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M. V. Silva e B. P. L. Pena
RESUMO
Esta pesquisa visa analisar as diretrizes presentes no Plano Diretor e demais legislações
urbanísticas da cidade de Macapá, relativas ao conforto ambiental, relacionando-as com as
transformações ambientais que a cidade vem sofrendo ao longo do tempo. Para embasar a
análise, realizou-se uma revisão bibliográfica sobre as dificuldades da inserção e
implementação de indicadores ambientais no planejamento urbano que correlacionem a
climatologia, a geometria urbana e o conforto ambiental. A análise das legislações aponta
inúmeras alterações, desde 2004, que tornam confusa a compreensão das diretrizes atuais
vigentes, e as diretrizes de conforto ambiental existentes são escassas e pontuais e muitas
vezes pouco claras. Quanto as transformações climáticas, autores destacam a supressão da
área verde com redução de 23% (1985 a 2006) e a ocorrência de ilhas de calor; a elevação
das temperaturas máximas e predominância da sensação térmica quente relata pela
população já no ano de 2013.
1 INTRODUÇÃO
Os princípios de conforto ambiental são pouco utilizados dentro do Plano Diretor de Macapá.
No decorrer das quatro partes que consistem o PD, sendo elas as estratégias de
desenvolvimento; a estruturação municipal e urbana; os instrumentos de controle urbano e
instrumentos indutores do desenvolvimento urbano; e as propostas de um Sistema Municipal
de Gestão Territorial, o conforto ambiental é observado apenas nos artigos 81 e 83, que
aborda as Subzonas de Ocupação Prioritária (SOP), que são basicamente os bairros centrais,
e sobre as Subzonas de Fragilidade Ambiental (SFA), que abrange principalmente a área da
orla da cidade. É descrito nessas duas subzonas, que as construções nessas áreas só serão
permitidas, caso haja a garantia de conforto térmico e ambiental, condicionada à implantação
de infraestrutura urbana, mas não é especificado como isso será garantido.
A LC nº 077/2011, no art. 15, cria o art. 84-C, na LC nº 029/2004 (LUOS), onde para garantir
o atendimento dos princípios ambientais e sustentáveis e de conforto térmico, de modo a
permitir a passagem da ventilação na superfície, estabelece que os muros frontais dos lotes
devem possuir, pelo menos, 1/3 (um terço) de sua extensão composta de elementos vazados
ou gradeados. Também determina que na extensão dessas áreas vazadas, haja uma taxa de
ajardinamento de no mínimo 25% do recuo frontal, para fins de paisagismo, onde se
recomenda plantas e árvores regionais.
A indicação dos muros vazados é muito importante para que haja a circulação da ventilação
na lateral e no interior das edificações, visto que, em áreas urbanas, essa circulação de vento
pode ser pequena por conta da proximidade das construções e dos obstáculos criados pela
cidade, sendo o muro um obstáculo presente em quase todos os lotes (FROTA e SCHIFFER,
2007). A taxa de ajardinamento também contribui muito para melhorar o conforto térmico
urbano, pois aumenta a área verde e permeável da cidade, que constantemente está sendo
suprimida pelas construções e pavimentações. De acordo com Carvalho (2013), a cidade de
Macapá já teve uma redução de 23,23% na densidade de área verde e perda de 14,76% de
área de cerrado, durante o período de 1985 até 2006.
Além dos artigos 6 e 15, a LC nº 077/2011 também apresentou o art. 16, que pela primeira
vez, estabeleceu um distanciamento mínimo entre as edificações verticais, para que assim
houvesse a garantia da ventilação, insolação e atendimento aos princípios ambientais e
sustentáveis. Esse artigo determinou a distância mínima de 15 m entre edificações de
verticalização baixa; 20 m entre verticalização baixa e média; 30 m entre verticalizações
médias e 37 m entre média e alta. Esses distanciamentos sofreram algumas modificações em
2014, por meio do art. 12 da LC nº 109/2014, que alterou para 35 m e 50 m entre
verticalizações altas, depois sendo alterada para 45 m ainda no mesmo ano, e 30 m entre
verticalizações alta e baixa.
Acrescenta-se que, além do PDDUA e a LUOS, Macapá também possui outro instrumento
que tenta garantir um pouco mais de conforto ambiental a cidade. Trata-se do Plano de
Arborização Urbana do Município de Macapá (PDAU/MCP), que é um documento
relativamente recente, tendo sido promulgada no ano de 2016, por meio do Decreto Lei nº
1678/2016. Seus objetivos gerais baseiam-se no que é proposto no parágrafo único do Art.
56, da LC nº 026/2004, que orienta ao Município a elaboração de estudos para avaliar a
necessidade de implantação ou ampliação da arborização na cidade. Assim, o Plano de
Arborização apresenta alguns objetivos:
É necessário ter um planejamento da arborização urbana mais eficaz, pois ela garante
satisfação psicológica, limpeza do ar e sombreamento, necessários para qualificar o ambiente
urbano. Carvalho (2013) ressalta que o esvaziamento de áreas verdes está relacionado com
a ausência de uma efetiva gestão da aplicabilidade do planejamento urbano e com o
crescimento urbano.
O que se observa ao analisar essas leis, é que as inserções de diretrizes voltadas para o
conforto ambiental ainda são muito tímidas e voltadas para ações pontuais e quase sempre,
não se nota a aplicabilidade dessas normas. As diretrizes previstas não são finalizadas ou
mesmo iniciadas e quem mais sofre com essa deficiência de aplicação é a população, que
padece com os problemas de conforto térmico, que são intensificadas por causa da falta de
planejamento no desenvolvimento urbano de Macapá.
Silva (2017) indica que o planejamento urbano pouco se relaciona com as várias climáticas
e Duarte (2015) afirma que os estudos sobre conforto urbano ainda se restringem muito ao
campo do urbanismo, o que demonstra a escassez desse assunto na elaboração de planos
urbanos das cidades. Essa falta é um erro, visto que o conhecimento sobre os microclimas
proporciona melhoras no planejamento das malhas urbanas e nas condições ambientas, o que
gera o aumento do conforto térmico dos usuários urbanos.
De acordo com Santos et al. (2012), o rápido e desordenado crescimento das cidades
amazônicas tem dificultado a promoção de condições ideais de vida a seus habitantes,
principalmente no que tange as alterações climáticas resultantes do processo de urbanização.
Para os autores, as consequências dessa desordem atingem diversos setores, desde problemas
de conforto térmico até eficiência energética, gestão ambiental, economia de água, saúde
pública, entre outros.
Ao colocar em números essa expansão territorial, Carvalho (2013) demonstra que entre os
anos de 1985 a 2006, a área urbana de Macapá aumentou 187%, passando de uma área de
18,38 km² para 54,03 km², com diminuição de 23% da área verde, e ocupação da área de
ressaca, com diminuição da quantidade de água/área de ressaca em 53,68%, com um
crescimento populacional de 168%.
Para Santos et al. (2015), a verticalização acentuada, além de mudar a paisagem urbana,
também provoca impactos no ambiente urbano. Segundo Rahy (2012) os edifícios vão se
sobrepondo uns aos outros com o decorrer do tempo; os mais altos e mais novos transformam
os anteriores em pequenos exemplares na dimensão vertical. Para a autora, a verticalização
acarreta consequências desde dos aspectos climáticos, ecológicos, políticos, físico-
biológicos, éticos e psicológicos.
Santos et al. (2012) também acrescenta que, apesar de ser uma cidade de médio porte, com
urbanização baixa, Macapá exibe algumas características comuns de grandes centros
urbanos regionais, como muitas áreas construídas ou artificiais, que se expandem com o
tempo, sobre áreas antes ocupadas pela vegetação, o que altera os índices microclimáticos
locais. Essa substituição da cobertura vegetal pela pavimentação e pelas construções, causa
tanto consequências para o clima urbano (como as alterações nas superfícies físicas do solo,
impermeabilizando-as e aumentando sua capacidade térmica e rugosidade, e o aumento da
capacidade armazenadora de calor), como também para a população (como problemas com
estresse, desconforto e danos físicos e mentais dos habitantes) (ROMERO, 2000).
Segundo Duarte (2015), o crescimento urbano é responsável pela diminuição de áreas verdes
nas cidades e que este também cria obstáculos para o plantio de novas áreas vegetadas.
Dentre esses obstáculos, estão a compactação do solo; a falta de espaço para as raízes das
árvores; alocação de serviços na superfície e no subterrâneo e a falta de gestão adequada da
vegetação. Para a autora, essas são algumas razões para a escassez de arborização nos centros
urbanos, que tendem a se intensificar com a substituição da vegetação e superfícies naturais,
por superfícies impermeáveis, como o asfalto e concreto.
A consequência desse crescimento urbano pode ser observada no aumento do desconforto
térmico percebido pelos macapaenses nos últimos 20 anos, o que gera não apenas danos à
saúde física e mental da população, mas também aumento da sensibilidade humana ao
excesso de calor, através de acréscimo significativo de dias quentes mais frequentes e por
períodos cada vez mais longos. Há também como consequências, a elevação da temperatura
máxima, o brusco aumento do número de dias com temperaturas máximas e a tendência de
diminuição do número de dias mais agradáveis (SANTOS et al., 2012).
O aumento da temperatura do ambiente externo pode também ter relação ao uso constante
do ar condicionado pela população que vive na Região Metropolitana de Macapá (RMM),
pois o calor gerado por esse equipamento tende a alterar o balanço de energia em superfície
na área urbana e positivo para a manutenção da ilha de calor urbana (ICU) (SILVA, 2016).
Silva (2016) também destaca a importância das propriedades térmicas de materiais urbanos,
na influência do desenvolvimento das ilhas de calor, visto que a RMM apresentou maiores
valores de albedo (indicador do quanto a superfície reflete) nas áreas com predomínio de
superfícies de concreto e menores valores de Índice de Vegetação por Diferença
Normalizada (NDVI).
Ressalta-se que Macapá já enfrenta problemas climáticos, mesmo que a cidade seja de médio
porte e o nível de urbanização não seja considerado tão elevado, a cidade sofre com
problemas provenientes do desequilíbrio entre a urbanização e o desenvolvimento
sustentável, ainda não incorporados aos instrumentos de planejamento urbano (SILVA e
PENA, 2020).
De acordo com Oke (1984, 2006), Alcoforado (1999) e Eliasson (2000) apud Silva (2017),
os estudos científicos sobre climatologia urbana são pouco utilizados no processo de
planejamento das cidades, devido à complexidade da modelagem, às diferenças de escala, à
formação dos arquitetos e planejadores urbanos e a falta de comunicação entre pesquisadores
e administradores do planejamento, visto que atualmente, o planejamento urbano é tido
como uma atividade política e não técnica científica, que só avançará com as melhorias da
capacidade institucional.
Silva e Pena (2020) destacam a carência de dados indicadores ambientais importantes no
processo de planejamento urbano de Macapá, pois sem o diagnóstico atual da cidade, não é
possível estabelecer metas e planejamentos adequados, visto que eles são realizados sobre
base de dados quase inexistentes. Há muitas pesquisas individuais sobre a cidade, no âmbito
acadêmico-científico, mas o poder público, institucionalmente, não traça metas para a
construção dessas bases de dados necessários de forma ampla, para o diagnóstico,
monitoramento e planejamento urbano adequado.
Silva e Pena (2020) sugerem também a utilização de novos instrumentos urbanísticos, mais
voltados para correlacionar indicadores ambientais e a geometria urbana, como o fator H/W,
a porosidade urbana, a rugosidade aerodinâmica, índice de densidade arbórea (IDA), entre
outros.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para uma cidade em crescimento e com verticalização ainda em fase inicial de ascensão, se
faz ainda mais necessário que o planejamento baseado em estudos de outras grandes
metrópoles e adaptando isso a realidade amazônica, incorpore instrumentos que visem a
garantia da qualidade ambiental na cidade. O planejamento com embasamentos técnicos e
instrumentos efetivo de análise do desempenho da cidade e de inserção de índices ambientais
que garantam o conforto ambiental urbano, precisa ser a base norteadora para o
desenvolvimento da cidade.
REFERÊNCIAS
FROTA, A.B.; SCHIFFER, S.R. Manual de conforto térmico. 8.ed. São Paulo: Studio
Nobel, 2007. 243p.
SANTOS, K.P.C.; CUNHA, A.C.; COSTA, A.C.L.; SOUZA, E.B. Índices de tendências
climáticas associados à “ilha de calor” em Macapá-AP (1968- 2010). Revista Brasileira
de Ciências Ambientais, n.23, 2012.
SANTOS, L. A. dos; SILVA, D. B.; SOUZA, T. B.; FORTES, A. C. C.; VIANA, B. A. S.
Impactos socioambientais resultados do processo de verticalização. IV Congresso
Brasileiro de Gestão Ambiental, Porto Alegre, nov. 2015.
SILVA, M.; PENA, B. Análise do plano diretor urbano de Macapá (2004) com ênfase
na verticalização e no conforto ambiental. In Os distintos olhares do Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Macapá – 2004/ José Alberto Tostes (org.). –
Macapá: UNIFAP, 2020.