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Trabalhadores rurais e Justiça do Trabalho em tempos de

regime civil-militar 1
Antonio Torres Montenegro*

A proposta do presente capítulo1 tem como um dos seus objetivos refletir


historicamente sobre a atuação da Justiça do Trabalho em Pernambuco, após o golpe
civil-militar de 1964. Por meio do estudo de dois processos trabalhistas, impetrados por
trabalhadores rurais contra seus patrões (senhores de engenho), desenvolvo uma análise
de como essa Justiça, ao mesmo tempo em que inaugurava e reafirmava um novo
patamar de intervenção do poder público nas relações patronais no meio rural, era
também palco de uma intensa disputa acerca do significado das lutas políticas e sociais
no período que antecedeu o golpe. Os patrões citados nesses processos argumentam que
os trabalhadores reclamantes, na realidade, representam uma grande ameaça, pois, ao
reclamar direitos trabalhistas, atualizam discursos e práticas das Ligas Camponesas e
dos comunistas.
Para efetuar a análise histórica dos conflitos trabalhistas na área dos engenhos de
açúcar em que os trabalhadores citados nos processos estavam empregados, parece
importante compreender que essa atividade econômica localiza-se na denominada
mesorregião da zona da Mata de Pernambuco.2 Assim, a proximidade geográfica com a
cidade do Recife fez com que muitas mobilizações e protestos de trabalhadores rurais –
desde a segunda metade da década de 1950 até as vésperas do golpe civil-militar de
1964 – tivessem as ruas e avenidas da capital de Pernambuco como um dos seus palcos
privilegiados. Dessa maneira, essas manifestações adquiriam uma visibilidade social e
política bastante significativa. O registro de algumas delas na imprensa local e mesmo
internacional3 possibilita analisar como Pernambuco – e, de maneira mais ampla, o
Nordeste – era construído/produzido como um lócus de grande agitação camponesa e de
perigo comunista. Reconstruir alguns elementos dessa representação é fundamental, na

1.Este texto será publicado no segundo semestre de 2013 no livro A Justiça do Trabalho e sua História,
organizado pelo historiador Fernando Teixeira da Silva e pela historiadora Angela de Castro Gomes.
Campinas. Editora da Unicamp. 2013.
* Antonio Torres Montenegro é professor titular de História do Brasil da UFPE, pesquisador do CNPq.
Coordena junto com a Prof.ª Vera Lúcia Costa Acioli o projeto História e Memória do TRT
PERNAMBUCO. TRT 6ª REGIÃO E UFPE. Preservação, Divulgação e Produção de Artigos e Livros,
com apoio da FACEPE e do NEAD. Email: montenegroantonio084@gmail.com
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medida em que permite também colocar em debate certa especificidade histórica que
Pernambuco adquiriu nesse período (1955 a 1964), como um estado dominado pelos
comunistas e, sobretudo, pelas Ligas Camponesas. Esse discurso é recorrente em alguns
processos, como estratégia dos patrões para se esquivar de suas obrigações legais. É
ainda nessa trilha histórica de intensas lutas por direitos dos trabalhadores rurais que se
pode analisar a intervenção do Estado na mediação desses embates, com destaque para a
criação, ainda em 1963, das Juntas de Conciliação e Julgamento do Tribunal de Justiça
do Trabalho 6ª Região em áreas do estado de Pernambuco, palco predominante desses
conflitos. Nesse âmbito, a luta pelo pagamento do 13º salário nos anos de 1963 e 1964 é
emblemática da resistência, muitas vezes violenta, que encontravam os trabalhadores
dos engenhos e das usinas de açúcar para fazer os proprietários cumprirem com suas
obrigações legais.
O estudo dos processos trabalhistas selecionados para análise neste texto,
impetrados em Pernambuco – o primeiro na Junta de Conciliação e Julgamento da
cidade de Jaboatão e o segundo na Junta de Conciliação e Julgamento da cidade de
Escada –, possibilita a visualização de complexas e difíceis negociações. Patrões e
empregados eram projetados em novo patamar legal de direitos e deveres na medida em
que a Justiça do Trabalho era acionada. As negociações relatadas ou mesmo omitidas
nos processos, que parecem escapar até ao próprio controle do aparato da justiça, são
reveladoras também da desigualdade de força/poder das partes que se apresentavam
nesse território do aparato jurídico do estado.
Analisar historicamente alguns processos trabalhistas, além de suscitar todo um
novo debate acerca da violência das relações trabalhistas em Pernambuco, constituir-se-
á também numa maneira de estudar a relação entre a Justiça do Trabalho e o regime
civil-militar que passou a operar no Brasil a partir de abril de 1964.4
A historiografia brasileira voltada para o século XX tem crescentemente
utilizado a documentação proveniente do poder Judiciário e, em especial, a da Justiça do
Trabalho, na medida em que foram sendo problematizadas, sob outras perspectivas, as
relações entre patrão e empregados, e o Direito e o Estado5 passaram a não ser
entendidos como domínio das classes dominantes6.
Em seu artigo “Questão social e a historiografia no Brasil no pós-1980”, Ângela
de Castro Gomes, ao comentar a aplicação das leis trabalhistas após 1930, faz um
paralelo com a Lei do Ventre Livre, apontando que talvez essas leis tenham sido

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estratégicas menos por seu alcance imediato efetivo e mais pela intervenção efetuada
pelo Estado na regulamentação do mercado de trabalho. E, nesse sentido, “os
trabalhadores urbanos procuraram usar os direitos que as novas leis estabeleciam até
porque podiam defendê-los através de uma instituição igualmente nova: a Justiça do
Trabalho”.7 Em Pernambuco, só na década de 1960, quando se assistiu a um
significativo avanço das lutas sociais rurais – com a autorização do Ministério do
Trabalho para criação dos sindicatos rurais e, em 1963, o estabelecimento das primeiras
Juntas de Conciliação e Julgamento em cidades dominadas pela agroindústria açucareira
–, é que se pode observar a Justiça do Trabalho começando a atuar de forma mais direta
nos conflitos entre patrões e empregados no meio rural. Porém, essa situação não pode
ser considerada indicadora de passividade dos trabalhadores rurais nas décadas
anteriores.
Christine Rufino Dabat realizou um estudo de processos trabalhistas movidos
por trabalhadores rurais em três Juntas de Conciliação e Julgamento, instaladas em
1963, nas cidades de Jaboatão, Escada e Palmares, situadas na zona da Mata Sul do
estado de Pernambuco. Destaca como, em face da crescente organização dos
trabalhadores rurais, principalmente os canavieiros, desde a metade da década de 1950,
estes já reivindicavam seus direitos na justiça comum enquanto assalariados. Porém, só
com o Estatuto do Trabalhador Rural, aprovado em 1963, e o efetivo funcionamento
das primeiras Juntas, e também com o avanço da sindicalização e da própria
mobilização realizada pelas Ligas Camponesas, constata-se como a luta por direitos
trabalhistas se tornou uma prática que iria se ampliar, mesmo após o golpe de 1964.8

O caso do engenho Itamatamirim

A maneira como muitos patrões, senhores de engenhos e proprietários de usinas


procuraram, por meio dos seus advogados, após o golpe de 1964, fazer uso do
argumento de que os trabalhadores eram comunistas e agitadores, como justificativa
para o não cumprimento de suas obrigações trabalhistas, apresenta-se como uma
estratégia recorrente em alguns processos. Embora essa seja uma prática patronal que as
pesquisas apontam em outros estados do Brasil, há que se pesquisar as especificidades
históricas do estado de Pernambuco. No caso do estado do Pará, por exemplo, a luta por
direitos trabalhistas e mesmo civis depois de 1970 fazia muitos senhores nomearem o

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trabalhador como guerrilheiro, e este era projetado no campo simbólico da guerrilha do
Araguaia.
Para a análise dessa prática patronal, inicio narrando um caso que talvez
apresente uma estratégia rara de retaliação encontrada nesses processos, por revelar uma
forma de coação e humilhação do empregado, porém não tão incomum no cotidiano das
relações entre patrão e empregado. No caso em tela, trata-se do processo 162/71 da JCJ
da cidade de Jaboatão, movido pelo trabalhador e ex-administrador do engenho
Itamatamirim Antonio José da Silva, contra o proprietário Constantino Carneiro
Maranhão.9
Em sua reclamação, o trabalhador afirma que desde 1953 era empregado do
engenho Itamatamirim, mas só veio a ter carteira profissional assinada em 27 de
dezembro de 1965. Nesse ano passara a exercer a função de administrador, porém, em
13 de fevereiro de 1971, o proprietário, “[...] sem motivo justo o transferiu para função
de trabalhador braçal, isto é, cortar cana, limpar mato, e trabalhar em caminhão como
carregador”.10 Em face do exposto, Antônio José da Silva, assistido pelo advogado do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória de Santo Antão, Cícero José Martins da
Silva, requer a condenação do reclamado e solicita a rescisão indireta do seu contrato de
trabalho, por este haver sido alterado ilegalmente, bem como o pagamento dos direitos
(aviso prévio, férias, 2/12 do 13º de 1971) e dos honorários do seu advogado, na base de
10% do total da reclamação.
Na primeira audiência, realizada em 20 de abril de 1971, o advogado do
reclamado contestou todos os direitos reivindicados pelo reclamante, registrando
inclusive que este só passara a trabalhar no engenho Itamatamirim na data apresentada
na carteira de trabalho. Afirmou, ainda, que Antonio José da Silva, de fato, trabalhava
em todos os serviços que declarara, porém, não cabia a rescisão indireta alegada, pois
não fora demitido ou rebaixado de função; na verdade, tornara-se um trabalhador
faltoso, indo prestar serviço em outro engenho da vizinhança, e chegara a solicitar baixa
na sua carteira profissional, no que fora atendido pelo patrão. Alegou ainda que Antônio
recebera do reclamado a doação de um terreno na cidade de Tapera, para construir sua
casa.11
Na audiência seguinte, em 21 de maio, a JCJ passou a ouvir o trabalhador na
condição de reclamante. Além de repetir com detalhes todas as informações contidas na
reclamatória inicial, este acrescentou que teria sido rebaixado da função de

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administrador como represália por um irmão seu haver apresentado à Justiça do
Trabalho uma reclamação contra o citado proprietário. Ainda nessa audiência foram
ouvidas as duas testemunhas do reclamante, Ondon Ferreira dos Santos (32 anos) e José
Viana da Silva (25 anos), ambos trabalhadores rurais, empregados no engenho de
Constantino Carneiro Maranhão. As testemunhas reafirmaram que o proprietário
afastara Antônio José da Silva da função de administrador, dizendo que só tinha para ele
o trabalho no eito.12 No entanto, a testemunha José Viana da Silva relatou outros
detalhes da rescisão indireta, dizendo que teria ouvido o reclamado afirmar “que não
tinha mais serviço para ele e se quisesse era para tirar conta,[13] pois não queria
administrador que tivesse irmão comunista; que tal atitude foi adotada em virtude do
irmão do reclamante, junto com outros trabalhadores do engenho Camarão, do mesmo
proprietário, ter apresentado reclamação nesta Junta”.14
É possível observar, por meio da leitura dos depoimentos das testemunhas do
trabalhador, como a questão central da presente reclamação contempla
fundamentalmente o rebaixamento de função. No entanto, o aspecto que desejo destacar
é que essa medida é apresentada pelo reclamante e por suas testemunhas como
decorrente do fato de o irmão de Antônio José da Silva ter, junto com outros
trabalhadores, movido uma reclamação trabalhista contra o proprietário do engenho
Itamatamirim. Acrescente-se que a ação de um grupo de trabalhadores rurais em defesa
dos seus legítimos direitos trabalhistas representava para o proprietário uma prática
comunista. Era isso que ele dizia e difundia para os demais trabalhadores do seu
engenho.
Esse procedimento do proprietário revela-se uma estratégia de retaliação que
surpreende, porque não atingia diretamente o trabalhador que movera a ação na Junta de
Conciliação e Julgamento, mas seu irmão. Uma forma simbólica de vingança, pois não
significou a demissão imediata, mas o tortuoso caminho da humilhação, como o próprio
juiz presidente da Junta iria registrar em sua sentença. Ou seja, se Antônio José da Silva
desejasse continuar empregado, teria que voltar a atuar como um simples trabalhador
braçal. Ao mesmo tempo, esta ação do proprietário revela as armadilhas com que os
trabalhadores se deparavam na luta em defesa dos seus direitos trabalhistas e a que
estratégias alguns proprietários eram capazes de recorrer para tentar barrar e cercear os
direitos dos trabalhadores. E, nesse embate, o proprietário não se furtava de construir a
representação de que a reclamação trabalhista do irmão de Antônio José da Silva o

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transformava em irmão de comunista e, portanto, em alguém também indesejável e não
merecedor de confiança para exercer o cargo de administrador. Não posso deixar de
associar essa trama patronal ao fato de que naquele período, início da década de 1970,
ser nomeado de comunista pelo patrão poderia tornar o trabalhador uma pessoa suspeita
pelo regime político vigente e, dessa maneira, passível de averiguações e mesmo de
prisão por parte do aparelho repressivo do Estado. Há também a possibilidade de ler
esse comportamento do proprietário como exemplar, pois operava como duplo sinal
para outros trabalhadores. Por um lado, o trabalhador rural, ao lutar em defesa dos seus
direitos na Justiça do Trabalho, poderia ter que enfrentar os perigos de ser nomeado
comunista e, por outro, os demais familiares empregados na mesma empresa poderiam
ser alvo de retaliação.
Antes de seguir a análise deste caso, narro alguns aspectos da história de outro
processo movido na Junta de Conciliação e Julgamento do município de Escada-PE,
pelos trabalhadores do engenho Matapiruma.15 Essa disputa trabalhista possibilita
também analisar a complexa rede constituída pelo patrão e pelo aparato policial e
militar, que se associavam para barrar as conquistas legais dos trabalhadores rurais.

Direito trabalhista e/ou agitação no engenho Matapiruma

Em meados de 1970 um grupo de 68 trabalhadores e trabalhadoras rurais, por


meio do advogado do seu sindicato na cidade de Escada, impetrou uma ação contra o
arrendatário do engenho Matapiruma de Baixo. Nessa ação trabalhista reivindicavam
13º salários e férias não pagas, relativas ao ano de 1969. Este grupo era liderado pelo
trabalhador Luís Inocêncio Barreto (também conhecido por Luís Carneiro) e seus
irmãos, João Inocêncio Barreto, José Inocêncio Barreto, Francisco Inocêncio Barreto e
Mariano Inocêncio Barreto.16
Consta no prontuário que a polícia organizou relatos dos trabalhadores sobre
este conflito trabalhista, informando que o arrendatário do engenho, o Sr. José Metódio
Pereira, ao perder a ação na Junta de Conciliação e Julgamento de Escada, passou a
ameaçar esse grupo de trabalhadores.17 Entretanto, estes não se intimidaram e,
atendendo a orientação do advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Escada,
Adalberto Guerra, escreveram um detalhado relato denunciando as arbitrariedades e as

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violências cometidas pelo arrendatário e as levaram pessoalmente às autoridades
policiais e militares e à própria Delegacia Regional do Trabalho.
O meu interesse em fazer referência a esse caso aponta na direção de comentar o
documento que o próprio IV Exército produziu ao receber a denúncia realizada pelos
trabalhadores contra aquele senhor de engenho. Este se negava a cumprir o que a Junta
de Conciliação e Julgamento de Escada havia determinado em sua sentença,
inteiramente favorável às reivindicações trabalhistas daquele grupo de camponeses.
No documento encaminhado ao General Comandante do IV Exército, os
trabalhadores declaram que diante de todos os impasses não têm mais a quem clamar
pelo cumprimento da justiça, ou seja, pelo atendimento das determinações legais da
Justiça do Trabalho e contra a violência e arbitrariedades do arrendatário do engenho
Matapiruma.
De posse deste documento, o IV Exército – Estado Maior, 2ª Seção –, em 07 de
agosto de 1972, expediu ofício com o carimbo de confidencial à 7ª Região Militar, à
Secretaria de Segurança Pública/PE, à Delegacia da Polícia Federal/PE e à Delegacia
Regional do Trabalho/PE. No referido ofício consta a seguinte informação: “Esta
agência recebeu e difunde a documentação em anexo onde trabalhadores do Engenho
Matapiruma de Baixo solicitam providências contra o arrendatário do Engenho – José
Metódio Pereira – que o mesmo não vem cumprindo as leis trabalhistas e por mais de
uma vez agredindo ou ameaçando de morte seus empregados .”18
Em 29 de agosto de 1972, foi enviado um documento, com o carimbo de
confidencial e o título de Informação do 14º RI,19 ao Sr. Comandante da 7ª RM, em
atendimento ao Pedido de Busca (PB) nº 402, de 17 de agosto. As conclusões a que
chegou o coronel comandante Sylvio Ferreira da Silva, do 14º Regimento de Infantaria,
após cumprir o PB solicitado pela 7ª RM, têm o seguinte teor: “Informo a V. Exa. que
foi realizada a busca em referência ao PB acima citado, ficando constatado o seguinte:
1. Não conferem as informações que motivaram o PB, tendo em vista o minucioso
levantamento em toda a região, deixar esclarecido ser o Sr. José Metódio Pereira vítima
de agitações subversivas orientadas pelo advogado do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Escada Adalberto Guerra e pelo Padre Carlos, conhecido pelos ‘incentivos’
aos camponeses da área de Ribeirão e, em plena execução pela família conhecida como
‘Carneiro’ constituída pelos irmãos Luís Inocêncio Barreto (Chefe), Francisco
Inocêncio Barreto, José Inocêncio Barreto, João Inocêncio Barreto e Mariano Inocêncio

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Barreto os quais como trabalhadores infiltrados no Engenho, e mais esclarecidos são os
principais ‘instrumentos’ com os remanescentes de Francisco Julião agem no setor
camponês. 2. Convém salientar que Luís Inocêncio Barreto é exatamente o primeiro
abaixo assinado das denúncias que motivaram o PB e, das referidas acusações
apuramos: a) O Sr. José Metódio Pereira é arrendatário do Engenho, a partir de 1969 e
tem procurado normalizar todos os pagamentos atrasados e assistir aos empregados,
entretanto a questão criada visa indenizar de 13º salário desde 1963. b) O arrendatário
realmente proibia a plantação para aqueles que aguardam a decisão judicial visando
simplesmente evitar uma despesa maior, para preços arbitrados para cultura daqueles
que serão indenizados e terão que deixar as terras e somente neste caso. c) O vigia
citado, trata-se de um ancião, sem portes físicos, sem condições para exercer terror; o
trabalhador Severino Marques dos Santos, foi baleado realmente, pela arma do vigia,
entretanto o fato foi devido a uma insuflação de Luís Inocêncio e seus irmãos para que
Severino aproveitasse seu físico, tomando a arma do vigia e o desmoralizasse com
‘uma surra’ vingando-se assim da sua expulsão do Engenho, motivada pela agressão
contra sua própria irmã, a qual pedia socorro quando não suportou mais, a desordem em
sua casa, onde até princípio de incêndio a vitimou, provocado pelo irmão. d) O
comparecimento do Sr. Metódio a Junta de Conciliação, acompanhado do seu
Administrador é normal, porque tem que assistir às audiências. Em declaração o
Secretário do Sindicato falou que absolutamente jamais Sr. Metódio exerceu coação
contra qualquer trabalhador em qualquer parte. Referidas declarações foram
confirmadas por outras pessoas, inclusive trabalhadores que se recusam a participar do
movimento como D. Maria José de Almeida que foi desacatada por um dos irmãos
Inocêncio porque negou-se ao convite de questionar contra o patrão (Metódio). e) O
grupo chefiado por Luís Inocêncio é que vem tratando de intimidar o Sr. José Metódio e
os que não se pronunciam contra ele. Desse grupo, todos trabalham armados com
revólver 38, de procedência ignorada, conforme foram vistos e conferidos Luis
Inocêncio, Raul Barreto, Antônio Alves da Silva, José Domingos, José Inocêncio,
Manoel Alves da Silva, Amaro Alves da Silva, Albertino Francisco Bezerra, João
Inocêncio, Vitalino Félix dos Santos, José Joaquim. f) Para questionar as ações que
atualmente se desenrolam na Justiça Luís Inocêncio, orientado pelo advogado Adalberto
Guerra, incitou 22 trabalhadores a recusarem trabalhar. Daí gerou-se 65 questões na
Junta do Trabalho, das quais já houve 6 (seis) desistências e vários acordos. g) No

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Engenho funciona uma Escola com seis professores, cento e cinco alunos e mais oitenta
alunos do Mobral que sofrem tentativas de sabotagem por parte do grupo de Luís
Inocêncio. Sylvio Ferreira da Silva. Cel. CMT do 14º RI.”20
Como se pode ver, a argumentação do comandante do 14º RI é construída
tentando refutar cada uma das irregularidades apontadas pelos trabalhadores contra o
arrendatário, o Sr. José Metódio, e o vigia, Severino Fernando da Silva. Na primeira
parte, encontra-se o argumento-chave, em que o acusado é transformado em vítima, ou
seja, o Sr. Metódio estaria sendo alvo de agitações subversivas orientadas pelo
advogado do Sindicato de Escada, Adalberto Guerra, pelo padre Carlos e pela família de
cinco irmãos trabalhadores, Luís, João, José, Francisco e Mariano, responsáveis por
aquela subversão. Estes trabalhadores estariam infiltrados no engenho e, por serem
considerados mais esclarecidos, seriam os principais instrumentos, junto com
remanescentes de Francisco Julião, por toda aquela situação de anormalidade. Cabe
destacar que em nenhum momento o coronel comandante explica em que consiste
efetivamente a agitação subversiva, ou os termos infiltrados e esclarecidos, embora
afirme que foi realizado um minucioso levantamento em toda a região. Por outro lado, a
expressão agitação subversiva é operada por esse agente militar de alta patente como se
sua enunciação tivesse o poder de interromper ou cercear o funcionamento das normas
do direito ou da Justiça do Trabalho.
Essa “informação” do 14º RI deve ter causado um significativo impacto no
comando do IV Exército, pois em 04 de setembro um novo documento deste órgão foi
enviado com cópias à 7ª RM, à Delegacia da Polícia Federal e à Secretaria de Segurança
Pública; em lugar de incluir a Delegacia Regional do Trabalho, cópias são enviadas ao
Serviço Nacional de Informação SNI/ARE e à Polícia Militar. Nesse novo documento,
são acrescentadas as seguintes observações: “1. Dados conhecidos: Consta que no
Engenho Matapiruma e nos demais Engenhos da Usina Massauassu, bem como na
Usina Barão de Suassuna, no município de Escada – PE há grandes agitações
subversivas chefiadas por Luís Carneiro. 2. Dados solicitados: Veracidade do informe.
Levantar as atividades e ligações de Luís Carneiro. Fotografia e qualificação do mesmo.
Outros dados julgados úteis.”21
Observa-se que entre 07 de agosto de 1972, quando o general comandante do IV
Exército expediu o primeiro documento, intitulado Informe, e 04 de setembro de 1972,
quando o documento com o título de um novo Pedido de Busca foi enviado, o

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arrendatário não cumpridor de suas obrigações trabalhistas saiu da cena, e surgiu agora
o trabalhador Luís Inocêncio Barreto, apelidado de Luís Carneiro, acusado de ações
subversivas e alvo de averiguações.
Este documento do Exército – do início da década de 1970 – aponta medidas de
vigilância e rastreamento das atividades de Luis Inocêncio Barreto, pois este seria o
líder da onda subversiva em diversos engenhos do município de Escada. Dessa forma,
mesmo tendo os trabalhadores do engenho Matapiruma tomado a iniciativa de procurar
a proteção do Exército, este passou a vigiá-los como subversivos, e, portanto, passíveis
de serem presos e processados como incursos na Lei de Segurança Nacional. Pode-se
afirmar que havia uma predisposição da Polícia e do Exército para considerar as
reivindicações dos trabalhadores (sobretudo na zona da Mata de Pernambuco) como ato
de subversão.
Por outro lado, alguns conflitos entre patrões e trabalhadores, ainda antes do
golpe de 1964, podem oferecer mais elementos para compreender a força da
permanência da representação da ameaça comunista no meio rural de Pernambuco, após
quase uma década. A luta desses trabalhadores para o cumprimento da lei nº 4.090, que
instituiu o 13º salário, em julho de 1962, e a vitória de Arraes para governador em
outubro desse mesmo ano podem ser consideradas como emblemáticas desse passado
que se atualizou e se reinventou na década de 1970.

13º salário: Abono de Natal, abono de morte

A luta dos trabalhadores rurais pela aplicação da lei do 13º mês de salário em
Pernambuco e, em especial, na zona da Mata, revela que essa trilha teve nos sindicatos
rurais e nas Juntas de Conciliação e Julgamento grandes aliados, desde sua aprovação
em 13 julho de 1962, mas, principalmente, após o golpe civil-militar de 1964, quando as
reivindicações trabalhistas eram nomeadas por diversos patrões como subversão da
ordem.
Algumas pesquisas acerca do trabalho operário, que destacam a aplicação da lei
nº 4.090, que instituiu a Gratificação de Natal para os trabalhadores, são indicadoras da
diversidade de experiências e dificuldades encontradas pelas diferentes categorias para
que a lei se tornasse uma realidade efetiva. Pode-se encontrar nesses estudos práticas
reveladoras dos difíceis caminhos para que os patrões cumprissem a lei do 13º mês.22

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Mais do que isso, eles nos auxiliam a percorrer as tensões, os conflitos, as complexas
negociações que acompanharam a efetivação dessa conquista dos trabalhadores no meio
urbano.23
No entanto, pode-se afirmar que, para uma parcela de trabalhadores rurais da
zona da Mata de Pernambuco, o pagamento do 13º tornou-se uma realidade conhecida
de todos apenas depois da lei aprovada e, sobretudo, após ser essa notícia difundida
entre eles, possivelmente por seus sindicatos. O trabalhador rural Jerônimo Ferreira, ao
dar entrada a uma ação trabalhista na Junta de Conciliação e Julgamento na cidade de
Jaboatão em 24 de março de 1964, cobra do proprietário do engenho repouso
remunerado, férias, 13º mês dos anos de 1962 e 1963. E ainda afirma que foi demitido
porque solicitou ao proprietário “o pagamento do 13º mês que ouviu falar através dos
companheiros, que estava sendo pago em outras propriedades”.24
Em outro processo encaminhado em 18 de fevereiro de 1964, inicialmente à
Delegacia Regional do Trabalho-PE, pelo trabalhador em marcenaria Joviniano Martins
da Hora, é apresentado um Termo de Reclamação àquele órgão do Ministério do
Trabalho e da Previdência Social para que solicite ao empregador, Francisco Laurentino
Bezerra, atualizar sua carteira profissional. Um documento anexo ao processo – na
realidade, uma circular assinada pelo delegado regional do trabalho, Enoque Mendes
Saraiva, com data de 20 de fevereiro de 1963 – parece bastante revelador da luta que se
travava entre trabalhadores rurais e proprietários de usinas e engenhos dos municípios
de Moreno e Jaboatão pelo cumprimento da lei referente ao 13º mês. Afirma a circular:
“A Delegacia Regional do Trabalho no propósito de conciliar os impasses e
divergências oriundas da falta de pagamento do 13º mês de salário entrou em
entendimentos com os senhores diretores de Usinas localizadas nos municípios de
Jaboatão e Moreno, bem como os senhores proprietários rurais, tendo afinal deliberado
em comum acordo com os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais daqueles
municípios, observar o seguinte [...]”.25 São então relacionados os oito itens que selaram
o acordo, dos quais destaco quatro, para efeito de análise: “1º) As Usinas e os Engenhos
pagarão a cada trabalhador Cr$ 300,00 e às mulheres e menores, Cr$ 200,00 a título de
ajuda, correspondente ao período da greve; 2º) As mulheres receberão o 13º mês
igualmente aos homens; 3º) Os menores receberão a metade do 13º mês; 8º) As Usinas e
os Engenhos se comprometem a começar a pagar a partir de amanhã, dia 21 do corrente,
o 13º mês, ficando entendido que o Sindicato dos Trabalhadores pode conferir as folhas,

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com a presença de funcionários do Ministério do Trabalho e os Trabalhadores se
comprometem a voltar ao trabalho, recebendo logo aquela importância fixada como
pagamento correspondente a ajuda que reconhecem ser devida em virtude do período da
greve.”26
A leitura deste documento aponta como a simples obrigatoriedade de pagamento
do 13º mês, a partir da publicação da lei nº 4.090 no Diário Oficial da União, em 26 de
julho de 1962, não significou absolutamente seu cumprimento por parte de uma parcela
significativa de patrões. No caso em tela, foi deflagrada uma greve, que parece ter
mobilizado amplamente os trabalhadores rurais nos municípios de Jaboatão e Moreno,
localizados na Mata Sul de Pernambuco. É importante verificar que os dias parados
foram alvo de negociação, em que usinas e engenhos acordaram pagar pelos dias de
greve, apesar de corresponder a menos de 4% do valor do salário mínimo regional, que
na época era de Cr$ 8.288,00.27 De qualquer forma, esse pagamento representou uma
vitória para os trabalhadores, pois resultou de um enfrentamento direto com muitos
patrões, que se descobriram cerceados nas suas habituais práticas de exploração, ao
serem arguidos pela Justiça do Trabalho, sobretudo, após a aprovação do Estatuto do
Trabalhador Rural, em 02 de março de 1963.
Por outro lado, quero destacar um processo relativo à reclamação impetrada pela
usina Muribeca, que tomou o número 0041/64 na Junta de Conciliação e Julgamento da
cidade de Jaboatão.28 Essa reclamação foi impetrada em 14 de janeiro de 1964 e
interpelava os órgãos representantes dos trabalhadores do campo e da indústria, o
Sindicato dos Trabalhadores na Lavoura de Jaboatão e o Sindicato dos Trabalhadores na
Indústria do Açúcar, quanto a uma greve decretada em 26 de dezembro de 1963. A
justificativa para a paralisação era o não pagamento do 13º salário. A greve se
prolongou até o dia 10 de janeiro de 1964, embora o 13º salário tivesse sido pago em 31
de dezembro de 1963. Entretanto, segundo a reclamação da usina Muribeca, no referido
processo, os trabalhadores, mesmo tendo recebido o 13º salário ainda no mês de
dezembro, negaram-se a retornar às suas atividades porque a empresa insistia em
descontar os dias parados, por considerar a greve ilegal. Justificava a empresa que a lei
nº 4.090 não estipulava uma data no mês de dezembro para ser pago o 13º salário, não
havendo, portanto, razão legal para aquele movimento paredista. A greve só foi
suspensa após a assinatura de acórdão resultante de intensa negociação em que
estiveram presentes: pela parte dos proprietários, os representantes da usina Muribeca e

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do Sindicato da Indústria do Açúcar; pela parte dos trabalhadores, os representantes do
Sindicato dos Trabalhadores na Lavoura de Jaboatão e do Sindicato dos Trabalhadores
na Indústria do Açúcar; pela parte do poder público, o Secretário Assistente do Governo
do Estado e o Delegado Regional do Trabalho. No julgamento da reclamação, a usina
Muribeca foi vitoriosa, pois, diferentemente do ano anterior, em que os dias de greve
para pagamento do 13º salário foram objeto de negociação e pagos – uma vez que os
engenhos e usinas dos municípios de Jaboatão e Moreno não realizaram o pagamento no
mês de dezembro de 1962 –, essa o fizera ainda em dezembro, mesmo que no último dia
do mês.29 No entanto, se esse impasse foi de alguma forma contornado por meio da
negociação entre as partes, o mesmo não ocorreu em janeiro de 1963 – portanto, um ano
antes – na usina Estreliana, localizada no município de Ribeirão, distante apenas 80 km
da usina Muribeca, quando cinco trabalhadores foram assassinados.
A referência a estas mortes, em 08 de janeiro de 1963, na reportagem do jornal
Última Hora, insere-se também na luta pelo cumprimento da lei nº 4.090. Um grupo de
trabalhadores da usina Estreliana, no município de Ribeirão, dirigiu-se ao escritório da
usina em que trabalhava. Levava em mãos um documento da DRT, que lhes garantia o
direito a receber o 13º mês.
As notícias publicadas na imprensa sobre esse assassinato apresentam,
inicialmente, o usineiro como tendo agido em legítima defesa. No entanto, entre as
diferentes versões publicadas sobre o ocorrido, fragmentadas em distintos jornais, é
possível descobrir a fala de um dos sobreviventes, o trabalhador rural Antônio de Lima
Gouveia. Este narra que ele e um grupo de trabalhadores rurais se dirigiam ao escritório
da usina Estreliana,30 tendo em mãos um ofício da Delegacia Regional do Trabalho, que
ratificava o direito dos trabalhadores a receber o Abono de Natal. Nesse momento, o
proprietário da usina e também deputado estadual pelo PTB, José Lopes Siqueira
Santos, chegou montado em um cavalo e armado com uma espingarda, estabelecendo-se
o seguinte diálogo entre o usineiro e o grupo de trabalhadores:
— Quem é o cabeça dessa greve? Apareça!
— Doutor, não se trata de greve, queremos o nosso direito.
— Ah! Já sei. Quem é o vigia? É você, não é?31
Teve início uma luta e os cincos trabalhadores foram assassinados. Predominou
na imprensa a versão de que os trabalhadores teriam provocado o conflito ao ameaçar o

13
usineiro José Lopes, e que este, com o apoio de outros trabalhadores, apenas tinha se
defendido da agressão.32
Ao mesmo tempo, era muito difundido na imprensa desse período, sobretudo por
meio de reportagens acompanhadas de fotografias, que a questão camponesa vinha se
agravando em Pernambuco, porque certas lideranças políticas estimulavam o espírito de
revolta dos trabalhadores e que o estado não dispunha de polícia suficiente para
controlar a situação. Esse cenário iria se agravar ainda mais com a posse do novo
governador Miguel Arraes.33 O discurso encontrava-se colado a outro, que afirmava
serem os proprietários obrigados muitas vezes a se defender com suas próprias armas.34
Difundia-se, dessa forma, na opinião pública, um discurso para justificar e legitimar a
violência privada dos senhores de engenho e usineiros .35 Hangho Trench, comandante
da Polícia Militar no primeiro governo Arraes, afirma ter tentado reverter uma situação
que se havia consolidado, em que os plantadores consideravam “a polícia como sendo
sua”, e que, ao reformar a instituição e seu modo de proceder, sofreu “uma revolta
muito grande porque eles estavam acostumados a usar a polícia como se fosse sua
propriedade privada”.36
A foto dos cinco trabalhadores assassinados no pátio do escritório da usina
Estreliana foi publicada na primeira página do Diário de Pernambuco, em 9 de janeiro
de 1963, um jornal de ampla circulação no estado de Pernambuco e em estados
vizinhos.37 Esta foto possivelmente oferecia visibilidade à percepção do perigo da
ameaça comunista construída em meio a diferentes práticas e pelos múltiplos discursos
veiculados por diversos agentes, constantemente, fragmentariamente, insistentemente.
A análise da recepção dessa fotografia, sem dúvida, indicaria outra pesquisa.38
Entretanto, com base no conhecimento histórico que se tem do período, para uma
parcela da sociedade que acreditava na existência de uma revolução camponesa em
marcha, como era dito e dado a ver por diversos meios de comunicação, a foto reforçava
o sentimento de caos, perigo e descontrole social que estaria crescentemente dominando
a sociedade.

14
A imagem retratada no jornal, orientando não apenas o que se vê (o conflito
armado), mas também pensando no conteúdo que nos olha (a ameaça dos
trabalhadores), deve ser situada espacial e temporalmente a fim de projetar outras
possíveis percepções.39 Este assassinato ocorreu em janeiro de 1963, a poucos dias da
posse de Arraes. As eleições no final de 1962 haviam sido polarizadas, e o candidato
derrotado, João Cleofas, além de usineiro, era filiado à UDN. Arraes vencera a eleição
por uma pequena margem de votos (13.353), o que revelava a polarização da disputa,
como da própria sociedade. Toda a campanha de João Cleofas fora construída sob o
discurso de que a eleição de Arraes seria a vitória do comunismo e, portanto, a
propriedade, a família e a religião católica estariam em grande perigo. O caos se
instalaria. Para aquela parcela da sociedade que comungava com essa percepção/visão,
possivelmente essa foto jornalística, apoiada pela curta frase “A Tragédia na
Estreliana”, constituía uma antecipação do que viria a acontecer quando Arraes passasse
a governar.40 Dessa maneira, a imagem emitia signos de um possível futuro, já que para
uma parcela dessa sociedade o comunismo ocupara o poder máximo no estado de
Pernambuco.
Quero, no entanto, retornar à informação (entre outras notícias) publicada na
imprensa de que aquele grupo de trabalhadores rurais se dirigia ao escritório da usina
Estreliana para reivindicar o pagamento do 13º salário e, para ter garantido o
cumprimento da lei nº 4.090, levava em mãos um ofício da própria Delegacia Regional
do Trabalho, em que constava a legalidade da reivindicação. Porém, mesmo de posse de
15
um documento oficial, ordenando o pagamento do 13º salário, não apenas tiveram seu
direito negado, como foram assassinados. Toda essa tragédia diz e dá a ver o conflito
instalado em Pernambuco, em que a luta por direitos trabalhistas ia sendo, por meios de
diferentes estratégias discursivas e práticas, associada à ideia de revolução, de
comunismo e de agitação política. Os patrões rurais construíam, assim, uma grande
barreira para dificultar e impedir o cumprimento da legislação do trabalho.
Por outro lado, voltando ao processo trabalhista referido no início deste texto,
movido pelo trabalhador rural Antônio José da Silva, que fora rebaixado de função sob
o argumento de ser irmão de comunista, quero atualizar a questão de como diversos
patrões procuravam barrar a conquista de direitos sob a alegação de atividade
subversiva. Embora essa situação política fosse comum em outros estados do Brasil, ela
se revelava com características próprias em Pernambuco, em razão dos conflitos rurais e
das lutas políticas específicas neste estado.

De volta ao caso do engenho Itamatamirim

Na audiência em que foram ouvidas as testemunhas do reclamante, também se


interrogaram as duas testemunhas do reclamado. A primeira, José Vicente de Souza,
trabalhador rural de 48 anos, empregado no engenho Itamatamirim, reafirmou que o
reclamante era administrador, mas não sabia o motivo pelo qual deixara de ser; a
segunda, Manoel Antônio da Silva, motorista de 26 anos, informou que quem
administrava tudo era o Sr. Constantino Carneiro Maranhão, pois era ele quem dava as
ordens a Antônio José da Silva, não havendo administrador. Porém, ambas as
testemunhas afirmaram não ter conhecimento das razões pelas quais Antônio havia
deixado de ser trabalhador no engenho Itamatamirim.
Após essa fase do processo, não tendo havido acordo, foi marcada para 2 de
junho de 1971 a audiência em que o juiz Josué Albuquerque Maranhão Filho leu o texto
da sua decisão. Para este, a demanda principal era a alegação de rescisão indireta, em
face da alteração contratual. Nesse aspecto, depois de analisar o depoimento das
testemunhas e a petição contestatória do reclamado, o juiz conclui que é “evidente,
portanto, a comprovação da alegação de alteração contratual. O reclamante que era
administrador foi rebaixado, pretendendo o proprietário que fosse ele trabalhar tirando
contas, ou seja, na enxada, limpando terreno, o serviço braçal grosseiro, o mais inicial e

16
rudimentar na escala funcional, portanto, ponto de partida”.41 Em face do exposto,
observa o juiz ter havido violação do art. 70 do Estatuto do Trabalhador Rural (ETR),
que reza: “Nos contratos individuais de trabalho só é lícito a alteração das respectivas
condições por mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não acarrete, direta ou
indiretamente, prejuízos ao empregador, sob pena de nulidade da cláusula infringente
desta garantia”.42
Em seguida, o juiz argumenta que houve alteração violenta do contrato de
trabalho, existindo motivo para sua rescisão, com base no disposto nas alíneas “a” e “c”
do art. 87 do ETR, que afirma: “O trabalhador rural poderá considerar rescindido o
contrato de trabalho e pleitear indenização quando: a) sejam exigidos dele serviços
superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao
contrato: c) não cumpra o empregador as obrigações do contrato”.43
O caráter violento da alteração contratual, segundo o juiz, estaria nos motivos
que a determinaram, pois, como relataram as testemunhas, decorreria do fato de um
trabalhador rural, irmão de Antônio José da Silva, que era empregado em outro engenho
do proprietário, haver ajuizado reclamação trabalhista contra este. A razão dessa atitude
do proprietário, segundo uma das testemunhas, manifestou-se na afirmação de que “não
queria administrador que tivesse irmão comunista”.
Poder-se-ia refletir sobre a sentença do juiz não questionar o relato da
testemunha do reclamante, quando disse ter ouvido o proprietário se referir ao
trabalhador rural, Antônio José da Silva, como irmão de comunista. Talvez já estivesse
habituado a ouvir patrões nomearem de comunistas aqueles trabalhadores que
reivindicavam seus direitos trabalhistas; ou, ainda, tivesse conhecimento da atuação do
reclamado como deputado estadual em diversas legislaturas, quando se destacara por
seu anticomunismo.
O juiz Josué Albuquerque Maranhão Filho, ao tornar pública sua decisão,
desaconselha qualquer medida de reintegração do reclamante em face da estabilidade,
pois se tratava de rescisão indireta. E, mais propriamente, afirma que a medida é
também desaconselhável, caso fosse cabível, em razão do caráter de animosidade
existente entre o proprietário e o trabalhador rural, a ponto de o primeiro ter atingido até
familiares do reclamante.44 Talvez a recomendação categórica do juiz pelo não retorno
do trabalhador àquele engenho esteja ainda relacionada ao fato deste conhecer o quanto
a cobrança de direitos trabalhistas está “subordinada a outras normas que regem a vida

17
social, às coerções morais que se abatem sobre todos aqueles envolvidos em relações de
troca e aos interesses que lhes estão associados”, como analisa Lygia Sigaud em suas
pesquisas nos engenhos de Pernambuco.45
Passou então o juiz às considerações finais, anunciando os valores a serem pagos
ao reclamante pelo não pagamento do tempo de serviço, férias, 13º mês, sendo apenas
negada a possibilidade de pagamento de aviso prévio. O montante a receber pelo
trabalhador totalizava Cr$ 8.012,95 (oito mil e doze cruzeiros e noventa e cinco
centavos), que deveria ser ainda acrescido de juros de mora e correção monetária.
Também condenou o proprietário ao pagamento dos honorários da assistência judicial a
favor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória de Santo Antão, no valor de
10% do total da condenação e, por fim, ao pagamento das custas da reclamação
trabalhista, no valor de Cr$ 214,66 (duzentos e quatorze cruzeiros e sessenta e seis
centavos). Na época, o salário mínimo regional, aprovado em 1º de maio de 1971, era de
Cr$ 151,20 (cento e cinquenta e um cruzeiros e vinte centavos).46 Dessa forma, Antônio
José da Silva receberia um valor aproximado de 53 salários mínimos,47 o que sem
dúvida era um valor razoável para, talvez, adquirir uma pequena casa na cidade ou um
pedaço de terra para desenvolver alguma agricultura de subsistência.
No entanto, inconformado com o julgamento amplamente favorável ao
reclamante, o reclamado, por meio do seu advogado, Nelson Lins Freire, recorreu ao
Tribunal Regional do Trabalho 6ª Região. No recurso, defende a impugnação da
sentença em sua totalidade e, após argumentar amplamente, afirma que “o remédio legal
é a volta do empregado ao serviço, dado sua condição de estável, sem direito aos
salários de seu período de afastamento. Em outras palavras: a readmissão do recorrido,
medida de maior alcance social e consentâneo com o direito do trabalho”.48
Nas contrarrazões apresentadas pelo advogado do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Jaboatão, este inicia elogiando as qualidades jurídicas da sentença proferida
pelo juiz presidente da JCJ de Jaboatão: “A respeitável sentença recorrida é, sem via de
dúvida, a mais perfeita peça jurídica com todos os seus requisitos, onde se vê uma
minuciosa e correta análise das provas trazidas aos autos... Por imposição da legislação
trabalhista em vigor, enriquecida pela vasta doutrina e a copiosa jurisprudência, não
poderia a M. M. Junta decidir de modo diferente”.49 Em seguida, contesta os
argumentos apresentados pelo advogado do proprietário, apontando como este deseja
ignorar o aspecto fundamental da ação, que é a quebra do contrato de trabalho. Por

18
outro lado, como ficou amplamente demonstrado, haveria a animosidade do reclamado
contra o reclamante, que foi rebaixado de função. Conclui, afirmando: “Em face do
exposto, da brilhante fundamentação da respeitável sentença e da lei vigente, espera o
recorrido que seja negado provimento de recurso, para confirmar da decisão de M. M.
Junta por ser da mais salutar”.50
Em 15 de julho de 1971, o processo foi enviado da JCJ de Jaboatão à instância
superior, o Tribunal Regional do Trabalho, sendo protocolado o seu recebimento em 20
de julho, para ser julgado o recurso do proprietário do engenho Itamatamirim.
Entretanto, no dia 22 de julho, antes que o Tribunal se pronunciasse, o advogado do
engenho protocolou um novo documento suspendendo o recurso e solicitando a
homologação de um acordo entre as partes. Nesse acordo, Antônio José da Silva desiste
da reclamação trabalhista contra o engenho Itamatamirim, e aceita reassumir sua antiga
função de administrador, enquanto o patrão concorda em anotar na sua carteira
profissional o cancelamento da sua saída que havia sido registrada. O reclamante
também concorda que seu tempo de serviço seja contado a partir de 27 de dezembro de
1965 e não do ano de 1953 como inicialmente reivindicava. Por fim, o proprietário
reconhece ser devedor ‘apenas’ de três períodos de férias e mais 15 dias, totalizando o
valor de Cr$ 481,50 (quatrocentos e oitenta e um cruzeiros e cinquenta centavos), pago
em cheque visado do Banco Mercantil de Pernambuco S.A. Dessa forma, o trabalhador
Antônio José da Silva desistia de continuar lutando para receber o valor de Cr$ 8.012,95
(oito mil e doze cruzeiros e noventa e cinco centavos), que deveria ser ainda acrescido
de juros de mora e correção monetária, conforme a decisão do juiz Josué Albuquerque
Maranhão Filho.
O acordo, que interrompeu a reclamação trabalhista, não é acompanhado por
nenhum documento que ofereça informações sobre o processo de negociação/pressão
que culminou nessa surpreendente reviravolta do caso, pois, tanto para o juiz quanto
para o próprio advogado do reclamante não existiam condições para acordo, em face da
animosidade explícita do proprietário e da maneira como tentara desqualificar/humilhar
o seu ex-administrador, Antônio José da Silva.
No entanto, as assinaturas presentes no documento – do acordo – impetrado para
suspender o recurso já em andamento no TRT 6ª Região são apenas duas: a do próprio
Antônio José da Silva e a do advogado do proprietário. O advogado do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Vitória de Santo Antão não subscreveu essa negociação, ou

19
talvez não tenha sequer tomado conhecimento dela. E assim, Antônio, quer por forte
pressão do proprietário, ou mesmo em face de outras razões desconhecidas, não foi
acompanhado neste acordo por seu advogado.
Os autos do processo, depois do acordo, foram enviados de volta à JCJ para que
as partes fossem notificadas e, nada havendo a requerer, fosse ele arquivado como
concluído. No entanto, o proprietário e seu advogado, Nelson Lins Freire, devem ter
ficado bastante surpresos ao receber uma nova intimação para em três dias se
manifestarem sobre um requerimento de Antônio José da Silva. Em papel timbrado do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória de Santo Antão, foi encaminhada ao juiz
presidente da Junta de Conciliação e Julgamento de Vitória uma solicitação para que o
mesmo arbitrasse os honorários advocatícios do seu advogado, Cícero José Martins da
Silva.
Grande foi a indignação do proprietário e do seu advogado ao constatarem que,
mesmo tendo alcançado um acordo que contrariava a sentença da Junta e todo o
encaminhamento jurídico zelosamente desenvolvido pelo advogado do Sindicato, o
trabalhador subscrevia o pedido de honorários advocatícios de uma questão que parecia
definitivamente encerrada, enterrada por meio daquele acordo selado no TRT. A
imediata contestação do advogado do engenho Itamatamirim irá se fundamentar no
argumento da desistência total da sentença recorrida, cuja homologação se deu, segundo
ele, na instância superior, ou seja, no próprio TRT 6ª Região e não na JCJ de Jaboatão.
Dessa maneira, argui pela não procedência do pedido do patrono do trabalhador.
Em 6 de setembro de 1971, o juiz presidente da JCJ despacha favoravelmente ao
pleito do trabalhador Antônio José da Silva, para que o reclamado pague os honorários
do seu advogado. Argumenta o magistrado não proceder a impugnação, pois na
conciliação processada na instância superior, o TRT 6ª Região, este não se manifestou
quanto à sentença, que assim transitou em julgado. Por outro lado, destaca ainda o
magistrado, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória não participou do acordo e,
portanto, as partes não podiam por ele acordar. Assim, a desistência a que se refere o
advogado do proprietário não pode atingir o direito de terceiros, devendo então cumprir-
se o que se encontra fixado na sentença.
Para poder interpor novo recurso da decisão condenatória, o proprietário se viu
obrigado a depositar Cr$ 801,29 (oitocentos e um cruzeiros e vinte e nove centavos) em
favor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória de Santo Antão. Este valor

20
depositado ficou bloqueado, aguardando a decisão final sobre o recurso, em que o
advogado Nelson Lins Freire reafirmou sua tese central de que Antônio José da Silva,
ao desistir da ação por meio do acordo, tornava a ação sem efeito e, dessa forma, o valor
líquido da ação deixava de existir. Insistiu ainda o advogado do reclamado que manter
esta decisão quanto aos honorários do advogado do Sindicato seria também um
contrassenso, além de consentir no enriquecimento ilícito do referido órgão de classe,
afirmando textualmente: “o recorrido-reclamante recebeu, por acordo, apenas Cr$
481,50 (quatrocentos e oitenta e um reais e cinquenta centavos) enquanto o dito
Sindicato, mero assistente por serviços advocatícios, venha a receber por decisão
condenatória desse juízo a importância de Cr$ 801,29 (oitocentos e um cruzeiros e vinte
e nove centavos), no caso verdadeira ‘parte do leão’.”51
Instado então o Sindicato dos Trabalhadores a se manifestar quanto ao embargo,
reafirmou a tese de que Antônio José da Silva desistiu da reclamação trabalhista, mas
este não tinha poderes para decidir acerca do direito de terceiros, como de fato não o
fez. Em sua extensa decisão final, o Juiz presidente da JCJ de Jaboatão, Josué de
Albuquerque Maranhão Filho, manteve a sentença que obrigou o proprietário a pagar os
honorários ao advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória de Santo
Antão e o processo foi então dado por findo.
Vale ainda destacar nesse processo trabalhista, que se estendeu de março a
dezembro de 1971, que ele pode também ser lido como uma forma de cerceamento ao
arbítrio patronal em pleno regime civil-militar, por meio da atuação da Justiça do
Trabalho. Afinal, um senhor de engenho, deputado estadual por inúmeras legislaturas,
anticomunista declarado, teve que, durante quase todo o ano de 1971, lidar e negociar,
por meio do seu advogado, com seu ex-administrador, que já havia inclusive
dispensado, assinando sua carteira profissional. Ao término, depois de derrotado na JCJ,
foi obrigado a apelar para o TRT 6ª região, e antes do julgamento do Tribunal, fez um
acordo e readmitiu seu ex-administrador Antônio José da Silva na mesma função,
motivo central de toda a ação trabalhista. Mas esse senhor de engenho e ex-deputado,
que foi apresentado cuidando diretamente da lide diária da sua propriedade, mesmo não
pagando a seu ex-administrador o valor que a JCJ estipulara, seria obrigado a pagar os
honorários do advogado do sindicato.
A Justiça do Trabalho apresenta-se, nesse caso, como importante instrumento de
reivindicação de direitos dos trabalhadores rurais, ao se constituir num significativo

21
canal para a defesa da ordem jurídica que normatiza as relações de trabalho. Por outro
lado, o sindicato dos trabalhadores aparece como um território legal, que, muitas vezes,
será um grande aliado nessa desigual disputa entre o capital e o trabalho, como foi
efetivamente no caso em tela. Era outro patamar de relações trabalhistas que lentamente
estava sendo construído. Em ações como estas, patrões habituados a tratar as relações
trabalhistas pela ótica exclusiva do seu mundo privado eram submetidos a todo um
ritual jurídico que detalhava e expunha os abusos e as condições de grande exploração a
que submetiam seus empregados. As condenações, e mesmo os acordos, quando
ocorriam, embora possam ser passíveis de diferentes leituras, não podem ser vistos
apenas como uma forma de cercear o arbítrio e o império da ordem privada, mas
também como uma ação efetiva do estabelecimento de um novo estatuto de direitos para
o trabalhador.

A instalação das primeiras Juntas de Conciliação e Julgamento

A dinâmica da criação das Juntas de Conciliação e Julgamento em algumas


cidades de Pernambuco, de 1941 a 1971, parece atender, por um lado, à própria pressão
exercida pelas lutas por direitos trabalhistas. Por outro, apresenta uma forma de o
Estado administrar os constantes conflitos entre trabalhadores e patrões, que se
intensificavam, sobretudo, na área da agroindústria açucareira, em que se assistia a um
processo de transformação das relações de trabalho – assalariamento e fim do regime de
moradia nos engenhos – e à modernização de algumas usinas, acompanhada de
inúmeras falências, o que produzia um acirramento das demandas por direitos
trabalhistas.52
Para Moacir Palmeira, muitas vezes deixa-se de estudar e de pesquisar acerca de
outras formas de luta e resistência, na medida em que estas não se apresentam em seus
momentos mais críticos e espetaculares. Na década de 1970, quando a onda repressiva
no campo em Pernambuco se caracterizou pela intervenção em vários sindicatos,
dificilmente se encontrava “um trabalhador que não estivesse ou não houvesse estado
recentemente às voltas com uma questão na Justiça. Se não era ele diretamente, eram
seus familiares, eram seus companheiros de trabalho”.53 Ao mesmo tempo, observa este
autor, baseando-se nas análises de Celso Furtado, que entre final da década de 1950 e
1960, em razão de toda a mobilização das forças populares, “os direitos trabalhistas

22
que, na cidade, levaram decênios para ser aplicados, e com imperfeição, no campo em
Pernambuco foram efetivados quase que simultaneamente à sua promulgação”.54 Este
comentário pode ser relacionado aos discursos políticos de Francisco Julião, para quem
uma das estratégias das Ligas Camponesas era a de adotar o “Código Civil e a Bíblia
como instrumentos de trabalho e motores da ação”.55
A análise das datas e da localização dos municípios nos quais foram instaladas
Juntas de Conciliação e Julgamento em Pernambuco possibilita-nos fazer algumas
leituras sobre a relação entre a intensidade dos conflitos trabalhistas e os mecanismos de
intervenção do Estado.56 Primeiro, a zona do Sertão, a mais extensa do estado de
Pernambuco, porém com menor densidade populacional e com uma atividade
econômica de menor expressão, até 1971, não foi alvo da criação de nenhuma Junta de
Conciliação e Julgamento. Já no município do Recife, até o golpe civil-militar de 1964,
havia quatro Juntas, com a quinta sendo instalada no ano de 1965. É possível inferir que
as Juntas foram criadas nas áreas do estado com significativa importância da atividade
econômica e, também, onde se verificava uma maior incidência de conflitos trabalhistas.
Depois do Recife, Paulista foi a cidade onde se instalou, ainda na década de 1950, a
quarta Junta. Este fato pode ser explicado por tratar-se de uma área urbana inteiramente
tomada pela história das lutas trabalhistas dos operários da fábrica têxtil Paulista,
amplamente estudada pelos antropólogos Rosilene Alvim e José Sérgio Leite Lopes.57
Como eles próprios apontam, ainda em 1932 houve uma longa greve, com repercussões
no Ministério do Trabalho. Os operários reivindicavam a aplicação do regime de oito
horas e não aceitavam o salário estabelecido pelos patrões, pautado no valor da hora do
regime de 12 horas. O Ministério do Trabalho, naquele momento, decidiu
favoravelmente aos operários. Os patrões reagiram e decretaram um lockout, sob a
alegação de estarem em crise. O caso adquiriu amplitude nacional. Dessa forma, a
instalação de uma Junta de Conciliação e Julgamento em Paulista atendia a uma
demanda pautada em um histórico de constantes conflitos trabalhistas.58
Em 1963 foi estabelecida a primeira JCJ na cidade de Caruaru, situada na zona
do Agreste de Pernambuco, importante centro comercial e distribuidor de mercadorias
vindas do Recife, como de outros estados do Nordeste. Todas as sete Juntas de
Conciliação e Julgamento, criadas em diferentes cidades da Mata Norte, Mata Sul,
Agreste e no Recife em 1963, e mesmo a 5ª Junta, só instalada nesta cidade em 1965,
foram criadas por meio da lei nº 4.088, de 12 de julho de 1962.

23
Por outro lado, é possível estabelecer uma relação entre a publicação do Estatuto
do Trabalhador Rural no Diário Oficial da União, em 18 de março de 1963, e a
instalação das referidas JCJ, pois seis estão localizadas em cidades da zona da Mata de
Pernambuco. São duas na Mata Norte, nas cidades de Nazaré da Mata, em que a
economia era dominada pelos engenhos de açúcar e pelas usinas, e de Goiana, que além
do setor da agroindústria açucareira contava com um parque têxtil. Já a Mata Sul, por
ser mais extensa, abrangia maior número de usinas e de engenhos e, portanto, maior
quantidade de trabalhadores rurais. Talvez por esta ser uma área em que se
concentravam com mais intensidade as atividades das Ligas Camponesas e do Partido
Comunista, teve instaladas Juntas nas cidades de Palmares, Jaboatão e Escada. Só para
se ter uma ideia do domínio da agroindústria açucareira na Mata Sul, a Junta de
Jaboatão atendia a processos trabalhistas de nove usinas de açúcar, além de incontáveis
engenhos.59
Após esse período, só em 1971 se assistiu a uma nova rodada de instalação de
cinco Juntas em Pernambuco: uma na Mata Norte, na cidade de Limoeiro; duas na Mata
Sul, nas cidades do Cabo de Santo Agostinho e de Catende; e mais uma na cidade de
Pesqueira, no Agreste, onde a atividade fabril, principalmente no setor de doces,
empregava enorme contingente de operários.
O processo trabalhista que examino a seguir teve origem num engenho no
município de Ribeirão, o mesmo em que os trabalhadores, em 1963, foram assassinados
quando reivindicavam o pagamento do 13º salário.

O caso do engenho São Pedro

Em 27 de junho de 1973, o trabalhador rural Severino Lima Salvador, por meio


do advogado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeirão, deu entrada na Junta
de Conciliação e Julgamento de Escada a uma reclamação trabalhista contra o
arrendatário do engenho São Pedro. Alega Severino Lima Salvador que exercia a função
de trabalhador rural, desde 1º de julho de 1969, mas que em 14 de junho de 1973 foi
demitido sem justa causa. Requer o reclamante o pagamento de aviso prévio, 13º
salário, férias, repouso semanal e dias parados, totalizando Cr$ 2.291,60 (dois mil
duzentos e noventa e um cruzeiros e sessenta centavos).60

24
Na primeira audiência, realizada em 24 de julho de 1973, praticamente um mês
após o trabalhador ter protocolado na JCJ de Escada sua reclamação trabalhista,
compareceram o reclamante Severino Lima Salvador, acompanhado do advogado do
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeirão, João José Bandeira, e o reclamado,
Vicente Carrazoni Filho. Este reconhece que tem algumas dívidas trabalhistas com
Severino Lima Salvador, referentes a férias e 13º salário, mas que não aceita ser
devedor de aviso prévio, pois não o demitiu. Em face do exposto, propõe a conciliação,
com o retorno ao trabalho e a concordância em realizar o pagamento de uma parte do
que foi requerido pelo reclamante na petição inicial.61
Porém não há conciliação, e passa a Junta a ouvir o depoimento do reclamante.
Este narra ter tido um desentendimento com o administrador do engenho, pelo fato de
este haver ordenado que limpasse uma conta de 120 braças. Após seu protesto, a conta
foi reduzida para 100 braças. Em face desse conflito, o administrador prestou queixa na
delegacia de polícia da cidade de Ribeirão e Severino Lima Salvador foi intimado a
comparecer àquela delegacia. Depois de ouvido, foi liberado sem que nada ficasse
registrado. Acrescenta ainda que o administrador informou que não tinha mais trabalho
para ele e que fosse procurar seus direitos, por essa razão não retornara ao trabalho.62
O arrendatário do engenho São Pedro informa em seu depoimento que realmente
quem admite e demite trabalhadores é ele, pois o administrador cumpre apenas suas
ordens. Sobre o incidente com o reclamante, o administrador lhe havia informado que,
mesmo depois de diminuído o tamanho da conta para 100 braças, os demais
trabalhadores, em solidariedade, paralisaram as atividades naquele dia. E que foi ele,
depoente, e não o administrador, quem se dirigiu à delegacia de polícia para prestar
queixa, recomendando ao delegado que fizesse apenas uma advertência, “porque
entende que a atitude do reclamante implicando em imitação dos outros trabalhadores
representaria um ato de subversão, somente admissível durante o governo do Dr. Miguel
Arraes”. Acrescenta ainda que mandou um aviso a Severino Lima Salvador, para que
viesse conversar com ele, mas não foi atendido.63
Este testemunho do proprietário de que a atitude de Severino Lima implicou em
imitação dos outros trabalhadores projeta uma trilha de solidariedade e resistência,
bastante plausível de ter ocorrido, sobretudo porque há relatos de que Vicente Carrazoni
é alvo de diversas ações trabalhistas. Por outro lado, a iniciativa de criminalizar a
atitude de Severino por não se submeter ao arbítrio do administrador, denunciando-o ao

25
delegado, pode também ser relacionada ao conflito do engenho Matapiruma.64 Logo, o
discurso do proprietário na Junta de Conciliação e Julgamento, relacionando o
comportamento subversivo do trabalhador ao governo Arraes, está associado também ao
que ocorria naquele período em outras propriedades daquele município, em que
senhores de engenho descumpriam as leis trabalhistas e tinham o apoio do aparelho
policial e militar.
O breve relato histórico que apresento a seguir recupera algumas representações
da intensa luta dos trabalhadores rurais por melhores condições de vida e trabalho antes
do golpe civil-militar de 1964 em Pernambuco. Reconstruir fragmentos desse cenário
histórico me parece importante para entender como a questão dos direitos dos
trabalhadores era produzida/construída por uma parcela significativa da imprensa. Ao
mesmo tempo, essa produção discursiva revela formas de percepção da realidade, que se
encontram nos depoimentos de muitos patrões, presentes nos processos trabalhistas.

Uma cartografia possível

Pernambuco é um estado emblemático das lutas sociais no meio rural, sobretudo


pelo alto grau de exploração das relações de trabalho que se engendraram nas malhas da
monocultura da agroindústria açucareira, desde o período colonial, e que produziu as
mais diversas formas de resistência ao longo da sua história.65
A mobilização em torno da questão agrária em Pernambuco e no Nordeste
adquiriu maior visibilidade a partir de dois congressos realizados em 1955. O primeiro
foi o Congresso de Salvação do Nordeste, uma iniciativa da seção local da Liga de
Emancipação Nacional, que reuniu 1.600 delegados, entre parlamentares, intelectuais,
profissionais liberais e líderes sindicais. Durante os debates, ganhou relevo outra
compreensão política e técnica do Nordeste, em que a problemática da seca foi
dissociada da questão geográfica. Ao final, o conjunto das moções serviu de base para a
redação da Carta de Salvação do Nordeste. Entre as comissões de trabalho, uma das
mais concorridas foi aquela dedicada à questão da terra, presidida pelo padre Leopoldo
Brentano, da Ação Católica Operária, com a participação de aproximadamente duzentos
delegados. Entre as moções, destacou-se a da reforma agrária como uma das soluções
para a questão do campo.66

26
Logo após este significativo conclave, foi realizado o Primeiro Congresso de
Camponeses de Pernambuco, organizado pela Sociedade Agrícola e Pecuária dos
Plantadores de Pernambuco (SAPPP), que contou com o apoio do professor Josué de
Castro, então diretor da FAO.67 Participaram aproximadamente três mil trabalhadores
rurais e, em face da cobertura da imprensa, os problemas das relações sociais no meio
rural tiveram maior visibilidade. A imprensa passou a denominar a SAPPP de ‘Ligas
Camponesas’, imputando-lhe nítido caráter comunista. Essa associação entre a
Sociedade Agrícola e a expressão ‘Ligas Camponesas’ não era fortuita. O PCB, no
período da redemocratização, de 1945 a 1947, instituiu um movimento de mobilização e
organização dos trabalhadores rurais, em diversos estados do Brasil, que, na época, foi
denominado Ligas Camponesas.68
A estrutura da organização dos trabalhadores rurais, que então se definiu,
estabeleceu a criação de uma sede regional das Ligas Camponesas no Recife, que
coordenava as ações nos municípios do interior do estado. A sede local das Ligas em
cada município foi denominada de delegacia. Os patrões passaram a ser obrigados a
fazer algo a que não estavam habituados, ou seja, negociar com os trabalhadores.69 O
crescimento dessa organização, além da atuação do próprio Partido Comunista, era alvo
de intensos ataques, no rádio, na televisão, nos púlpitos das igrejas, na Assembleia
Estadual, na Câmara de Vereadores, o que projetava um cenário de ameaça em face
daquilo que foi nomeado como agitação camponesa. A matéria do Jornal Última Hora
que apresento a seguir é uma mostra emblemática de como essa luta por direitos civis,
políticos e sociais de diversos segmentos da sociedade – porém com destaque especial
para os camponeses – foi apresentada como a própria revolução em marcha.

27
O jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Weiner, era simpático ao
governo Jango e às lutas sociais do período.70 As quatro fotografias que compõem a
reportagem apresentam as seguintes imagens: uma criança descalça e apenas de calção,
caminhando no meio da palha da cana; trabalhadores com foices e enxadas em frente a
um possível prédio público; crianças em caminhada com enxadas erguidas; e um
trabalhador com a enxada no ombro. É possível dizer que esta seria a descrição positiva
ou atualizada das referidas imagens. O sentido, ou o significado histórico das mesmas,
não está dado por sua simples apresentação. Como aponta Ulpiano Bezerra de Menezes
em suas análises: “As imagens não têm sentido em si, imanentes. Elas contam apenas –
já que não passam de artefatos, coisas materiais ou empíricas – com atributos físico-
químicos intrínsecos. É a interação social que produz sentidos, mobilizando
diferencialmente (no tempo, no espaço, nos lugares e circunstâncias sociais, nos agentes
que intervêm) determinados atributos para dar existência social (sensorial) a sentidos e
valores e fazê-los atuar”.71
Nesse aspecto, os signos verbais que aparecem superpostos como títulos da
reportagem – “Camponês: procura-se uma solução” e “A rebelião das enxadas” –, aos
olhos do presente, reforçam ou projetam um significante naquelas imagens, mas não
ainda seu sentido histórico. Ou seja, apenas por meio de uma ampla reconstrução
historiográfica é possível compreender o significado histórico das imagens e o texto
jornalístico que as acompanha, como analisa Benjamin: “O índice histórico das imagens
diz, pois, não apenas que elas pertencem a uma determinada época, mas, sobretudo, que
28
elas só se tornam legíveis numa determinada época.”72 Dessa forma, o conjunto
constituído por aquelas quatro imagens e o texto que as acompanha, para uma parcela
da sociedade, reforçava as representações de caos, de perigo, de medo que foram sendo
urdidas por amplos segmentos da sociedade política e civil naqueles anos. Um pequeno
fragmento do texto da referida matéria exemplifica como esse cenário ameaçador foi
sendo construído e apresentado: “Depois que alguns milhares de camponeses
empunharam enxadas e foices diante das vitrines, nas ruas principais do Recife, e cinco
deles foram fuzilados num conflito, a opinião pública despertou para uma questão: o
problema camponês é sério mesmo [...] procura-se uma solução”.73 Pablo Porfírio, em
seu livro Medo, Comunismo e Revolução, registra que o texto jornalístico, ao comentar
acerca de milhares de camponeses com foices e enxadas caminhando diante das vitrines
das lojas nas ruas centrais da cidade, refere-se ao dia da festa da posse de Miguel Arraes
no governo do estado de Pernambuco, em 31 de janeiro de 1963. Entretanto, passeatas
de camponeses pelas ruas centrais do Recife vinham se transformando numa prática
comum desde o final da década de 1950, sobretudo quando da mobilização pela
aprovação da desapropriação do engenho Galileia pela Assembleia Legislativa.74
Quero então enfatizar que, desde a segunda metade da década de 1950 e os
primeiros anos da década de 1960, à medida que os trabalhadores – sobretudo rurais,
mas também urbanos – se organizavam na luta por direitos trabalhistas, a polarização
política entre direita e esquerda se acirrava crescentemente. E essa polarização, que para
as forças defensoras do status quo tinha na revolução e no domínio comunista um
perigo considerado iminente, manifestava-se não apenas na imprensa, mas na maioria
dos púlpitos das igrejas católicas e evangélicas, em passeatas e concentrações apoiadas
por amplos setores da sociedade civil e em diversas instâncias do aparelho do Estado.
É talvez, também, nessa representação do passado que se apoia o discurso do
arrendatário do engenho São Pedro, Vicente Carrazoni, quando declara perante a Junta
de Conciliação e Julgamento que o trabalhador Severino Lima Salvador agia de forma
subversiva, só admissível na época do governo Arraes. No entanto, como analiso no
tópico seguinte, esse discurso não produziu o efeito de verdade esperado e ele teve que
criar outra estratégia, a fim de tentar evitar a sentença responsabilizando-o pelas dívidas
trabalhistas reivindicadas nos autos.

29
Engenho São Pedro muda de arrendatário

Vicente Carrazoni e muitos outros senhores de engenho, ao se depararem com


trabalhadores que não se submetiam passivamente ao arbítrio de capatazes e
administradores, encontraram na polícia o apoio de uma autoridade pública que
reforçou, justificou e naturalizou a ilegalidade e o arbítrio nas relações de trabalho.
Porém, a Junta de Conciliação e Julgamento ainda iria ouvir do reclamado, ao
informar que reproduziria uma conversa com um ex-cabo do engenho,75 que Severino
Lima Salvador era um trabalhador rebelde, que se encontrava constantemente a
questionar a pesagem da cana cortada e em tom ameaçador riscava a foice no chão
diante do ex-cabo do engenho. Ou seja, intentava ainda o arrendatário marcar Severino
Lima Salvador como uma natureza insubordinada, revoltada e, dessa forma, explicar e
justificar o desentendimento ocorrido entre este e o administrador.76
Encerrada esta sessão, a próxima audiência realizou-se em 11 de setembro de
1973. A primeira testemunha ouvida, por parte do reclamante, Manoel Vicente da Silva,
trabalhador rural em um engenho vizinho, afirma conhecer Severino Lima Salvador há
vinte anos e ter conhecimento de que este sempre teve bom relacionamento com seus
patrões. Acrescenta então que é sabedor de que o reclamante foi demitido em razão de
um desentendimento com o administrador, por conta da medição de uma conta. Afirma
ainda que retornava de uma caçada, quando assistiu a uma discussão do arrendatário
com o reclamante e que, na oportunidade, este foi chamado de comunista e também foi
dito que fosse procurar seus direitos onde entendesse. Foi então interrogada a segunda
testemunha do reclamante, o trabalhador Antônio Fiel da Silva, que afirma ser também
trabalhador rural no engenho São Pedro e conhecer Severino Lima Salvador há dez
anos, aproximadamente, e que, assim como todos os outros trabalhadores daquele
engenho, tem uma reclamação trabalhista contra o arrendatário, Sr. Vicente Carrazone
Filho. Esta afirmação produz imediatamente uma reação no advogado do arrendatário,
que argui a contradita da testemunha, sob a alegação de que esta não teria a necessária
isenção sobre o fato articulado na petição inicial e na defesa.77
Esse argumento é rebatido pelo advogado do reclamante, o juiz não acata a
impugnação da referida testemunha e o interrogatório tem prosseguimento. No entanto,
antes de destacar alguns aspectos do depoimento de Antônio Fiel da Silva, quero me
deter na observação que ele faz de que todos os trabalhadores do engenho São Pedro

30
colocaram o arrendatário na Justiça do Trabalho, por este não cumprir com suas
obrigações trabalhistas. Talvez essa prática do arrendatário Vicente Carrazone Filho
possa ser lida como uma resistência representativa de muitos patrões de engenhos de
açúcar em cumprir a legislação trabalhista, sobretudo num período em que os
movimentos sociais organizados não tinham a força e a representatividade anteriores ao
golpe civil-militar de 1964. Ao mesmo tempo, revela como a Justiça do Trabalho e os
sindicatos – mesmo estando sob forte controle das delegacias regionais do trabalho – se
constituíam em canais de interlocução em que os trabalhadores, de alguma forma,
construíam um território de luta e defesa dos seus direitos. Portanto, torna-se importante
reafirmar a questão central deste texto, que versa sobre a Justiça do Trabalho como
espaço público em que as relações trabalhistas são confrontadas e submetidas à
disciplinarização do Estado. Ao mesmo tempo, analisa-se como nesse período histórico
observam-se constantes tentativas de alguns patrões que, ao se deparar com
trabalhadores sindicalizados e com maior conhecimento dos seus direitos trabalhistas, se
utilizavam do argumento de que essas reivindicações tinham motivação comunista. Essa
estratégia, no entanto, nos casos até aqui estudados, não tinha interferido nas decisões e
sentenças das Juntas de Conciliação e Julgamento.
Relata ainda a testemunha que tem conhecimento de que o reclamante foi
chamado de comunista pelo administrador e também pelo arrendatário e que não houve
diminuição do tamanho das contas, de 120 braças para 100 braças, além de afirmar que
o administrador trata muito mal os trabalhadores, ameaçando-os constantemente.
A audiência para apresentação das testemunhas do arrendatário do engenho não
se realizou e, após o adiamento da mesma, na audiência do dia 24 de outubro de 1973,
as partes entram em acordo, e o reclamante aceita receber Cr$ 600,00 (seiscentos
cruzeiros). Esse valor acordado era quase ¼ do valor total de Cr$ 2.291,00 (dois mil,
duzentos e noventa e um cruzeiros) solicitado na petição inicial. E seria recebido em
duas parcelas, Cr$ 400, 00 (quatrocentos cruzeiros), pagos imediatamente, e os Cr$
200,00 (duzentos cruzeiros) restantes no prazo de sete dias, assumindo o arrendatário do
engenho o pagamento de Cr$ 60,00 (sessenta cruzeiros) pelos honorários do advogado
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeirão, além das custas processuais.
No entanto, até a data de 20 de novembro de 1973, o arrendatário do engenho
São Pedro não havia saldado com o reclamante o débito de Cr$ 200,00 (duzentos
cruzeiros) relativo à segunda parte do acordo firmado perante a Junta de Conciliação e

31
Julgamento de Escada. Assim, em 22 de novembro, a JCJ expediu um mandato de
citação e penhora do restante da dívida e incluiu também a multa, o que totalizou Cr$
310,00 (trezentos e dez cruzeiros). A execução da penhora só foi efetivada cinco meses
depois, em abril de 1974, quando o oficial de justiça se dirigiu ao engenho São Pedro e
lavrou o auto de penhora de uma máquina forrageira, tornando-se o reclamado fiel
depositário da referida máquina.
De alguma forma, talvez para surpresa geral tanto da Junta quanto dos
trabalhadores rurais, em 5 de junho de 1974, o Sr. Vicente Carrazoni Filho apresentou
um documento lavrado no cartório de Registro de Imóveis, Hipotecas, Títulos e
Documentos da cidade de Ribeirão, em que transferia seus direitos de arrendatário dos
engenhos São Pedro e Palmeira, ambos situados no município de Ribeirão, ao Sr. José
Ernesto Pereira Lima. Naquele documento, o arrendatário cedente nomeava o novo
arrendatário como responsável a partir daquela data por “todas as obrigações
trabalhistas para com os rurícolas vinculados aos aludidos engenhos, resultantes das
reclamatórias que se acham em tramitação por essa Junta”.78 E concluía solicitando ao
juiz presidente da JCJ que o excluísse das relações processuais, já que o novo
arrendatário estava de inteiro acordo com esse encaminhamento, haja vista sua
assinatura no documento.79
Também em 5 de junho, o trabalhador rural, por meio do seu advogado,
encaminhou à Junta um pedido de desistência da execução da penhora em curso,
alegando que realizara um acordo com o novo arrendatário, Sr. José Ernesto Pereira
Lima, recebendo na oportunidade, extrajudicialmente, o quantum da execução e as
custas do processo.
Ao final desse processo, é possível perceber que, por meio da Justiça do
Trabalho, com a assistência jurídica do sindicato, o trabalhador Severino Lima Salvador
rompeu com o ciclo de arbitrariedades que o senhor de engenho, com o apoio da
delegacia de polícia, tentou instituir. Ele, que havia sido despedido pelo administrador
do engenho, chamado de comunista e intimado a comparecer à delegacia de polícia de
Ribeirão para receber uma advertência, conseguiu alterar esse cenário. Com o apoio do
advogado do sindicato, intimou o patrão na Justiça do Trabalho e o obrigou a fazer um
acordo e lhe pagar Cr$ 400,00 (quatrocentos cruzeiros), mais Cr$ 60,00 (sessenta
cruzeiros) de honorários do advogado, além do pagamento das custas do processo.
Quanto ao restante da dívida, o reclamante afirma tê-lo recebido do novo arrendatário.

32
Porém, se de fato recebeu ou houve algum outro acordo, não se sabe, pois não consta
dos autos a comprovação do pagamento.
Para concluir, uma última questão, que já sei não ter uma resposta conclusiva.
Por qual motivo teria o patrão transferido/negociado o arrendamento que mantinha dos
engenhos São Pedro e Palmeira? O relato da testemunha Antônio Fiel da Silva pode
talvez oferecer uma pista. Como já relatei, ele informou, quando depôs a favor do
reclamante, que todos os trabalhadores do engenho São Pedro tinham questão na Justiça
do Trabalho contra o reclamado. Este fato, agora associado a essa condenação na Justiça
do Trabalho, talvez tenha mostrado ao Sr. Vicente Carrazoni Filho que, mesmo sem as
Ligas Camponesas em funcionamento e distante dos tempos do governo do Dr. Arraes,
não era possível administrar um engenho à revelia de toda a legislação trabalhista.

1
A escrita deste texto não teria sido possível sem as sugestões, as críticas, as observações de inúmeros
pesquisadores. Inicialmente meus agradecimentos a Angela de Castro Gomes e Fernando Teixeira pela
leitura atenta, cuidadosa, apontando inúmeros aspectos a serem repensados, reescritos, reanalisados.
Também Benito Schmidt e Antonio Gino apontaram e sugeriram mudanças e acréscimos muito
significativos. Em nome deles agradeço aos demais autores que, no seminário na Unicamp, para
discussão de todos os textos deste livro, também me fizeram valiosas observações. Quero ainda
agradecer as leituras e sugestões preciosas de Regina Beatriz Guimarães, historiadora e minha mulher,
que sempre teve um tempo extra para reler e fazer sugestões a este texto. Registro meu agradecimento
à historiadora Vera Lúcia Acioli, que tanto me ajudou não apenas na leitura deste texto, mas sempre
indicando novos e valiosos processos do TRT 6ª região. Pablo Porfírio realizou uma leitura atenta e me
apontou diversas passagens no texto a serem melhoradas. Sou grato à prof.ª Vicentina Ramires pela sua
atenta e importante leitura deste texto, melhorando enormemente sua escrita. E não poderia deixar de
anotar meu muito obrigado a minha amiga Graça Galindo, que aceitou um pedido especial para me
ajudar na normatização deste texto, além de propor e fazer uma nova revisão gramatical.
2
A denominada zona da Mata é também chamada mesorregião da Mata e compreende uma estreita faixa
de terra paralela ao litoral, situada entre o rebordo oriental do maciço da Borborema e o mar, muito
próxima à cidade do Recife. Cf. Manuel Correa de Andrade, “Espaço e tempo na agroindústria
canavieira de Pernambuco”, Estudos Avançados, vol. 15, nº 43, set./dez., 2001, pp. 267-80.
3
O jornal The New York Times enviou a Pernambuco seu correspondente para a América Latina, Tad
Szulc, para conhecer as Ligas Camponesas e toda a propalada agitação comunista que se afirmava
dominar essa área do Brasil. “Northeast Brazil poverty breeds threat of a revolt”, The New York Times,
October 31, 1960, p. 3.
4
Cf. Antonio Torres Montenegro, “Agitação política e direito trabalhista nos idos de 1964”, in Antonio
Torres Montenegro, Regina Beatriz Guimarães Neto e Vera Lúcia Costa Acioli (orgs.), História,
cultura, trabalho: questões da contemporaneidade. Recife, Editora Universitária da UFPE, 2011, pp.
31-51.
5
Nessa perspectiva é que podemos pensar, entre outros, os trabalhos de Ângela de Castro Gomes:
Cidadania e direitos do trabalho (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2002); Burguesia e trabalho: política e
legislação social no Brasil – 1917-1937 (Rio de Janeiro, Campus, 1979); A invenção do trabalhismo
(São Paulo, Vértice; Rio de Janeiro, Iuperj, 1988).
6
Merece destaque também, nesse movimento de deslocamento de análise da questão do trabalho e do
trabalhador, tanto no que tange a suas formas de organização como à própria cultura operária, a
coletânea organizada por Alexandre Fortes, Hélio da Costa, Antonio Luigi Negro, Fernando Teixeira
da Silva e Paulo Fontes, Na luta por direitos: estudos recentes em história social do trabalho.
Campinas, Editora da UNICAMP, 1999. Vale ainda destacar o livro de José Ricardo Ramalho e Marco
33
Aurélio Santana (orgs.), Trabalho e tradição sindical no Rio de Janeiro: a tradição dos metalúrgicos.
Rio de Janeiro, DP&A/Faperj, 2001.
7
Ângela de Castro Gomes, “Questão social e historiografia no Brasil do pós-1980: notas para um
debate”, Estudos Históricos, nº 34, jul-dez., 2004, pp. 157-86.
8
Cf. Christine Rufino Dabat, “Uma caminhada penosa: a extensão do Direito trabalhista à zona
canavieira de Pernambuco”, Clio - Revista de Pesquisa Histórica, nº 26.2, 2008.
9
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71.
10
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, p. 3.
11
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, p. 9.
12
Limpeza ou roçado de uma plantação em que se usam foices, enxadas, ancinhos.
13
A conta é uma expressão da linguagem do trabalho agrícola no Nordeste, que representa um quadrado
de 10 X 10 braças. Cada braça é medida por uma vara de 2,20 metros. Logo, a medida padrão da conta
é de 440 metros quadrados. Cf. Antonio Torres Montenegro, “As Ligas Camponesas às vésperas do
golpe de 1964”, Projeto História, nº. 29, t. 2, jul.-dez., 2004, p. 398.
14
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, pp. 11-2.
15
Ver Antonio Torres Montenegro, “Ação trabalhista, repressão policial e assassinato em tempos de
regime militar”, Topoi, vol. 12, nº 22, jan.-jun., 2011, pp. 228-49. O artigo aborda o conflito entre
trabalhadores rurais, a polícia e o vigia do engenho Matapiruma.
16
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0376/70, p. 2.
17
Prontuário Município de Escada, Engenho Matapiruma de Baixo. Arquivo Público Estadual Jordão
Emerenciano (APEJE), Fundo 29541.
18
Prontuário Município de Escada, Engenho Matapiruma de Baixo. APEJE, Fundo 29541, p. 87.
19
14º Regimento de Infantaria, localizado no município de Jaboatão dos Guararapes.
20
Prontuário Município de Escada, Engenho Matapiruma de Baixo. APEJE, Fundo 29541, pp. 88-9.
21
Prontuário Município de Escada, Engenho Matapiruma de Baixo. APEJE, Fundo 29541, p. 86.
22
Cf. Larissa Rosa Corrêa, “Trabalhadores têxteis e metalúrgicos a caminho da Justiça do Trabalho: leis
e direitos na cidade de São Paulo, 1955 a 1964”. Dissertação de Mestrado. Departamento de História –
IFCH/Unicamp, 2007, p. 153-4. Os dois casos estudados por Larissa Rosa Correa, em São Paulo,
registram a existência de um histórico de lutas operárias em defesa do Abono de Natal. Este passou a
integrar a pauta de reivindicações dos operários têxteis desde a década de 1940, e teve na greve
nacional em 13 de dezembro de 1961 um momento marcante para a sua promulgação em julho de
1962.
23
Cf. Lucília de Almeida Neves Delgado, PTB: do Getulismo ao Reformismo (1945-1964). 2ª ed. São
Paulo, LTr, 2011, p. 240. Lucília Neves também aponta como na eleição para a Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), em 1961, o 13º salário foi apresentado como o primeiro ponto
da plataforma da chapa de oposição encabeçada por Clodesmidt Riani.
24
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0218/64.
25
Circular da Delegacia Regional do Trabalho anexada a Reclamação Trabalhista apresentada na JCJ de
Jaboatão em 22 de abril de 1964. Arquivo Memória e História TRT/UFPE, proc. 0326/64
26
Circular da Delegacia Regional do Trabalho anexada a Reclamação Trabalhista apresentada na JCJ de
Jaboatão em 22 de abril de 1964. Arquivo Memória e História TRT/UFPE, proc. 0326/64.
27
Segundo informações do site http://www.soleis.com.br/salario_minimo.htm, o salário mínimo no
Nordeste em dezembro de 1962 era de Cr$ 8.288,00.
28
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0041/64.
29
O julgamento do pagamento dos dias parados só aconteceu em 12 de maio de 1964 e a sentença foi
publicada em 12 de maio de 1964. Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE.
Arquivo Memória e História TRT/UFPE, 0041/64, pp. 36-8.
30
A usina Estreliana encontra-se localizada no município de Ribeirão, a 82 km do Recife, na região da
Mata Meridional.

34
31
Última Hora, 08 jan., 1963, p. 4.
32
Cf. Maria do Socorro de Abreu e Lima, “O sindicalismo rural em Pernambuco nos anos 60: lutas e
repressão”, CLIO – Revista de Pesquisa Histórica, nº 22, 2006, p. 196.
33
Ver Diário de Pernambuco, 09 jan., 1963, p. 1.
34
Em relatório enviado por um funcionário do consulado britânico no Recife, para o Ministério do
Exterior em Londres, foi registrado: “Camponeses armados circulavam à vontade, e proprietários não
ousavam aventurar-se pelas suas terras sem o conforto de uma submetralhadora no banco da frente de
seus carros.” Apud Geraldo Cantarino, Segredos da propaganda anticomunista: documentos
diplomáticos revelam a atuação do IRD, um departamento secreto do governo britânico, no Brasil. Rio
de Janeiro, Mauad X, 2011, p. 90.
35
Christine Rufino Dabat, “‘Depois que Arraes entrou, fomos forros outra vez!’ Ligas Camponesas e
sindicatos de trabalhadores rurais: a luta de classes na zona canavieira de Pernambuco segundo os
cortadores de cana”, CLIO – Revista de Pesquisa Histórica, nº 22, 2006, p. 162.
36
Depoimento de Hangho Trench, fornecido a Eliana Moury Fernandez. Recife, FUNDAJ–CEHIBRA.
37
Cf. Pablo F. de A. Porfírio, Medo, comunismo e revolução: Pernambuco (1959-1964). Recife, Editora
Universitária da UFPE, 2009, pp. 80-8.
38
Cf. Michel de Certeau, A invenção do cotidiano 1: artes de fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves.
Petrópolis, Vozes, 1994, p. 95.
39
Cf. Georges Didi-Huberman. O que vemos, o que nos olha. Pref. Stéphane Huchet. Trad. Paulo Neves.
São Paulo, Ed. 34, 1998.
40
Cf. idem, op. cit., p. 83.
41
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, pp. 22-3.
42
“Estatuto do Trabalhador Rural, Lei nº 4.214, de 02 de março de 1963”, Cadernos do Camponês, Série
Legislação, nº 2. Recife, Federação dos Trabalhadores Rurais de Pernambuco, 1963, p. 24.
43
Op. cit., p. 29.
44
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, pp. 22-3.
45
Lygia Sigaud, “Direito e coerção moral no mundo dos engenhos”, Revista Estudos Históricos, vol. 9, nº
18, 1996, p. 380.
46
Coleção das leis de 1971. Vol. IV – Atos do Poder Executivo: decretos de abril a junho. Brasília,
Departamento de Imprensa Nacional, 1971, p. 73.
47
Ibidem. Neste período, que durou até 1974, houve ainda uma forte redução no número de níveis
distintos de salário mínimo, que passou de 38, em 1963, para apenas cinco, em 1974.
48
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, p. 32.
49
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, p. 35.
50
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, pp. 28-9.
51
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Jaboatão-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0162/71, p. 69-70.
52
Cf. Manuel Correa de Andrade, op. cit., p. 267.
53
Moacir Palmeira, “Desmobilização e conflito: relações entre trabalhadores e patrões na agroindústria
pernambucana”, in Bernardo Mançano Fernandes, Leonilde Servolo de Medeiros e Maria Ignez Paulilo
(orgs.), Lutas camponesas contemporâneas: condições, dilemas e conquistas – O campesinato como
sujeito político nas décadas de 1950 a 1980. São Paulo, Editora Unesp; Brasília, Nead, 2009, vol. 1, p.
172.
54
Idem, op. cit., p. 175.
55
Francisco Julião, Cambão: a face oculta do Brasil. Recife, Bagaço, 2009, p. 141.
56
Até 1971 haviam sido instaladas no Recife dez Juntas de Conciliação e Julgamento: duas em 1941, uma
em 1955, uma em 1963, uma em 1965 e cinco em 1971. Já nas demais cidades do estado foram
instaladas 11 juntas, distribuídas territorialmente da seguinte maneira: quatro na Mata Norte, nos
municípios de Paulista (1955), Goiana (1963), Nazaré da Mata (1963) e Limoeiro (1971); cinco na
Mata Sul, nas localidades de Palmares (1963), Jaboatão dos Guararapes (1963), Escada (1963), Cabo
de Santo Agostinho (1971) e Catende (1971); e duas no Agreste, nas cidades de Caruaru (1963) e

35
Pesqueira (1971). Pesquisa cedida pela Prof.ª Vera Lúcia Costa Acioli, organizada para
orientar/informar os pesquisadores que atuam no projeto TRT6/UFPE para preservação e divulgação
dos processos trabalhistas de Pernambuco
57
Cf. Rosilene Alvin, A sedução da cidade: os operários camponeses e a fábrica dos Lundgren (Rio de
Janeiro, Graphia, 1997); e José Sérgio Leite Lopes, A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das
chaminés (São Paulo, Marco Zero; Brasília, Editora UnB, 1988).
58
Cf. “Entrevista com o professor José Sérgio Leite Lopes”, concedida a Roberta Novaes e Maya
Valeriano, IDEAS, Interfaces em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, vol. 4, nº 2, 2010, pp.
544-91.
59
As nove usinas de açúcar atendidas pela JCJ de Jaboatão eram: Petribú, Nossa Senhora do Carmo,
Barão de Suassuna, Nossa Senhora Auxiliadora, Bulhões, Jaboatão, Muribeca, Tiúma e Mussuassu.
60
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0134/73, pp. 2-3.
61
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0134/73, p. 8.
62
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0134/73, p. 8.
63
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0134/73, p. 9.
64
O delegado da cidade de Escada, a Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco e o IV Exército
ficaram todos a favor do arrendatário do engenho Matapiruma, mesmo depois de este descumprir a
sentença da Justiça do Trabalho que o condenava a pagar 13º mês e férias não pagas.
65
Cf. Marcus J. M. de Carvalho, Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo – Recife, 1822-1950.
Recife, Editora Universitária da UFPE, 2001.
66
Cf. Fernando de Azevedo, As Ligas Camponesas. São Paulo, Paz e Terra, 1982, pp. 59-61.
67
Este autor, além de haver publicado diversos livros e artigos sobre a problemática da fome no Nordeste
e no Brasil, foi parlamentar pelo Partido Socialista e exilado político após o golpe de 1964. Também
atuou como diretor da Food and Agriculture Organization (FAO), órgão das Nações Unidas.
68
Cf. Sonia Sampaio Navarro Lessa, “O movimento sindical rural em Pernambuco: 1958-1968”.
Dissertação de Mestrado. UFPE, 1985.
69
Cf. Joseph A. Page. A revolução que nunca houve: o Nordeste do Brasil (1955-1964). Rio de Janeiro,
Record, 1972, pp. 63-4.
70
O jornal Última Hora, criado em 1951, circulou até 1971 e foi pioneiro ao abranger sete cidades: Rio de
Janeiro, São Paulo, Niterói, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Recife. Nas suas páginas de
política revelou apoio a Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jango. Segundo Ana Maria de Abreu
Laurenza, o jornal deu ampla cobertura para a Revolução de Cuba, em dezembro de 1959, e abriu suas
páginas para as lideranças camponesas no Brasil pré-1964. Cf. “Batalhas em letra de forma: Chatô,
Wainer e Lacerda”, in Ana Luiza Martins e Tânia Regina de Luca (orgs.), História da Imprensa no
Brasil. São Paulo, Contexto, 2008.
71
Ulpiano T. Bezerra de Meneses, “Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório,
propostas cautelares”, Revista Brasileira de História, vol. 23, nº 45, 2003, p. 18.
72
Walter Benjamin, “Teoria do conhecimento, teoria do progresso”, in Passagens. Belo
Horizonte, Editora da UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial, 2006, p. 504.
73
Segundo Almino Monteiro Álvares Affonso, Ultima Hora era o único jornal que apoiava o presidente
João Goulart. Apud Ângela de Castro Gomes (coord.), Ministério do Trabalho: uma história vivida e
contada. Rio de Janeiro, CPDOC, 2007, p. 163.
74
Cf. Pablo F. de A. Porfírio, Medo..., p. 44.
75
Cabo é a posição mais baixa na hierarquia de mando do engenho. Cf. Lygia Sigaud, Direito..., p. 366.
76
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0134/73, p. 10.
77
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0134/73, pp. 14-15.
78
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE.
proc. 0134/73, p. 45.
79
Processo Junta de Conciliação e Julgamento de Escada-PE. Arquivo Memória e História TRT/UFPE,
proc. 0134/73, p. 45.

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