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1.

Aproximação Teórica ao Método Pragmalingüístico

O método Pragmalingüístico é uma leitura da Sagrada Escritura que busca


analisar o texto Sagrado a partir do seu aspecto sintático, semântico e pragmático.
Sua especificidade reside na tese de que um texto não transmite somente um
conjunto de informações, mas procura através da estratégia do autor despertar o
leitor ou ouvinte para uma ação. A pragmalingüística procura explicitar
justamente este aspecto funcional do texto. A importância dada à teoria e prática
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da comunicação a partir dos anos sessenta (século XX) nos Estados Unidos,
Alemanha, França e depois em outros países levou ao desenvolvimento mais
sistemático da pragmalingüística. Algumas das primeiras elaborações sistemáticas
dos problemas pragmáticos em relação a exegese são os estudos de H. Ritt1 e E.
Arens2. Uma importante referência é Fritzleo Lentzen-Deis, a pragmalingüística
dos textos bíblicos estava presente na parte central de seus últimos trabalhos3.

1.1.
Semiótica e Método Pragmalingüístico

O método da pragmalingüística tem suas bases teóricas na semiótica. Para


compreender a operacionalidade da lingüística pragmática na análise de textos
bíblicos é importante conhecer as origens e o desenvolvimento da ciência
semiótica. Ainda que seja uma panorâmica por demais reduzida, a aproximação da

1
Cf.: RITT, H., Das Gebet zum Vater.
2
Cf.: ARENS, E., Komunikative Handlungen.
3
Cf.: LENTZEN-DEIS, F., Essegesi della Bibbia oggi, p. 347-359. Id., Passionsberischt als
Handlungsmodell?; Id. La ciencia de la exégesesis e la hermenéutica pastoral, p. 13-45. Id., La
Biblia en las diversas culturas, p. 1071-1085. Id., Handlungsorientierte Exegese der "Wachstums-
Gleichnisse" in Mk 4, 1-34, p. 117-134. Id., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e
comunicazione: Prospettive “pragma-linguistiche” e conseguenze per la teologia e la pastorale,
12

lingüística pragmática via semiótica permitirá um conhecimento das fontes


(autores e obras) desta nova metodologia. Uma introdução geral à semiótica4
começa por sua definição, apresentação dos seus principais expoentes, bem como
de suas principais contribuições.
Semiótica5 é a ciência dos signos, dos processos significativos na natureza e
na cultura. A origem das investigações sobre os signos coincide com a origem da
filosofia. Platão e Aristóteles eram teóricos do signo, eram semioticistas em
sentido lato. A semiótica propriamente dita tem seu início com filósofos como
John Locke6 (1632-1704) ou com Johann Heinrich Lambert (1728-1777)7. A
ciência dos signos foi denominada de diversas formas no decorrer da história da
filosofia8. A etimologia do termo nos remete ao grego shmeivo, on, que significa
"signo", e shvma, ato", que significa "sinal". Shmeivo, on, é a base morfológica
para várias derivações de vocábulos que dão nome às ciências semióticas, como
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semiologia, semântica, semantologia.


Certamente seria oportuna uma visão panorâmica da história da semiótica
em sentido lato desde Platão até o século XX. Porém, dada a natureza deste
trabalho e sendo a finalidade deste capítulo apenas indicar os fundamentos
teóricos da Pragmalingüística como metodologia aplicada à Bíblia, serão
apresentados somente alguns dos principais expoentes da semiótica em sentido
estrito a partir do início do século XX9.

p. 731-737. Id., El Evangelio de San Marcos. Id., Avances metodológicos de la exégesesis para la
praxis de hoy.
4
Para uma introdução geral a semiótica Cf.: NÖTH, W., Handbook of semiotics; Id., Panorama da
semiótica: De Platão a Peirce. Id., A semiótica no século XX. ECO, U., Tratado geral de
semiótica.
5
É importante, antes de tudo, uma distinção. O século XX viu nascer e crescer duas ciências da
linguagem. Uma é a lingüística, ciência da linguagem verbal. A outra é a semiótica, ciência de
toda e qualquer linguagem.
6
Cf.: LOCKE, J., An essay concerninr human understanding.
7
Cf.: LANBERT, J. H., Neues Organon oder Gedanken über die Erforschung und Bezeichnung
des Wahren und dessen Unterscheidung vom Irrthum und Schein. NÖTH, W., Panorama da
semiótica, p. 18.
8
Para designar a teoria geral dos signos os autores apresentavam, dentre outros, dois termos
diferentes, semiologia e semiótica. A associação Internacional de Semiótica, em 1969, por
iniciativa de Roman Jakobson, decidiu adotar semiótica como termo geral no âmbito das
investigações da semiologia e da semiótica geral. Cf.: NÖTH, W., Panorama da semiótica, p. 24.
13

1.1.1.
Charles Sanders Peirce (1839-1914)

Charles Sanders Peirce é um dos fundadores da moderna semiótica geral. De


sua extensa obra nas mais variadas áreas da filosofia vale destacar, para um estudo
mais condensado, sua visão geral de semiótica universal do mundo, sua definição
e classificação dos signos10.
Peirce tem uma visão pansemiótica do universo. Na sua interpretação,
signos não são uma classe de fenômenos ao lado de outros objetos não-
semióticos. O mundo todo está permeado de signos. A semiótica derivada desta
concepção de signo se reveste de um caráter universal11.
Para Peirce, o signo é uma coisa que representa seu objeto. Ele só pode
funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra
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coisa diferente dele. O signo não é uma classe de objetos, mas a função de um
objeto no processo da semiose12. Em tal processo o signo tem um efeito cognitivo
sobre o intérprete. O signo tem sua existência na mente do receptor e não no
mundo exterior. A interpretação de um signo é um processo dinâmico na mente do
receptor.
Para conhecer qualquer coisa a consciência produz um signo. Perceber já é
interpor uma camada interpretativa entre a consciência e o que é percebido. O
homem só conhece o mundo porque o representa e só interpreta essa
representação numa outra representação, que Peirce denomina "interpretante" da
primeira. Por isso, o signo é uma coisa de cujo conhecimento depende o
conhecimento do objeto do signo, isto é, aquilo que é representado pelo signo. A
semiótica para Peirce contém três elementos: o signo é o primeiro, o objeto o
segundo e o interpretante o terceiro. Compreender e interpretar é traduzir um
pensamento em outro pensamento num movimento ininterrupto, pois só se pode
pensar um pensamento em outro pensamento. A ação do signo é bilateral: de um
lado, representa o que está fora dele, seu objeto; de outro lado, dirige-se para

9
A semiótica originou-se em três lugares diferentes quase simultaneamente: nos Estados Unidos,
França e Rússia. Nosso estudo estará restrito aos nomes mais significativos da semiótica no século
XX.
10
Sua principal obra é: PEIRCE, C. S., Semiótica.
11
Cf.: Ibid., p. 39.
14

alguém em cuja mente se processa sua remessa para um outro signo ou


pensamento onde o seu sentido se traduz. Esse sentido, para ser interpretado deve
ser traduzido em outro signo, assim sucessivamente. O verdadeiro objeto de
estudo da semiótica de Peirce não é propriamente o signo, mas a semiose13.
Peirce desenvolveu uma classificação elaborada dos signos com base numa
classificação do signo em si mesmo, do signo como seu objeto e o signo com seu
representante. Considerando as possibilidades de combinar primeiridade,
secundidade e terceiridade14, chegou a um sistema de dez classes de signos15.
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12
A semiose é o processo no qual alguma coisa funciona como signo. Mais propriamente é o ato
da comunicação realizada através do signo. Cf.: BABOLIN, S., Piccolo Lessico di Semiotica, p.
66.
13
"[Minha definição de signo é:] um signo é um Cognoscível que, por um lado, é determinado
(i.e., especializado, bestimmt) por algo que não ele mesmo, denominado de seu Objeto, enquanto,
por outro lado, determina alguma Mente concreta ou potencial, determinação esta que denomino
de Interpretante criado pelo Signo, de tal forma que essa Mente Interpretante é assim determinada
mediatamente pelo objeto." PEIRCE, C. S., Semiótica, p. 160. Em sua definição de signo Peirce
afirma que ele, o signo, é um Cognoscível que é determinado e determina. O signo é determinado
pelo seu Objeto e determina uma Mente concreta, chamada por ele de Mente Interpretante.
14
Os filósofos ao longo da história procuram estabelecer um número limitado de categorias capaz
de conter a multiplicidade dos fenômenos do mundo. Peirce desenvolveu uma fenomenologia de
três categorias universais: primeiridade, secundidade e terceiridade. A primeiridade é a categoria
do sentimento imediato e presente das coisas, sem nenhuma relação com outros fenômenos do
mundo. É a categoria do sentimento sem reflexão, a mera possibilidade, do imediato e da
independência. Secundidade começa quando um fenômeno primeiro é relacionado a um segundo
fenômeno qualquer. É a categoria da comparação, da ação, do fato, da realidade e da experiência
no tempo e no espaço. Terceiridade é categoria que relaciona um fenômeno segundo a um terceiro.
É a categoria da mediação, do hábito, da memória, da continuidade e da síntese, da comunicação,
da semiose e do signo. A base do signo é uma relação triádica entre três elementos, dos quais um
deve ser o fenômeno da primeiridade, outro da secundidade e o último da terceiridade. Cf.:
PEIRCE, C. S., op. cit., p. 51.
15
As dez classes de signos: Primeiro - o quali-signo (remático e icônico) é uma qualidade que é
um signo, como a sensação de "vermelho". Segundo - o sin-signo icônico (e remático) é um objeto
particular e real que, pelas suas próprias qualidades, evoca a idéia de um outro objeto, como o
diagrama dos circuitos eletrônicos numa máquina. Terceiro - o sin-signo indicial remático dirige a
atenção a um objeto determinado pela sua própria presença, como um grito espontâneo de dor.
Quarto - o sin-signo (indicial) dicente é também um signo afetado diretamente por seu objeto, mas
é capaz de dar informações sobre esse objeto, como um cata-vento. Quinto - o legi-signo icônico
(remático) é um ícone interpretado como lei, como um diagrama. Sexto - o legi-signo indicial
remático é uma lei geral que requer que cada um de seus casos seja realmente afetado por seu
objeto, como um pronome. Sétimo - o legi-signo indicial dicente é uma lei geral afetada por um
objeto real, de tal modo que forneça informação definida a respeito desse objeto, como uma
ordem. Oitavo - o legi-signo símbolo remático é um signo convencional que ainda não tem o
caráter de uma proposição, como um dicionário. Nono - legi-signo símbolo dicente combina
15

1.1.2.
Ferdinand de Saussure (1857-1913)

Ferdinand de Saussure é o fundador da lingüistica moderna. Os princípios


básicos de sua teoria lingüística influenciaram o desenvolvimento da semiótica.
Suas principais contribuições são: o projeto de uma teoria geral de sistemas de
signos (a semiologia), o conceito de estrutura e o sistema de linguagem16.
A semiologia17 é o termo criado por Saussure para designar a ciência geral
dos signos. Ela é, no quadro das ciências humanas, juntamente com a lingüística,
um ramo da psicologia geral.
O modelo sígnico bilateral de Saussure compreende três termos, o signo e
seus constituintes, significante e significado. O signo designa o todo, o significado
corresponde ao conceito e o significante à imagem acústica18. Para Sausurre, não
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existe nada fora do sistema simiológico de significante e significado. O


pensamento, antes do aparecimento da língua, "é como uma nebulosa onde nada
está necessariamente delimitado"19.
Dentro da semiologia de Saussure a lingüística ocupa um papel especial. A
lingüística é uma parte da semiologia. Ele faz uma importante distinção entre
língua e a fala20. A fala é a manifestação da língua. A língua é o produto que o
indivíduo guarda passivamente. Ao separar a língua da fala, se separa o social do
individual, o essencial do acidental. Existem relações entre língua e fala, mas são
coisas distintas. O objeto da lingüística é só a língua21. A tarefa do lingüista é
definir o que faz da língua um sistema especial no conjunto dos atos semiológicos.
Para tanto, Saussure faz a distinção entre lingüística externa e lingüística interna.
Um dos aspectos importantes da semiologia de Saussure para a pragmalingüística

símbolos remáticos em uma proposição. Décimo - legi-signo simbólico argumento é o signo do


discurso racional, como o protótipo de um silogismo. Cf.: Ibid., p. 55-58.
16
Os principais conceitos de semiótica de Saussure estão em sua obra póstuma, Cours de
linguistique génerale, resultado de três cursos de lingüistica ministrados na Universidade de
Genebra (1907-1910) reunidos e editados por seus alunos.
17
SAUSSURE, F., Curso de lingüística geral, p. 24
18
Ibid., p. 81.
19
Ibid., p. 130.
20
Ibid., p. 22.
21
Saussure estabelece a distinção entre lingüística da língua e lingüística da fala. Cf.: Ibid., p. 26-
28.
16

é o fato de ter despertado, dentro de sua distinção entre lingüística interna e


externa, uma sensibilidade para a lingüística extratextual22.
A lingüística externa compreende as relações entre história, política,
geografia, dialetos e língua, considerando-os como campos distintos. A lingüística
interna procura conhecer as circunstâncias em que uma língua se desenvolveu23.
Os lingüistas modernos acolhem nas ciências lingüisticas a psicolingüística, a
sociolingüística e a pragmalingüística, relacionadas à "lingüística externa"24.

1.1.3.
Estruturalismo

O Estruturalismo começou com a tentativa de Saussure de descobrir e


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descrever as estruturas permanentes da língua. Um dos primeiros a utilizar a


análise estruturalista foi o russo Vladimir Propp25. Propp procurou detectar o
conjunto de elementos constantes que abarca os contos de fadas russos. Depois de
analisar cem (100) de tais contos, Propp começou a notar que havia neles
constantes significativas ou invariantes fundamentais. Debaixo da multiplicidade,
parecia haver uma unidade que poderia ser determinada logicamente26. Propp
considerou ter achado uma estrutura de fundo ou gramática de possíveis relações a
que todos os contos de fadas obedecem. Esta estrutura estava composta de um
número limitado de possíveis "ações" que os personagens das histórias executam.
A estas ações Propp chamou de "funções". A característica principal delas era
simplesmente que não mudavam. Ainda que os nomes dos personagens variassem,
a função era essencialmente a mesma. O invariável é a função que um
personagem particular possui no curso da narrativa. A variável é a manifestação

22
Cf.: MORA PAZ, C. Acercamento teórico al método, p. 10-12.
23
Cf.: SAUSSURE, F., op. cit., p. 29-32.
24
No capítulo V do Curso de lingüística geral, Saussure apresenta os elementos internos e externos
da língua. Como lingüística externa ele destaca, por exemplo, a relação entre os costumes de uma
nação e sua repercussão na língua, a relação entre a língua e a história política, as instituições de
toda espécie (Igreja, escola...), a geografia, enfim, com todos aqueles aspectos que não fazem parte
propriamente da língua (lingüística interna) mas que a afetam substancialmente. Cf.: SAUSSURE,
F., op. cit., p. 29-32. MORA PAZ, C. op. cit., p. 13-14.
25
Cf.: PROPP, V. I., Morfologia do Conto Maravilhoso.
26
Por exemplo, em uma história um rei dá uma águia a um herói e a águia leva o herói para outro
reino. Em outra história, uma princesa dá para um herói um anel do qual surge um mágico para o
levar para outro lugar. Em ambas as histórias, os personagens têm nomes diferentes, mas a mesma
ação é executada. Cf.: STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 651.
17

concreta escolhida para a produção e circunstâncias deste evento. O que conta


então é saber o que um personagem faz e que função possui. Propp descobriu
estas funções invariáveis por uma análise comparativa específica do material
disponível e pela abstração de uma estrutura lógica de muitos casos27.
A segunda aplicação de uma análise estruturalista num gênero narrativo foi
feita por Claude Lévi-Strauss. Ele acreditava que as regras, que regem os mitos e
as que governam o idioma, emergem de estruturas inconscientes idênticas. Tal
estrutura inconsciente atrás dos mitos é a tendência para pensar em termos de
oposição e a de solucionar tais oposições. Lévi-Strauss28 estava interessado na
estrutura permanente atrás das histórias míticas. Esta estrutura permanente se
estabelece pela descoberta de combinações periódicas de características
constantes. Estas combinações obedecem às regras de uma "mitologia universal"
presentes na resolução de coisas que existem em oposições binárias, como por
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exemplo: Imortal/Mortal, Macho/Fêmea, Pai/Criança, e assim por diante29.


Outro estruturalista foi Algirdas Julien Greimas. O objetivo de sua pesquisa
semiótica foi o estudo do discurso com base na idéia de que uma estrutura
narrativa se manifesta em qualquer tipo de texto. Seu ponto de partida foi a
tentativa de aplicar métodos de pesquisa da lingüística estrutural à análise de
textos, tais como segmentação, classificação e a busca de operações binárias30.
Greimas é contrário à definição de semiótica como ciência do signo. Na sua
definição, a semiótica deveria ser uma teoria da significação. Propõe uma teoria
semântica cuja base é a estrutura. Na estrutura o importante são as relações entre
os elementos. E as relações fundamentais da teoria semântica de Greimas são as
relações de oposição. Portanto, as significações existem por relações de oposição.
A origem da significação é uma relação constituída pela diferença entre dois
termos semânticos31. A teoria de Greimas é representada por um eixo semântico

27
Cf.: Ibid., p. 650-651.
28
Cf.: LÉVI-STRAUSS, C., Strukturale Anthropologie.
29
Cf.: STIBBE, M. W. G., op. cit., p. 652.
30
Cf.: GREIMAS, A. J., Du Sens - Essais Sémiotiques, p. 160. NÖTH, W., A semiótica no século
XX, p. 146-147.
31
Por exemplo: a diferença entre "filho" e "filha" é devida a uma relação de oposição semântica
descrita pelos traços "masculino" e "feminino". Mas esta estrutura semântica de oposição possui
um duplo aspecto: de disjunção e conjunção. Ainda com o exemplo anterior podemos dizer que a
diferença entre "masculino" e "feminino" é uma relação de disjunção. Esta por sua vez, pressupõe
uma semelhança semântica, chamada "sexo", comum tanto ao "feminino" como ao "masculino".
Esta categoria comum constitui uma relação de conjunção. Cf.: NÖTH, W., A semiótica no século
XX, p. 151-152.
18

linear com dois elementos em seus extremos. O eixo representa o traço semântico
comum. Nos pontos extremos estão os termos diferenciais. Estes são definidos
como semas32. O sema é a unidade mínima da semântica, cuja função é a de
diferenciar significações33. Um dos seus instrumentos metodológicos foi o
quadrilátero semiológico34.
Asserção Negação
(Vida) Contrariedade (Morte)
S1 S2

Complementaridade Contradição Complementaridade


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-S2 -S1
Não-asserção Não-negação
(Não-Morte) (Não-Vida)
Greimas propôs assim um modelo onde considera a estrutura permanente
que está atrás de toda a narrativa:
eixo de comunicação
remetente ------------------------- objeto ---------------------------- receptor

eixo de volição

oponente --------------------------- assunto ------------------------- colaborador


eixo de poder

32
Cf.: GREIMAS, A. J., Semántica Estrutural, p. 61.
33
Cf.: GREIMAS, A. J., Du Sens, p. 159-161. Para uma breve descrição e comentário do
quadrilátero semiótico, cf.: BABOLIN, S., Piccolo Lessico di Semiotica, p. 58-59. NÖTH, W., op.
cit., p. 147-154.
34
Cf. O quadrilátero semiótico é a representação visual da articulação lógica de uma categoria
semântica qualquer. As oposições que constituem eixos semânticos podem representar dois tipos
diferentes de relação lógica. O primeiro tipo, contradição, é a relação que existe entre dois termos
da categoria binária asserção/negação. Esta relação é descrita como a oposição entre a presença e a
ausência de um sema (s). Desta forma, um sema (S1 ), "vida", é oposto a seu não sema
contraditório (-S2), "não-vida". O segundo tipo é o da contrariedade. Dois semas de um eixo
semântico são contrários se um deles implica o contrário do outro. O contrário de (S1) "vida" é
(S2) "morte". Os dois semas pressupõem um ao outro. Além da contradição e da contrariedade
existe a complementaridade. A complementaridade surge entre os semas (S1) e (-S2) ou (S2) e (-
S1), "vida" implica "não-morte" e "morte" implica "não vida". NÖTH, W., op. cit., p. 154.
19

O diagrama revela seis elementos de uma narrativa (assunto, objeto,


remetente, receptor, colaborador e oponente) e três eixos funcionais
(comunicação, poder e volição). Uma história normalmente começa quando um
remetente diz para um receptor que realize alguma tarefa. O eixo de volição
representa esta indagação, o eixo de poder representa a luta envolvida em sua
execução35.

1.1.4.
Louis Hjelmslev (1899-1965)

Hjelmslev fundou a escola de lingüística estruturalista. De seus trabalhos,


são importantes para a história da semiótica o seu modelo sígnico, os conceitos de
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estrutura, texto e sistema.


O modelo sígnico de Hjelmslev36 retoma a teoria sígnica bilateral de
Saussure de significante e significado. Hjelmslev rebatizou-os como expressão e
conteúdo, denominando estas duas faces como planos do signo. Tanto o plano de
expressão como o plano de conteúdo são estratificados em forma e substância
semiótica. Isto produz quatro estratos do signo: forma de conteúdo, forma de
expressão, substância de conteúdo e substância de expressão. Ainda de acordo
com Saussure, afirmando que a semiótica é a ciência das formas (ou estruturas) e
não das substâncias, Hjelmslev restringiu o uso do termo signo aos estratos da
forma de expressão e forma de conteúdo.
O ponto de partida da análise de Hjelmslev é a linguagem em um sentido
mais amplo. A linguagem é definida como um sistema sígnico. Semiótica e
linguagem quase se confundem. Porém, Hjelmslev atribuiu um lugar especial à
linguagem verbal em relação a outros sistemas semióticos37. Na prática, a
linguagem é uma semiótica na qual todas as outras semióticas podem ser

35
Cf.: NÖTH, W., op. cit., p. 158-160. STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 652.
36
Cf.: HJLMSLEV, L. T., Prolegômenos a uma teoria da linguagem, p. 197-203.
37
Um sistema semiótico é um conjunto de signos integrados numa mesma situação comunicativa,
podendo ser desde os caracteres usados em determinado alfabeto às notas musicais numa partitura,
do som emitido pelos animais às expressões do rosto numa peça teatral.
20

traduzidas. A pesquisa de Hjelmslev é dedicada às estruturas constantes da língua,


que permanecem válidas em cada uso da língua38.
Seu projeto busca uma análise dos sistemas semióticos a partir do processo
lingüístico da fala. O texto é o resultado desse processo da fala e, ao mesmo
tempo, o ponto de partida da investigação semiótica. O texto é a totalidade na qual
se manifestam as estruturas do sistema semiótico. De acordo com sua visão
estruturalista, o texto é segmentado até seus componentes mínimos. E o processo
analítico consiste em reagrupar esses elementos em classes de acordo com suas
possibilidades combinatórias, procurando estabelecer um cálculo geral, exaustivo
das combinações possíveis39. O estruturalismo lingüístico de Hjelmslev sustenta
que o texto é organizado pelo autor, de tal modo que possa ter diferentes
possibilidades de significado, dependendo da cultura e sensibilidade do leitor.
Esta importância do leitor no estruturalismo lingüístico influencia, entre outros,
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Umberto Eco na elaboração da teoria do leitor modelo40.

1.1.5.
Roman Jakobson (1896-1982)

Roman Jakobson influenciou diversas tendências na evolução do


estruturalismo e da lingüística. Os campos centrais da pesquisa de Jakobson foram
a poesia e a lingüística41, estendendo-se a campos semióticos mais amplos42 da
cultura e da estética. Contribuiu para a semiótica aplicada com trabalhos sobre
música, pintura, filme, teatro e folclore. Tratou ainda de temas fundamentais da
semiótica, como os conceitos de signo, sistema, código, estrutura, função,

38
Cf.: HJLMSLEV, L. T., op. cit., p. 186.
39
Cf.: NÖTH, W., A semiótica no século XX, p. 54-55.
40
Conferir o conceito de Leitor-Modelo em: ECO, U., Lector in fabula, p. 35-50. NÖTH, W., op.
cit., p. 51.
41
A poesia é um campo de estudo mais específico dentro de uma gama de manifestações
lingüísticas. A lingüística oferece instrumentos importantes para o estudo da poética. Existe
contudo uma interdependência entre o estudo da linguagem e a criação artística. A poesia é a
linguagem em sua função estética (poética). Jakobson iniciou seus estudos de lingüística a partir da
análise de poetas russos. Integrou ainda suas investigações fonológicas, atentas às relações entre
som e sentido, com a poesia. A tensão entre som e sentido é indicada como fundamento da poesia.
Estas informações estão contidas no prefácio de João Alexandre Barbosa à obra Poética em ação.
Cf.: JAKOBSON, R., Poética em Ação, p. XIV-XXI.
21

comunicação e história da semiótica. Apesar da universalidade da sua pesquisa,


Jakobson não propôs uma visão pansemiótica das ciências. A lingüística e a
semiótica estão dentro de uma moldura mais ampla dos estudos de comunicação.
Jakobson desenvolveu um modelo das funções da linguagem. Na base dessa
teoria estão seis fatores que constituem os processos de comunicação. O emissor
envia uma mensagem ao receptor. Para ser operativa, a mensagem requer um
contexto referente. Este contexto deve ser acessível ao emissor. Outro fator
requerido é o código, completamente ou parcialmente, comum ao emissor e ao
receptor. Finalmente, um contato é requerido, ou seja, um canal físico e uma
conexão psicológica entre emissor e receptor, capaz de fazer com que ambos
entrem e permaneçam em comunicação43. A cada um dos seis fatores da
comunicação corresponde uma das funções da linguagem. Uma mensagem
orientada para o referente ou contexto tem predominantemente uma função
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referencial. Sua informação põe em foco o aspecto cognitivo da linguagem. A


função expressiva focaliza a atitude do próprio falante em relação ao conteúdo da
mensagem. A função apelativa está orientada para o receptor. A função fática
descreve mensagens que servem para estabelecer, prolongar ou interromper a
comunicação. A função metalingüística diz respeito à linguagem que serve para
descrever a própria linguagem. Metalinguagem é, por exemplo, a linguagem
gramatical, da qual se serve o lingüista para descrever o funcionamento da língua,
ou a linguagem lexicográfica, da qual se serve o autor de um dicionário para a
definição da palavra44. A função poética é a orientação da mensagem para si
mesma, a mensagem pela mensagem45. A função poética pode ser melhor
compreendida comparando-a com a poesia. A função poética ou poeticalidade é
diferente do conceito de poesia. A função poética pode ocorrer como função de
qualquer texto. Já a avaliação de um texto como poesia depende das convenções
literárias de uma determinada época. A função poética focaliza o conteúdo da
comunicação, aquilo que de fato foi transmitido pelo emissor ao receptor dentro

42
O interesse de Jakobson foi além da linguagem e das artes verbais, estendeu-se a outras áreas na
cultura e na estética como: música, pintura, folclore, teatro, filme e para questões fundamentais da
semiótica, como os conceitos de signo, sistema, código comunicação e história da semiótica.
43
Cf.: NÖTH, W., A semiótica no século XX, p. 103-104.
44
A metalinguagem é a linguagem que se refere à linguagem e à comunicação. Este texto sobre as
funções da linguagem é um exemplo de metalinguagem. Quando se pergunta "O que você quer
dizer?" ou "Não entendi o que disse!" são situações verbais onde a metalinguagem é exigida. Cf.:
BABOLIN, S., Piccolo Lessico di Semiotica, p. 44-45.
45
Cf.: NÖTH, W., op cit., p. 104-105.
22

de um contexto usando um código. A poesia pode ser um dos modos de organizar


este conteúdo da comunicação a ser transmitido. Os fatores do processo
comunicativo e as funções da linguagem valorizam os diversos elementos na
decodificação de um texto. Jacobson reconhece que, no processo de interpretação,
a mensagem não é tomada isoladamente, mas dentro de um processo mais amplo,
o processo comunicativo.

1.1.6.
Umberto Eco (nascido em 1932)

Umberto Eco46 é um semioticista que possui obras que vão da filosofia


medieval à cultura popular, tendo a semiótica no centro destes estudos
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diversificados. Eco define a semiótica como um programa de pesquisa que estuda


todos os processos culturais como processos de comunicação47.
Uma chave para entender o campo de abrangência da semiótica para Eco é
sua teoria dos códigos. "Código é qualquer sistema de símbolos que, por consenso
prévio entre o destinatário e emissor, é usado para representar e transmitir
qualquer informação"48. A semiótica para Eco é o estudo de códigos e um código
tem sua base numa convenção cultural. Por isso a semiótica é o estudo sígnico da
cultura.
Para a lingüística pragmática são importantes as considerações de Eco em
torno da questão do texto. "Texto é um artifício sintático-semântico-pragmático
cuja interpretação prevista faz parte do próprio projeto gerativo"49. Dentro desta

46
Umberto Eco tornou-se o semioticista mais conhecido na atualidade por causa de seus romances
best-seller O Nome da Rosa (1980) e O Pêndulo de Foucault (1988). Estes romances são trabalhos
criativos de semiótica aplicada.
47
"A semiótica se preocupa com tudo o que pode ser tomado como signo. Um signo é tudo aquilo
que pode ser tomado como substituindo significativamente outra coisa. Esta outra coisa não
precisa necessariamente existir ou estar realmente em algum lugar no momento em que um signo o
representa. Assim, a semiótica é, em princípio, a disciplina que estuda tudo que pode ser usado
com o objetivo de mentir". Cf.: ECO, U., Tratado geral de semiótica, p. 4. Com os três critérios:
do cultural, do comunicativo e do mentiroso, Eco descreve os limites da semiótica de maneira
restritiva. Conforme o critério cultural, uma semiótica natural, que estuda os signos da natureza,
não deveria existir. Conforme o do mentiroso, a semiótica só devia tratar de mensagens
intencionais, pois a essência da mentira é ser intencional. O critério da comunicação pressupõe
uma mensagem codificada em um código convencionado entre os participantes de uma
determinada cultura.
48
Cf.: ECO, U., Tratado geral de semiótica, p. 39.
49
Cf.: Id., Lector in fabula, p. 52.
23

questão está o que Eco chama de "leitor e autor modelo". "Para organizar a
própria estratégia textual, o autor deve referir-se a uma série de competências (...)
que confiram conteúdo às expressões que usa. (...) Por conseguinte, preverá um
Leitor-Modelo capaz de cooperar para a atualização textual como ele, o autor,
pensava, e de movimentar-se interpretativamente conforme ele se movimentou
gerativamente"50. Ainda em relação ao leitor modelo afirma: “... prever o próprio
Leitor-Modelo não significa somente "esperar" que exista, mas significa também
mover o texto de modo a construí-lo"51. A interpretação consistirá num processo
de identificação do leitor empírico com o leitor modelo52.

1.1.7.
Charles William Morris (1901-1979)
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Charles Morris é um clássico da semiótica. A sua ampla definição do âmbito


da semiótica e sua subdivisão em sintática, semântica e pragmática permanecem
entre os fundamentos da ciência dos signos53.
A semiótica, definida como ciência dos signos por C. Morris,54 possui um
campo amplo, englobando, além da linguagem, até a comunicação animal. Ele
pretende desenvolver uma ciência dos signos com uma base biológica e
especialmente dentro da estrutura da ciência do comportamento55. A semiose é um
processo no qual algo é um signo para algum organismo. Ela envolve três fatores
principais: "aquilo que atua como signo, aquilo a que o signo se refere e aquele
efeito em algum intérprete em virtude do qual a coisa em questão é um signo para
aquele intérprete. Estes três componentes na semiótica podem ser chamados
respectivamente de veículo do signo, designatum e interpretante"56. Estes

50
Cf.: Ibid., p. 39.
51
Cf.: Ibid., p. 40.
52
"Para realizar-se como Leitor-Modelo, o leitor empírico tem naturalmente deveres "filológicos",
ou seja, tem o dever de recuperar, com a máxima aproximação possível, os códigos do emitente".
Ibid., p. 47.
53
Cf.: NÖTH, W., A semiótica no século XX, p. 182.
54
Cf.: MORRIS, C., Writings on the general theory of signs, p. 4.
55
A semiótica tem como objetivo uma teoria geral dos signos em todas as suas formas e
manifestações, tanto em animais quanto em homens, tanto normal como patológica, tanto
lingüística como não-lingüística, tanto pessoal como social. A semiótica é, portanto, um
empreendimento interdisciplinar. Cf.: MORRIS, C., Signification and singnificance, p. 2.
56
Cf.: MORRIS, C., Writings on the general theory of signs, p. 4.
24

elementos constituem a base para as três dimensões da semiótica: a sintática


estuda a relação entre um signo e outro signo; a semântica estuda a relação entre
signo e seu designatum; e a pragmática estuda a relação entre os veículos dos
signos e seus intérpretes. Dito de outra maneira: a sintática é o estudo das relações
formais dos signos entre si, compreendendo a maior parte dos ramos da
lingüística, incluída a sintaxe, a morfologia e a fonologia. A semântica trata da
relação do signo com seu significado. A pragmática estuda a relação dos signos
com seus intérpretes.

1.1.8.
Conclusão
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Cumpre, a título de conclusão, ressaltar algumas das contribuições dos


autores para a pragmalingüística57. Evidentemente a importância do autor não vai
restringir-se ao elemento colocado em destaque. Cada um deles possui uma
extensa obra nas mais diversas áreas. De modo geral, os trabalhos dos diversos
autores contribuíram para aclarar questões fundamentais da semiótica como os
conceitos de signo, sistema, código, estrutura, função e comunicação. A
lingüística pragmática é fruto do longo processo de desenvolvimento da semiótica
em sentido estrito no século XX.
O pragmatismo e a pansemiótica de Peirce deixou as fundações formais para
o desenvolvimento de muitas semióticas especiais, tais como a pragmaligüística.
Saussure despertou, dentro de sua distinção entre lingüística interna e externa,
uma sensibilidade para a lingüística extratextual, possibilitando a acolhida nas
ciências lingüísticas da psicolingüística, da sociolingüística e da pragmalingüística
como disciplinas relacionadas à "lingüística externa". O estruturalismo oferece

57
A apresentação dos autores ligados à semiótica não pretendeu ser exaustiva, indicando todos os
nomes e todos os pontos de suas complexas teorias. Muitos importantes nomes ficaram de fora
como Noam Chomsky e seus estudos sobre a sintática [cf.: CHOMSKY, N., Aspects de la théorie
syntaxique] ou Karl-Otto Apel e seu jogo lingüístico transcendental [cf.: APEL, K. O.
Transformação da Filosofia]. Bem como autores mais relacionados com a filosofia da linguagem,
como por exemplo: Ludwig Wittgenstein. Sobre este último, devido à importância de sua reflexão
sobre a questão da linguagem, existe nesta dissertação um apêndice com uma breve exposição
sobre a segunda fase do seu pensamento.
25

algumas contribuições para a análise de textos bíblicos58, mas merece algumas


considerações críticas. O que distingue e o que aproxima o estruturalismo em
geral e a exegese estrutural da narrativa bíblica? Os seguintes pontos são
pertinentes: estruturalismo em geral e análise estrutural bíblica em particular,
ambos estão preocupados com a descoberta e descrição de estruturas permanentes;
a análise estrutural de narrativa bíblica geralmente seguirá ou a aproximação
binária de Lévi-Strauss, ou o modelo mais funcional de Propp e Greimas; a
análise estrutural de narrativa bíblica é agora uma metodologia importante para a
avaliação global da forma final de um texto59.
Quais são as limitações e forças nestas aproximações estruturais para
narrativas bíblicas? Há cinco fraquezas principais no método que merecem
atenção urgente pelos estruturalistas. Primeiro, análise estrutural da Bíblia tem
uma atitude muito ambígua e às vezes até mesmo antagônica para a crítica
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histórica. Tendeu a ignorar completamente o histórico ou o aspecto diacrônico das


narrativas bíblicas. Em sua ênfase na forma final, suprime toda a consideração da
transmissão pretextual. Os pós-estruturalistas negligenciaram a dimensão histórica
referente as narrativas. Os estruturalistas precisam perguntar como o método
evolui fora do estudo de mitos e contos de fadas, no contexto de narrativas
históricas como os Evangelhos. Segundo, há uma arbitrariedade e subjetividade
sobre algumas classificações estruturais. Parte do procedimento da exegese
estrutural envolve a identificação e nomeação de oposições binárias e/ou

58
A primeira experiência de análise estrutural bíblica foi no Gênesis, talvez por considerá-lo
mais semelhante aos gêneros de conto de fadas e mitos. Roland Barthes foi um dos primeiros a
aplicar o método derivado de Propp e Greimas em narrativas bíblicas. Ele afirma que todas as
narrativas obedecem a uma gramática narrativa fundamental. Da mesma maneira que uma frase
obedece a um sistema de regras, assim também acontece com as narrativas. As narrativas são
como uma longa frase. Na obra intitulada "The Struggle with the Angel" (1971) Barthes testa as
implicações desta aproximação gramatical no contexto de uma narrativa bíblica. Edmund Leach
foi um dos primeiros a aplicar o método que deriva de Lévi-Strauss. Em Gênesis como Mito
(1969), Leach usa a análise estrutural de Lévi-Strauss para realçar as estruturas míticas
permanentes atrás do texto Gênesis. Mito tem uma estrutura binária; discrimina primeiro entre
deuses e homens, e então preocupa-se com as relações intermediárias que unem os homens e
deuses. Em todo sistema de mito, segundo Leach, encontramos uma sucessão persistente de
distinções binárias como entre humano/sobre-humano, mortal/imortal, macho/feminino,
legitimo/ilegítimo, bom/ruim..., seguindo assim por uma mediação de categorias emparelhadas
distintas. Deste modo no Gênesis encontramos com opostos comuns: céu/terra, luz/escuridão,
homem/jardim, árvore de vida/árvore de morte, Unidade (Éden)/Dualidade (fora do Éden),
Jardineiro (Caim)/Pastor (Abel) e assim por diante. Leach conclui dizendo que todo mito é um
complexo e qualquer padrão que acontece em uma parte mito ocorrerá periodicamente nas mesmas
ou outras variações, em outras partes do complexo. Há uma estrutura que está comum a todas as
variações. Gênesis, como todos os outros mitos, possui estruturas permanentes do mito. Cf.
STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 653.
59
STIBBE, M. W. G., op. cit., p. 653.
26

componentes de gêneros básicos. É precisamente neste ato de rotular que a análise


estrutural às vezes se quebra. Na análise estrutural, o processo de rotular o evento
requer maior rigor metodológico do que aquele que tem sido utilizado. Em
terceiro lugar, exegetas estruturais não reconheceram as limitações dos modelos
interpretativos que eles empregam. Por exemplo, o quadro de ação modelo de
Greimas para a interpretação de todas as narrativas não foi tão versátil como seu
descobridor desejava. Ainda trabalha muito bem no contexto de unidades
narrativas menores e mais simples; sua utilidade em narrativas mais longas e mais
complexas é altamente questionável. Em quarto lugar, a análise estrutural arruina
os detalhes da narrativa, caraterísticas especiais. Segundo a análise estrutural,
contanto que a estrutura seja preservada, não importa os elementos que estão
envolvidos na mesma. Ela tende a obscurecer a importância das características e
ações narrativas reduzindo-as uma grade quase matemática. Em quinto lugar, a
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análise estrutural ignora ou apaga a figura do autor. A obra célebre de Roland


Barthes intitulada "A Morte do Autor" (1968) tipifica esta posição antiautoral
dentro de estruturalismo60.
O Documento da Pontifícia Comissão Bíblica, ao apresentar os novos
métodos de análise literária, tece algumas considerações sobre a análise semiótica,
classificada entre os métodos sincrônicos61. Após uma síntese dos elementos
característicos de tal análise, dando destaque ao estruturalismo, o Documento
apresenta as contribuições e limites deste método. "Estando mais atenta ao fato de
que cada texto bíblico é um todo coerente que obedece a mecanismos lingüísticos
precisos, a semiótica contribui para a nossa compreensão da Bíblia, Palavra de
Deus expressa em linguagem humana"62. Ele afirma que a semiótica pode ser
utilizada no estudo bíblico desde que certos pressupostos da filosofia estruturalista
sejam separados do método, tais como, a "negação dos sujeitos e da referência
extra-textual"63. Segundo o Documento a abordagem semiótica deve estar aberta à
história dos atores dos textos, de seus autores e leitores. "O risco é... de ficar em
um estudo formal do conteúdo e de não liberar a mensagem dos textos"64. Uma
outra crítica é quanto à linguagem complicada utilizada pelos seguidores da

60
Cf.: STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 654.
61
Cf.: PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA., A Interpretação da Bíblia na Igreja, p. 54-57.
62
Cf.: Ibid., p. 56-57.
63
Cf.: Ibid., p. 57.
64
Cf.: Ibid., p. 57.
27

análise semiótica. O método por outro lado pode se revelar útil no campo pastoral
para uma leitura da Escritura em ambientes não especializados65.
Apesar de suas fraquezas metodológicas, a análise estrutural é capaz de
prover determinados "insights" em narrativa bíblica que outro método não poderia
prover. É possível usar métodos estruturais sem subscrever completamente ou
necessariamente o estruturalismo como uma ideologia. A análise estrutural pode
ser usada como uma ferramenta legítima para interpretação de texto bíblico.
Assim como para aprender uma língua é preciso dominar um sistema lingüístico
de normas e regras, para analisar uma narrativa bíblica é preciso dominar daquele
sistema narrativo que gerou sua composição66.
Do estruturalismo lingüístico de Hjelmslev temos, além da segmentação e a
articulação dos elementos do texto, a importância dada ao leitor na interpretação
do sentido do texto. Jacobson reconhece que, no processo interpretação, a
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mensagem não é tomada isoladamente, mas dentro de um processo comunicativo


que contêm diversas funções. As funções da linguagem são importantes para a
lingüística pragmática devido à valorização de diversos elementos na
decodificação de um texto. Para Umberto Eco, a interpretação consistirá num
processo de identificação do leitor empírico com o leitor modelo, sendo este um
elemento de destaque dentro da dimensão pragmática. A divisão estabelecida por
Morris, distiguindo três dimensões, sintática, semântica e pragmática, é seguida
pela pragmalingüística em sua operacionalidade metodológica.

1.2.
Pragmalingüística e Bíblia

Após esta apresentação de alguns dos principais expoentes da semiótica e


dos elementos mais significativos de suas teorias para a pragmalingüística, cabe
estabelecer sua relação com a abordagem de textos bíblicos.
A lingüística pragmática na atualidade tomou corpo como ciência com um
objeto formal próprio. A pragmática é a ciência que trata das relações de um signo
com aquele que o gera, o utiliza e o recebe em uma determinada situação

65
Cf.: Ibid., p. 57.
66
Cf.: STIBBE, M. W. G., Structuralism, p. 655.
28

comunicativa67. A reflexão pragmática está articulada e dividida em três


momentos: sintática, semântica e pragmática. Não se trata da junção de três
ciências independentes, mas do enfocar o mesmo objeto por três ângulos
diferentes. A sintática considera o texto do ponto de vista formal-estrutural, a
semântica do ponto de vista do objeto significado e a pragmática do ponto de vista
comunicativo-funcional68. A lingüistica pragmática é mais ampla que o método
pragmalingüístico aplicado à abordagem da Sagrada Escritura, uma vez que a
pragmalingüística oferece elementos metodológicos para abordar outros textos
lingüísticos.
A atenção dada à lingüística como uma perspectiva metodologicamente
relevante para o desenvolvimento da teologia e da exegese, de modo particular,
começa a partir dos anos setenta69. Na verdade, a validade pragmática da Sagrada
Escritura não é uma novidade para a própria Bíblia e a Tradição da Igreja. A
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Palavra não volta a Deus sem antes ter realizado aquilo para o qual foi enviada
(Cf. Is 55,10-11).
O método pragmaligüístico foi desenvolvido nos estudos bíblicos por uma
dupla razão: uma de ordem exegética e outra, pastoral. Primeiro para averiguar e
detectar a finalidade do texto, levando em conta o leitor originário do mesmo70.
Segundo, para oferecer bases firmes e confiáveis a uma nova hermenêutica
bíblica, oferecendo à pastoral bíblica critérios para decidir se uma aplicação e
atualização do texto bíblico é legítima ou não71.
O método pragmalingüístico analisa o texto a partir de seu aspecto sintático,
semântico e pragmático. A primeira etapa é a análise sintático-gramatical, onde se
estuda a relação dos signos entre si. Sua finalidade é conhecer em profundidade o
texto em seus detalhes. A segunda é a semântica, busca os significados dos signos.

67
Cf.: MORA PAZ, C., Acercamento teórico al método, p. 23.
68
CF.: LENTZEN-DEIS, F., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e comunicazione, p. 733.
GRILLI, M., Autore e lettore, p. 456. MORA PAZ, C., Acercamento teórico al método, p. 25.
69
Cf.: RITT, H., Das Gebet zum Vater, 1979. ARENS, E., Kommunikative Handllungen. 1982.
FRANKEMÖLLE, H., Biblische Handlungsaweisung, 1983. BERGER, K., Exegese des Neuen
Testaments, 1984; EGGER, W., Methodenlehre zum Neuen Testament, 1987. LENTZEN-DEIS,
F., Passionsberichte als Handlungsmodell? 1988, p. 191-232. Id., Handllungs orientierte Exegese
der Wachstums-Gleichnisse in Mk 4, 1-34, 1990, p. 117-134. DELORME, J., Sémiotique et lecture
des Évangiles à propos de Mc 14, 1-11, 1992, p. 161-174. GRILLLI, M., Comunità e Missione: le
direttive di Matteo, 1992.
70
Cada texto nasce em estreita relação com seus leitores ou ouvintes. O texto torna-se o meio
através do qual o emissor leva sua mensagem ao receptor. Ele não é só para informar o leitor mas
para levá-lo a uma reação. Cada texto tem sua finalidade concreta. Esta finalidade é que é
objetivada pela pragmática. Cf.: BERGES, U. Lectura pragmática de 1 Samuel 12, p. 368
29

E a pragmática busca detectar a finalidade do texto, pois quem escreve quer


motivar o leitor a uma certa ação. Estas etapas, entendidas como momentos
específicos, mas articulados da semiótica, são a base do método
pragmalingüístico. Os aspectos sintático, semântico e pragmático dos textos estão
ligados numa relação de continuidade com os métodos históricos críticos e não em
contraposição a eles72.
Estas considerações serão melhor avaliadas na exposição de cada uma das
dimensões do método e na avaliação do final deste trabalho. Apresentaremos,
portanto, a seguir as três dimensões da pragmalingüítica com suas estruturas
operacionais.

1.2.1.
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Sintática

1.2.1.1.
Considerações Gerais

Tradicionalmente, a sintática é entendida como o estudo da disposição,


combinação e função dos elementos de uma proposição e das proposições numa
frase. A sintática estuda os morfemas, os lexemas e a proposição como relação
gramatical73.
O morfema é a menor unidade lingüística que tem significado relacional
com outros termos. Morfemas são prefixos, infixos, sufixos que denotam um
tempo, um modo, uma conjugação, uma forma absoluta ou constructa, o singular
ou o plural. São também as preposições, conjugações e indicador do objeto
hebraico.
Lexema é unidade mínima de linguagem que tem significado absoluto:
nomes, adjetivos, advérbios, verbos74.

71
Cf.: BERGES, U., op. cit., p. 369.
72
Cf.: MORA PAZ, C., Acercamento teórico al método, p. 10.
73
Cf.: SIMIAN-YOFRE, H. (Org.). Metodologia do Antigo Testamento, p. 95.
74
Na analise sintática os lexemas são considerados em seu aspecto morfemático, por exemplo:
uma forma verbal em relação ao tempo (indeterminado, pretérito, futuro), ao modo (realidade,
possibilidade, impossibilidade), ao aspecto (pontual, durativo, narrativo, exortativo, imperativo).
Outro exemplo: o estado absoluto ou constructo de uma forma nominal.
30

Uma frase é uma unidade mínima de comunicação dotada de sentido


completo, podendo ser composta de uma ou mais proposições. As diversas
proposições de uma frase são dispostas numa relação de coordenação ou
subordinação. A análise sintática se concentra na estrutura da frase e na função
que os elementos singulares de sua estrutura assumem no conjunto. Estuda as
relações que se estabelecem entre as proposições. Os tipos de relação são:
parataxis e hipotaxis. A parataxis refere-se à coordenação das frases que mantêm
sua autonomia sintática, enquanto a hipotaxis visa a relação de dependência
(subordinação) de uma ou mais proposições em relação à principal75.

1.2.1.2.
Sintática e lingüística textual
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A lingüística textual preocupa-se com as relações que se estabelecem no


interior das unidades lingüísticas mais complexas, compostas de diversas
proposições ou frases. Ela afirma que os mesmos critérios que regem as micro-
estruturas valem para as macro-estruturas, visto que a atividade comunicativa não
se compõe de frases isoladas, mas de uma unidade superior chamada texto. O
texto é uma rede de relações lingüísticas com a finalidade comunicativa. Ao
trabalhar-se com um texto deve-se considerar a rede de relações que o constitui
como elemento de comunicação76.
O texto, do ponto de vista semiótico, é qualquer comunicação com signos,
podendo ser oral ou escrito. É uma unidade lingüística estruturada e harmônica
destinada à comunicação. É um conjunto de frases que tem em comum o mesmo
tema, a mesma situação comunicativa. As frases podem estar unidas por meio de
artifícios formais (conjunções, preposições, pronomes...) ou por meio de relações
de tipo semântico ou pragmático77. Os níveis inferiores que compõem a frase são

75
Cf.: GRILLI, M., Consideraciones en torno a la sintáctica, p. 32.
76
Cf.: Ibid., p.34.
77
Uma primeira dimensão da linguagem humana é a dimensão do agir. Usando a linguagem,
agimos. No ato de dizer algo, fazemos também algo. A expressão lingüística pode ser proferida
tendo como finalidade produzir determinado efeito, exercer influência sobre as pessoas. Uma
relação de tipo pragmático é aquela que visa causar determinado efeito (ação, reação) ao ser
proferida. Isto será apresentado de modo mais detalhado na análise pragmática.
31

os sintagmas78 e as palavras79. Um texto é um tecido80 ou uma rede de relações


lingüísticas com a finalidade de uma interação comunicativa. O texto é um macro
signo com o qual se relacionam todos os outros signos lingüísticos. O importante
em um texto é que tenha organização interna, coesão sintática e coerência
semântica. A lingüística tradicional ao estudar um texto ocupa-se das pequenas
unidades e depois das unidades maiores. Já a lingüística moderna toma o texto
como um todo e, posteriormente, o segmenta em unidades superiores e
inferiores81.
Vejamos as relações da sintática com disciplinas afins: em relação ao
estruturalismo a divisão em pequenas seqüências é comum; em relação à retórica,
a sintática textual compartilha a convicção de que a organização do texto tem
como finalidade o envolvimento do ouvinte/leitor; em relação à análise narrativa,
a sintática textual compartilha a atenção pelo modo como a história vem narrada e
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aqueles componentes que constituem a estrutura formal da narração82.

1.2.1.3.
Operacionalidade da análise sintática

A sintática desempenha um importante papel na determinação da semântica


e da pragmática de um texto. A análise sintática do tecido textual é o primeiro
momento para compreender a distribuição e a delimitação da informação.
A análise lexical sintática estuda o texto na sua articulação formal, visando:
delimitar o texto, determinar os vocábulos usados, a estrutura83, a associação das
palavras e frases que o autor usou para dar ao texto uma sistematização orgânica.
Os critérios de organização não são de ordem conceitual, mas gramaticais,
sintáticos e estilísticos.84 Uma vez analisado o texto em seu aspecto formal, busca-
se a divisão do mesmo baseando-se em seus indícios estruturais (repetições de

78
Sintagmas são proposições com conteúdo semântico.
79
Cf.: GRILLI, M., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 670
80
Paul Riccoeur apresenta algumas questões importantes para serem abordadas antes da
aproximação de um texto para explicá-lo e/ou compreendê-lo. Cf.: Riccoeur, P., Qu’est-ce q’un
Texte? Expliquer et Compreendre, p.180.
81
Cf.: GRILLI, M., Consideraciones en torno a la sintáctica, p. 35.
82
Cf.: Ibid., p. 39.
83
Com a análise sintática objetiva-se também realizar uma divisão do texto com base nos indícios
sintáticos.
32

palavras, inclusões, mudança de tempo, novos personagens). Vejamos de modo


pormenorizado cada um dos elementos indicados acima85.
Delimitação do texto86: Para a delimitação do texto o critério mais
importante é que a perícope delimitada forme um todo coeso e orgânico, de forma
que seu início e fim sejam identificáveis.
Para a análise lingüístico-sintática87 deve-se fazer um levantamento dos
elementos lingüísticos que mais se destacam no texto a partir das diversas
análises:
1) Análise lexical sintática: examinar a existência de vocábulos, expressões
ou frases de destaque no texto, bem como o emprego de termos característicos ou
não pelo autor.
2) Análise das categorias e formas gramaticais: elencar as categorias e
formas gramaticais em destaque no texto, como substantivos, verbos, advérbios e
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preposições.
3) Análise das conexões: examinar como palavras, expressões e frases
encontram-se relacionadas entre si. Para tal, observar de modo especial, as
conjunções empregadas. Conjunções coordenativas: aditivas (e, nem),
adversativas (mas, contudo, porém), alternativas (ou, ora, quer, seja, nem, já...),
conclusivas (logo, pois, portanto, por conseguinte...), explicativas (que, porque,
pois, portanto). Conjunções subordinativas: causais (porque, pois, porquanto,
visto que...), concessivas (embora, conquanto, ainda que, mesmo que, se bem que,
apesar de que...), condicionais (se caso, contanto que, salvo se, desde que, a
menos que, a não ser que), conformativas (conforme, segundo, consoante), finais
(para que, a fim de que...), proporcionais (à medida que, à proporção que...),
temporais (antes que, depois que, até que, logo que...) comparativas (como, assim
como, bem como...) e consecutivas (tal, tanto, tão, tal que, tanto que). Além das
conjunções observar eventuais predileções por determinadas introduções de

84
Cf.: GRILLLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p. 26.
85
O método pragmalingüístico da Bíblia possui pontos de contato como o Método Histórico
Crítico. Assim como o Método Histórico Crítico, pressupõe a tradução e a crítica textual.
Compartilha ainda com ele elementos da Crítica da Constituição do texto, Crítica da Forma,
Crítica do Gênero Literário e com esta a determinação do Sitz im Leben.
86
Para a delimitação do texto valem as indicações da Crítica da Constituição do Texto. Cf.:
SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., Metodologia do Antigo Testamento, p. 78-84. EGGER, W.,
Metodologia do Novo Testamento, p. 53-56.
87
Temos aqui novo ponto de contato com o Método Históco-crítico. Trata-se agora da utilização
dos procedimentos metodológicos da Crítica da Forma. Cf.: EGGER, W., op. cit., p. 74-84.
SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., op. cit., p. 95.
33

frases. Fazer um levantamento dos verbos que ocorrem, suas eventuais repetições.
Bem como, a ordem do sujeito e predicado.
Análise do estilo: examinar o emprego das formas de expressão lingüística
do texto, em especial a incidência de figuras estilísticas (substituição, acréscimo, a
omissão e a disposição) e retóricas, como a antonomásia, ironia, metáfora,
alegoria, metonímia, hipérbole, antítese, pleonasmo...
A análise da estrutura procura segmentar um texto e articular estas
partes. São, portanto, dois momentos: a segmentação divide o texto em partes
diversas e a articulação estabelece a relação entre elas. Uma segmentação a partir
de indícios fonemáticos é mais difícil. Apesar de que alguns elementos
fonemáticos possam ser usados para a segmentação88. Para realizar uma
segmentação em nível sintático é preciso estabelecer uma grade das proposições
do texto, anotando as principais e as subordinadas, cada um dos objetos,
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destinatários e circunstâncias que modificam o verbo. Neste sentido, diferencia


partes narrativas de discursivas, atentando para mudanças de pessoa, lugar, tempo,
interlocutores.
A partir destes procedimentos de análise sintática realiza-se um passo
fundamental na interpretação do texto enquanto unidade literária89. A finalidade
desta etapa é conhecer profundamente o texto. Esta análise preserva o intérprete
do perigo de impor ao texto aquilo que quer que ele diga. O texto deve ser
respeitado, pois o exegeta não é seu dono, mas seu servidor90. O fundamento
estrutural da comunicação encontra-se justamente no ordenamento de palavras,
sintágmas, proposições e frases. Cabe agora determinar o significado destes
signos lingüísticos. Isto será apresentado a seguir no segundo passo, a análise
semântica.

88
(...) "uma aliteração pode ser ajuda preciosa, por exemplo para identificar proposições
especialmente carregadas de sentido, de alusões e de pensamentos ou sentimentos que aparecem
num texto lírico. Além disso, a diferença entre prosa e texto rítmico pode estabelecer dois
momentos de um texto." SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., Metodologia do Antigo Testamento, p. 98.
89
Cf.: LENTZEN-DEIS, F., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e comunicazione, p. 735.
GRILLI, M., Autore e lettore, p. 456. BERGES, U., Lectura pragmática de 1 Sam 12, p. 370.
34

1.2.2.
Semântica

1.2.2.1.
Considerações Gerais

Semântica é a parte da semiótica que analisa as relações entre os signos e os


objetos por eles designados. Dito de outro modo, Semântica é a ciência do
significado das palavras. Por que o autor usou esta palavra e não outra? Como o
significado original de uma palavra mudou para o que existe agora? São algumas
questões da semântica.
Aconteceu no século XX um despertar dos exegetas para importância dos
problemas da semântica91. Foram criados novos métodos e terminologias. Um
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primeiro elemento de destaque é a distinção entre semântica diacrônica e


sincrônica. A semântica sincrônica busca descrever o significado de uma palavra
em um determinado contexto. Já a semântica diacrônica está relacionada com a
mudança do significado da palavra ao longo do tempo. As questões que envolvem
a etimologia das palavras são interessantes, porém a relevância está em determinar
o significado da palavra em seu contexto92. Por isso, o primeiro passo para
avaliação semântica de uma palavra é definir seu contexto. Nos textos orais os
indícios paralingüísticos como tom de voz, gestos, expressões do rosto podem
bastar para indicar o significado do texto. Já em textos escritos isto se torna mais
problemático. Existem diferentes contextos. Neste ponto, o conceito de contexto
pode ajudar. Pode-se distinguir alguns contextos: a) o contexto circunstancial
indica a identidade dos interlocutores, lugar e tempo onde ocorre a comunicação.
Emissor e destinatário do texto são influenciados por condicionamentos sociais,
religiosos e culturais em parte comum a ambos permitindo entrarem no processo
comunicativo. b) o contexto situacional refere-se ao lugar ou relação socio-
cultural na qual ocorre a comunicação (uma liturgia, um julgamento...). c) o
contexto interacional refere-se ao encadeamento de atos lingüísticos das partes

90
Cf.: BERGES, U., op. cit., p. 370. GRILLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p.
25.
91
A publicação de James Barr, The Semantics of Biblical Language (1961) é um marco na
aplicação de métodos científicos para entender o significado das palavras no âmbito bíblico. Cf.:
BARR, J., The Semantics of Biblical Language. SAWYER, J. F. A., Semantics, p. 616.
35

envolvidas na comunicação (acusação, defesa e sentença num julgamento)93.


Neste ponto, semântica e pragmática interagem.
Um segundo elemento de destaque é a teoria dos campos semânticos. Um
campo semântico é um conjunto de palavras ou frases que podem ser associadas
umas às outras no nível do significado. Este procedimento permite identificar
distinções semânticas sutis entre sinônimos, sem os traduzir em outro idioma onde
associações e distinções podem ser bastante diferentes. O objetivo principal da
semântica aqui é definir e estabelecer distinções precisas ou oposições entre
palavras associadas94.
Um terceiro elemento é a noção de alcance semântico. Este se revela útil
especialmente entre palavras de um idioma e seu equivalente mais próximo em
outro. O alcance semântico trata da especificidade de determinada palavra em
uma língua. Por exemplo: a palavra hebraica V;l+m e seu equivalente mais
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comum no português, "paz", possui um alcance semântico distinto. A palavra


V;l+m é associada com palavras que conotam saúde, abundância, em lugar de,
tranqüilidade, como sugere a palavra "paz" no português. E ainda, V;l+m é
contrária a palavras para doença e pobreza, em lugar de guerra95.
Quanto à relação entre semântica e pragmática: a distinção entre semântica e
pragmática é complexa. Não só pela noção de pragmática que é, em si,
problemática, mas pela dificuldade de definir o âmbito semântico. A definição de
"significado" é de competência de várias disciplinas96. A partir desta distinção
pouco clara entre as duas disciplinas podemos destacar três possibilidades para
tratá-las: a) "semanticismo": a pragmática está inserida na semântica; b)
"pragmaticismo": a semântica está inserida na pragmática; c)
"complementarismo": as duas ciências são vistas como complementares97. A
partir da distinção entre língua e fala feita por Saussure98 é possível estabelecer a
devida delimitação e relação entre sintática, semântica e pragmática. A língua é
um sistema de signos que expressam idéias. A fala é a expressão da língua. A
língua é um sistema de símbolos aprendidos por um sujeito individual. A fala é

92
Cf.: SAWYER, J. F. A., op. cit., p. 617.
93
SIMIAN-YOFRE, H., Pragmalingüística, p. 89-90.
94
Cf.: SAWYER, J. F. A., op. cit., p. 617.
95
Cf.: SAWYER, J. F. A., op. cit., p. 618.
96
Cf.: GRILLI, M., Autore e lettore, p. 455.
96
Cf.: GRILLLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p. 22.
97
GRILLI, M., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 667-668.
36

um ato individual da vontade e da inteligência humana. Língua e fala se


relacionam, porém são distintas. A sintática e a semântica estão mais na linha da
língua e a pragmática na linha da fala. A semântica estuda as regras da gramática
para interpretação. A pragmática estuda os princípios. As regras são
convencionais e determinadas; os princípios da pragmática são indicadores
genéricos, não são convencionais, nem determinados99.
A semântica moderna não considera o significado como um conceito
autônomo. O significado é sempre o significado numa determinada situação
comunicativa. O contexto no qual está inserido o significado é parte integrante do
significado100. Semântica e pragmática podem ser ciências correlatas, contudo é
importante manter o específico de cada uma. A semântica pergunta: o que isso
quer dizer? E a pragmática pergunta: o que realizo ao dizer isso101?
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1.2.2.2.
Operacionalidade da análise semântica

Uma metodologia da semântica ajuda a captar e explicar o significado das


palavras, frases e textos. Embora interligados, é possível tratar separadamente os
vários aspectos: semântica da palavra, semântica do texto e semântica das
estruturas narrativas 102.

1.2.2.2.1.
Semântica da Palavra103

O significado de uma palavra depende geralmente do contexto em que é


usada, sobretudo palavras polissêmicas. As palavras são consideradas como
lexemas. A semântica das palavras se ocupa de cada lexema em particular e do

98
Cf.: SAUSSURE, F., Curso de lingüística geral, p. 22.
99
Cf.: MORA PAZ, C., Consideraciones en torno a la semántica, p. 51-53.
100
Cf.: GRILLI, M., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 668.
101
Cf.: Id., Autore e lettore, p.455.
102
Cf.: GRILLLI, M., Comunità e Missione: le direttive di Matteo, p. 26. EGGER, W.,
Metodologia do Novo Testamento, p. 90.
103
Cf.: EGGER, W., op. cit., p. 107-112.
37

lexema num determinado contexto. O significado preciso de um lexema é


encontrado a partir das relações nas quais se encontra. As relações podem ser
sintagmáticas ou paradigmáticas.
A relação sintagmática é aquela entre lexemas dentro de um sintagma. Por
sintagma entende-se a relação linear de lexemas numa cadeia significativa de
palavras104.
A relação paradigmática é aquela em que um grupo de expressões em certo
ponto da cadeia de palavras pode ser substituído, produzindo sempre expressões
significativas105.
Para estudar o sentido dos lexemas a partir do contexto específico em que
ocorrem é importante levar em conta os "motivos" e "campos". Os "motivos"
representam certos significados específicos atribuídos a alguns vocábulos, pelo
fato de serem usados com freqüência em contextos iguais ou parecidos. "Campos
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semânticos" indicam certos grupos de palavras com significados afins ou certos


contextos que provocam sempre uma associação idêntica de vários vocábulos.
Qualquer lexema adquire o seu significado preciso no contexto em que se
encontra.
Na análise semântica as palavras do texto são selecionadas em grupos
(verbos, substantivos, adjetivos...) e também em campos semânticos. O
significado concreto não depende só das palavras, mas do contexto no qual elas
foram inseridas. É importante também saber qual é a relação de autoridade que
existe entre os interlocutores. Finalmente, um fator determinante na análise
semântica é a identificação do gênero literário106.
Eis alguns procedimentos metodológicos para detectar os componentes
semânticos de uma palavra: elencar as passagens nas quais ocorre a palavra
analisada através de uma concordância; estabelecer em que contexto ocorre a
expressão; agrupar os textos nos quais aparece a palavra segundo os tipos de texto
ou gêneros literários; citar as expressões nas quais a palavra ocorre
freqüentemente; compilar uma lista de palavras que são semanticamente afins ou

104
Exemplo de sintagma: "o homem olha o plano". Para se reconhecer o significado de uma
palavra numa relação sintagmática basta analisar as seguintes frases: "ele analisa o plano", "ele
fica no plano superior". A partir da relação entre as palavras o significado de "plano" torna-se claro
nas duas frases.
105
No sintagma: "ele fica no plano inferior", o lexema "plano" pode ser substituído por "nível",
"piso", etc.
106
Cf.: BERGES, U., Lectura pragmática de 1 Sam 12, p. 370.
38

contrárias à palavra a analisar; compilar as características semânticas comuns e


diferentes das palavras confrontadas; apresentar as características semânticas da
palavra analisada e buscar uma palavra portuguesa que possui análoga riqueza de
características semânticas107.

1.2.2.2.2.
Semântica do texto

Eis alguns procedimentos metodológicos para a análise semântica de um


texto no seu conjunto: agrupar os lexemas/vocábulos de significados afins108;
definir as oposições semânticas e reagrupar os eixos semânticos e as oposições em
grupos mais amplos; identificar a unidade semântica que permeia todo o texto e
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explica as transformações das quais fala o texto. Para tal sugere-se o uso do
quadrilátero semiótico de A. J. Greimas109.
Quadrilátero semiótico aplicado a Mc 10, 17-31110
Riqueza tesouro no céu
Apego à família adesão a Jesus
e à riqueza seguimento

Não há tesouro no céu não há riqueza


Não há adesão a Jesus desapego da família e da riqueza

107
Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 112.
108
Um inventário completo de todos os campos semânticos poderia por um lado evitar que se
levasse em consideração só alguns elementos, mas por outro lado demanda muito tempo e pode até
criar confusão. Simian-Yofre oferece alguns critérios para reduzir a quantidade de material a ser
analisada. O primeiro seria privilegiar as expressões auto-semânticas (que contêm em si um
significado). Estas contribuem mais decisivamente para o significado do texto que os vocábulos de
função (preposições, conjunções, negações...). Segundo, fazer uma estatística dos vocábulos, para
por em destaque as expressões que aparecem com freqüência também aquelas que aparecem uma
única vez. Terceiro, levar em consideração os vocábulos característicos de determinado autor.
SIMIAN-YOFRE, H. (Org.)., Metodologia do Antigo Testamento, p. 94-95.
109
GREIMAS, A. J., Du Sens, p. 159-161. EGGER, W., op. cit., p. 96-97.
110
Aqui neste exemplo é tratado apenas um aspecto deste texto do Evangelho de Marcos. Cf.:
EGGER, W., op. cit., p. 97.
39

Existem também procedimentos mais sintéticos de análise semântica:


reescrever o texto recolhendo numa coluna todas as partes que entram numa
determinada classe gramatical (sujeitos, predicados, objetos, circunstâncias); para
texto mais longos, fazer um índice dos conteúdos (o que acontece, quem age,
quando, porquê...); dar títulos às partes do texto e compará-los; escolher o
versículo mais importante e justificar a escolha; comparar com textos afins111.

1.2.2.2.3.
Análise narrativa

Em textos em prosa narrativa a análise narrativa pode dar sua contribuição.


A análise narrativa estuda dois eixos semânticos: as ações e os agentes, bem como
as relações entre eles. Existem muitos modelos para a análise de texto narrativo.
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Existem os modelos que consideram as seqüências de ações e os que privilegiam


os vetores (portadores) da ação112.
Segundo o modelo das seqüências de ações, em cada narrativa há pontos
nodais que se abrem, pelo menos em tese, a desenvolvimentos alternativos. Para
compreender a narrativa estes pontos são fundamentais. Na narração, somente
uma das alternativas é desenvolvida, porém a abertura a outras possibilidades
ajuda a evidenciar a importância das alternativas e as conseqüências de uma
decisão. Eis um esquema elementar deste modelo:
• Cura
• O médico vem • Não cura
• chama o • O médico não
médico vem
• Situação que • Não chama o
Abre uma médico
possibilidade:
Alguém doente.

111
Cf.: Ibid., p. 97-98.
112
Para uma panorâmica dos métodos cf.: GÜLICH, E.; RAIBLE, W., Linguistische Textmodelle.
40

Segundo o Modelo para a análise nos atores/vetores de ação113, enfoca-se


as relações existentes entre os vários agentes que aparecem nas narrativas. Pode
ser empregado de duas maneiras:
a) O texto como um jogo entre várias funções. Este tipo de análise procura
mostrar o tipo de ação desenvolvida pelos vários atores no texto. Para isto busca-
se responder algumas perguntas: que pessoas agem no texto? Que funções
desempenham? Que relações existem entre elas? Que interesse procuram?
b) Modelo dos atuantes. Greimas propôs um modelo onde considera a estrutura
permanente que está atrás de toda a narrativa, como já foi exposto. Seu diagrama
revela seis elementos de uma narrativa (assunto, objeto, remetente, receptor,
colaborador e oponente) e três eixos funcionais (comunicação, poder e volição).
Podemos exemplificar seu diagrama na narrativa do bom samaritano (cf. Lc
10,30-35).
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Remetente ------------------ objeto ------------------------ receptor


(Samaritano) (ajuda e cura) (o viajante)

Colaboradores ------------------ sujeito -------------------- opositores


(Óleo, vinho, hospedeiro) (samaritano) (sacerdote e levita)

Para determinar a oposição de cada agente em particular faz-se necessário


preparar uma lista dos agentes. A relação entre eles pode ser estabelecida por
meio de perguntas como: quem oferece o quê, a quem? Para determinar o
remetente, o objeto e o receptor. Quem colabora com quem? Para determinar o
colaborador e o sujeito. Quem cria obstáculo para quem? Para determinar o
opositor e o sujeito. Quem busca o quê? Para determinar o sujeito e o objeto114.
A análise narrativa limita-se, do ponto de vista metodológico, às ações e aos
agentes; só analisa as estruturas de ação, deixando em suspenso outros elementos.
De um modo geral este recurso metodológico é útil em narrativas breves, onde é
possível considerar todos os elementos narrativos115.

113
Cf.: WEGNER, U., Exegese do Novo Testamento, p. 255.
114
Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 124.
115
Cf.: Ibid., p. 122-123
41

Com estes procedimentos metodológicos descortina-se o aspecto semântico


do texto. Esta etapa vem somar-se àquela da análise sintática e será de
fundamental importância para a próxima e decisiva etapa, a pragmática.

1.2.3.
Pragmática

1.2.3.1.
Considerações Gerais

Na semiótica, a pragmática investiga um aspecto importante da linguagem, a


palavra como ação. Ela estuda como se estabelece, se mantém e se modifica a
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relação entre os interlocutores116. A pragmática parte do princípio de que o texto


pretende provocar algo em seus ouvintes/leitores. Um texto quase nunca é só para
informar. O autor quer levar o leitor a aceitar sua visão de mundo. Por isso, ele
toma como ponto de partida a situação de seus destinatários e, a partir daí, aplica
sua estratégia para que a opinião ou ação dos receptores se reforce ou se
modifique conforme a sua. Cada texto possui sua pragmática e assim tem sua
finalidade concreta e definida. A leitura pragmática busca averiguar esta
finalidade do texto117.

1.2.3.2.
Concepções de Pragmática

O momento da análise pragmática revela-se problemático por causa da falta


de uma descrição mais ampla da sua teoria, por não evidenciar suas implicações
hermenêuticas, nem apresentar suficientemente seu instrumental metodológico.
As origens destes problemas são: a diversidade de concepções de pragmática, a
falta de delimitação clara entre semântica e pragmática; o fato do ato lingüístico

116
Cf. GRILLI, M., Autore e lettore, p. 450. SIMIAN-YOFRE, H., Pragmalingüística, p. 83.
117
Cf.: LENTZEN- DEIS, F., Metodi dell’esegesi tra mito storicità e comunicazione, p.734.
BERGES, U., La lingüística pragmática como método de la exégesesis bíblica, p. 82.
42

ter validade para uso cotidiano da língua e apresentar dificuldades quando se trata
de textos literários e por causa da mudança de enfoque, proposto pela pragmática,
da diacronia para a sincronia.
Faz-se necessário tornar mais clara a concepção de pragmática. Para isto
apresentamos as principais concepções de pragmática desenvolvidas na
lingüística, enfocando sua importância para a compreensão dos textos bíblicos118.
Uma primeira concepção de pragmática a coloca como o estudo das relações entre
o sistema de signos e seus usuários. Ela leva em consideração os elementos
extralingüísticos que dão origem ao texto como: o tempo e o lugar das expressões,
as condições contextuais e as relações entre os emissores e destinatários. Apesar
de serem elementos importantes, só com eles não é possível avaliar
suficientemente aquilo que o emissor quis objetivar, nem o efeito produzido pelo
texto em quem o escuta. Diante disso surgem os questionamentos: será que não
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existe no próprio texto elementos lingüísticos capazes de provocar em seus


ouvintes um determinado efeito? Qual seria o papel do leitor de hoje na leitura e
interpretação do texto? Estes questionamentos são importantes para exegese
bíblica, caso tenha a intenção de usar a pragmática como elemento de sua análise.
Temos conhecimentos insuficientes das condições contextuais da origem dos
textos bíblicos e um dos objetivos da exegese pragmática é justamente abrir o
texto bíblico ao leitor de hoje.
Uma segunda concepção de pragmática a entende como competência
comunicativa. A pragmática estuda os elementos que tornam possível o domínio
da situação comunicativa. Leva em conta os elementos lingüísticos que provocam
nos receptores um determinado efeito. Tal concepção se interessa pelo autor e sua
competência comunicativa. Este modelo pode ser problemático para o estudo de
texto bíblico por dar peso ao autor, já que não conhecemos praticamente nada
sobre a maioria dos autores bíblicos. Podemos chegar a eles quase somente pelos
seus textos. Os dois modelos revelam-se problemáticos também por tratarem a
sintática, a semântica e a pragmática como momentos estanques ou autônomos.
A terceira concepção toma a pragmática no contexto de uma teoria do texto
mais ampla. Ela entende o texto como sendo o resultado da interação de diversos
fatores. Por um lado está o emissor como um indivíduo social concreto em uma
determinada situação, influenciado em sua forma de falar pelas capacidades
43

sociais e intelectuais de seus ouvintes/leitores. Do outro lado, estão as diversas


classes de texto e linguagens, as formas de interação social e a competência
comunicativa do emissor. Um tal modelo de pragmática crê que na base da
geração de um texto existe um processo decisório que é guiado por quem o
produz. Leva em conta principalmente o objetivo ou a ação visada pelo produtor
do texto sobre o receptor. Este modelo revela-se útil para a exegese, mas seria
necessário um elemento complementar: levar em conta também o receptor no
processo de construção do texto119.

1.2.3.3.
Teoria do Ato Lingüístico

Em resposta à exigência de uma concepção de pragmática que leve em conta


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também o leitor, temos as teorias do ato lingüístico120 e do leitor modelo.


A teoria dos atos lingüísticos é de Austin121. Inicialmente ele fez a distinção
entre atos constatativos e atos performativos. Quando alguém diante do padre
numa cerimônia de casamento diz "sim", não está descrevendo o que faz, mas
torna-se casado dizendo "sim". A este tipo de expressão lingüística Austin chama
de "performativa" (do verbo inglês "to perform") para distinguir das proposições
de constatação122. Com as expressões performativas executa-se a ação. Neste caso,
dizer alguma coisa significa fazer alguma coisa. Diante de tais sentenças não se
pergunta por sua verdade ou falsidade, mas pelas exigências que devem ser
cumpridas para que se realizem. Para que a ação realmente seja executada, é
necessário que um conjunto de fatores esteja em ordem além da expressão
lingüística. Os atos constatativos são verdadeiros ou falsos caso estejam ou não

118
Cf.: DILLMANN, R., Consideraciones en torno a la pragmática, p. 59-61.
119
C.: Ibid., p. 61-66.
120
Sobre a questão dos atos lingüísticos conferir a obra de Austin, o primeiro, que de modo
explícito, mostrou a importância de uma teoria do ato lingüístico. Cf.: AUSTIN, J. L., How to do
things with words, p. 101-108 .
121
Cf.: Ibid., p. 67-93.
122
Cf.: Ibid., p. 35.
44

em conformidade com a realidade123. Os atos performativos alcançam êxito ou


não, na medida em que as condições para sua realização são cumpridas ou não124.
Diante da dificuldade para estabelecer todas as condições para o êxito dos
atos performativos distinguindo-os dos atos constatativos, Austin propõe a teoria
dos atos de fala ou atos lingüísticos. Permanece no entanto a questão: que
significa afirmar que, dizer algo é realizar algo? Sendo assim, a teoria dos atos de
fala pretende esclarecer a tese de que a significação das expressões lingüísticas
consiste em seu uso. Um ato de fala qualquer é uma realidade complexa, contém
muitas dimensões. Para captar a ação lingüística em sua totalidade é preciso
analisar suas diferentes dimensões. Austin destaca três dimensões: atos locutórios,
atos ilocutórios e atos perlocutivos125. A primeira dimensão da linguagem humana
é a do agir; usando a linguagem agimos. Austin denomina ato locucionário126 à
totalidade da ação lingüística em todas as suas dimensões. Cada processo
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lingüístico é um tipo de ação humana, um ato locucionário. Um outro ato da fala é


o ilocucionário. No ato de dizer algo, também se realiza algo. Para determinar o
tipo de ato ilocucionário em questão é preciso perguntar como ele é usado, ou
seja, se para informar, questionar, fazer um juízo, exprimir uma intenção, apelar,
ameaçar, fazer um juízo, etc. O ato ilocucionário é aquele que se executa na
medida em que se diz algo. Executando atos locucionários e ilocucionários
realiza-se a terceira dimensão do ato da fala. Trata-se do ato perlocucionário,
aquele que provoca, por meio de expressões lingüísticas, certos efeitos nos
sentimentos, pensamentos e ações de outras pessoas. A expressão lingüística pode
ser proferida tendo como finalidade produzir determinado efeito em outra pessoa:
convencer, levar a uma decisão, provocar medo, etc. Os três atos são realizados
por meio da mesma expressão lingüística, por isso não são três atos distintos, mas
três dimensões do mesmo ato de fala127.

123
Um exemplo de ato constatativo: se alguém diz - "O rei João morreu". Caso realmente o rei
João tenha morrido, o ato constatativo é verdadeiro, caso contrário não. Já um ato performativo
como por exemplo o "sim" numa cerimônia de casamento, precisa de uma série de condições para
se verificar sua realização ou não.
124
Cf.: Ibid., p. 67.
125
Cf.: Ibid., p. 101.
126
Em alguns artigos ou livros existe uma denominação diferente para os mesmos atos
lingüísticos. Assim, visto que a proximidade sonora dos diversos atos lingüísticos e a diferença de
denominações podem causar certa confusão no entendimento dos mesmos, cabe esclarecer: ato
locutivo geralmente é tomado como ato proposicional; ato ilocutivo é o mesmo que ato prolacional
ou performativo; só o ato perlocutorio permanece idêntico.
127
Um exemplo pode ajudar a entender as diversas funções de um mesmo ato de fala (cf. 1 Sm 12,
20): que Samuel diga ao povo: "Não temais!" é um ato locucionário; que Samuel, por meio dessa
45

O primeiro ato, o locutório, não é muito relevante para a pragmática. Já os


outros dois o são. O terceiro, o ato perlocutório, é a realização eficaz do segundo,
um ato ilocutório. Os atos perlocutivos são ações que causam no ouvinte ou leitor
os efeitos desejados ou calculados. Por um lado, isto não pode ser de todo
aclarado em relação ao texto bíblico. O efeito produzido no leitor permanece em
suspenso e não é seguro que determinado texto de fato realizou o que queria
realizar128. Os textos bíblicos devem ser tratados como atos ilocutivos. Um ato
ilocutivo tem a intenção lingüística, por parte do emissor, de exercer no receptor
uma influência ao comunicar-se. Por outro lado, os textos bíblicos surgiram para
uma determinada situação, mas não exerceram sua influência só nela. Eles podem
ser repetidos em novas situações. O fato de qualificá-los de canônicos implica
justamente torná-los eficientes em outras situações. Existe uma continuidade da
mensagem. Assim, pode-se esperar a eficácia do texto também hoje. O significado
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de um enunciado não vem só do conteúdo da frase, mas da funcionalidade que ele


assume na comunicação129.

1.2.3.4.
Teoria do Leitor Modelo

Quanto à teoria do "Leitor Modelo"130, convém destacar que todo autor, ao


escrever seu texto, visa atingir um determinado tipo de leitor, atribuindo a ele
determinadas qualidades e exprimindo-as em forma de linguagem. O autor com
sua estratégia textual tende pois a produzir o seu leitor. Sendo assim, decodificar

expressão lingüística, procure tranqüilizar o povo, isso é o ato ilocutório; que por meio dessa
expressão Samuel consiga afastar alguém do medo, isso é o ato perlocutório.
128
Cf.: DILLMANN, R., Consideraciones en torno a la pragmática, p. 67.
129
Cf.: BERGES, U., La lingüística pragmática como método de la exégesesis bíblica, p. 87.
DILLMANN, R., op. cit., p. 68.
130
Vendo o texto como uma comunicação cristalizada entre autor e leitor, poder-se-ia perguntar de
qual autor e leitor se está falando. Surgiram diversos termos para responder a esta problemática.
Do lado do autor: narrador, narradores semióticos, metanarradores, sujeitos do enunciado. Do lado
do leitor: leitor empírico, leitor virtual, leitor ideal, leitor modelo, metaleitores. Cf.: GRILLI, M.
Autore e lettore, p. 450. BERGES, U., La lingüística pragmática como método de la exégesesis
bíblica, p. 84. Usaremos a expressão "Leitor Modelo" de Umberto Eco para unificar as expressões
evitando uma ambigüidade na leitura (tratar como conceitos de conteúdo diferente pelo fato de se
usar diferentes nomenclaturas) e por ser uma expressão, na nossa opinião, mais fácil de ser
compreendida . Cf.: ECO, U., Lector in fabula, p. 39.
46

um texto significa compreender a estratégia adotada pelo autor para construir seu
"Leitor Modelo"131.
Diante do texto bíblico convém perguntar: qual é o "Leitor Modelo" que o
texto bíblico apresenta? Qual é a relação que se estabelece entre ele e o leitor real?
Qual é a verdade de um texto bíblico? Para responder a estas questões convém
partir do conceito hebraico de verdade132. Enquanto para o grego a verdade
(alhvqeia) significa conformidade do pensamento com a realidade, para o hebraico
a verdade (un$b$) significa estabilidade, credibilidade e fidelidade. Pode-se dizer
então que a verdade de um texto bíblico, não está especificamente no caráter
"explicativo", mas no "experiencial", no campo da prática. A palavra de verdade
do texto bíblico não é só para ser compreendida, mas para ser obedecida. A
função do leitor modelo será de encarnar essa "verdade" oferecendo ao leitor real
uma exigência de praticá-la. O processo hermenêutico deverá evidenciar esta
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instância pragmática do texto bíblico. O leitor real entra em contato com a


verdade do texto bíblico, comunica-se com o Leitor Modelo que encarnou aquela
verdade. Os leitores de todos os tempos, de diversas culturas, classes sociais e
sensibilidade deverão interagir como o Leitor Modelo esboçado no texto e
configurar-se de acordo com o modelo por ele assumido, não copiando-o, mas
reinterpretando-o133.

1.2.3.5.
Operacionalidade da análise pragmática

Os procedimentos metodológicos da análise pragmática não podem ser


aplicados de modo mecânico. São apenas indicações de como por em ação os
recursos da análise pragmática. Cada texto tem sua especificidade e por isso a
ênfase pode ser colocada em um dos pontos da análise pragmática134.

131
O texto é um processo comunicativo dinâmico onde o leitor de um texto se torna também seu
autor. Assim sendo, pode-se distinguir entre autor abstrato e autor real, entre leitor modelo e leitor
real. O autor modelo e o leitor modelo são aqueles que estão contidos no texto. Já o autor real e
leitor real são os que hoje interagem com o texto. Cf.: DILLMANN, R., Consideraciones en torno
a la pragmática, p. 68.
132
Cf.: GRILLI, M., Autore e lettore, p. 455.
133
Cf.: Id., Evento Comunicativo e Interpretazione di un texto bíblico, p. 676. GRILLI, M., Autore
e lettore, p. 450. DILLMANN, R., op. cit., p. 68-69.
134
Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 136.
47

A análise pragmática indaga sobre as respostas que o texto quer provocar, o


"paradigma" ou "modelo" nos quais os leitores devem se reconhecer. Para realizar
esta tarefa pode-se utilizar os seguintes recursos:
Um modo funcional de aplicação da análise pragmalingüística em texto
bíblico pode ser aquele utilizado por Berges na sua análise do texto de 1 Sm 12135.
Ele utiliza a distinção proposta por Austin entre atos lingüísticos proposicionais
("de que trata o texto?"), prolacionais ("qual é a função do texto?") e perlocutórios
("qual é o efeito ou resultado do texto?"). Em relação aos atos lingüísticos
proposicionais busca-se identificar o que o texto afirma, nega, questiona, propõe...
Já em relação aos atos prolacionais busca-se identificar as expressões no texto que
têm certa força para ordenar, advertir e expressam a função ou finalidade do texto;
Com os atos perlocutórios procura-se identificar o que é provocado ou alcançado
quando se diz algo (convence, intimida, persuade, surpreende, engana) ou seja,
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qual é o resultado ou efeito produzido pelo texto136.


Para realizar a identificação de cada um destes três atos, segue a indicação
de algumas análises e procedimentos metodológicos:
1) Analisar os tipos de locuções utilizadas (discurso direto, indireto, locução
assertiva, diretiva, performativa), os indicativos de força, os vários tipos de
introdução, os modos dos verbos, a construção dos enunciados, a posição dos
advérbios e adjetivos, o valor comunicativo dos gêneros literários, das metáforas,
dos elementos retóricos ou a classe dos interlocutores numa narrativa, enfim, tudo
que revele a estratégia do autor para levar o leitor a assumir seu modelo de
ação137.
2) Identificar a finalidade ou intencionalidade do texto. Um procedimento
para perceber a finalidade do texto consiste em classificar os atos lingüísticos
bíblicos a partir de uma lista previamente elaborada onde os atos lingüísticos estão
divididos em grupos, como por exemplo: a) descrever, referir, comunicar, narrar,
contradizer; b) afirmar, assegurar, aprovar, negar, contestar; c) revelar, manifestar,
admitir, simular, negar; d) ordenar, convidar, pedir, exigir, exortar, permitir,
aconselhar, advertir, consolar; e) saudar, felicitar, agradecer138.

135
Cf.: BERGES, U., Lectura pragmática de 1 Sam 12, p. 171.
136
Cf.: AUSTIN, J. L., How to do things with words, p. 108.
137
Cf.: GRILLI, M., Autore e lettore, p. 458.
138
Cf.: EGGER, W., Metodologia do Novo Testamento, p. 132-134.
48

3) Analisar os fatores da comunicação. A análise da intencionalidade do


texto pressupõe que ele é parte de um processo comunicativo onde incidem
fatores como: emissor, destinatário, código, canal, contato e contexto. As
finalidades podem ser descobertas a partir do fator mais evidenciado pelo texto. A
cada um dos seis fatores da comunicação corresponde uma das funções da
linguagem. Uma mensagem orientada para o referente ou contexto tem
predominantemente uma função referencial. A função expressiva focaliza a
atitude do próprio emissor em relação ao conteúdo da mensagem. A função
apelativa está orientada para o receptor. A função de contato descreve mensagens
que servem para estabelecer, prolongar ou interromper a comunicação. A função
poética dá ênfase à própria mensagem. A função metalingüística é a linguagem
que se refere à própria linguagem139.
4) Detectar a intencionalidade explícita do texto. A intencionalidade
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explícita acontece quando o próprio texto apresenta a intenção do autor em


relação ao leitor, por exemplo: nas cartas, o sentido exortativo fica evidente
quando vem acompanhado por verbos como "rogo-vos" (Rm 12, 1; 16, 17) ou
"exorto-vos" (1 Tm 2, 1; 6, 13). Por isso, na análise pragmática deve-se perguntar:
quais são os dados explícitos do texto acerca da finalidade do autor? Em que
medida o texto explicita a que leitor se dirige? Que instruções diretas para o
pensamento e a ação dos leitores aparecem no texto?
5) Detectar a intencionalidade implícita do texto. A intencionalidade
implícita é o desejo do autor do texto escondido por detrás de suas estratégias
lingüísticas e literárias. Eis alguns exemplos de intencionalidade implícita: o autor
se dirige ao leitor através dos protagonistas do texto ou a história descreve a
solução de um problema levando o leitor a agir em conformidade com ela para
atingir os mesmos resultados; outras vezes, os textos apresentam como proposta
para o leitor, diferentes comportamentos e papéis, podendo induzir o leitor a
identificar-se inconscientemente com um ou mais personagens. A própria
dinâmica do texto pode levar o leitor a interagir com ele140. Neste caso deve-se
perguntar ao texto: (Para textos narrativos) com que pessoas do texto o autor se
simpatiza e com quais não se simpatiza? Quais as soluções propostas pelo texto
para determinados problemas do leitor? (Para textos discursivos) quem escreve, e

139
Cf.: EGGER, W., op. cit., p. 132-134.
140
Cf.: Ibid., p. 137-138.
49

quanta credibilidade merece? A que normas de comportamento está sujeito o


grupo de destinatários considerado? Que indicações fornecem o texto sobre a
relação de autoridade que existe entre autores e leitores141?
6) Verificar se o texto apresenta indícios de que a finalidade pretendida pelo
autor para o leitor modelo foi alcançada. Apresentar e analisar os valores e
atitudes despertadas no leitor empírico (leitor de hoje) pela leitura do texto.

1.2.4.
Conclusão

No século XX nasceu a semiótica em sentido estrito, ciência de toda e


qualquer linguagem. A partir dela desenvolveu-se a lingüística, ciência da
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linguagem verbal. A lingüística entrou em diálogo com outras disciplinas tais


como antropologia, história, sociologia... Os métodos de análise e interpretação
dos textos orais ou escritos foram se aprimorando. A questão da comunicação
recebeu um destaque especial, tornou-se alvo de novas investigações científicas.
Evidenciou-se que uma das instâncias da linguagem é a comunicativa. Ou seja, a
finalidade da palavra oral ou escrita é a comunicação. Esta comunicação foi
considerada de modos diferentes142.
Dentro de um modelo linear de comunicação, a linguagem foi considerada
um canal mediante o qual a mensagem era transmitida do emissor ao receptor. A
comunicação fluía numa direção. O emissor teria a intenção de influir, comunicar,
informar o destinatário. Um tal modelo considerou só a intenção do autor e não
levou em conta a contribuição do receptor.
No modelo interativo o receptor foi considerado um interlocutor ativo,
reagindo e respondendo à mensagem do emissor. Este modelo revelou-se mais
completo que o primeiro, porém não o suficiente. Apesar da inter-relação,
manifestou-se ainda estático. Indicava um tipo de comunicação que ocorria em
momentos diferentes. Onde uma pessoa ou era emissor ou receptor, à mensagem
de um correspondia a resposta do outro.

141
Cf.: Ibid., p. 138-139
142
Cf.: SIMIAN-YOFRE, H., Pragmalingüística, p. 78-81. GRILLI, M., Evento Comunicativo e
Interpretazione di un texto bíblico, p. 661-662.
50

O modelo dialógico considerou o envio e a recepção da mensagem como


eventos simultâneos. O receptor tornou-se ao mesmo tempo emissor, cooperando
na construção da mensagem. A comunicação não foi mais entendida como algo
que "um faz ao outro", mas como algo "que um faz juntamente com outro".
Neste ponto situa-se a teoria da comunicação consolidada a partir dos anos
sessenta e setenta. Ela sustenta que um texto é analisado não só a partir do
momento em que é gerado, mas também quando é recebido pelo destinatário.
Neste âmbito desenvolve-se a pragmática.
O pressuposto da pragmática é que todo texto não é simplesmente um
sistema fechado de signos funcionando independentemente do emissor e do
receptor, mas sim um importante ponto de contato entre os dois. A pragmática
concentra-se num aspecto essencial da linguagem, a palavra como ação. Ela
estuda um texto do ponto de vista de seus interlocutores: como se estabelece, se
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mantém ou se modifica a relação entre eles. O texto não é só um conjunto de


informações passadas do autor ao leitor. É uma mensagem que contém explícita
ou implicitamente a intenção do autor de influenciar seu destinatário e por outro
lado a disposição ou não do receptor de assimilar e responder à mensagem. Dito
em linguagem pragmática: o interesse não é somente pelo conteúdo de um
enunciado (a locução), mas também por sua intencionalidade (elocução) e por seu
efeito (perlocução).
A operacionalidade da pragmalingüística ocorre em três âmbitos já
explorados anteriormente: o sintático, semântico e pragmático. A clássica divisão
da semiótica de Charles Morris afirma: enquanto a sintática analisa o signo em
relação a outro signo, a semântica analisa o signo em relação ao significado e a
pragmática analisa o signo em relação ao uso que dele faz o emissor e o receptor.
O método pragmalingüístico aplicado à Sagrada Escritura não despreza o
trabalho realizado a partir do Método Histórico Crítico. Ao contrário, integra
elementos do referido Método e procura potenciá-los a partir de uma concepção
do texto como parte do processo comunicativo dialógico. Os pontos de contato
entre método Pragmalingüístico e Histórico Crítico já acontecem nas etapas
básicas de aproximação do texto: Tradução e Crítica Textual que estabelecem a
materialidade do texto a ser estudado. Compartilha com ele elementos da Crítica
da Constituição do Texto e Crítica da Forma. A delimitação e a segmentação do
texto é feita com base nos indícios formais sintáticos e semânticos. A Crítica dos
51

Gêneros Literários bem como a determinação do "Sitz im Leben" são também


expedientes usados no método pragmalingüístico. Todos estes elementos de
análise concorrem para a etapa que visa explicitar a função e a finalidade do texto,
a etapa pragmática. Nela, o texto é visto como ação, tanto do seu produtor como
dos seus mais diretos interlocutores, os leitores modelo, e também dos atuais
leitores.

1.3.
Resumo dos Passos Metodológicos da Pragmalingüística

Apresentaremos a seguir, de forma sintética, os procedimentos


metodológicos da Pragmalingüística aplicados à Bíblia. Como já foi apresentado
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acima, existem pontos de contato com o Método Histórico Crítico que ajudam na
aproximação do texto, sobretudo na sua materialidade, em seu aspecto formal. No
uso dos procedimentos é preciso levar em conta a diversidade e a especificidade
dos textos que poderão exigir maior dedicação em um aspecto do que em outro.

Passos Exegéticos Caracterização


Tradução Realizar uma primeira tradução provisória do texto
como ponto de partida para o estudo.

Crítica Textual Decodificar o aparato crítico e aplicar os critérios de


evidência externa e interna para a avaliação das
variantes.

Análise Sintática: 1) Delimitar o texto (averiguar sua unidade).


2) Analisar sintaticamente as proposições em si
mesmas e em suas relações observando a
utilização dos modos verbais, dos nomes e das
partículas.
3) Analisar a freqüência dos morfemas e lexemas.
4) Identificar e avaliar as figuras de estilo.
52

5) Segmentar o texto e analisar a estrutura do texto


a nível sintático.

Análise Semântica 1) Detectar os componentes semânticos de cada


palavra (grupos e campos semânticos).
2) Analisar semanticamente o texto no seu
conjunto.
3) Análise narrativa.
4) Identificar o gênero literário.

Análise Pragmática 1) Estratégias via Atos Lingüísticos:


• Identificar os atos locutivos ou proposicionais:
apresentando e analisando o que o autor afirma,
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nega, questiona, propõe....


• Identificar os atos ilocutivos ou prolacionais:
apresentando e analisando os dados explícitos e
implícitos do texto acerca da finalidade do autor.
• Identificar os atos perlocutórios: verificando se o
texto apresenta indícios de que a finalidade
pretendida pelo autor para o leitor modelo foi
alcançada; Identificando e analisando os valores
e atitudes despertadas no leitor empírico (leitor
de hoje) pela leitura do texto.
2) Estratégias via Leitor Modelo
• Identificar o perfil do leitor modelo objetivado
pelo autor. Ou, qual o leitor modelo que
transparece no texto através da estratégia literária
do autor?
• Identificar a estratégia usada pelo autor para
construir seu leitor modelo.
• Identificar a relação de autoridade do autor
modelo em relação a leitor modelo.
53

• Identificar e analisar os valores apresentados


pelo autor ao leitor modelo.
• Identificar e analisar as estratégias utilizadas
pelo autor para que o texto possa atingir sua
finalidade.
• Estabelecer a relação entre o leitor modelo e o
leitor empírico.
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