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DE BEBIDAS
Vitor Skif
Bebidas destiladas
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Introdução
A fermentação é resultado de um processo químico em que microrga-
nismos (fungos e bactérias) realizam alterações da matéria orgânica em
outros produtos e produzem energia, simplesmente executando suas
funções biológicas. Na fermentação alcoólica, algumas leveduras são
mais eficientes do que as outras e variam a relação entre álcool e açúcar,
sendo a Saccharomyces cerevisiae a mais utilizada, tanto na produção das
bebidas alcoólicas como na panificação.
Para aumentar o teor alcoólico de um líquido fermentado, é preciso
submetê-lo à destilação, assim, depois de fermentado, ele deve passar
pelo alambique, o que implica vaporizá-lo e condensá-lo de novo para
separar e apurar suas partes constituintes. Como esse teor na bebida
destilada é maior que no mosto, trata-se de um processo de purificação,
cujo resultado fornece brandy, cognac, rum, vodca, gim, uísque, cachaça,
tequila, entre outros.
Depois de ser destilada, a bebida pode passar por mais um processo:
a infusão, também chamada de bebida composta, que é obtida por meio
da imersão temporária de substâncias vegetais para que se extraia suas
essências, por exemplo, vermutes e licores.
Neste capítulo, você estudará o processo de destilação, os tipos de
alambique e as principais particularidades das bebidas alcoólicas desti-
ladas, compostas ou de infusão.
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Fundamentos da destilação
A destilação trata-se do processo físico de separação dos líquidos por aque-
cimento, baseado na diferença de seus pontos de ebulição. Portanto, a massa
líquida já fermentada é aquecida até a ebulição, tornando-se em vapor,
que depois será condensado e transformado em líquido novamente, mais
purificado e alcoólico. Como as substâncias dessa massa líquida fermentada
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Todas as bebidas destiladas são feitas a partir de um produto alcoólico obtido por
fermentação. Para aumentar o teor alcoólico de um líquido já fermentado, é preciso
submetê-lo à destilação, o que implica vaporizá-lo e condensá-lo novamente, de
modo a separar e purificar suas partes constituintes. Portanto, a destilação define-
-se como a combinação de duas operações inversas, vaporização e condensação,
sendo mais eficaz quanto maior for a diferença entre os pontos de ebulição dos
seus componentes.
Por não eliminar todas as impurezas, o pot still requer a intervenção do ser humano
para a produção de um destilado potável. Durante a destilação, os primeiros vapores
são chamados de “cabeça” e os últimos de “rabo” ou “cauda”, que contêm substâncias
tóxicas como metanol e óleos fusíveis, as quais não devem fazer parte do destilado
potável, mas podem ser utilizadas em uma próxima produção, redestilados. A parte
potável e usada na bebida é a central, com os vapores do meio do processo, deno-
minados “coração”.
Como o líquido que sai dos alambiques é incolor, qualquer cor ou aroma
diferenciado da bebida resulta do envelhecimento em madeiras específicas
ou da adição de corantes aos destilados.
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Brandy
Trata-se de um nome genérico em diversos idiomas e países que denomina
uma bebida alcoólica destilada de frutas ou vinho. Em quase todos os idiomas
do norte da Europa, brand significa queimar, que vem do hábito de submeter
bebidas ao fogo para torná-las mais fortes e com aroma diferente, portanto,
qualquer destilado de frutas é um brandy. Já os franceses chamam de eau-de-
-vie as bebidas produzidas a partir de maçãs, peras, uvas, ameixas, frambo-
esas, cerejas, entre outras, exceto uvas ou vinho. Confira na Figura 2 alguns
exemplos de brandy.
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Figura 2. Brandy.
Fonte: NADIANB/Shutterstock.com.
Cognac
Um dos mais famosos brandies do mundo surgiu na França, entre os séculos
XVI e XVII, na província de Charente, um local que outrora havia péssimas
estradas, por isso os produtores de vinho não tinham como escoar a produção
vinícola, que era transformada em vinagre ou destilado para não ser perdida.
O cognac é protegido pela lei Appellation d'origine contrôlée (AOC), uma
apelação de origem controlada, e possui algumas regras para ser produzido.
Ele deve ser feito com uvas brancas, principalmente das espécies Treb-
biano e Ugni Blanc, destinando-se apenas ao seu local de origem: Cognac,
uma região francesa ao norte de Bordeaux, composta de seis áreas: Grande
Champagne, Petite Champagne, Borderies, Fins Bois, Bons Bois e Bois Or-
dinaires. Nesse caso, a palavra champagne não possui nenhuma relação com
o vinho espumante da região homônima, sua associação vem do solo, pois ele
é rico em calcário e argila, muito semelhante à província de Champagne, que
produz os famosos espumantes. Depois de destilado, o líquido é envelhecido
em barricas de carvalho da floresta de Limousin por no mínimo dois anos,
mas, no geral, ele fica mais tempo.
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AOC, termo utilizado na França e Suíça, se trata de um certificado para algumas culturas
como vinho, queijo, manteiga e outros produtos agrícolas, que relaciona sua qualidade
à localização geográfica da sua produção.
Armagnac
O armagnac surgiu no século XII, na França, e se trata de um brandy menos
conhecido, embora seja mais antigo do que o cognac, sendo produzido prati-
camente com as mesmas uvas deste, na Gasconha (sudoeste francês) e tendo
AOC. Sua destilação é feita em patent still, cujo produto pode atingir 60% vol.
de álcool. Depois de pronto e envelhecido, ele pode ser misturado, assim, blends
de diferentes locais e idades são combinados, ajustando o teor alcoólico com água
destilada para atingir seu ideal, 40% vol. O local de sua produção se divide em
três regiões, o que confere diferenças ao produto, principalmente pelo tipo de solo.
Gim
Como muitas bebidas da sua época, o gim tinha a pretensão de ser um remé-
dio e foi criado pelo médico e professor holandês Franciscus de La Boe, no
início do século XVII. Usando o junípero ou zimbro (Figura 3), uma planta
conhecida por suas qualidades diuréticas, La Boe queria criar um produto
com aplicações terapêuticas contra as afecções renais que se alastravam por
toda a Europa. Naquele período, chamava-se genever (zimbro, em holandês)
e, devido a essa planta, era utilizado apenas como um produto medicinal de
ótima qualidade nutricional, sendo diurético, digestivo, antifúngico, anti-
-inflamatório e antirreumático. Ele passou a ser denominado de gin e chegou
à Inglaterra, na qual é bastante produzido e consumido.
Figura 3. Zimbro.
Fonte: YEVGENIYDR/Shutterstock.com.
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O Steinhäger é uma versão do gim feito na Alemanha, na cidade homônima, e tem mais
aroma de zimbro, pois coloca-se a baga no mosto para fermentar, depois se destila
em pot still e não recebe aditivos artificiais. Trata-se de um produto de denominação
de origem protegida (DOP), sendo servido bastante frio e puro, como um digestivo.
Para conhecer mais detalhes do gim e entender como se tornou a bebida do momento,
acesse o link a seguir.
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Tequila
Trata-se de uma aguardente originária do México, em 1600, produzida da seiva
(líquido) da planta babosa do gênero agave azul. O coração dessa planta é cha-
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mado de piña (Figura 4), do qual se extrai o suco para produzir a tequila. Esse
vegetal assemelha-se a um abacaxi gigante, somente se desenvolve em solos
com terreno vulcânico e clima seco, leva de oito a 12 anos para amadurecer
e é encontrado em abundância em uma pequena cidade mexicana chamada
Tequila, no estado de Jalisco.
Vodca
A vodca se trata de um dos destilados mais populares do mundo, considerada
a bebida nacional na Rússia e originária do norte ou leste da Europa há mais
de mil anos, não se sabe ao certo qual sua origem exata, Rússia, Polônia ou
países asiáticos. A origem da palavra é eslava (povo indo-europeu) e significa
querida água, pois ajudava a suportar o frio intenso. Tecnicamente, ela não
precisa de um produto específico para ser elaborada, e qualquer grão pode ser
utilizado, desde que se faça a transformação em álcool etílico.
Atualmente, a vodca é feita sobretudo à base de cereais, no geral, cen-
teio, cevada e trigo, já em menor escala, usa-se batata e beterraba. Por ser
considerado um destilado neutro, sem caráter distintivo, aroma, sabor ou
cor, torna-se ideal para coquetéis — exceto as versões aromatizadas, muito
comuns ultimamente.
Após a fermentação da matéria-prima, o líquido é destilado várias vezes
em patent still, chegando a 90% vol. e, depois, filtrado em carvão ativado
para coletar as impurezas, eliminar sabor e aromas indesejáveis. Logo após,
ele recebe adição de água destilada para reduzir o teor alcoólico a 40% vol.,
em um processo chamado de retificação. Como não é envelhecido, pode ser
consumido assim que for produzido.
Rum
O mais famoso destilado de vegetais é obtido a partir do melaço, o xarope
escuro e concentrado da cana-de-açúcar, subproduto da produção de açúcar.
Sua origem remonta ao século XVI, na América Central, na colônia de São
Domingos ou em Cuba, durante a colonização espanhola. A princípio, era uma
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Cachaça
Trata-se da bebida brasileira obtida a partir da garapa da cana-de-açúcar, que
foi fermentada e destilada. Existe uma diferença entre ela e o rum, pois este é
produzido do melaço da cana; e a cachaça, do caldo (o suco). Como acontece
com a tequila, no México, e o cognac, na França, a palavra cachaça somente
pode ser empregada para denominar a aguardente feita de cana-de-açúcar no
Brasil, com a graduação alcoólica de 38 a 48ºGL.
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Uísque
Uma das mais famosas aguardentes do mundo é obtida pela fermentação e
destilação de diversos cereais, como milho, trigo, centeio e cevada, sendo
este último o mais utilizado pelo seu alto teor de amido, o que causa maior
produtividade. Depois de ser destilado, o uísque é envelhecido em tonéis de
carvalho por um tempo variável. Qualquer país pode produzi-lo, pois o termo
não é protegido por lei, exceto as expressões scotch (escocês), irish (irlandês)
e bourbon (norte-americano).
Apesar de a Escócia ser reconhecida como o país de melhor qualidade e
produtividade, provavelmente o uísque surgiu na Irlanda, em meados do século
X, mas ainda há controvérsias quanto à sua origem. Seu nome vem do gaélico
(língua dos nativos da Escócia e Irlanda) uisge beatha, que significa água da
vida. Já os habitantes da região acreditavam que a mistura era uma trindade
sagrada (água, cereal e levedura) e propiciava a longevidade.
Há uma variedade de produtores no mundo com diferentes tipos de grãos,
mas a cevada maltada está sempre presente por possuir mais açúcar fermentável
do que os outros cereais. Seu processamento básico se resume em malteação da
cevada (germinação do grão, depois seca e se extrai a radícula) e, em seguida,
se faz o mosto ou wort, como se chama nas destilarias de uísque, nessa etapa,
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Scotch whisky: o famoso uísque escocês, que possui sabor mais de-
fumado proveniente da turfa ou peat, um carvão vegetal formado nas
montanhas da Escócia que dá sabor peculiar e provém de uma planta
chamada urze. Usa-se o material na queima do malte e do alambique,
portanto, a principal característica do scotch é ter aroma e sabor de
fumaça. Já seu teor alcoólico final é de 40ºGL. Ele tem algumas re-
gras de produção, como ser destilado e envelhecido na Escócia por
no mínimo três anos, e se classifica em single malt ou straight, puro
malte de cevada; single grain whisky, produzido com milho, trigo e
cevada; e blended, o mais tradicional, feito por meio da mistura de
40 whiskies diferentes e pode ser standard blend (não consta a idade
de envelhecimento no rótulo), deluxe blended (maltes melhores e em
porcentagens maiores) e super deluxe blended (maltes nobres com mais
tempo de envelhecimento, no mínimo 15 anos).
Irish whiskey: o pai de todos os uísques, que é destilado três vezes em
pot still e utiliza cevada maltada e não maltada, trigo, milho e centeio,
sendo envelhecido em barris de bourbon (uísques norte-americanos),
vinho Jerez (fortificado, licoroso e típico da Espanha), entre outros. Já
suas principais características são encorpado, untuoso, seco, suave e
bastante aromático. Esse estilo ficou famoso por ser utilizado no célebre
coquetel Irish Coffee e no licor Baileys.
American whiskey: o uísque norte-americano surgiu no século XVII,
quando escoceses e irlandeses imigraram nos Estados Unidos e co-
meçaram a destilá-lo a partir de centeio e milho, que encontraram em
abundância nessa terra. Atualmente, ele é feito de uma mistura de milho,
cevada, trigo e centeio. Seus tipos são bourbon, que pode ser produzido
em todo o país, mas a maioria no estado de Kentucky, tem no mínimo
51% de milho, é destilado em patent still e envelhecido por dois anos,
pelo menos, em barril de carvalho novo e tostado, desencadeando um
sabor residual de baunilha e caramelo, sendo vendido, geralmente, com
no mínimo quatro anos de envelhecimento. Já tennessee possui fórmula
similar ao bourbon, mas depois de destilado, é filtrado lentamente
em carvão de ácer (de bordo ou madeira de maple) antes de ir para as
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Figura 6. Absinto.
Fonte: LIGHTFIELD STUDIOS/Shutterstock.com.
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O absinto é o exemplo mais famoso de anisado, criado na Suíça, no século XVIII, pelo
médico Pierre Ordinaire para curar todas as doenças. Ele possui esse nome, porque
recebe infusão da planta Artemisia absinthum, também conhecida como losna ou
sintro, de cor verde acinzentada e amarga, com uma pequena quantidade de tujona
(composto químico de algumas plantas que causa espasmos ou convulsões), o que o
fez ganhar a fama de ser alucinógeno. No século XX, principalmente em Paris, ele era
consumido em excesso, levando ao alcoolismo, à epilepsia, ao suicídio e à loucura, por
isso, foi proibido durante muitos anos em vários países. Até hoje os efeitos alucinógenos
não foram comprovados, mas isso ocorreu pelo seu alto teor alcóolico, por exemplo,
no Brasil, a graduação máxima por lei para toda bebida alcoólica é de 54ºGL (desde
1999), já em outros países, o absinto tem variação de 68 a 89,9ºGL.
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BRAGA, N. Como é medido o teor alcoólico de uma bebida? Super Interessante, 4 jul.
2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-e-medido-o-
-teor-alcoolico-de-uma-bebida/. Acesso em: 14 maio 2019.
SANTOS, J. C.; DINHAM, R. P.; ADAMES, C. O essencial em cervejas e destilados. 2.ed. São
Paulo: SENAC, 2013.
Leituras recomendadas
RICCETTO, L. N. Uma dose de conhecimento sobre bebidas alcóolicas. São Paulo: SENAC,
2011.
STANDAGE, T. História do mundo em 6 copos. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.