos terapêuticos, não se aplicando, portanto, às organizações.

Estados de ego e estilos de gestão

O novo milênio traz novos e fascinantes desafios para a compreensão do processo de gestão das
organizações e das pessoas que dela fazem parte. Uma das questões mais debatidas diz respeito às
relações e distinções entre liderança e gerência. A primeira é considerada mais como uma arte, a de
lidar com pessoas de forma construtiva, criando um espírito de grupo, um sentimento de pertencer, uma
identidade de missão, objetivos e propósitos, enquanto a segunda é entendida mais como uma técnica, a
capacidade de maximizar o uso dos recursos disponíveis para lograr determinados resultados.
Entretanto, é preciso lembrar que as empresas do mundo emergente necessitam de uma
combinação equilibrada da técnica de gerenciar com a arte de liderar, temperadas com bom senso,
ética, intuição, sensibilidade e competência interpessoal.
Para isso terão que investir maciçamente na capacitação e desenvolvimento dessas
capacidades do seu quadro de gestores. A adoção de novas posturas, como disposição para o
aperfeiçoamento contínuo dos processos, capacidade de mudança, amplitude de visão de curto e longo
prazo, compreensão da importância do equilíbrio entre experiência e criatividade, disciplina e liberdade
de ação, exigem atualização de conhecimentos, autoconhecimento, capacidade de integrar pessoas,
áreas e recursos, de administrar conflitos de interesses e pontos de vista, confiabilidade e coerência
entre discurso e ação.
Como já foi abordado, estilos de gestão refletem perfis de personalidade. A Era do
Conhecimento está tornando o autoritarismo cada vez mais frágil e ineficaz. O tradicional modelo do
chefe controlador de pessoas e por elas temido, embora ainda existente em muitas empresas, será em
breve um anacronismo no mundo das empresas.
Para sobreviver precisarão contar com colaboradores pensantes, informados, capazes de dar
soluções novas para velhos problemas, de trabalhar sob constante pressão de tempo e de resultados, de
andar por caminhos nunca antes trilhados, de correr riscos.
O gestor do novo milênio, mais do que nunca, precisa otimizar o seu autoconhecimento,
conhecer suas qualidades, habilidades e limitações, entender por que age, reage, pensa e sente da maneira
que o faz. A teoria sobre os estados de Ego constitui um meio de cada um de nos prosseguir na aventura
interminável que é a autodescoberta, bem como da compreensão do comportamento organizacional.

Referências bibliográficas:
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