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Eric Berne
A personalidade humana
O ser humano é uma criatura de mil facetas, intrigante, versátil, criativa. Seu comportamento é
variado, suas reações únicas e muitas vezes surpreendentes. Seu potencial de aprendizagem e sua'
capacidade de ajustamento têm desafiado qualquer tentativa de mensuração.
A Análise Transacional, criada pelo psiquiatra canadense Eric Berne, propõe-se a compreender o
comportamento das pessoas, sua variabilidade e complexidade, ao abordar a personalidade humana
como um sistema biopsicossocial aberto e dinâmico, constituído por três subsistemas genericamente
denominados de estados de ego (Figura 1).
Como afirma Eric Berne "o interesse básico da Análise Transacional é o estudo dos estados
de ego, que são sistemas coerentes de pensamentos e sentimentos manifestados por padrões de
comportamento correspondentes".
Segundo Berne, "um estado de ego pode ser descrito fenomenologicamente como um sistema
coerente de sentimentos relacionados a uma determinada questão, operacionalmente como um conjunto
de padrões de comportamento coerentes, e pragmaticamente como um sistema de sentimentos que
motivam um conjunto de padrões de comportamento afins”. Stewart e Joines lembram com muita
propriedade que estado de ego é um conceito utilizado para descrever determinados fenômenos, isto
é, um conjunto de sentimentos, pensamentos e comportamentos que não possuem existência própria à
parte da personalidade das pessoas. Entretanto, versões simplistas da Análise Transacional tendem a
utilizar inadequadamente esse conceito, ao atribuir a essa metáfora uma espécie de existência material
própria, ou seja, retificando-a.
É a faceta do estado de ego Criança que não foi alterada pelo processo educativo ao qual é
submetido o ser humano, desde o seu nascimento perdurando por toda a vida. Constitui, também, a parte
mais gratificante da personalidade, fonte das emoções autênticas, da criatividade, da curiosidade,
espontaneidade, autenticidade. Comportamentos afetivos, impulsivos, autoindulgentes e egocêntricos.
Também caracterizam a expressão desta parte da personalidade humana. James e Jongeward denominam-
na Criança Natural.
A Criança Adaptada é fruto das pressões sociais que agem sobre a criança através das figuras
parentais externas ou introjetadas no sentido de moldar o seu comportamento.
Ao nascer, o bebê encontra à sua volta padrões de comportamento estabelecidos, aos quais
precisará ajustar-se de alguma forma. Esses padrões traduzem as expectativas parentais que poderão
provocar censuras e castigos, se forem contrariadas. A criança, pelo fato de
necessitar aprovação, tenderá a fazer tudo para consegui-la, adaptando suas formas de sentir, pensar e
agir, a fim de atender àquilo que ela entende serem as expectativas das figuras parentais.
A Criança Adaptada manifesta-se de duas maneiras:
Criança Adaptada Submissa (CAS)
Caracteriza-se por comportamentos de cumprimento dos padrões e expectativas parentais gerais
e/ou específicas, ou seja, cumprindo ordens, obedecendo regras, procurando agradar.
Criança Adaptada Rebelde (CAR)
Caracteriza-se por uma forma de adaptação inversa, isto é, por comportamentos que
contrariam os padrões e expectativas parentais gerais e/ou específicos, expressa através de
comportamentos de oposição, rebeldia, procrastinação.
Exemplos de frases características do estado de ego Criança:
Adoro sorvete de chocolate! (CL)
Não vou porque o chefe não me deixa sair mais cedo. (CAS)
Telefono a hora que bem entender. (CAR)
Vou pedir quando o chefe estiver de bom humor. (Peq. Prof.)
Se você precisar, eu fico até mais tarde para terminar o trabalho.
(CAS)
Este cheirinho de pizza está me deixando com uma fome! (CL)
Não fico depois do expediente nem morto. (CAR)
Não sei bem o que é, mas tenho a sensação de que aconteceu alguma coisa errada aqui.
(Peq.Prof.)
Figura 5. Diagrama funcional dos estados de ego por circuito [Positivo (+) e Negativo (-)
No circuito negativo os estados de ego Pai e Criança mantêm intercâmbios diretos, não sendo
processados pelo estado de ego Adulto. A consequência disso é que esses intercâmbios se realizam em
nível do não consciente, privando o indivíduo de utilizar-se de dados de sua realidade interna. No
circuito positivo tais intercâmbios são realizados através do estado de ego Adulto, proporcionando
consciência plena dos dados da realidade interna e externa.
Convém ressaltar que as descrições específicas de cada estado de ego apresentadas na Figura 7
não têm a intenção de denotar quaisquer juízos de valor, nem implicam em julgamentos de
qualquer espécie. Distinguem, apenas, o elenco de características e as possíveis consequências da
utilização dos estados de ego Pai e Criança em cada um dos dois circuitos, bem como da ativação ou
desativação do estado de ego Adulto.
No circuito negativo, os diálogos processam-se diretamente entre estados de ego Pai e Criança,
sem o envolvimento do estado de ego Adulto que se encontra desenergizado. Nesse caso as ações e
reações são determinadas apenas pelos estados de ego Pai e Criança.
No circuito positivo, caracterizado pela energização do estado de ego Adulto, as ações e reações
são determinadas pelo processamento de dados provenientes dos estados de ego Pai e Criança, da
observação da realidade externa e do consenso atingido entre os valores e julgamentos do estado de
ego Pai, as necessidades da Criança e o senso de realidade do estado de ego Adulto, envolvendo o
sistema personalidade como um todo harmônico e integrado.
Figura 7: Resultantes comportamentais do circuito positivo
Exclusão
É uma irregularidade que corresponde ao acúmulo de energia psíquica em um ou dois estados de
ego em detrimento do(s) outro(s), levando o(s) estado(s) de ego ativo(s) a predominar no comportamento
do indivíduo. Segundo Berne, "a exclusão manifesta-se por uma atitude estereotipada e previsível que é
mantida com uma certa Constância, por um tempo tão longo quanto possível diante de qualquer situação
ameaçadora."
1. Exclusão de um único estado de ego. Ocasionado pela concentração da energia psíquica nos outros
dois, podendo assumir as seguintes formas:
Exclusão do estado de ego Criança
Em geral ocorre como uma forma defensiva para desativar a Criança Negativa e garantir o
controle social. É também comum em pessoas que não possuem permissão para usufruir da vida,
usar sua criatividade ou intuição.
Exclusão do estado de ego Pai
Observado em pessoas amorais, que agem de forma irresponsável, não ética, que têm dificuldade
de estabelecer seus próprios limites. Quando ocorre, os indivíduos apresentam pouca capacidade
de dar apoio e proteção a si mesmos ou aos outros.
Contaminação
Figura 15. Contaminação do estado de ego Adulto pelo estado de ego Pai
3. Contaminação dupla do estado de ego Adulto pelos estados de ego Pai e Criança
Ocorre quando o estado de ego Adulto utiliza como fontes de dados os preconceitos do Pai e as
ilusões e fantasias da Criança. Nesse caso, as conclusões e decisões estarão desligadas da realidade,
apesar das tentativas ele racionalização.
Figura 17. Dupla contaminação do Adulto pelos estados de ego Pai e Criança
Egograma
O Egograma foi criado e desenvolvido por Dusay um dos discípulos diretos de Berne, e parte do
princípio que "quando um estado de ego aumenta em intensidade, outros devem decrescer por causa do
deslocamento da energia psíquica que, no seu total, permanece constante em cada indivíduo".
Dusay define o Egograma como um "gráfico de barras que mostra a relação entre as partes da
personalidade e a quantidade de energia psíquica que emana destas". Trata-se de um histograma não
quantificado que representa visualmente a relação de proporcionalidade da distribuição da energia
psíquica entre os vários estados de ego funcionalmente considerados. Baseia-se na intuição e é
logicamente construído através da cooperação entre o "sentir" e o "pensar" de cada um de nós.
O Egograma é um instrumento útil para facilitar a integração das pessoas que fazem parte de
grupos de trabalho, permitindo a cada participante expandir seu autoconhecimento e ter a oportunidade
de receber feedback de seus colegas, comparando a autopercepção com a heteropercepção. Permite,
ainda, compreender porque surgem dificuldades de relacionamento entre determinadas pessoas e que
opções existem para minimizá-las/eliminá-las.
No sentido de tornar essa atividade mais rica e acessível, criamos o egograma quantificado.
Trata-se de um gráfico de barras quantificado que permite comparar as diferenças entre a autopercepção
e a percepção dos companheiros do grupo, bem como o grau de transparência e/ou defensividade
em relação ao comportamento exteriorizado, segundo os conceitos de abertura e fechamento da Janela
de Johari.
Figura 20. Egograma quantificado
Estados de ego e cultura organizacional
Embora o conceito de estados de Ego tenha sido concebido como um quadro de referência
teórico para compreender a estrutura e o funcionamento da personalidade humana, é possível utilizá-lo
para compreender a cultura organizacional em geral, e a das empresas produtoras de bens e serviços
em particular.
Da mesma forma como os indivíduos utilizam preferencialmente determinados estados de ego,
também as empresas desenvolvem um modus operandi ou cultura específica, que se traduz em normas
formais e informais, padrões e expectativas explícitos ou implícitos que irão demandar dos que nela
atuam o uso de determinados estados de ego. Em geral, são os iniciadores (proprietários,
fundadores, administradores etc.) da empresa que estabelecem os traços básicos da cultura
organizacional, como normas, regras e procedimentos, crenças e valores que regem a vida das
pessoas enquanto membros de uma empresa, distribuição de autoridade e responsabilidade, formas
de controle, estrutura hierárquica, estilos de relacionamento entre níveis, funções e áreas, estilo de
liderança, critérios de admissão e demissão etc.
Uma organização na qual predomina o PC tende a ser autocrática, com o poder de decisão
centralizado na cúpula, a comunicação predominante é de cima para baixo do ponto de vista
hierárquico, há pouca receptividade para feedback, os controles tendem a ser rígidos, há resistência às
mudanças, pouca flexibilidade e dificuldade de ajustamento às instabilidades, baixa capacidade de
resolver problemas e gerar alternativas.
Empresas com esse perfil tendem a atrair indivíduos autoritários para as posições de mando, e
pessoas submissas e conformadas para os níveis hierárquicos inferiores. Essas características são
encontradas em empresas familiares, como também em empresas tradicionais, que detêm o monopólio
de certos produtos ou serviços ou são avessas aos
processos de modernização. Em economias competitivas, essas empresas tendem a desaparecer
em função da lentidão de respostas às novas demandas do mercado.
Organizações que privilegiam a técnica, a racionalidade, a objetividade, a impessoal idade,
considerando as pessoas como meros componentes de uma máquina produtiva, tendem a enfatizar o
A. O relacionamento informal é limitado, haverá pouco calor humano e o turnover tenderá a ser
elevado em virtude de um clima de distanciamento, de baixa identificação com o grupo e com os
objetivos da organização.
As organizações nas quais predomina o estado de ego C caracterizam-se ou por sua
criatividade e dinamismo excessivos que poderão ameaçar a sua estabilidade, no caso da CL, ou
pela inadequação, imobilismo ou receio de correr riscos, no caso da CA. No primeiro caso, citamos
empresas de vanguarda que apresentam sucesso rápido, mas desaparecem logo do mercado por
seu comportamento imediatista e inconsequente. No segundo caso, temos as grandes
corporações internacionais excessivamente presas às diretrizes da matriz e que acabam por
perder a noção das características específicas dos mercados nacionais onde atuam.
O conceito de estados de Ego, quando utilizado na análise da cultura de uma determinada
organização, possibilita não só o diagnóstico preliminar das necessidades de mudança, como
também a seleção das estratégias mais apropriadas para implementá-la. A cultura da empresa
constitui um dos fatores que impedem ou facilitam a mudança, uma vez que, ao modelar o
desenvolvimento de normas, regras, procedimentos, crenças, tradições e expectativas, atua sobre
o comportamento das pessoas no ambiente de trabalho, fazendo-o tanto no nível consciente, quanto
Aplicação Prática:
no inconsciente.
Pense em uma empresa com a qual tenha alguma familiaridade.
Convém lembrar que embora um estado de Ego possa predominar numa empresa, isto não
significa que os outros não estejam sendo utilizados. Use o egograma para ter uma ideia da
proporção em que os estados de Ego atuam na empresa em questão.
Diagnóstico Comportamental
Diagnóstico Social
Baseia-se na observação de como nossos interlocutores respondem aos estímulos que enviamos.
Assim, se uma pessoa utiliza predominantemente o estado de Ego Pai (ver capítulo Relacionamento
interpessoal), haverá elevada probabilidade de as respostas se originarem na CA de seus interlocutores.
Nas empresas com estruturas organizacionais rígidas e hierarquizadas e com cultura
marcadamente parental e controladora, esse é um fenômeno comum. As chefias tendem a ser autocráticas
e centralizadoras, e os subordinados, para manter seus postos de trabalho, tendem a submeter-se a essas
condições. Gerentes e supervisores, cujos subordinados assumem uma postura de passividade, limitando-
se a cumprir ordens, ou sabotá-las por "debaixo do pano", que resistem a assumir responsabilidade,
estarão provavelmente atuando a partir do PC, e, sem se darem conta disso acabam prejudicando a
qualidade e a quantidade dos resultados alcançados por sua equipe, além de tolher o crescimento pessoal
e profissional das pessoas que dela fazem parte.
Um lembrete importante: a equipe reflete a ação de seu coordenador e o estilo de liderança
deste reflete a forma como utiliza seus estados de Ego.
Diagnóstico Histórico
O novo milênio traz novos e fascinantes desafios para a compreensão do processo de gestão das
organizações e das pessoas que dela fazem parte. Uma das questões mais debatidas diz respeito às
relações e distinções entre liderança e gerência. A primeira é considerada mais como uma arte, a de
lidar com pessoas de forma construtiva, criando um espírito de grupo, um sentimento de pertencer, uma
identidade de missão, objetivos e propósitos, enquanto a segunda é entendida mais como uma técnica, a
capacidade de maximizar o uso dos recursos disponíveis para lograr determinados resultados.
Entretanto, é preciso lembrar que as empresas do mundo emergente necessitam de uma
combinação equilibrada da técnica de gerenciar com a arte de liderar, temperadas com bom senso,
ética, intuição, sensibilidade e competência interpessoal.
Para isso terão que investir maciçamente na capacitação e desenvolvimento dessas
capacidades do seu quadro de gestores. A adoção de novas posturas, como disposição para o
aperfeiçoamento contínuo dos processos, capacidade de mudança, amplitude de visão de curto e longo
prazo, compreensão da importância do equilíbrio entre experiência e criatividade, disciplina e liberdade
de ação, exigem atualização de conhecimentos, autoconhecimento, capacidade de integrar pessoas,
áreas e recursos, de administrar conflitos de interesses e pontos de vista, confiabilidade e coerência
entre discurso e ação.
Como já foi abordado, estilos de gestão refletem perfis de personalidade. A Era do
Conhecimento está tornando o autoritarismo cada vez mais frágil e ineficaz. O tradicional modelo do
chefe controlador de pessoas e por elas temido, embora ainda existente em muitas empresas, será em
breve um anacronismo no mundo das empresas.
Para sobreviver precisarão contar com colaboradores pensantes, informados, capazes de dar
soluções novas para velhos problemas, de trabalhar sob constante pressão de tempo e de resultados, de
andar por caminhos nunca antes trilhados, de correr riscos.
O gestor do novo milênio, mais do que nunca, precisa otimizar o seu autoconhecimento,
conhecer suas qualidades, habilidades e limitações, entender por que age, reage, pensa e sente da maneira
que o faz. A teoria sobre os estados de Ego constitui um meio de cada um de nos prosseguir na aventura
interminável que é a autodescoberta, bem como da compreensão do comportamento organizacional.
Referências bibliográficas:
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