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Resumo psicologia jurídica

5. Conceitos Básicos de Psicologia Geral para Operadores do Direito

5.1. Introdução

Nesse sentido, a psicologia jurídica é ciência auxiliar do direito, e não aquela que o questiona,
nem aquela capaz de interrogá-lo em seus alicerces epistemológicos.

5.2. Personalidade

Num sentido amplo, a personalidade refere-se as características que marcam a forma de ser
de uma pessoa, individualizando-a das demais. Na dimensão estritamente jurídica indica, em
oposição ao escravo, a aptidão para ser sujeito de direitos.

Sob o ponto de vista psicológico, a personalidade é um conjunto biopsicossocial dinâmico que


possibilita a adaptação do homem consigo mesmo e com o meio, numa equação de fatores
hereditários e vivenciais. Como se pode notar, a personalidade está fundada numa construção,
e não num grupo de características estanques e adquiridas pelo nascimento.

A personalidade é apenas uma parte do complexo aparelho psíquico descoberto por Freud,
que o descreveu como uma estruturação do funcionamento mental.

Modernamente, as ciências psicológicas demonstram relação entre as emoções e o


funcionamento cerebral, mas, em sua concepção, o aparelho psíquico não tem um lugar
(topoi) físico no cérebro. Trata-se, à evidência, de uma inferência teórica sem uma
correspondência geográfica, sem a existência de um lugar específico que possa ser delimitado.

A primeira concepção tópica do aparelho psíquico foi apresentada por Freud em 1900. Essa
concepção teórica, curiosamente, recebeu o nome de Primeira Tópica, isto é, esse
aparelhamento da mente, inicialmente, distinguiu três sistemas: o inconsciente, o consciente e
o pré-consciente.
Um exemplo de ideia inconsciente emergindo na consciência é a garota que troca o nome do
atual namorado pelo nome do antigo com quem ela teve uma relação afetiva mais intensa e,
de certa forma, ainda se sente afetivamente ligada. Ato falho.

O sistema pré-consciente, por sua vez, está ligado ao inconsciente e à realidade. Funciona
como um arquivo, onde se encontram informações que podem ser acessadas mediante um
pequeno esforço, como, por exemplo, a lembrança da professora da escola primária. Além de
servir para guardar informações “inofensivas”, também funciona como barreira aos conteúdos
inconscientes não aceitos ou como um mediador, que autoriza a passagem do conteúdo
inconsciente de forma disfarçada.

O sistema consciente foi concebido como um órgão sensorial localizado no limite entre os
mundos externo e interno, cuja função é recepcionar as informações deles provenientes.

A partir de 1920, Freud (1969)75 elaborou um outro modelo do aparelho psíquico,


denominado Segunda Tópica, e também constituído de três instâncias, embora não
correspondentes à Primeira Tópica: ego, superego e id.

O id é a instância pulsional do psiquismo, e seu conteúdo é totalmente inconsciente. Ele é o


grande reservatório de impulsos e instintos. É irracional, ilógico e amoral. Consiste no conjunto
de reações mais primitivas da personalidade humana, que compreende os esforços para
conseguir satisfação biológica imediata, sem avaliar as consequências. Tenta impor seus
desejos de satisfação imediata e irrestrita e, para conseguir o que deseja, precisa fazer uma
negociação com o ego.

O ego corresponde ao conjunto de reações que tenta conciliar os esforços e as demandas do id


com as exigências da realidade, interna ou externa. Nesse aspecto, faz a mediação dos
impulsos do id com o meio ambiente, permitindo ao sujeito olhar-se a si próprio. O ego
apresenta uma função adaptativa e está presidido pelo princípio da realidade. É o responsável
pela defesa da integridade psíquica. Prova de que não há homologia entre os dois modelos
tópicos apresentados por Freud é que no ego há conteúdo do consciente, do pré-consciente e
do inconsciente, desenhados na primeira tópica.

O superego é a expressão da interiorização das interdições e exigências da cultura e da


moralidade, representada pelos pais. É quase totalmente inconsciente, possuindo uma
pequena parte consciente. É nele que se inscreve a lei primária. A lei de todas as leis, que é
interna e propicia a cada pessoa valorar o que é bom ou mau, certo ou errado. A formação
dessa instância se dá pela vivência da criança com seus pais e cuidadores, que, desde cedo,
tolhem os desejos que consideram inadequados e inserem a noção de postergação ou de
adiamento da gratificação, assim como transmitem a noção de lei, transgressão e culpa, o que,
em psicologia, aparece como sendo o grande “não” dos pais. Durante esse processo de
aprendizado, a criança testa continuamente os pais e procura realizar suas peripécias, até ser
impedida. Com o passar do tempo, aprende que seu comportamento desagrada aos pais e
começa a evitá-lo, pois teme perder seu amor ou ser punida. O medo da punição não é tão
eficaz quanto o medo da perda do amor e isso será importante quando passarmos a analisar as
tendências psicopáticas e antissociais. Porém, dentro da normalidade, o superego tem uma
função essencial, que é a de cuidado e proteção, mostrando ao ego o que é moralmente
inaceitável ou perigoso à integridade da vida.

Como exemplo dos funcionamentos dessas três instâncias, pode-se fazer uma analogia com
um adolescente que precisa estudar para uma prova de recuperação, na qual necessita uma
boa nota, e vê seus amigos saindo para se divertir. Ao estar inteiramente dominado pelo id, ele
desconsidera a necessidade de estudo e as consequências de seus atos e acompanha os
amigos. Por outro lado, ao estar dominado pela tirania do superego, este mesmo adolescente
passa todo o tempo livre estudando, inclusive as noites em claro, e culpando-se pelo
desempenho considerado, por ele, desastroso. Entretanto, se houver uma boa mediação
desempenhada pelo ego, este mesmo adolescente conseguirá ponderar seu desempenho na
prova de forma mais equilibrada, estudar por algumas horas e ter um período para descanso e
divertimento.

5.3. Mecanismos de defesa do ego

O ego possui mecanismos inconscientes de defesa para proteger o psiquismo, garantindo a


homeostase da personalidade, pois existe uma tendência do organismo para manter estáveis
as suas condições através de processos de autorregulação. De acordo com a teoria
psicanalítica, mecanismos de defesa são maneiras inconscientes utilizadas frente às diversas
situações com vista a repelir ou a reduzir a ansiedade, e manter o equilíbrio da personalidade.
Cabe referir os seguintes mecanismos de defesa do ego:

1. Repressão ou recalcamento: Freud (1969)80 considerou a repressão a rainha de todas as


defesas e a ela dedicou a maior parte de sua atenção. Consiste em expulsar da consciência
desejos, sentimentos, ideias ou fantasias desprazerosos, que, em permanecendo fora dela, não
causam ansiedade. Embora seja utilizada por quase todos os neuróticos, é bem característico
da neurose histérica.

2. Regressão: mecanismo de defesa que se caracteriza pela retirada ou retomo a uma fase
anterior do desenvolvimento, adequada para evitar o desprazer e a frustração. A criança em
desenvolvimento passa pelas fases oral, anal e fálico-genital, em que o prazer está associado a
uma zona corporal. Quando ocorre um trauma ambiental, constitucional ou ambos, a criança
pode ter seu desenvolvimento aprisionado na zona em que se encontra. Mais tarde, sob
grande estresse, o adulto pode retomar a essa fase do desenvolvimento manifestando a
organização mental relativa a essa etapa.

3. Projeção: é uma defesa que consiste em atribuir aos outros os sentimentos ou


características não admitidas em si mesmo. Dessa forma, impulsos ou pensamentos proibidos
são atribuídos a outra pessoa e negados em relação a si próprio, com o objetivo de afastar a
ansiedade.

4. Introjeção: um objeto externo é simbolicamente internalizado, tomado e assimilado como


parte do indivíduo.

5. Identificação: é o mecanismo mais importante para o crescimento do ego. É através dele


que a criança interioriza características do objeto para desenvolver a própria personalidade,
moldando-se, geralmente, a partir do progenitor do mesmo sexo, para vir a ser como ele.

6. Isolamento: tratar-se de uma separação intrapsíquica entre o afeto e seu conteúdo,


evitando ou diminuindo a ansiedade. Desta forma, uma memória traumática pode ser
facilmente recordada, porém, estará despida de qualquer sentimento intenso.

7. Anulação: é a realização de um ato determinado com o objetivo de apagar, desfazer ou


anular simbolicamente o ato anterior. Envolve, portanto, um pensamento mágico. Está
presente no Transtorno Obsessivo Compulsivo, no qual, por exemplo, o sujeito pensa na morte
da mãe e acredita que, se der três pulinhos, o ato irá se desfazer.

8. Negação: é o mecanismo por meio do qual a realidade externa é considerada como não
existente por ser desagradável ou penosa ao ego. O indivíduo reinterpreta uma situação
geradora de ansiedade, redefinindo-a como inocente.

9. Formação Reativa: este processo leva o ego a realizar o oposto do desejo. Uma pulsão
proibida é transformada no seu oposto. O ódio por um irmão pode, reativamente, tomar a
forma de um amor exagerado.

10. Racionalização: consiste em explicações baseadas na razão para um comportamento que


foi, na realidade, determinado por motivos não reconhecidos. Assim, pensamentos ou pulsões
inaceitáveis são reinterpretados em termos mais aceitáveis e menos geradores de ansiedade.

11. Somatização: mecanismo pelo qual ocorre transferência de sentimentos dolorosos para o
corpo, com prejuízo orgânico. Somatizações intensas são frequentes em indivíduos
hipocondríacos, na síndrome da dor sem causa orgânica, na anorexia, no vitiligo e na psoríase.

12. Dissociação: por este mecanismo inconsciente, uma parcela da personalidade

geradora de ansiedade é eliminada através da divisão da consciência. As partes boas e más,


por exemplo, são separadas, e o sujeito não consegue perceber que os outros podem ser bons
e maus. Dessa forma, “fulano” será uma pessoa maravilhosa até que se transforme numa
pessoa terrível.

13. Sublimação: mecanismo de defesa pelo qual a energia psíquica retida no material
reprimido é canalizada a objetivos socialmente úteis e aceitáveis. Por exemplo, uma
agressividade excessiva é canalizada para uma carreira cirúrgica.

14. Intelectualização: mecanismo que articula uma teorização do afeto, o qual passa a ser
explicado para evitar a ansiedade, focalizando os aspectos objetivos, e não emocionais de uma
situação ameaçadora.

15. Deslocamento: processo através do qual os sentimentos ligados a uma fonte são
redirecionados a outra. Assim, o afeto de uma ideia ou objeto é transposto ou deslocado para
outro. E comum nas fobias, em que a ansiedade ligada a uma fonte inconsciente é deslocada
para uma consciente. Também é observado no sonho pela substituição de uma figura
emocionalmente carregada por uma neutra.

16. Conversão: é o deslocamento de uma conflitiva psíquica para o corpo, sem prejuízo
orgânico. Está presente na histeria, como no caso de paralisias corporais ou desmaios.

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