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A menina

do candieiro

Por Cecília Schucman


Daniela Munafó
Nana Ishida
livremente inspirado no conto
“a menina da lanterna”
de autoria desconhecida
A menina do candieiro
Mas o caranguejo, com seu andar rasteiro e de lado foi se afastando
(Por Cecília Schucman, livremente inspirado no conto “a menina
enquanto repetia com muita pressa: “- Eu não posso ajudar, pra
da lanterna” de autoria desconhecida”)
água vou voltar. Eu não posso ajudar, pra água vou voltar.”

Decepcionada, a menina continuou caminhando, agora na direção


Era madrugada. Nem o galo havia cantado, nem o sol despertara
contrária ao mar. Seguia para o interior, por uma estradinha de ter-
no horizonte ainda e a menina do candieiro já havia partido com
ra toda ladeada por mato. E, de repente, ouviu um assobio estranho
sua luz muito brilhante pelas pedras da costa do mar. De repente,
e um som de patas pesadas batendo no chão. Viu algo se mexendo
um vento agitou as ondas que bateram contra as pedras e respinga-
ao longe por entre as plantas. Tentou avistar o que era. “– Esse cor-
ram na menina apagando a luz do seu candieiro.
po parece ser um corpo de porco.” - pensou enquanto levantava os
pezinhos para enxergar melhor.
“– E agora?!” - Exclamou a menina, perdendo o sorriso que carre-
“Estes cascos parecem cascos de boi!” - pensou, enquanto abria
gava. “- Como vou reascender meu candieiro?”
com as mãos uma clareira na mata. “E estas orelhas parecem de ca-
valo”. - Pensou encafifada. E quando se aproximou, viu um focinho
A menina olhou para todos os lados mas não achou ninguém. An-
que lembrava uma pequena tromba de elefante.
dou mais um pouco e sentiu um beliscão no seu pé!
“– Aah! É você, dona anta!” - Advinhou a menina. “- Dona anta, as
“– Ai, ai , ai!” - Gritou a menina! “Quem é que me beliscou aí em
ondas do mar respingaram no meu candieiro e apagaram a minha
baixo?”
luz. Será que você não sabe quem poderia acendê-la?” E a anta
respondeu bocejando: “- Não sei, não. Pergunte a outro, pois estou
Então, ela chacoalhou seu pé e viu um caranguejinho correndo li-
cansada da caça noturna e já está amanhecendo, preciso cochilar
geiro pelas pedras.
um pouquinho.”

“– Aha, foi você!” Exclamou a menina. “ - Não fuja para a água!


A menina seguiu o caminho aberto pela dona anta no meio da
Volte aqui!” - A menina pediu aflita. “– As ondas do mar respinga-
mata, adentrando cada vez mais para o interior. Foi quando viu
ram no meu candieiro e apagaram a minha luz. Será que ao invés
surgir ligeira uma jaguatirica que estava caçando na floresta e se
de me pinicar você não saberia me dizer quem poderia reacender
esgueirava entre o capim.
meu candieiro?”
Espantada, a jaguatirica levantou seu focinho, farejando, quando
descobriu a menina por alí e, antes que a menina pudesse lhe pedir Rendeiras
qualquer coisa, foi dizendo:” livre adaptação de Daniela Munafó a
partir da melodia das rendeiras
de Barra da Lagoa transmitida no
documentário "Cantigas da Ilha"
- Vá embora, menina espantalho, se não sair daqui agora como hei
de terminar o meu trabalho? Minha fome é grande, não posso dar Bb Eb Bb F7 Eb Bb
chance ao azar. Se não devoro um bichinho, é você quem vou de- b 96 j j
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vorar.” œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ. ˙.
No te - cer da mi - nha ren - da u - um des - ti - no se - e re - ve - la
No meu bil - ro ca - da fio . é - é dou - ra - do co - o - mo ou - ro
A menina saiu correndo, assustada. Correu, correu, até que, sem
perceber, aproximou-se da varanda de um casebre onde encontrou Bb Eb Bb F7 Eb Bb

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três senhoras cantando e fazendo rendas. A menina parou alí para
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œ œ jœ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ.
recuperar suas forças, sentou ao lado das senhoras e ficou ouvindo œ ˙.
o que cantavam. Não

há na - da mais
no al - to
bo - ni - to que - e
re - lu - zin - do de - e - ve
bri - lhar
ser
a - qui - i
o me - eu te - sou
na Ter -
-
ra
ro

(Melodia de mulher rendeira) Bb7 F7 Bb Eb Gm F Bb

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No tecer da minha renda œ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙.
Um segredo se revela
Ô - ô - le mui - é ren - dei - ra Ô - ô - le mui - é ren - dá
. . . . . . . . . . . . . . . .
Não há nada mais bonito Bb Eb Bb F7 Eb Bb
Que brilhar aqui na Terra. b j j Œ.
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œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ ˙.
Olê muié rendeira, A - lu - mi - a o ca - mi - nho pra - a me - ni - na se/e - en - con - trar
. . . . . . . . . . . . . . . . .
olê, muié rendá
Alumia o caminho,
Pra menina se encontrar.

Quando já havia se acalmado, perguntou.


“– Boa tarde, senhoras rendeiras. Será que vocês sabem como me
ajudar a acender o meu candieiro?” ©Adaptado por Daniela Munafó
Mas as mulheres nada lhe disseram, apenas entoaram mais um ver- Canção candieiro (vila lobos)
so de sua cantiga.
Candeeiro entrai na roda, entrai na roda sem parar
No meu bilro cada fio Quem pegar o candieiro, candieiro há de ficar.
É dourado como ouro
Lá no alto reluzindo As crianças passavam o candieiro de uma para outra enquanto a
Deve ser o meu tesouro. menina pedia para elas lhe devolverem. “- Parem com isso e devol-
vam meu candieiro!” Ela gritava. Mas as crianças cantavam cada
Olê muié rendeira, vez mais alto divertindo-se com a brincadeira.
olê, muié rendá
Alumia o caminho, Canção candieiro (vila lobos)
Pra menina se encontrar.
Candieiro entrai na roda, entrai na roda sem parar
Ouvindo a canção, a menina percebeu que alí ninguém iria acender Quem pegar o candieiro, candieiro há de ficar.
seu candieiro. Despediu-se das rendeiras e seguiu ainda mais para
o interior. Porém aqueles versos da canção ficavam voltando na sua Até que, na última palavra da canção, uma delas largou o candieiro
cabeça! de volta na mão da menina gargalhando, enquanto apontava para a
menina dizendo: “- Vai ficar sozinha, vai ficar sozinha!”
No meu bilro cada fio
É dourado como ouro
Lá no alto reluzindo
Deve ser o meu tesouro.

A menina caminhava pensativa quando duas crianças lhe cruza-


ram o caminho. Assim que viram o candieiro em sua mão, gritaram
uma pra outra: “ - Bora brincar de candieiro!”
Então as crianças cercaram a menina e lhe tomaram o candieiro das
mãos cantando:
Irritada e chateada, a menina fugiu com seu candieiro. Correu rapi-
damente até não aguentar mais. Quando parou, olhou ao redor. Já
Candieiro era noite. Andava agora lentamente e chorava quase sem esperan-
A partir do arranjo ça. Mas, de repente, percebeu algo como uma luz piscando. Olhou
de H. Villa-Lobos
para cantiga popular para cima e viu que o céu estava muito estrelado. Cinco estrelas
brilhavam mais que todas apontando em uma direção. Era o Cru-
zeiro do Sul! A menina sentiu o coração bater mais forte. Aquelas
Eb Bb Eb estrelas estavam piscando para ela como se quisessem lhe contar
b 2 .. .
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algo. Então, a menina seguiu com pressa e esperançosa na direção
œ œ œ œ œ que as estrelas apontavam quando ouviu uns sons de tambores.
Can - di - ei - ro/en - trai na ro - da/en - trai na ro - da sem pa - rar Quem pe -

“– O que é aquilo?” Ela sussurrou para si mesma ainda ofegante.


“- Será que alí há alguém pra me ajudar a encontrar a minha luz? “
Ab Eb Bb Eb Bb

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Aproximou-se do local e viu um terreiro com uma porção de gente
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batendo palmas e dançando em um ritmo tão gostoso que era im-
gar o can - di - ei - ro can - di - ei - ro/há de fi - car Co - co - ro - có can - di - ei - ro Si -
possível não começar a dançar também.

Jongo de Daniel Reverendo ( apresentado por Rosângela Macedo)


Eb Bb Eb

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œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Quero ver você crescer
œ œ œ Em volta da sua casa
nhá Eu não sou cas - ti - çal can - di - ei - ro Si - nhá Can - di
Colhendo lírios do campo auê
Que o seu caminho é o sol
Que o seu caminho é o sol
Que o seu caminho é o sol.
A menina dançou até ficar bem cansada. Depois sentou-se em um
Ponto de Jongo pedaço de tronco alí do terreiro e acabou adormecendo apoiada em
Daniel Reverendo seus joelhos.
Transmitido por
Rosângela Macedo

Quando o sol surgiu no horizonte a menina acordou. Lembrou-se


Bb Eb Bb de tudo que havia vivido no dia anterior, de todos os encontros
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que havia tido e principalmente das canções que havia ouvido e
entendeu. “- É isso!” - Ela gritou como se tivesse descoberto como
Que - ro ver vo - cê cres - cer em vol - ta da su - a ca - sa Co -
acender seu candieiro! “- É isso! “
F7 Gm Eb F7 Bb

b œ œ œ œ œ œ œ œ ‰ . Rœ œ œ œ œ œ œ œ. ≈ œR A menina olhou na direção do sol e correu o máximo que pôde su-


&b
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bindo uma montanha para aproximar-se dele. Ao chegar no pico da


lhen - do lí - rios do cam - po/au - ê! Que/o seu ca - mi - nho/é o sol Que/o montanha ela colocou seu candieiro no chão e cantou tudo aquilo
Eb F7 Bb Eb F7 Bb
que havia ouvido desde que seu candieiro se apagara.
b œ œ œ œ œ œ œ œ. œ œ œ œ œ œ œ
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“Os fios do meu bilro


seu ca - mi - nho/é o so - ol Que/o seu ca - mi - no/é o sol São dourados como ouro
O que brilha lá no alto
Bb Eb
œ œ œ
Gm F7

b œ œ œ œ œ œ œ œ œ œ
Deve ser o meu tesouro”
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La - lai - ê La - lai - ê La - lai - ê Lai - ê Lai - ê “Candieiro entrai na roda, entrai na roda sem parar
Quem pegar o candieiro, candieiro há de ficar.”

“Que o seu caminho é o sol


Que o seu caminho é o sol”

Enquanto cantava, seu candieiro voltou a ter luz. Ela virou-se para
pegá-lo do chão e surprendeu-se! “ - Meu candieiro está aceso nova-
Transcrito por Daniela Munafó
mente! Meu candieiro está aceso novamente!” Ela olhou para o sol
Luz do Candieiro
Daniela Munafó

e disse: “- Agora eu já sei o que devo fazer.”


F C7

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A menina desceu a montanha carregando sua luz e cantando. œ œ œ œ œ œ œ œ œ. œ œ œ œ
Meu can - di - ei - ro/a - cen - deu lá no ter - rei - ro Seu bri - lho/é
“Meu candieiro acendeu lá no terreiro,
C7 F F C7
Seu brilho é forte alumia o mundo inteiro
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Ninguém apaga a chama da minha esperança œ œ œ œ œ œ œ œ œ. œ œ œ œ


Ela é sagrada, vive em toda criança.” for - te/a - lu - mi - a/o mun - do/in - tei - ro Meu can - di - ei - ro/a - cen - deu lá no ter - rei - ro Seu bri - lho/é

C7 F F Bb
Ao chegar no terreiro, todas as pessoas lhe sorriram e começa-
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ram a cantar junto a sua canção. Ao passar pelas rendeiras, o coro


de vozes aumentou. As crianças que brincaram com o candieiro for - te/a - lu - mi - a/o mun - do/in - tei - ro Nin - guém a - pa - ga/a cha - ma da mi - nha/es - pe - ran - ça e - la/é sa -
da outra vez aproximaram -se e começaram a lhe seguir cantan-
do junto também. Os animais da floresta aproximaram-se man- C7 F F Bb

samente e caminharam ao seu lado até às pedras do mar onde


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o caranguejo apareceu, mas desta vez sem lhe beliscar os pés. O œ œœœ œœ œ œœ œ œ œ œ œœ œ
mar estava calmo e uma brisa leve soprou em todos um chei- gra - da vi - ve em to - da cri - an - ça Nin - guém a - pa - ga/a cha - ma da mi - nha/es - pe - ran - ça e - la/é sa -

ro de horizonte! As pessoas contemplaram os tons laranja-a-


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vermelhados que o sol deixava ao desaparecer. E quando a noite
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caiu, ninguém sentiu frio, nem medo de escuro porque a luz do œ œ œ œ
candieiro da menina aquecia e iluminava os corações de todos. gra - da vi - ve em to - da cri - an - ça Meu can - di

©Daniela Munafó
Ficha técnica:
Cecília Schucman: texto, narrativa
Daniela Munafó: composição, arranjo, piano, voz, percussão
Marcos Alma: arranjos, cordas, percussão, coro, captação e mixagem
Nana Ishida: ilustração e consultoria sobre arquétipos do conto original
Agradecimento especial a Rosângela Macedo por nos apresentar o Ponto
de Jongo de Daniel Reverendo.

Trilha sonora por ordem de entrada:


Luz do Candieiro (instrumental) - composição de Daniela Munafó
Canção das rendeiras - livre adaptação de Daniela Munafó e
Cecília Schucman sobre cantiga das rendeiras da Barra da Lagoa - SC
Candieiro - cantiga infantil popular https://youtu.be/tiLuXsxdLmE
Ponto de Jongo “ Quero ver você crescer” - Daniel Reverendo
Canção tema da menina do candieiro: letra e composição de Daniela Munafó
Luz do Candieiro - composição e letra de Daniela Munafó

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