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ENOLOGIA

Lucas Dal Magro


Técnicas de degustação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Listar as etapas do exame visual de vinhos.


 Descrever o procedimento do exame olfativo em vinhos.
 Reconhecer as técnicas de degustação para exames gustativos em
vinhos.

Introdução
A avaliação sensorial de uma bebida é uma etapa essencial durante a
degustação. Cada bebida tem seus próprios critérios de avaliação, que
irão determinar seu perfil, e com o vinho não poderia ser diferente. Ao
colocar um vinho na taça, segue-se uma prática minuciosa que inclui
exame visual, exame olfativo e exame gustativo, na intenção de distinguir
todas as características que o vinho apresenta e, assim, vincular essas
características a seu respectivo processo de elaboração.
Neste capítulo, você vai conhecer as três etapas a serem cumpridas na
avaliação sensorial de um vinho — visual, olfativa e gustativa — e quais
atributos devem ser considerados em cada uma delas a fim de aprimorar
a técnica de degustação.

1 Conceitos de degustação e técnicas


de exame visual
Apreciação de um vinho é realizada pela prática da degustação, em que os
diversos estímulos gerados são convertidos em percepções que podem variar
de pessoa para pessoa, dependendo da sua vivência e experiência. Lembranças
passadas e sentimentos atuais podem ajudar a caracterizar o que está sendo
apreciado. Durante a degustação de um vinho, nossos sentidos interagem com
a bebida, provocando sensações e emoções às quais devemos estar atentos em
todos os seus detalhes, observando desde a qualidade mais sutil até os defeitos
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mais profundos, para, dessa forma, poder descrever da melhor maneira o que
o vinho está nos apresentando (LAROUSSE, 2012).
A prática da degustação envolve os nossos sentidos de visão, olfato, paladar
e tato, mediante os quais podemos apreciar plenamente a infinidade de aromas
e sabores do vinho, os quais contam um pouco da sua origem e história, do
seu processo produtivo e da sua evolução.
A degustação também é uma das principais ferramentas para avaliação dos
vinhos, utilizada tanto no processo produtivo, para o acompanhamento das
etapas de elaboração, quanto no desenvolvimento de novos produtos. Embora
existam instrumentos analíticos efetivos em detectar características físico-
-químicas importantes, eles não são capazes de medir a percepção humana e
de expressar toda a complexidade de sensações que percebemos ao degustar
um vinho (HENDERSON; REX, 2012).
A capacidade de degustar um vinho e apreciar seu sabor existe em qualquer
pessoa, mas a geração de um parecer técnico e confiável só é alcançada com anos
de trabalho e experiência, o que confere uma bagagem técnica ao degustador
para expressar um julgamento mais profundo do que se está degustando. De todo
modo, a degustação não é uma ciência exata e diferenças fisiológicas e culturais
entre os degustadores podem promover diferentes percepções e sensibilidades,
que podem ser minimizadas com exercício constante (JACKSON, 2017).
O exame visual é o primeiro contato do degustador com vinho. Logo após
a bebida ser servida, características como cor, brilho, limpidez, efervescência,
entre outras, são percebidas pelos olhos, contando um pouco de sua história
e personalidade (LAROUSSE, 2012).
Apesar dessas características quase não apresentarem efeitos sobre o sabor
do vinho, os aspectos visuais são muito importantes para aceitação da bebida,
afinal, essa é a maneira como tiramos as primeiras impressões do produto,
antes mesmo de levá-lo à boca. Para iniciar o exame visual, um dos principais
atributos de avaliação é a limpidez do vinho. A maneira mais fácil de observar a
limpidez é posicionar a taça de vinho contra uma fonte luminosa, observando a
passagem da luz pela bebida e os possíveis sólidos solúveis em sua solução. Em
uma sala bem iluminada, pode-se avaliar a limpidez do vinho até mesmo contra
um fundo branco; entretanto, se o vinho tiver uma alta intensidade de cor, esse
aspecto poderá ser afetado. Dessa forma, a taça pode ser inclinada, reduzindo
a quantidade de vinho pela qual a luz atravessa (HENDERSON; REX, 2012).
Juntamente com a limpidez, também é avaliado o brilho do vinho. Em sua
grande maioria, os vinhos corretos apresentam-se límpidos e brilhantes, sem
partículas em suspensão ou depósitos. Quando um vinho é descrito como turvo,
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velado e/ou opaco, normalmente essas características estão associadas a má


vinificação, a instabilidades físico-químicas ou a doenças microbiológicas do
vinho. Atualmente, com o progresso da enologia moderna, esses defeitos são
cada vez mais raros. No entanto, alguns vinicultores vêm reduzindo a utilização
de clarificantes e filtrações, buscando preservar melhor as características
de qualidade dos seus vinhos, o que pode resultar em um leve depósito no
fundo da garrafa após longos períodos de envelhecimento, geralmente sem
comprometer os aspectos gustativos do vinho (LAROUSSE, 2012).
Para avaliar a cor, a taça de vinho deve ser inclinada a um ângulo de 45°
contra um fundo branco. Essa prática permite a visualização de duas áreas,
as quais permitem avaliar a tonalidade e a intensidade da cor. Ao inclinar a
taça, é observada uma borda periférica com menor volume de vinho e menor
concentração de cor. Nessa, área pode-se visualizar a tonalidade do vinho. Já
na região central, é observada a coloração e sua intensidade (Figura 1). Além
das colorações clássicas de vinhos, como tinto, branco e rosé, dentro dessas
classes podemos encontrar um grande leque de variações, influenciadas por
diversos fatores, como variedade de uva, método de elaboração, idade do vinho
e conservação. De modo geral, vinhos jovens apresentam uma coloração mais
viva e intensa. Nos vinhos tintos, os reflexos violetas dão lugar a tons grenás e
alaranjados ao longo tempo. Já nos vinhos brancos, o amarelo-claro com reflexos
esverdeados dá lugar a tons dourados e âmbar (HENDERSON; REX, 2012).

Figura 1. Inclinação da taça para a visualização da borda periférica


e da região central para avaliação da cor.
Fonte: Click and Photo/Shutterstock.com.
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Dessa forma, a coloração de um vinho nos permite prever algumas das


características da bebida, como a sua idade. Dependendo da tonalidade, pode-se
constatar se o vinho é jovem ou se já apresenta sinais de evolução. Além disso,
as intensidades cromáticas, bem como as tonalidades, podem estar ligadas
a determinada variedade de uva e a certas técnicas de vinificação utilizadas
para a formação da cor, já que períodos mais longos de contato entre líquido
e casca aumentam extração de compostos relacionados à coloração. Além
disso, o rendimento produtivo do vinhedo pode afetar essas características nos
vinhos, pois grandes produções costumam gerar uvas menos concentradas,
as quais proporcionam uma menor coloração aos vinhos. De modo similar,
a coloração pode dar indícios da safra, das condições climáticas e da região.
Climas quentes favorecem o acúmulo de matéria corante nas uvas, produzindo
vinhos mais intensos (LAROUSSE, 2012).
Outra característica observada no exame visual dos vinhos é sua viscosidade.
Ao imprimir movimentos circulares, é proporcionada aderência do líquido às
paredes da taça que, posteriormente, escorre em forma de “lágrimas”. Esse fenô-
meno é chamado de efeito Marangoni, esclarecido em meados do século XIX
pelo físico Carlo Marangoni. Esse fenômeno advém da diferença entre as tensões
superficiais do álcool, da água e de outros componentes do vinho. Ao agitar o
vinho na taça, sua superfície exposta aumenta, favorecendo a volatilização do
etanol e, dessa forma, aumentando a concentração de água e outros componentes
com mais tensão superficial, como açúcar e glicerol. A maior tensão superficial
desse líquido atrai o líquido circundante até que seu peso exceda a força da tensão
superficial, formando uma gota que escorre lentamente pela força gravitacional.
As “lágrimas” do vinho contam um pouco sobre sua untuosidade e viscosidade.
Lágrimas espessas que escorrem suavemente pela parede das taças geralmente
estão associadas a vinhos concentrados, volumosos, com alto teor alcoólico, visto
que o líquido remanescente, após a volatilização do etanol, fica mais concentrado.
O conteúdo de açúcar, assim como o de glicerol, contribui para esse fenômeno,
aumentando a viscosidade do líquido e diminuindo a velocidade de escorrimento
da lágrima, o que é bastante observado em vinhos de sobremesa. Por sua vez,
vinhos com poucas lágrimas, e que escorrem rapidamente, são leves e magros,
com pouco corpo (LAROUSSE, 2012; PUCKETTE; HAMMACK, 2016).
A presença de gás carbônico também é avaliada no exame visual. Carac-
terística essencial dos vinhos frisantes e espumantes, esse composto também
pode aparecer em pequenas quantidades nos vinhos tranquilos. Como o gás
carbônico é produzido durante a fermentação alcoólica, após essa etapa de
produção os vinhos estão saturados de CO2. No entanto, ao longo de seu
armazenamento com diversas operações de elaboração, o gás incorporado no
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vinho vai sendo liberado. Dessa forma, vinhos engarrafados jovens podem
ainda conter uma pequena quantidade de gás carbônico, que pode ser obser-
vado pela formação de bolhas durante o enchimento da taça. Todos os vinhos
possuem gás carbônico em sua composição, até os vinhos tranquilos, em que
o CO2 não é percebido, embora possa auxiliar na percepção dos aromas e
no frescor gustativo. Contudo, uma grande quantidade de gás carbônico em
vinhos tranquilos costuma estar associada a defeitos microbiológicos, visto
que o desenvolvimento de diversos microrganismos presentes nos vinhos
promovem a formação de gás carbônico (RABACHINO, 2018).
Já em vinhos frisantes e espumantes, a efervescência está associada à sua
qualidade. A quantidade das borbulhas, seu tamanho, sua persistência e a for-
mação do colar (espuma), no caso de vinhos espumantes, devem ser levadas em
consideração. A formação da efervescência nesses estilos de vinho se deve ao
aprisionamento do gás carbônico em um recipiente hermético — tanques ou gar-
rafas — no qual o sistema de elaboração está diretamente ligado às características
desse aspecto. Nos vinhos frisantes, por exemplo, o gás carbônico pode ser ou
natural, proveniente da fermentação alcoólica, ou exógeno, incorporado ao final
do seu processamento. Esses dois métodos influenciam bastante as características
do produto final: enquanto o gás carbônico natural gera borbulhas mais finas e
agradáveis, a gaseificação produz borbulhas maiores e que se desprendem com
maior facilidade do vinho. De modo similar, nos vinhos espumantes, apesar
da gaseificação com gás carbônico exógeno não ser permitida, diversos fatores
podem influenciar a formação das borbulhas e de perlage. Geralmente, vinhos
espumantes fermentados pelo método tradicional em baixas temperaturas geram
borbulhas mais fina e perlage intenso, o que contribui também para a formação
de uma espuma bonita e persistente (FLANZY, 2003).

2 Exame olfativo de vinhos


O exame olfativo do vinho compreende a percepção dos compostos voláteis
presentes na bebida, comumente chamados de aromas. Segundo Dutcosky
(2013), o termo aroma se refere aos compostos que são percebidos quando o
vinho está no paladar, ou seja, via retronasal, passando às narinas através da
nasofaringe até o epitélio. Os compostos voláteis percebidos ao aproximar o
nariz da taça, via nasal, são chamados de odores.
Aromas e odores são detectados no epitélio olfativo do nariz, que possui
terminações nervosas responsáveis por levar as informações até o bulbo olfa-
tivo. Das moléculas aspiradas, um pequeno percentual é absorvido pelo epitélio,
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assim como pequenas frações de tais moléculas são reconhecidas. Assim, ainda
que o vinho contenha centenas de compostos voláteis, o ser humano consegue
detectar apenas uma pequena parcela deles (DUTCOSKY, 2013). Além disso,
o reconhecimento dessas moléculas depende da sua concentração no vinho,
da sua volatilidade, pressão de vapor e de seu limiar de percepção olfativo.
Algumas pessoas podem apresentar hiposmia, ou seja, sensibilidade olfativa
diminuída, que pode ser desencadeada por doenças ou tabagismo, o que também
se torna um fator limitante para o limiar olfativo individual (JACKSON, 2017).
O odor presente no vinho é um dos atributos sensoriais mais importantes
ao se avaliar a qualidade da bebida, uma vez que possui relação direta com
sua aceitabilidade pelo consumidor, sendo responsável por evocar o prazer
em consumi-lo. Portanto, durante a elaboração do vinho, costumam ser em-
pregadas uvas e técnicas de vinificação que tendem a valorizar esse atributo
(RIBÉREAU-GAYON et al., 2006).
O vinho tem uma composição volátil bastante complexa, e esses compostos
são gerados de acordo com alguns fatores, tais como o local de plantação da
uva (terroir), tipo de uva, sanidade, controle de fermentações, técnicas de
vinificação aplicadas, maturação e envelhecimento, sendo vedada a adição de
compostos aromáticos exógenos (LAROUSSE, 2012). A fim de compreender
a complexidade que esses compostos apresentam, a literatura especializada
classifica-os de acordo com sua origem da seguinte maneira: compostos voláteis
primários ou varietais, compostos voláteis secundários ou fermentativos e
compostos voláteis terciários ou pós-fermentativos.
Os compostos primários são aqueles encontrados na uva e responsáveis
por caracterizar a bebida, conferindo identidade ao vinho, uma vez que estão
relacionados com a tipicidade da variedade e com o local de produção. De forma
geral, é possível encontrar maior concentração desses compostos na casca do que
na polpa da uva, o que torna o processo de maceração importante para facilitar
a extração e concentração desses componentes no vinho (RIBÉREAU-GAYON
et al., 2006). Já os compostos secundários são os formados durante as fermen-
tações do vinho (alcoólica e malolática), pela ação das leveduras e bactérias
presentes no meio, responsáveis por produzir compostos voláteis pertencentes aos
grupos químicos dos álcoois, ésteres, ácidos, aldeídos e cetonas. Por fim, todos
os compostos produzidos após concluídas as fermentações são denominados
compostos terciários. Normalmente, estão associados à passagem do vinho
por barrica de carvalho e comumente são chamados de “bouquet”; entretanto,
esse termo também pode ser usado para exprimir a avaliação global do odor
do vinho, como na afirmação “este vinho tem um bouquet frutado e floral”.
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Para avaliar dos odores do vinho, é preciso levar a taça ao nariz para inalação
dos compostos, segurando-a pela haste. A primeira percepção deve ser realizada
sem agitar o líquido, uma vez que muitos dos compostos voláteis presentes no vinho
possuem baixa massa molecular, ou seja, rapidamente irão evaporar. Após esse
procedimento, agita-se lentamente o líquido na taça, para facilitar a evaporação
dos outros odores, e então inala-se novamente (HENDERSON; REX, 2012). Nesse
processo de reconhecimento dos odores, a Roda de Aromas do Vinho, criada pela
pesquisadora da Universidade da Califórnia Ann Noble em 1990, pode simplificar
a identificação (Figura 2). A Roda traz uma lista de palavras-chave que podem
ser usadas para definir ou classificar os odores percebidos, ajudando a aprimorar
a capacidade de descrever os compostos encontrados.

Figura 2. Roda de Aromas do Vinho.


Fonte: Venâncio ([20--?], documento on-line).
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É interessante anotar cada composto detectado, já que, conforme o vinho


descansa na taça, o contato com o oxigênio facilita a evaporação dos odores,
eliminando alguns e dando lugar a outros. Os vinhos devem apresentar odores
agradáveis, embora muitas vezes seja possível verificar compostos que são
considerados defeitos, e normalmente sua presença está associada a algum
erro no processo de elaboração (HENDERSON; REX, 2012).

Defeitos olfativos do vinho


A identificação de odores que representam defeitos na bebida deve ser rápida e
precisa, para que o enólogo tenha tempo hábil de fazer possíveis correções durante
a elaboração. Dessa forma, desde o primeiro momento do processamento da
uva até o vinho ser engarrafado, deve-se realizar constantes análises sensoriais,
como o controle de qualidade da produção (GIOVANNINI; MANFROI, 2009).
É importante ressaltar que há odores específicos que não caracterizam
defeitos no vinho. Portanto, quando um odor não é agradável para um indivíduo,
não necessariamente deve ser considerado um defeito. Ainda assim, o vinho
pode apresentar compostos defeituosos, mas mascarados pela presença de
outros presentes em uma concentração bem acima do limiar de percepção. Por
isso, a análise sensorial para avaliar a qualidade do vinho não pode depender
somente do resultado do exame olfativo (JACKSON, 2017).
São considerados os principais defeitos olfativos do vinho os seguintes
odores (JACKSON, 2017):

 Vinagre: o odor de vinagre se dá pela ocorrência de bactéria acética, que


produz ácido acético na presença de oxigênio, composto responsável pela
característica do vinagre. O ácido acético é altamente volátil e está sem-
pre presente no vinho; entretanto, quando o vinho é exposto a grandes
quantidades de oxigênio, a produção deste composto é potencializada.
 Cozido: o odor de cozido é referente à exposição do vinho a elevadas
temperaturas, desencadeando uma degradação térmica, envolvendo
açúcares e aminoácidos. Embora desejável em vinhos fortificados,
como o Madeira, é indesejável para os vinhos de mesa.
 Manteiga: diacetil é o composto responsável pelo odor de manteiga.
É desejável em vinhos com fermentação malolática ou passagem por
carvalho, mas é considerado um defeito se estiver em concentrações
muito elevadas, mascarando outros compostos presentes no vinho.
 Bouchonné: este odor é resultado do uso de rolhas de cortiça contami-
nadas por tricloroanisol (TCA), composto produzido pelo metabolismo
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dos fungos presentes na cortiça, com odor característico de mofo e


papelão molhado. Da rolha, esse composto passa para o vinho durante
o período de armazenamento.
 Bretta: este odor se desenvolve em vinhos contaminados pela levedura
Brettanomyces, presente em vários ambientes em uma vinícola. Quando
contamina o vinho, pode produzir compostos como 4-etil-fenol (odor
de remédio), 4-etil-catecol (odor de animal) e ácido isovalérico (odor
de queijo rançoso).
 Oxidação: os odores de oxidação são provenientes da exposição do
vinho ao oxigênio e estão acompanhados do processo de escurecimento
dos vinhos brancos e ao prematuro desenvolvimento de uma tonalidade
tijolo nos vinhos tintos. Há uma série de odores relacionados à oxidação,
como rançoso, vegetais cozidos, caramelo, papelão e feno.
 Reduzido/compostos enxofrados: compostos que possuem enxofre po-
dem ser reduzidos durante a produção do vinho em condições redutoras
(sem oxigênio), dando lugar a odores desagradáveis, como ovo podre,
esterco, repolho cozido, camarão, cebola e alho. Alguns desses odores
se dissipam e desaparecem ao agitar a taça, mas, dependendo da sua
concentração, podem permanecer no vinho.

3 Exame gustativo dos vinhos


O exame gustativo é a última parte da degustação, tratada por muitos como a
principal etapa. Na análise gustativa, o vinho revela toda a sua personalidade por
meio de seus sabores, equilíbrio, estrutura e sensações táteis. Essas percepções são
registradas pelo paladar; a língua detecta os quatro gostos básicos — doce, ácido,
amargo e salgado — mas além desses, o conjunto da boca, gengivas, bochecha e
palato também contribui para as percepções táteis e térmicas, como calor, textura,
adstringência e pungência. Além disso, diversos sabores podem ser percebidos
durante a análise gustativa mediante a interação entre paladar e olfato, por meio
da via retronasal. Ao mesmo tempo em que os gostos estão sendo percebidos, os
aromas são encaminhados até a cavidade nasal pelas vias retronasais. Esses aromas
estimulam os nervos olfatórios, gerando a percepção de diferentes sabores. Em
pouco tempo, são geradas diversas sensações ao degustador, que se combinam e
se adicionam, tornando a análise complexa (HENDERSON; REX, 2012).
Atualmente, é de conhecimento geral que os receptores gustativos dos gostos
básicos — doce, ácido, amargo e salgado — encontram-se espalhados pelo paladar;
entretanto, em algumas regiões da língua, cada um deles pode ser percebido com
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maior intensidade. O doce, por exemplo, é percebido com maior intensidade na ponta
da língua. Essa sensação não é notada apenas pela presença de açúcares, mas também
pelos componentes aromáticos álcool e glicerol, substâncias que também atuam
sobre a mucosa da boca proporcionando uma sensação tátil de maciez e untuosidade.
O ácido é percebido com maior intensidade nas proporções laterais da língua. Os
principais ácidos encontrados nos vinhos são o ácido tartárico, proveniente das uvas,
e os ácidos láctico e acético, formados durante o processo fermentativo. A acidez
provoca salivação da boca e uma sensação de refrescância. Por sua vez, o amargo
é sentido com maior intensidade na região posterior da língua e, dependendo da
sua intensidade, pode ser tratado como um defeito. Geralmente, essa sensação está
associada à vinificação de uvas que não atingiram a maturação fenólica adequada
ou pelo excesso do uso de madeira, o que agrega compostos amargos ao vinho. Já
o salgado pode ser percebido mais ao centro da língua. Embora essa sensação seja
muito rara de ser encontrada, em certos vinhos com alto conteúdo de minerais, cujas
uvas foram cultivadas em regiões próximas ao mar, é possível perceber sensações
que lembram esse gosto (SANTOS; SANTANA, 2014).
O exame gustativo se inicia colocando um gole não exagerado de vinho
na boca e deixando-o girar lentamente no seu interior, permitindo que o
líquido entre em contato com as diferentes regiões do paladar. As sensações
percebidas nessa etapa podem ser separadas em fases sucessivas, a começar
pelo ataque inicial. Esse ataque inicial corresponde à primeira impressão que
o degustador percebe do vinho. Se, por exemplo, o conteúdo de açúcar estiver
sobressaindo, uma sensação adocica será percebida na ponta da língua, assim
como uma maior graduação alcoólica também pode ser percebida por essa
sensação adocicada. Por sua vez, vinhos com elevada acidez são percebidos
com uma maior intensidade nas proporções laterais da língua. Em vinhos
efervescentes, o ataque inicial está bastante relacionado com a percepção do
conteúdo de gás carbônico presente. A presença de CO2 é sentida pela sensa-
ção tátil chamada pungência, que causa o “efeito agulha”, já que a sensação
das borbulhas explodindo na língua lembra uma leve picada de agulha. Esse
fenômeno é gerado a partir da formação de ácido carbônico produzido à medida
que o CO2 se dissolve na saliva. Além disso, a presença de gás carbônico em
vinhos tranquilos é considerada um defeito, estando associada à degradação
microbiológica. Por outro lado, no caso dos espumantes, a elevada presença de
CO2 confere cremosidade e presença de boca ao produto (JACKSON, 2017).
Em seguida temos o meio de boca. Após o ataque inicial, começamos a
perceber os sabores e a textura do vinho. Nessa fase, pode-se se observar como
o vinho preenche o paladar. Vinhos tintos bem encorpados, que passaram
por amadurecimento em barricas de carvalho, apresentam a característica de
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preencher toda a boca. Essa característica é conferida pelos polifenóis dos


vinhos, destacando-se principalmente os taninos, que se polimerizam durante
o amadurecimento e envelhecimento, agregando estrutura e corpo à bebida.
Além desses, alguns outros componentes podem conferir essa sensação de
preenchimento de boca aos vinhos, como é o caso das manoproteínas, liberadas
da autólise da levedura e que se combinam com os taninos, deixando o vinho
mais agradável e denso. A liberação das manoproteínas das leveduras é bas-
tante utilizada para dar corpo aos vinhos brancos com a prática de bâtonnage.
O corpo do vinho está diretamente ligado a sua composição e extrato. Além
dos taninos e alguns polissacarídeos, o álcool e o glicerol dão ao vinho uma
sensação de opulência. Vinhos encorpados são volumosos na boca, dando a
sensação de que poderiam ser mastigados. Por sua vez, vinhos leves são magros
e aguados e, após seu ataque inicial, o meio de boca apresenta-se sem graça e
com pouca intensidade, ainda marcado pelo ataque inicial (LAROUSSE, 2012).
Durante essa etapa, também podemos identificar diversos sabores no
vinho. Aspirando um pouco de ar com o vinho em boca, favorecemos o des-
prendimento dos aromas, que são conduzidos até o bulbo olfativo pelas vias
retronasais, onde se encontram as células receptoras que transmitem os im-
pulsos nervosos ao cérebro, para serem então interpretados e transformados,
gerando sensações de sabor (HENDERSON; REX, 2012).
Por fim, temos as percepções do final de boca. Nessa etapa, são descritas as
sensações percebidas ao engolir o vinho, bem como as impressões que ficaram
após sua ingestão. No final de boca, é possível sentir as sensações térmicas do
exame gustativo. Ao engolir um vinho com um teor alcoólico elevado, percebe-
-se uma sensação de pseudocalor, geralmente associada aos vinhos licorosos
ou aos vinhos desequilibrados, os quais não possuem estrutura suficiente para
seu conteúdo de álcool. A pseudossensação térmica fria também é sentida nos
vinhos, estando diretamente ligada ao conteúdo de gás carbônico, sendo bas-
tante percebida nos vinhos frisantes e espumantes. No final de boca, também
podemos perceber uma sensação de amargor em alguns vinhos, normalmente
ligada a vinhos com elevada carga tânica de taninos verdes, provenientes de uva
imaturas, ou de taninos que não tiveram tempo suficiente de maturação para
a sua polimerização, a qual gera compostos menos amargos, que contribuem
para o corpo do vinho. Além disso, os taninos são responsáveis por uma das
sensações táteis mais percebidas no vinho, a adstringência. Essa sensação é
provocada pelos taninos que se combinam com as proteínas da saliva, perdendo
seu poder lubrificante e gerando a sensação de boca seca (LAROUSSE, 2012).
As últimas sensações percebidas estão relacionadas ao retrogosto e à persis-
tência. Retrogosto está relacionado à percepção dos sabores pelas vias retronasais,
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enquanto a duração dessas percepções é indicada pela persistência do vinho.


Dessa forma, a permanência dos sabores pode ser medida pelo tempo que os
mesmos são sentidos em boca. Vinhos leves geralmente somem rápido, em
menos de três segundos após sua ingestão, sendo caracterizados como pouco
persistentes. Por sua vez, vinhos potentes, intensos e estruturados são ricos em
sabores, mantendo sua percepção por um longo período de tempo, acima de oito
segundos após sua ingestão, o que caracteriza um vinho de persistência longa.
Ao final do exame gustativo, um dos principais atributos relacionado à quali-
dade dos vinhos é a percepção de equilíbrio e harmonia entre seus componentes,
sabores, sensações táteis e térmicas. Os diversos compostos dos vinhos são de
extrema importância para a formação das suas características gustativas, atenuando
ou acentuado os diferentes gostos e sabores. O caráter adocicado dos açúcares, por
exemplo, combina perfeitamente com o frescor da acidez; assim, um vinho com
elevada concentração de açúcar exigem igualmente uma elevada concentração de
acidez, deixando a bebida menos enjoativa. De modo similar, um vinho encorpado
com elevada concentração de taninos exige uma elevada graduação alcoólica,
equilibrando amargura e adstringência dos taninos com a sensação adocicada do
álcool. Em um vinho equilibrado, nenhum dos aspectos gustativos se sobressai
aos demais, causando uma sensação completa e agradável (JACKSON, 2017).

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