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Núcleo De Estudos Da Zona Oeste

Preparatório Para Quadro Técnico do Corpo Auxiliar da Marinha

Tema: Serviço Social: Temas, Textos e Contextos (Coletânea Nova de Serviço Social) e do “Crise no
Capital e Fundo Público: implicações para o trabalho, os direitos e a política social”.

Organizadores: Débora Holanda

nezonaoeste@gmail.com
www.nezoeducacional.com.br
INTRODUÇÃO

Esse documento é uma resenha ampliada e compilada do livro “Serviço Social:


Temas, Textos e Contextos (Coletânea Nova de Serviço Social) e do “Crise no Capital e
Fundo Público: implicações para o trabalho, os direitos e a política social”.
O foco de elaboração do documento é o concurso da marinha, contudo o
conteúdo exposto é relevante para os demais conteúdos da área do Serviço Social,
contribuindo para acúmulo processual e gradativo do estudante.

“Serviço Social: Temas, Textos e Contextos (Coletânea Nova de Serviço


Social)

O livro aborda temas atuais do Serviço Social, destacam-se na primeira parte


textos referencia a prática profissional e suas relações com o cotidiano, na segunda parte
instrumentos e técnicas e documentação do Serviço Social, a terceira parte referente
estágio e supervisão, enquanto a quarta parte refere-se ao trabalho profissional.

Texto Parte I – Na prática a Teoria é Outra?

“Na prática a teoria é outra?”

Valeria Forti e Yolanda Guerra

Ora, quem nunca ouviu, afirmou ou mesmo questionou o famoso jargão: “na prática a teoria é
outra”?
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Diferentemente do leigo, em referência à discussão no âmbito profissional, nos cabe investir
na problematização dos fenômenos, trazê-los para o campo da análise rigorosa, fecundamente
crítica e prospectiva. Trata-se, portanto, de discussão na qual se torna imprescindível o
investimento rigoroso e constante no desvendamento dos fundamentos sócio-históricos e
ideoculturais que engendram as questões.
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Dessa maneira, lembramos Lukács ao mencionar que “sem descobrir os fundamentos reais da
situação histórico-social, não há análise científica possível” (Lukács, 1976, p.15).
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Em primeiro lugar, cabe esclarecer que a ideia de que “na prática a teoria é outra” se
sustenta, basicamente, na concepção de que a teoria tem a possibilidade de ser implementada
na realidade social e/ou tem a capacidade de dar respostas imediatas para suas questões.
Em outros termos, é a ideia que se alimenta de uma concepção que considera possível a
aplicação da teoria na prática, captando as Teorias Sociais como um conjunto de regras,
modelos, procedimentos e referências instrumentais precisas, capazes de serem diretamente
aplicáveis na realidade e produzindo imediatamente o efeito ou produto previsto e/ou
desejado. É como se a validade da teoria repousasse na dócil submissão à necessidade de
respostas práticas imediatas para os problemas.
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Deste modo, pode-se dizer que, para o pragmatismo o significado de uma concepção ocorre
em conseqüência das experiências exitosas vividas por meio de sua aplicação. Assim, o falso
dilema a que nos referimos é a concepção da relação entre teoria e prática que parte da
premissa de que o valor da teoria está condicionado exclusivamente à sua capacidade de
responder imediatamente à realidade.
Em outras palavras: “(...) para o pragmatismo a verdade fica subordinada à utilidade,
entendida esta como eficácia ou êxito da ação do homem, concebida esta última, por sua vez,
como ação subjetiva, individual, e não como atividade material, objetiva, transformadora.
(VÁZQUEZ, 2007, p. 242).
Esta concepção demonstra uma excessiva valorização dos resultados voltados para o êxito
individual em detrimento do processo desencadeado para o conhecimento da realidade e as
respostas às reais necessidades coletivas. Sem duvida, esta apreciação é produto típico do
desenvolvimento capitalista e vincula-se à dimensão instrumental da razão, uma vez que
desconsidera as possibilidades emancipadoras da razão moderna.
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[...] É possível percebermos que para compreensão do real e sua elaboração para produção de
conhecimento, a prática é referência da teoria. Não se desconhece que faz parte da teoria
social crítica o entendimento da prática como critério de verdade. Contudo, isso comporta
determinada concepção de prática. Ou seja, a concepção na qual a prática não é mera
atividade irrefletida, reiterativa, tradução do (certo) automatismo típico das experiências
cotidianas dos indivíduos, modos de os mesmos operarem rotineiramente as tarefas simples
da vida. Portanto, esta é uma concepção de prática incompatível com a superestima da
experiência, que é fenômeno capaz de suscitar assertivas utilitárias, tais como a que diz que
“só se aprende a fazer fazendo” — ou seja, uma visão da prática que nega a propriedade da
teoria ou a negligencia, torna-a mera experiência irrefletida e desconexa de conhecimentos
essenciais, restrita ao âmbito do senso comum.
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Partindo desse raciocínio, podemos analogamente vislumbrar quanto o cotidiano profissional
pode mostrar-se obscurecido pelos atos repetitivos, objeto de pouca reflexão, caso os
profissionais situem equivocadamente seu trabalho e o campo teórico e não apreendam que,
em decorrência dos desafios que a realidade lhes impõe diariamente, é inerente ao exercício
profissional a necessidade de conhecimento qualificado — e seu constante aprimoramento —
que viabilize uma intervenção crítica, criativa e propositiva.
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Pois, não obstante ser fundamento e finalidade da teoria, a prática não é, por si só, capaz de
suscitar saber. Principalmente se tratando de um campo complexo como o do Assistente
Social, vinculado à “questão social” e às políticas sociais, em terras brasileiras e em tempos
neoliberais. O Assistente Social é um intelectual que intervém na realidade social, habilitado
a operar em área particular, mas para isso precisa considerá-la com competência, o que
significa entender que o particular é parte da totalidade. Assim, cabe exercitar o tempo todo
a sua capacidade de captar criticamente essa realidade social que é contraditória e dinâmica,
o que pressupõe busca constante de sustentação teórica, política e ética. Essa é a condição
— o requisito imprescindível — do seu trabalho profissional.
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Entendemos por teoria o processo de “elevar a conceito o movimento concreto” (cf. Lukács,
in: Guerra, 1995, p.182).
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Observa-se que muitas vezes a perfeita sintonia entre o senso comum e a ação é captada
como suficiente para atuação do profissional, principalmente se se trata de situação(ões) que
exige(m) solução(ões) rápida(s) ou imediata(s).
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Isso sanciona a pertinência das opiniões — do saber do senso comum alicerçando atividades —
como respostas às demandas postas ao profissional. E aí o relativismo torna-se regra, já que o
pensamento se curva aos ditames da necessidade imediata e a veracidade do conhecimento
passa a ser variável da sua utilidade, da sua aplicação prática e da sua capacidade de produzir
resultados.
Aqui aparecem requisições socioprofissionais de caráter instrumental, cuja finalidade é em si
ou obscura. Essa maneira de conceber a teoria e a prática vem tomando vulto face às atuais
exigências do mercado e à conseqüente mercantilização da formação profissional. E, a nosso
ver, no Serviço Social esta maneira de concepção tem que ser debatida e combatida, pois não
pode ser nem se tornar hegemônica.
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Entendemos que o Serviço Social é profissão inserida na divisão social do trabalho e que,
apesar de poder estar indiretamente na produção, recebe assalariamento em função da
requisição patronal/institucional de participar no sentido de viabilizar a subordinação do
trabalho à produção/ao capital. Esclarecermos que, não obstante a polêmica acerca de
trabalho, processo de trabalho e Serviço Social, a qual não faz parte do nosso universo de
discussão neste texto, ora poderemos utilizar indistintamente os termos ação profissional,
intervenção/exercício profissional e trabalho do Serviço Social/Assistente Social.
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Cabe destaque para a seguinte máxima do pragmatismo: “o verdadeiro é o útil”, de modo que
a veracidade do conhecimento está na sua utilidade.
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Cabe observar que aqui estamos nos referindo ao Assistente Social, um profissional de nível
superior que, apesar de ser trabalhador assalariado e dos limites definidos pelas instituições
empregadoras, tem responsabilidade e chance de escolha, de imprimir sentido, direção
valorativa e finalidade às suas ações, uma vez que portador de relativa autonomia na execução
da sua atividade.
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Todavia, para isso é crucial capacidade intelectual — busca de substanciais conhecimentos
teóricos e metodológicos (inclusive ético-políticos) que lhe permitam situar o seu papel como
profissional na realidade social — sem o obscurecimento de idealismos e dos limites das
intervenções que não ultrapassam o plano das intenções, pois desconexas da realidade.
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Isso requer a busca de conhecimentos que qualifiquem intelectualmente o profissional para
escolha responsável do rumo que ele irá tomar, pois o Serviço Social, conforme Iamamoto
(2007), é profissão que participa de um mesmo movimento que tanto possibilita a
continuidade do nosso modo de sociedade como cria possibilidades para a sua transformação,
e as conjunturas não condicionam, não obstante a imposição de limites e possibilidades,
unilateralmente as perspectivas profissionais (id., 1998).
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Desse modo, o Assistente Social que situa a dimensão intelectual que lhe compete
compreende que operações particulares têm conexão com a totalidade e requerem a
aquisição de preparo teórico (ético-político) e metodológico capaz de desvelar e efetivar sua
atividade profissional.
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Diante de tudo que dissemos, parece-nos evidente que não cabe relação ambígua entre o
campo da teoria e o campo da prática. A esse respeito, também é relevante lembrar que o
Serviço Social mostrou, por longo período, um acentuado cariz conservador, o qual, mesmo
não tendo sido erradicado, pode-se considerar que declinou a partir dos posicionamentos do
conhecido Movimento de Reconceituação do Serviço Social e seus desdobramentos. Ou seja,
podemos observar que, após meados da década de 1960, por meio desse Movimento Crítico
ocorrido na profissão e de seus desdobramentos, surgiram, paulatinamente, expressões mais
progressistas no meio profissional que viabilizaram o questionamento da ordem capitalista e
suscitaram a percepção da possibilidade de sua superação.
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Com isso, houve a emersão de outros projetos profissionais, perdendo força o histórico
conservadorismo da profissão e sua perspectiva homogeneizadora e, como tradução de
desdobramento da vertente de inspiração mais crítica do Movimento de Reconceituação,
tornou-se conhecido, a partir da década de 1990, o Projeto Ético-Político do Serviço Social —
um projeto profissional democrático e progressista e, por isso, dissonante das referências do
ideário neoliberal, o qual não vem na nossa atual conjuntura enfrentando resistências
expressivas.
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Esse Projeto tem no Código de Ética Profissional vigente uma expressão destacada, uma vez
que é instrumento norteador da ação profissional.
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Ademais, trazemos à reflexão alguns pontos comumente observados nas referências de parte
dos nossos profissionais à teoria:
1) a identificação dos fundamentos da teoria social com as leis das ciências naturais;
2) a idéia de que o estatuto do Serviço Social depende da adoção de uma teoria própria;
3) a concepção de que o saber teórico é suficiente para superação do conservadorismo, como
se o conhecimento não pudesse ter diferentes direções, inclusive as que fundamentam o
conservadorismo;
4) a visão de que a teoria pode ser aplicada na prática, ou seja, a teoria é algo cujo
conhecimento, sem elaboração refinada, sem observação minuciosa de seus nexos com a
realidade, nos fornecerá, inequivocamente, as referências prático-concretas para o exercício
profissional;
5) a apropriação e a utilização de um elenco de disciplinas e/ou conhecimentos sobre a
realidade (empírica), captados equivocadamente como teorias, fato que propicia ao
profissional um quadro referencial inconsistente, eclético, constituído de informações parciais,
fragmentadas e abstratas. Como exemplos, temos as chamadas teorias de médio alcance com
vieses psicologistas, sociologistas, culturalistas, politicistas e/ou economicistas utilizadas para
promover e/ou justificar determinados procedimentos práticoprofissionais;
6) a apropriação de teorias sociais macroscópicas como se a elas coubessem modelos ou
métodos, e a exigência de que possibilitem respostas profissionais precisas. Aqui, a riqueza das
diferentes dimensões da prática e a riqueza e a complexidade das teorias sociais tornam-se
subsumidas pelas aplicações de modelos. Neste caso, espera-se que a realidade se enquadre
na teoria e, se assim não ocorrer, “pior para ela”;
7) o preconceito “intelectual”, o que se contrapõe à racionalidade profissional.
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Diferentemente da história natural, que se restringe ao necessário — ao nexo causal do
mundo natural — a História — construída pelos homens — tem por mediação um insuperável
caráter alternativo, e é ontologicamente distinta da história natural por ser um espaço de
escolhas entre alternativas inscritas em situações concretas.
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No processo histórico, à proporção que o Homem busca respostas para as suas necessidades,
transformando a natureza por meio do trabalho, adquire inteligência e engendra as relações
sociais, os modos de vida social, as idéias, as concepções de mundo, os valores, uma vez que,
assim como produzem os objetos, os instrumentos de trabalho, os modos de vida, os homens
produzem também “novas capacidades e qualidades humanas, desenvolvendo aquelas
inscritas na natureza orgânica do homem, humanizando-as e criando novas necessidades”
(Iamamoto, 2001, p. 39).
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Podemos concluir, assim, que aí temos a emersão da consciência, do conhecimento, da
prática relacionada à leitura de categorias fundamentais e a possibilidade de aprimoramento
humano contínuo. Ou seja, por meio da prática social, do processo laboral em resposta às
necessidades humanas e da apreensão elaborada da realidade pelo pensamento, são
continuamente respondidas e engendradas as necessidades humanas materiais e espirituais.
Observa-se a materialização da relação entre o conhecimento e a prática, o que, consideradas
as particularidades, está relacionado com o trabalho profissional.
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Considerações finais Hegel, em seu idealismo, traz importante avanço para o pensamento,
uma vez que o historiciza, o que é fundamental para o salto materialista dado pelo
pensamento de Marx.
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Ademais, segundo Coutinho (1972), Hegel tem mérito inconteste no sentido de sintetizar e
elevar aspectos do pensamento burguês revolucionário, os quais podem ser resumidos em três
núcleos: * humanismo — teoria de que o homem é um produto de sua própria atividade, de
sua história coletiva; * historicismo concreto — a afirmação do caráter ontologicamente
histórico da realidade, com a conseqüente defesa do progresso e do aprimoramento da
espécie humana; * a razão dialética em seu duplo aspecto, seja o de uma racionalidade
objetiva imanente ao desenvolvimento da realidade (que se apresenta sob a forma da unidade
dos contrários), seja aquele das categorias capazes de apreender subjetivamente essa
realidade objetiva.
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O pensamento hegeliano, portanto, comportou inovações e trouxe elementos fundamentais à
gênese e à construção do pensamento marxista e à ontologia nessa tradição filosófica.
Exemplos significativos são as concepções de totalidade — síntese de múltiplas
determinações, unidade do diverso — e de dialética do real como processo e contradição. Um
legado que Marx (e seus seguidores) elevaria, colocando-o em outro patamar.
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Conforme Luckács (1979), o 16 marxismo, dada a sua perspectiva materialista, colocará os
princípios idealistas de Hegel, “que se apóiam sobre a cabeça, apoiados sobre os pés”.
Podemos, assim, nos referir a uma continuidade com rupturas, pois Marx (e expoentes da
tradição marxista que prosseguiram) reconstruirá em outras bases princípios deixados pela
filosofia de Hegel, alçando seu pensamento a outro patamar.
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Diante disso, referindo-nos ao jargão aqui abordado, interessa-nos destacar que sua
problematização envolve questões que nos parecem óbvias, pois se referem diretamente à
razão dialética e ao conhecimento. Labica (1990, p. 142- 143), analisando a relação entre a
teoria e a prática, traz uma contribuição esclarecedora, explicitando que à prática e à teoria
cabem movimento constante para efetivação do “concreto pensado” ou, melhor dizendo, para
efetivação do “caminho do pensamento abstrato, que evolui do simples ao complexo” e
“reflete assim o processo histórico real”.
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Dessa maneira, o autor torna claro que a concepção tradicional de teoria e de prática, com a
contribuição do pensamento marxiano, foi profundamente remexida, uma vez que a prática
deixou de reduzirse ao fazer elementar do empírico, do cotidiano, do contingente, elevando
em decorrência a condição da primeira, ou seja, situando a teoria no plano da produção
material dos homens, da história real.
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Com base nesta afirmação e em acordo com o pensamento marxiano, mencionamos ainda,
que a relação entre teoria e prática não se dá imediatamente, seja no sentido temporal seja
em referência aos nexos fundamentais que se põem nesse processo. Com isso se quer dizer
que a possibilidade de determinada teoria revelar a realidade social é histórico-social.
Pressupõe que os processos históricos se desenvolvam e se universalizem a ponto de serem
captados e reconhecidos pela consciência.
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Não há outra forma de a teoria “capturar” o objeto, ou seja, ultrapassar sua aparência, captar
suas propriedades, sua lógica constitutiva, seus nexos e particularidades históricas. Ou seja, a
resolução das questões que envolvem a relação entre a teoria e a prática não requer
simplesmente soluções teóricas, mas prático-sociais. Pode-se dizer que nesse campo (das
soluções prático-sociais) a teoria é mesmo inepta. Com isto estamos afirmando que a
elaboração teórica tem particularidades, no que diz respeito ao seu alcance e limite.
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A realidade é sempre mais rica, mais ampla e plena de mediações de que a capacidade do
sujeito de captá-la e reproduzi-la no pensamento. Como diz Vázquez, ao se referir à
Aristóteles; “(...) se é necessário levar em conta as exigências da vida real, a atividade política
não pode guiar-se pelos princípios absolutos da razão teórica.” (2007, p. 39). Ainda que seja
legitimo a utilização de vários tipos de conhecimento, o homem só desvela a realidade,
somente alcança a essência, pela via do conhecimento teórico. Para entender a relação do
homem com o conhecimento teórico é necessário entender o homem enquanto um ser
complexo. Ao mesmo tempo em que, Antes de ser um animal racional ambulante, o homem é
um ser que permanentemente busca um sentido para si e para o mundo em que se vê
envolvido. (...) o homem, protagonista de todo ato teórico, não é um ser que só possui cabeça,
mas também corpo, coração... que manifesta paixões, desejos, angústias e sobretudo possui
braços e mãos para agir. (PEREIRA, 1982, p. 14).
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A apropriação do mundo pela via do conhecimento teórico requer que o homem estabeleça
com o seu objeto, determinado tipo de relação. Nisto se constitui o método para o
conhecimento da realidade posto que, antes de ser concebido como o caminho para o
conhecimento ou mesmo um conjunto de etapas a serem cumpridas, o método constitui-se na
mediação fundamental que se estabelece na relação entre o sujeito que conhece e o objeto a
ser conhecido.
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Diz Markus: Todas as relações humanas que o homem tem com o mundo, ver, ouvir, cheirar,
provar, tocar, pensar, intuir, sentir, querer, agir, amar, todos os órgãos que constituem sua
individualidade, em suma [...] são, em seu comportamento objetivo ou em seu
comportamento diante do objeto, a apropriação deste mesmo objeto. (1974, p. 59).
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No processo do conhecimento, teoria e prática, como elementos de naturezas diferentes —
ou, se preferirmos, como pólos opostos —, se confrontam a todo momento: questionam-se,
negam-se e superam-se, a ponto de encontrarem uma unidade que é sempre histórica,
relativa e provisória. Não obstante, a teoria e a prática mantêm sua especificidade e sua
autonomia.
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A teoria tem que ser vista como crítica e busca dos fundamentos. Neste sentido: a destruição
da atitude própria à consciência comum é condição indispensável para superar toda
consciência mistificada da práxis e elevar-se a um ponto de vista objetivo, científico, a respeito
da atividade prática do homem. Só assim podem unir-se conscientemente o pensamento e a
ação.
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Por outro lado, sem transcender os limites da consciência comum, não só é impossível uma
verdadeira consciência filosófica da práxis, como também é impossível elevar a um nível
superior – isto é, criador – a práxis espontânea ou reiterativa de cada dia. (VÀZQUEZ, 2007, p.
30).
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A prática social, por sua vez, se coloca como “fundamento e limite do conhecer e do objeto
humanizado que, como produto da ação, é objeto do conhecimento” (VÁZQUEZ, 2007, p. 144).
Ela tem validade enquanto reflete as relações sociais reais, e, por isso, relações históricas,
dinâmicas, processuais e transitórias. A prática social pode validar uma teoria em
determinadas condições sócio-históricas, uma vez que a teoria pode ser reconhecida na
prática, mas isso não pode ser interpretado como uma passagem direta para as práticas
profissionais. Ou seja, é necessária a captação dos nexos, das mediações e das particularidades
relativos ao campo profissional. A teoria não se gesta, não brota da prática, mas da apurada
reflexão sobre ela. Trata-se de um outro nível do conhecimento, de certo patamar do
conhecimento que precisa ser testado e verificado na prática. Tampouco, se pode dizer que a
teoria produz transformações práticas.
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Como nos aponta Vazquez, “A teoria em si – nesse como em qualquer outro caso – não
transforma o mundo. Pode contribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair de si
mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos
reais efetivos, tal transformação”. (1968, p. 206) O que ela transforma, conforme explicitamos,
são as idéias, as consciências, as percepções e as concepções — ou seja, elementos
necessários e que também são parte da realidade.
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Contudo, entre a transformação da consciência e a transformação do real são necessárias
outras mediações e a atuação prática. Isto porque o conhecimento em nível teórico não incide
diretamente na realidade, no nível prático-empírico, e o mesmo se dá também no âmbito
profissional — e da nossa profissão.
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Não obstante o conhecimento nos fornecer a compreensão da sociedade em que estamos
inseridos e na qual se inserem nossos objetos de intervenção, dele nos cabe extrair também a
compreensão desses objetos e do modo de agirmos profissionalmente — quando e como
intervimos. Mais do que isso, o conhecimento teórico (ético-político) é que nos permite
imprimir sentido à nossa ação, uma vez que a teoria incide sobre a compreensão da direção
social, do significado e das implicações desse fazer profissional.
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A apreensão das particularidades da profissão é um amplo, lento, complexo e provisório
trabalho de aproximações sucessivas, como bem explicita Pontes: A particularidade histórico-
social da profissão representa o alcance de um complexo processo de análise-síntese do
movimento do modo de ser mesmo da profissão na estrutura social. Significa conjugar a
dimensão da singularidade, com a universalidade, para se construir a particularidade. No plano
da singularidade, comparecem as formas existenciais irrepetíveis do fazer profissional no
cotidiano sócio-institucional, em que os sujeitos estão imersos na repetitividade e
heterogeneidade da vida cotidiana.
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Na dimensão da universalidade, o fazer profissional é projetado nas leis sociais tendenciais e
universais que regem a sociedade, e encontram o sentido de sua inserção histórico-social.
Assim, a construção da particularidade histórica da profissão implica a necessidade de sua
universalidade se singularizar e de sua singularidade se universalizar. (PONTES, 2002, p. 164). A
esta altura, esperamos ter contribuído para destacar que na realidade operam mediações de
natureza diferente daquelas que figuram no conhecimento, donde o necessário investimento
teórico para captar o exercício profissional e a pesquisa da realidade.
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Há que se ressaltar também, e por tudo o que foi dito, a importância da compreensão correta
do significado desse nível de conhecimento para uma profissão interventiva como o Serviço
Social — O que é mister especialmente na atual conjuntura, em que os desafios ao profissional
são flagrantes. Ou seja, esperamos ter esclarecido que são imprescindíveis momentos de
apropriação teórica para que haja uma inserção qualificada do Assistente Social nos espaços
sociocupacionais, uma inserção que viabilize respostas competentes às demandas sociais, e
que seja, portanto, avessa ao falso dilema de que “na prática a teoria é outra”.

Imediaticidade na Prática Profissional do Assistente Social


(Marilene Coelho)

A prática profissional é historicamente determinada por condições econômicas, ideo-políticas


e sócio-culturais objetivas e, de que, resulta e se explicita o desenvolvimento sócio-histórico
do modo de ser da sociedade que a produziu.
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Nessa direção, refletir acerca da prática profissional do assistente social significa apreendê-la
em suas dimensões objetiva e subjetiva. Implica, portanto, estabelecer os nexos constitutivos
entre a prática profissional e as relações sociais na sociedade capitalista que criam e recriam
suas necessidades para intervir nas seqüelas da questão social, a fim de apreender suas
determinações sociais objetivas, sua direção social e o sentido a ela atribuído por seus
agentes.
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Significa, ainda, afirmar que não há prática descolada de intencionalidades, mesmo quando
visam tão somente atender a uma demanda emergencial como, por exemplo, inserir uma
família em um programa de renda mínima, ou executar os procedimentos burocráticos para
que um cidadão portador de necessidades especiais tenha acesso a uma cadeira de rodas, ou
encaminhar um cidadão que necessita de atendimento médico-hospitalar para as unidades de
referências, ou acompanhar e orientar um adolescente em relação às medidas sócio-
educativas, ou elaborar um parecer social.
Mesmo as práticas profissionais circunscritas às ações rotineiras e burocráticas reforçam uma
determinada direção social, encontram-se permeadas de sentido e objetivam valores. O
debate referente à prática profissional envolve os assistentes sociais, divide opiniões, vem de
longa data e remete à própria natureza da profissão.
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A ênfase à prática profissional, em detrimento das demais dimensões que norteiam e
perpassam o exercício profissional, é justificada recorrentemente, no interior da profissão em
razão de sua funcionalidade e assume diferentes conotações de acordo com a direção sócio-
política a ela intrínseca: apostolado, assistencialista, imediatista, dialógica, mimética,
reiterativa, burocrática, reposicionada, conectada a estratégia da qualidade total e à prática
histórico-crítica.
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A prática profissional do assistente social é determinada, de um lado, pelas condições sócio-
históricas objetivas que estabelecem sua necessidade, delimitada por correlações de forças
expressas nos confrontos e conflitos das classes sociais e os seus projetos societários; assim,
explicitam se concepção de mundo, formas de relação entre os homens e entre eles e a
natureza, estrutura da sociedade, relação entre público e privado, organização política, dentre
outros.
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Ainda, a prática profissional é determinada pelos próprios assistentes sociais, como eles a
vivenciam em um determinado projeto profissional, os sentidos que dão à profissão e que se
explicitam em seus instrumentos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operativos.
Essa forma de apreender a profissão e, por conseguinte, a prática profissional, é condição
fundamental para a compreensão de seu significado.
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Segundo Iamamoto (1982, p. 74), tais dimensões são indissociáveis e a unidade entre ambas é
contraditória, podendo haver uma “defasagem entre as intenções expressas no discurso que
ratifica esse fazer e o próprio fazer”. O presente estudo procurou evidenciar que,
independentemente do nível de consciência do assistente social, a sua prática profissional tem
uma funcionalidade no âmbito das relações de reprodução da sociedade capitalista. Mesmo
que o profissional tenha apenas a boa intenção de fazer o bem impulsionado, por exemplo, em
seus valores morais e cristãos, sua prática profissional jamais é apenas isso.
Mesmo quando restrita ao atendimento das demandas emergenciais, e circunscrita à
aparência dos fenômenos sociais, a prática profissional reforça uma determinada direção
social, contribui para produzir/reproduzir as relações sociais vigentes.
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A consciência assume um papel fundamental no processo de descortinamento da aparência,
pois o que aparece não é mera aparência, é a expressão de uma essência. A essência é a
realidade apreendida, por meio da razão, em suas múltiplas determinações. A realidade é
captada processualmente pela consciência, em um movimento dialético, que parte da
realidade e retorna para si e faz novamente o caminho inverso, de si para a realidade.
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Trata-se de um movimento de supra-sunção, que alça a consciência a patamares cada vez mais
elevados. Nesse processo, articulam-se singularidade, particularidade e universalidade. Na
concepção hegeliana, esse processo inicia-se no estágio da certeza sensível, no qual a
consciência se apresenta como pura individualidade, parece que o sujeito coloca o objeto e ele
é sua verdade.
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No entanto, essa verdade não se mantém, ela é falsa, pois a consciência é sociabilidade, ela é
inerente ao ser social. Nos termos hegelianos, a consciência verifica que as propriedades de
um objeto somente podem ser firmadas na relação que ele estabelece com outros objetos.

A consciência em-si passa, então, a se confrontar com outras consciências e, apenas encontra
satisfação em outra autoconsciência. A consciência em si, singular, caminha em direção à
consciência de si quando, então, se conecta com a universalidade.
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Para Marx (2004), o engendrar prático de um mundo objetivo prova que o homem é um ser
genérico consciente. Cotidianamente, o homem é desafiado a buscar os meios para a
satisfação de suas necessidades, a fazer escolhas acerca dos fins e dos meios para satisfazê-las.
Esse processo retira o homem da condição de ser natural e torna-o ser social, sem jamais
deixar de ser, também, ser natural.
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A reprodução da existência humana distingue-se da reprodução evolutiva do ser natural pela
capacidade de o homem fazer escolhas, decidir acerca dos meios e os fins. O trabalho é o
complexo primário que funda o ser social, condição da existência humana e da sociabilidade
entre os homens e entre eles e a natureza.
O homem, segundo Marx (2002, p. 84), faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua
vontade e da sua consciência. Ele tem atividade vital consciente. Esta não é uma
determinidade (Bestimmtheit) com a qual ele coincide imediatamente. A atividade vital
consciente distingue o homem imediatamente da atividade vital do animal. Justamente, [e] só
por isso, ele é um ser genérico. A reprodução dos seres humanos diferencia-se da mera
reprodução biológica que caracteriza o ser natural.
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A reprodução do ser social requer, em sua processualidade, a presença da consciência. Pela
mediação da consciência, os homens decidem acerca dos fins e dos meios, fazem escolhas,
avaliam as situações concretas da existência humana e sua relação com a natureza, sempre
acumulando conhecimentos e experiências. No processo de objetivação, as conseqüências da
ação são antevistas na consciência, possibilitando a projeção do resultado, de modo ideal,
antes que ele seja efetivado. Esse momento exerce força material e tem papel fundamental na
práxis e só pode configurar-se como prévia-ideação se for objetivada, realizada praticamente.
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A objetivação é a exteriorização da consciência que cria um novo objeto, transforma a
natureza e transforma o próprio homem. A exteriorização da consciência, conforme Resende
(1992, p. 46), é “o campo de risco e possibilidade de emancipação: no encontro com outras
178 A existência e o desenvolvimento do ser social, segundo Netto (1994, p. 35), “supõem a
natureza e o incessante intercâmbio com ela – mas cuja estrutura é diversa dela e dela tende a
afastar-se progressivamente, mercê de uma crescente e cada vez mais autônoma
complexidade”.
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A consciência pode perder-se, por exemplo, se for iludida porque algo vem-a-ser para ela a
medida que ela sabe desse algo, finge ser imediatamente o outro de si mesma. Se a
constituição da consciência ocorre no processo histórico da sociabilidade entre os homens e
deles com a natureza, decorre que qualquer tentativa de abstrair o ser singular − vida
individual − do ser social incorre no falseamento da realidade.
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O discurso dos assistentes sociais cuja prática atém-se à certeza sensível é fértil para a
produção de representações falseadas da realidade: na prática, a teoria é outra, a teoria não
tem aplicabilidade, cada caso é um caso, assim por diante. Sobressai, no âmbito desse
discurso, o argumento que debita ao processo de formação as causas das dificuldades
encontradas por esses assistentes sociais no cotidiano do exercício profissional, isto é, a
formação não instrumentaliza o profissional para a prática. A questão, no entanto, é bem mais
complexa. Se a consciência é um produto histórico forjada no processo de sociabilidade, o seu
desenvolvimento, tal qual o próprio movimento da realidade, supõe a negação e a superação
que caracterizam a supra-sunção.
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Porém, nem sempre a consciência encontra possibilidades plenas para percorrer o caminho
que conduz ao descortinamento da aparência e à apreensão da essência. Especificamente, o
modo de ser do capitalismo ao mesmo tempo em que coloca obstáculos para que todos os
homens se achem em condições de viver, de satisfazer as suas necessidades por meio do
trabalho, obstaculiza o pleno desenvolvimento da consciência.
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O principal obstáculo é a propriedade privada. No modo de produção capitalista, o trabalhador
para acessar os meios para a satisfação de suas necessidades, vende a sua força de trabalho
em troca de um salário. O produto de seu trabalho pertence àquele que compra a sua força de
trabalho. Decorre dessa relação de produção o processo de alienação.
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Esse processo acentua-se em decorrência da divisão social e técnica do trabalho, pois além do
resultado do trabalho não pertencer ao trabalhador, ele não se reconhece no produto. “A
consciência que o homem tem do seu gênero se transforma, portanto, mediante o
estranhamento, de forma que a vida genérica se torna para ele um meio”, diz Marx (2004, p.
85). O ser genérico do homem torna-se um meio da sua existência individual, o que, porém,
não ocorre sem ônus.
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Trata-se de um processo obscurecido pelas posições teleológicas secundárias, no qual os
trabalhadores são persuadidos, no campo das atividades não-econômicas, para que atuem de
determinada maneira. Além disso, os trabalhadores defrontam-se com relações de produção
intensificadas pela jornada de trabalho e o ritmo de produção e precarizadas pelas péssimas
condições de trabalho e baixos salários. Para garantir a satisfação de suas necessidades, os
trabalhadores, cotidianamente, desdobram-se em ritmos e regularidades próprios de cada
contexto sócio-histórico. A heterogeneidade, a imediaticidade e a superficialidade extensiva da
vida cotidiana absorvem o homem inteiro, exigem que todas as suas capacidades sejam
mobilizadas. Há determinados espaços sócio-ocupacionais dos assistentes sociais, como os
serviços e programas vinculados à política de saúde, de assistência social e de habitação, por
exemplo, em que o ritmo e a regularidade das atividades, em decorrência das contradições
sociais, são intensos, absorvem toda a jornada de trabalho, e os profissionais não dispõem de
tempo para a indagação acerca da realidade e da própria prática profissional. Para responder
às múltiplas exigências do cotidiano, os assistentes sociais passam a agir espontaneamente,
cumprindo rotinas que os conduzem a moverem-se mecanicamente, automaticamente,
sempre no âmbito da singularidade. Nessas 320 condições, os profissionais apreendem apenas
a aparência da realidade por meio da imediaticidade. A imediaticidade é uma categoria
reflexiva que, diferentemente da mediação, não existe no real, mas designa “um certo nível de
recepção do conteúdo do mundo exterior, independentemente da circunstância de que essa
recepção ocorra com maior ou menor consciência”, conforme afirma Lukács (apud COUTINHO,
1972, p. 125).
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Imediaticidade e mediação formam um par indissociável na filosofia hegeliana, ainda que cada
uma apareça autônoma, assinala Lukács (1979a). Para o pensamento hegeliano,
imediaticidade e mediação devem ser buscadas na consciência, encontram-se ligadas ao
sujeito cognoscitivo. Para Lukács (1979a, p. 90), essa afirmação vale apenas para a
imediaticidade, pois a mediação é uma síntese categorial de elevada universalidade,
extremamente objetiva, de todas as forças, processos, etc. que determinam objetivamente o
nascimento, o funcionamento e o ser-precisamente-assim de um complexo.
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Portanto, não pode existir, nem na natureza nem na sociedade, nenhum objeto que, nesse
sentido (...), não seja mediato, não seja o resultado de mediações. Desse ponto de vista, a
mediação é uma categoria objetiva, ontológica, que tem de estar presente em qualquer
realidade, independentemente do sujeito. Lukács (1979a) diz que Hegel acerta plenamente
quando define a imediaticidade como uma categoria da consciência.
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“Decerto o que a consciência assume como imediaticidade é algo também ligado a
determinadas situações objetivas, só que é desvinculado delas”, assinala Lukács (1979a, p. 321
90). Os processos de mediação existem objetivamente, independentemente de serem
captados como imediaticidade por uma consciência. Lukács (1979a), no entanto, chama a
atenção para a eficácia real do imediato que não passa obrigatoriamente pela consciência, mas
que efetuam uma reflexão real com a mediação179.
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A imediaticidade e a mediação aparecem como categorias reflexivas, separam-se e se
unificam, “apenas no ser especificamente humano, no ser social, e já em estágios bastante
primordiais, no trabalho e na linguagem”, (LUKÁCS, 1997a, p. 90). Essa conexão categorial é
característica do ser social, portanto, são portadoras de significado social e cabe ao
pensamento homogeneizá-las. O trato das implicações dessa entonação ontológica merece ser
explorado pouco a pouco.
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Primeiramente Lukács (1979a) resgata o caráter social da imediaticidade, que tende a ser
descartada quando se a percebe apenas o seu lado pejorativo e, nesse sentido, ela é
considerada como algo a ser eliminado ou, de outro lado, tende-se a sobrepujá-la em relação à
mediação.
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No atual estágio de desenvolvimento das relações de produção e reprodução social da
sociedade capitalista, a sensibilidade consumidora, estabelecida na imediaticidade da vida
social, segundo Netto (1996), não admite a distinção entre aparência e essência. Para garantir
a transitoriedade das relações, a aparência é venerada, e a essência, desqualificada, “o
efêmero, o molecular, o descontínuo tornam-se a pedra-de-toque da nova sensibilidade: o
dado, na sua singularidade empírica, desloca a totalidade e a universalidade, suspeitas de
totalitarismo”, assinala Netto (1996, p. 97).
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Os pensamentos Lukács (1979a, p. 90) refere-se à natureza orgânica, ¨onde todo ser vivo – que
seja planta ou animal – encontra-se em inter-relação com seu ambiente, enquanto é
totalidade que se reproduz. Aqui interagem – de maneira imediata, de um ponto de vista
objetivo – complexos com complexos; e só a totalidade indivisa, completa, funcional é que
entre em relação imediatamente com uma totalidade análoga.
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A ciência pós-moderna, na concepção de Santos (2003), considera que o pensamento e a
prática decorrentes da ciência moderna podem ser substituídas por uma dupla ruptura
epistemológica guiada pela hermenêutica. Santos (2003) propõe a aplicação edificante dessa
dupla ruptura epistemológica e considera ser possível submeter à aplicação técnica as
exigências do saber ético, no qual a aplicação do conhecimento é um processo argumentativo.
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Nessa proposição, o exercício do poder pode ser modificado pela retórica argumentativa e
pelo encontro dos saberes, por meio da participação. Deslocam-se, assim, os problemas
advindos das relações sociais para o campo da epistemologia. Segundo Netto (1996, p. 98), a
retórica pósmoderna é um sintoma das transformações em curso na sociedade tardo-
burguesa, tomadas na sua epidérmica imediaticidade [...], o que os pós modernos tomam
como tarefa criadora ( ou segundo alguns desconstrutora) é a própria funcionalidade da
mercadoria e do capitalismo (grifos do autor).
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O pensamento pós-moderno propõe, por meio da descontrução, a refuncionalização dos


arcabouços teóricos fundamentados na intuição, próximos das conexões imediatas entre
teoria e prática. Para esse pensamento, a apreensão das determinações e das mediações da
estrutura histórico-social é descartável. A irracionalidade desse modo de perceber a realidade
busca justificar a caótica condição de reprodução social na sociedade capitalista.
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No entanto, a realidade que esse pensamento produz e reproduz associa-se àquela do
pensamento cotidiano, isto é, os processos de mediações entre particularidade e
universalidade vinculam-se às reações espontâneas e à imediata genericidade humana. A
singularidade do ser humano é dissociada de sua particularidade e de sua genericidade, ainda
que seja em-si, resultando na exacerbação da individuação, aguçada pelo movimento
expansionista do capital que conduz, conforme Mészáros (2002), à taxa de utilização
decrescente do valor de uso das mercadorias e, por conseqüência, burila e estimula a
sensibilidade consumidora. Nessas condições, as relações desenvolvidas na esfera da vida
cotidiana são apreendidas pela imediaticidade e tem um fim em si mesmas.
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Na “Para a formação da personalidade de cada indivíduo, é absolutamente necessária a
articulação com a totalidade social e sua explicitação categorial se manifesta e se fundamenta
em três momentos-chave: (...) o afastamento das barreiras naturais possibilita e exige o
desenvolvimento de personalidades cada vez mais ricas, mediadas e complexas;(...) a
individuação apenas pode realizar-se em sociedade porque as ações dos indivíduos apenas
existem como síntese de elementos genéricos e particulares que, na vida cotidiana, se
encontram intimamente imbricados; (...) o desenvolvimento das individualidades é possível
somente na presença de complexas mediações necessariamente genéricas, que permitam ao
indivíduo referir, a si próprio, as exigência postas pela evolução do gênero humano”, expõe
Lessa (2002, p.147-149).
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Nessa pseudo-objetividade, a base de satisfação é o consumo. A prática profissional imediata,


circunscrita à fenomenalidade dos processos sociais, que apreende apenas a realidade em sua
aparência, deixa-se prender apenas à multiplicidade das atividades emergenciais cotidianas.
Nessas condições, a prática profissional do assistente social restringe-se somente ao
atendimento das demandas explicitadas pelos usuários, às rotinas e aos procedimentos
estabelecidos no fluxograma institucional, amortece os conflitos e individualiza as seqüelas da
questão social. Trata-se de uma prática espontânea e reiterativa. A superação da
imediaticidade ocorre no plano do pensamento, por meio da apropriação de um instrumental
teórico-metodológico capaz de desvelar a realidade em sua essência, de apreender o
movimento do real em suas múltiplas mediações.
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Nas palavras de Lukács (1979b, p. 42), por meio da “dissolução paulatina das abstrações
metodologicamente inevitáveis − abre-se o caminho que conduz o pensamento, etapa após
etapa, a apreender a totalidade em sua concreticidade clara e ricamente articulada”. A
superação da imediaticidade implica o movimento de supra-sunção da consciência no caminho
que percorre para apreender a essência da realidade, ultrapassando a aparência dos
fenômenos sociais. O horizonte da prática profissional do assistente social é o cotidiano e a
superação momentânea e temporária dessa esfera do ser social, caracterizada pela
heterogeneidade, pela imediaticidade e pela 325 superficialidade extensiva, pressupõe o
conhecimento das situações concretas que eleve a consciência do homem de ser em-si, para
ser para-si, acesse a consciência humano-genérica e amplie os seus espaços de liberdade.
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O acesso à consciência humano-genérica, ocorre, conforme Netto (2000, p. 68), quando o
indivíduo pode superar a singularidade, quando ascende ao comportamento no qual joga não
todas as suas forças, mas toda sua força numa objetivação duradoura (menos instrumental,
menos imediata), trata-se, então, de uma mobilização anímica que suspende a
heterogeneidade da vida cotidiana – que homogeneíza todas as faculdades do indivíduo e as
direciona num projeto em que ele transcende a sua singularidade numa objetivação na qual se
reconhece como portador da consciência humano-genérica. Essa superação implica conectar
imediaticidade e mediação. A primeira condição para tal feito é a exigência do resgate do
caráter social da imediaticidade, pois, na concepção lukacsiana, ela é tão-somente o modo
pelo qual aparecem as mediações largamente absorvidas, e o pensamento deve descobri-las
na realidade, superando assim a imediaticidade no plano conceitual. Os ritmos, as
regularidades e os comportamentos da vida cotidiana interagem e absorvem,
ininterruptamente, o movimento progressivo da sociedade e suas contraditórias transições,
caso contrário, a vida cotidiana seria semelhante em todos os estágios de desenvolvimento
histórico-social da humanidade.

Para Lukács (1996), o papel da vida cotidiana consiste na difusão do progresso e na satisfação
de seus resultados, construídos historicamente 326 pelos homens por meio de objetivações
mais duradouras, como o trabalho (work), a ciência e a arte. Nessa perspectiva, a vida
cotidiana reflete sempre conteúdos novos, das formas mais diversas, indicando o papel ativo
da consciência relativo às ações imediatas. Essa esfera do ser social apresenta continuamente
problemas que exigem respostas imediatas, que são dadas sem tempo hábil para conhecê-los,
com maior rigor e profundidade, e refletir acerca das conseqüências das ações. Mesmo nessa
situação extremada, os homens tomam decisões com base em alternativas possíveis e são
responsáveis por suas escolhas.
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No momento de suas opções, os homens são, simultaneamente, seres particulares e seres
humano-genéricos. A vida cotidiana, como zona de mediação, oculta as mediações, as
contradições e as determinações presentes no modo de ser da sociedade e faz parecer, nos
momentos de escolha, que a decisão é, ora puramente individual, ora imposição de forças
supranaturais. Exatamente por sua complexidade e por constituir-se no locus da objetivação
do ser social, essa esfera não pode ser descartada por aqueles que pretendem conhecer
criticamente a realidade, e posicionar-se de acordo com uma perspectiva que expresse uma
concepção de mundo.
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Hegel (2002) diz que a consciência na vida cotidiana fica satisfeita quando atinge um ponto de
repouso já conhecido. Faz-se necessário romper com esse ponto de repouso. No âmbito da
prática profissional cotidiana reiterativa e imediatista desenvolvida por um segmento dos
assistentes sociais, esse ponto de repouso é encontrado pela consciência que se satisfaz com a
reprodução das relações sociais vigentes. Esse segmento profissional reforça as relações
sociais, reproduzindo a prática profissional conservadora e neoconservadora, tanto aquela
identificada com o Serviço Social tradicional, como a perspectiva modernizadora renovada
pelo neoliberalismo e redefinida pelas teorias sistêmico-organizacionais, balizadas pelo
pensamento positivista e suas tendências.
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Tais práticas revelam que o movimento da consciência para chegar ao conhecimento percorre
apenas o caminho que apreende a realidade em sua fenomenalidade, pois ela se atém à
certeza sensível, ou à percepção ou ao entendimento. Há, ainda, que se problematizar os
conteúdos, os conhecimentos, os princípios que valem como dados ou essências fixas e
estáveis para a consciência que se atém a algum desses estágios. Entretanto, restringindo-se
apenas à pontuação de alguns princípios, verifica-se que o apelo a cidadania, a
responsabilidade social, ao respeito a liberdade individual, a qualidade de vida dos cidadãos é
comum a qualquer perspectiva, demonstrando a labilidade que permeia os discursos ideo-
político dessas vertentes.
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Em contrapartida, há um segmento dos assistentes sociais que recusa um ponto de repouso.
Para esses profissionais, o conhecimento e a transformação da realidade constituem uma
unidade, que decorre da conexão categorial que se estabelece, no plano da reflexão, entre a
imediaticidade e a mediação, e conduz à superação do imediatismo na prática profissional
crítica. A consciência movimenta-se por meio da razão histórico-crítica, buscando conectar
imediaticidade e mediação para apreender as determinações e as contradições que dinamizam
os complexos sociais em sua totalidade. Se as conexões entre pensamento e ação são guiadas
apenas pela imediatez, a realidade é conhecida somente em sua aparência, em sua
superficialidade e, em decorrência, há uma prática profissional frágil que fixa valores que não
criam humanidades, isto é, cria desvalor. Se as conexões entre pensamento e ação apreendem
a realidade em suas múltiplas mediações, há uma prática profissional que objetiva valores
duradouros. A apreensão da totalidade, da realidade em sua essência possibilita a superação
do imediatismo, eleva a consciência ao humano-genérico, à compreensão de que a 328
transformação é um processo histórico, permeado pela luta de classes, no qual se destaca o
protagonismo da classe trabalhadora no projeto de emancipação humana. Averigua-se,
portanto, que, no Serviço Social brasileiro, a prática profissional não pode ser generalizada e
uniformizada, há que caracterizá-la em relação aos valores que objetiva e à direção social a ela
intrínseca.
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Verifica-se, também, a força do código de ética da profissão, do qual deriva duas
conseqüências. Mesmo fundamentadas em propostas teórico-metodológicas e ético-político
antagônicas, os princípios e valores constitutivos do código de ética, conformam o solo no qual
há uma aparente homogeneização em decorrência da afirmação de valores comuns às
diferentes perspectivas. No entanto, a força do código de ética é a sua constituição como
instrumento que dimensiona e valora o movimento da categoria em relação às lutas sociais, às
conquistas de patamares mais elevados de sociabilidade, expressão dos compromissos dos
assistentes sociais com a emancipação humana. Portanto, o horizonte profissional do
assistente social circunscrito à cotidianidade − intensificada pelo ritmo e regularidade da
sociedade capitalista em seu estágio tardio, e fortemente condicionada pela manipulação de
variáveis empíricas − conduz à prevalência da imediaticidade como a determinação reflexiva
que norteia a prática profissional. As possibilidades de superação dessa lógica encontram-se na
capacidade teóricometódológica, ético-política e técnico-operativa dos assistentes sociais em
descortinarem as mediações e as contradições constitutivas do real. Para tanto, faz-se
necessário cultivar, permanentemente, a atitude crítica e vigilante que jamais deve perder de
vista as condições reais de vida da classe trabalhadora. Tal atitude exige o exercício constante
da consciência para desocultar as mediações largamente absorvidas pela sociedade,
naturalizadas e dissolvidas em fragmentos que aparentemente não se conectam. A prática
profissional crítica requer o conhecimento da realidade para além de sua aparência
fenomênica, porém, não basta apreender a realidade em sua essência, é preciso transformá-la.
Suscita-se, assim, uma última questão: é no cotidiano, premido e estilhaçado pela
intensificação do presente, que o assistente social formula perguntas e encontra as respostas
para as demandas que se interpõem para o exercício profissional, e, tanto as perguntas quanto
as respostas contribuem para enriquecem a prática profissional? Lúkács (1977) afirma que
tanto a resposta quanto a pergunta são produtos imediatos da consciência que guia a
atividade. No cotidiano, as mediações largamente absorvidas aparecem como produto
imediato da consciência. A formulação de perguntas e respostas, suscitadas sempre para a
tomada de decisões e escolhas entre alternativas, que se apresentam para a satisfação de
necessidades articula cadeia de mediações. Nessas condições, a prática profissional ultrapassa
o mero imediatismo do cotidiano, a reiteração mecânica das respostas.

Fundo Público, e políticas sociais na crise do capitalismo

(Evilásio Salvador)

A característica comum a todas as crises financeiras dos últimos trinta anos é o


comparecimento do fundo público para socorrer instituições financeiras falidas
durante as crises bancárias, à custa dos impostos pagos pelos cidadãos.

A financeirização da riqueza implica em pressão sobre a política social,


especialmente as instituições da seguridade social, pois aí está o nicho dos
produtos financeiros. Com isso, as propostas neoliberais incluem a transferência da
proteção social do âmbito do Estado para o mercado, a liberalização financeira
passa pela privatização dos benefícios da seguridade social.

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É no mercado que deve ser comprado o benefício de aposentadoria, o seguro de


saúde, que são setores dominantes nos investidores institucionais. Ou seja,
benefícios da seguridade social são transformados em mais um "produto"
financeiro, alimentando a especulação financeira, tornando as aposentadorias de
milhares de trabalhadores refém das crises financeiras internacionais.

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Com a financeirização da riqueza, os mercados financeiros passam a disputar cada
vez mais recursos do fundo público, pressionando pelo aumento das despesas
financeiras do orçamento estatal, o que passa pela remuneração dos títulos
públicos emitidos pelas autoridades monetárias e negociados no mercado
financeiro, os quais se constituem importante fonte de rendimentos para os
investidores institucionais. Com isso, ocorre um aumento da transferência de
recursos do orçamento público para o pagamento de juros da dívida pública, que é
o combustível alimentador dos rendimentos dos rentistas. Nesse bojo, também se
encontram generosos incentivos fiscais e isenção de tributos para o mercado
financeiro à custa do fundo público.

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A crise do capital a partir do papel exercido pelo fundo público e seus rebatimentos
no financiamento da seguridade social no Brasil. Para tanto, o artigo está
organizados em quatro seções, além desta introdução. A próxima seção analisa a
crise e a instabilidade do capitalismo com o socorro realizado pelo fundo público ao
grande capital, além das modificações ocorridas na proteção social sob a égide da
financeirização da riqueza. A segunda seção é dedicada ao estudo do fundo público
no Brasil, particularmente a regressividade do financiamento tributário e as suas
consequências no financiamento da seguridade social. Em seguida apresentam se
os rebatimentos da crise do atual do capital sobre o financiamento da seguridade
social. Por fim, na última seção são apresentadas algumas propostas para garantir
e ampliar os direitos sociais no Brasil.

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Os países capitalistas desenvolvidos passaram por profundas transformações ao


longo do século XX, que marcaram avanços na proteção social, particularmente
após a Segunda Guerra Mundial, com a consolidação do chamado Estado social. A
luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e por uma situação mais
digna de trabalho construiu a experiência de determinado padrão de proteção
social, no período de 1945 a 1975, nos países do centro do capitalismo.

Para tanto, foi decisiva a intervenção do Estado acoplada com as políticas de cunho
keynesiano/fordista, destacando-se as modificações redistributivas no orçamento
público: pelo lado do financiamento, a implantação de sistemas tributários mais
justos tendo como base a cobrança de impostos diretos e progressivos; pelo lado
dos gastos, destaca se, entre as políticas sociais, a edificação da seguridade social,
articulando as políticas de seguros sociais, saúde e auxílios assistenciais (Salvador,
2010).

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Com isso, ocorre na sociedade também uma disputa por recursos do fundo público
no âmbito do orçamento estatal. O orçamento público é um espaço de luta política,
onde as diferentes forças da sociedade buscam inserir seus interesses. Na sua
dimensão política, o orçamento pode ser visto como uma arena de disputa ou um
espaço de luta (ou cooperação) entre os vários interesses que gravitam em torno
do sistema político (Inesc, 2006).

O fundo público envolve toda a capacidade de mobilização de recursos que o Estado


tem para intervir na economia, além do próprio orçamento, as empresas estatais, a
política monetária comandada pelo Banco Central para socorrer as instituições
financeiras etc. A expressão mais visível do fundo público é o orçamento estatal. No
Brasil, os recursos do orçamento do Estado são expressos na Lei Orçamentária
Anual (LOA) aprovada pelo Congresso Nacional.

A Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2010 fornece pistas dos valores em disputa no
fundo público brasileiro: R$ 1.860.428.516.577,00. Excluindo o refinanciamento da
dívida e orçamento de investimento das empresas estatais, os orçamentos fiscal e
da seguridade social totalizam R$ 1,170 trilhão. No entanto, quase um quarto desse
valor (R$ 271 bilhões) está previsto para o pagamento de juros e amortização da
dívida pública, ou seja, destinado à esfera da financeirização da riqueza,
beneficiando, conforme Pochmann (2007), apenas 20 mil famílias.

O acelerado crescimento econômico do Brasil, por mais de 50 anos no século XX,


não foi capaz de obter resultado da mesma magnitude dos países do capitalismo
central, mantendo grande parte de sua população com condições precárias de vida
e trabalho. Para Francisco de Oliveira (1990), no caso brasileiro, a intervenção
estatal que financiou a reprodução do capital não financiou no mesmo nível a
reprodução da força de trabalho, pois teve como padrão a ausência de direitos. A
mudança mais importante ocorreu na CF/88, destacadamente o orçamento social -
expresso na política da seguridade social, com financiamento exclusivo.

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O fundo público ocupa um papel relevante na articulação das políticas sociais e na


sua relação com reprodução do capital. A presença dos fundos públicos na
reprodução da força de trabalho e gastos sociais é uma questão estrutural do
capitalismo. Para Francisco de Oliveira (1998, p. 19 20), "o fundo público, em suas
diversas formas, passou a ser o pressuposto do financiamento da reprodução da
força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos
sociais".

Existe uma miríade de formas de gastos sociais e de financiamento, incluindo a


questão da manutenção e da valorização dos capitais pela via da dívida pública. A
formação do capitalismo seria impensável sem o uso de recursos públicos, que,
muitas vezes, funcionam como uma "acumulação primitiva". Como se mostra na
atual da crise do capitalismo.

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De acordo com Behring (2004, p. 164):

Há no argumento de Oliveira um elemento indiscutível: o lugar estrutural do fundo


público no capitalismo contemporâneo, como expressão da sua maturidade e
imensas contradições. A produção e a realização do valor vão requisitar que o
Estado se aproprie de parcela bastante significativa da mais-valia socialmente
produzida para assegurar as condições gerais de produção e reprodução; dentro
desse processo comparece o desenvolvimento de políticas sociais como lugar
relevante de alocação do fundo público, a pender, claro, da correlação de forças
políticas e de elementos culturais em cada formação nacional.

Para compreendermos a crise atual do capitalismo e seus rebatimentos sobre o


Brasil é necessário estudar as dinâmicas da financeirização da riqueza e as
consequências sobre a proteção social. Nesse sentido, esta seção faz um resgate
histórico para compreender a situação da crise atual do capital, e que tudo indica
ser uma crise sem precedência na história do capitalismo e distante do seu fim.
Pois a Europa está entrando em uma profunda recessão, e esta situação deve durar
ao longo dos próximos anos.
Entre o final dos anos 1960 e começo da década de 1970, o desenvolvimento
fordista, as políticas keynesianas e o projeto de Estado social, que vigorou nos
países centrais, são postos em xeque, e consigo os direitos derivados da relação
salarial. A nova fase de acumulação capitalista vai ser capitaneada pela esfera
financeira, e no campo ideológico o velho liberalismo se veste com a "nova"
roupagem, rebatizado de neoliberalismo.

A crise se manifesta junto com a reação do capital contra o Estado social. A onda
de expansão do capitalismo expõe também a contradição do próprio sistema, e o
avanço tecnológico com uso intensivo de capital vem acompanhado de economias
com a força de trabalho, solapando o pacto dos anos de crescimento com pleno
emprego e o arranjo da social-democracia para as políticas sociais.

O baixo retorno dos investimentos produtivos, ou seja, a queda na rentabilidade


leva a uma fuga do capital do setor produtivo para a esfera financeira, agindo de
forma especulativa. A especulação financeira vai ganhar novos contornos a partir
de meados da década de 1970, com a criação dos novos "produtos" financeiros. A
economia americana conviveu nesse período com um processo inflacionário cercado
de incertezas financeiras, gerando uma instabilidade internacional das taxas de
juros e de câmbio. Nos anos 1960, quando os Estados Unidos passaram a conviver
com inflação ascendente e com incertezas financeiras, que levaram à extinção da
conversibilidade ouro do dólar2 e, por consequência, à explosão da instabilidade
mundial das taxas de juros e de câmbio, a moeda deixou de ser plenamente
estável, mesmo nos países desenvolvidos.

No novo cenário econômico mundial, há uma busca irrestrita de mobilidade global


por parte do capital para a qual a flexibilização e as políticas liberalizantes são
imperativas. Em verdade, a expansão do capitalismo, na busca de um mercado
global, não é novidade na história desse modo de produção.

Uma das novidades no processo de globalização, no século XX, é a acentuação da


esfera financeira no processo de acumulação capitalista, em que as alterações em
curso trazem maior instabilidade econômica e taxas de crescimento medíocres ou
negativas. Por outro lado, são realizadas com o aprofundamento da globalização
financeira (Fiori e Tavares, 1993), evidente com a crescente autonomia do capital
financeiro relativamente ao setor produtivo industrial e à maior dependência dos
investimentos dos fluxos internacionais de capitais, que se tornam mais voláteis e
atomizados, trazendo sérias consequências ao "mundo do trabalho" (Mattoso,
1996).

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A análise da macroeconomia financeira feita por Aglietta (2004) revela que a partir
dos anos 1980 ocorreu uma forte expansão financeira, paralelamente à
desaceleração do crescimento econômico nos países desenvolvidos. O novo
ambiente financeiro foi propício para a acumulação patrimonial das famílias mais
ricas.

Para Aglietta (2004, p. 25; grifos nossos):

A desregulamentação das finanças abriu novas perspectivas para a poupança, que


saiu de seus refúgios tradicionais, nos bancos e nas cadernetas de poupança, rumo
a mercados de títulos e a aquisições imobiliárias. Esse redirecionamento foi
canalizado pelos investidores institucionais (companhias de seguros e fundos de
pensão) que foram forçados pela concorrência a realizar administrações mais
dinâmicas das carteiras que lhes eram confiadas. Ele também foi acelerado por
novos intermediários do mercado, fundos de participação e negociadores de títulos
de todos os tipos. A atração das famílias foi garantida pelas esperanças de ganhos
de capital suscitados pelos mercados abertos, desregulamentados e vitaminados
por incentivos fiscais.

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As transformações que vêm ocorrendo no sistema financeiro internacional têm


levado os bancos, a partir dos anos 1980, a adotar estratégias que possam garantir
formas de acumulação de capital num quadro de maior concorrência no setor
bancário. Nesse contexto nascem os novos instrumentos financeiros, como a
securitização das dívidas e os derivativos. Esses produtos ganham agilidade com os
avanços tecnológicos em informática e telecomunicações no sistema financeiro.

O desenvolvimento desses mercados especulativos permitiu um enriquecimento


privado, sem encorajar o investimento produtivo. Aglietta (2004, p. 27) destaca
que nos anos 1980 ocorre uma "orientação da poupança rumo aos investidores
institucionais, graças ao desenvolvimento de regimes de aposentadoria por
capitalização em numerosos países, estimulado pelas perspectivas do
envelhecimento demográfico".

Por outro lado, a vulnerabilidade do sistema financeiro pode levar à existência do


risco sistêmico, ocasionando a reestruturação global das instituições financeiras,
dada a natureza especulativa da atuação destas, dos preços dos ativos financeiros
extremamente flexíveis e de política monetária restrita à taxa de juros. Com isso, o
"efeito dominó" mundial é de risco permanente em tempos de globalização
financeira.

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Historicamente, os recursos financeiros centralizados pela dívida sempre foram


cativos dos mercados financeiros. Com a nova etapa da acumulação financeira, os
dividendos tornam-se também um mecanismo importante de transferência de
riqueza e de acumulação. A pressão dos mercados sobre os grupos industriais
impõe novas normas de rentabilidade e exigências de redução de custos salariais,
aumento de produtividade e flexibilidade nas relações de trabalho. O corolário da
liberalização financeira é a ressurreição de ciclos econômicos, que são
intensamente influenciados pelos preços dos ativos financeiros.

A partir da década de 1980, a economia norte-americana passa a conviver com


crises bancárias repetidas, além de um craque da Bolsa (outubro, 1987) e de crise
imobiliária ao final do século XX, e que vem a se repetir em 2008. Com crises
financeiras recorrentes, a principal função dos bancos torna-se impossível, pois o
efeito delas é exatamente a desorganização da intermediação financeira. Diante
disso, os bancos não têm mais informações sobre seus devedores, o que leva ao
estrangulamento do crédito, o qual tem rebatimento sobre toda a economia,
acarretando, por consequência, a depressão econômica (Aglietta, 2004).

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Na última década do século XX, a liberalização financeira chegou aos países em


desenvolvimento. Os governos das grandes potências que se debatiam com as
sequelas da crise imobiliária (1990-91) e as grandes instituições financeiras que
buscavam novos terrenos de expansão elaboraram uma doutrina batizada de
"Consenso de Washington". Por intermédio do FMI, tratava-se de persuadir os
governos dos países em desenvolvimento e dos países desorientados pelo
desabamento do comunismo a se engajar rapidamente na liberalização financeira
para um ajuste estrutural rumo à economia de mercado. Os países que aderiram
aos novos rumos da globalização financeira ficaram conhecidos como "mercados
emergentes". Sendo alvo para os grandes intermediários financeiros internacionais
de uma convenção financeira otimista, atraíram uma avalanche de capitais
especulativos com regras tributárias favorecidas.

O mundo das finanças globalizadas tem sido marcado por uma sucessão de crises
financeiras. A fragilidade sistêmica das crises, conforme Chesnais (2005), está no
volume elevado de créditos sobre a produção futura que os detentores de ativos
financeiros consideram pretender, assim como na busca de resultados das
aplicações financeiras dos administradores de fundos de pensão. Em contexto de
baixo crescimento econômico comparativamente aos capitais que buscam se
valorizar nos mercados financeiros, as crises financeiras decorrentes da
especulação e da instabilidade sistêmica são inevitáveis.

A liberalização financeira tem sido marcada por sucessivas crises. Na realidade


como lembra Lordon (2007, p. 1):

Desde que ela se impôs, tem sido difícil passar mais de três anos seguidos sem um
incidente de envergadura. Quase todos poderiam figurar nos livros de história
econômica: 1987, quebra dos mercados de ações; 1990, quebra dos junk
bonds ("títulos podres") e crise das savings and loans (instituições financeiras de
poupança e empréstimos) norte-americanas; 1994, crise de debêntures norte-
americanos; 1997, primeira fase da crise financeira internacional (Tailândia, Coreia,
Hong Kong); 1998, segunda fase (Rússia, Brasil); 2001-2003, estouro da bolha da
internet.

As crises financeiras nos anos 1990, nos chamados países emergentes (Rússia,
México, Argentina, Brasil, Tailândia, Indonésia e Filipinas), são resultados diretos da
liberalização e da desregulamentação comercial e privatização dos sistemas
produtivos desses países. Para Chesnais (2005), os investidores institucionais
incorporaram esses países à mundialização financeira, mas também perceberam a
submissão completa às políticas neoliberais para a captação dos fluxos de renda.

Em 2008, o mundo é novamente abalado por uma crise financeira de proporções


ainda não dimensionadas, mas para muitos comparada ao que o capitalismo
vivenciou nos anos 1930. O cataclismo econômico tem como epicentro os Estados
Unidos. A crise teve origem nos empréstimos hipotecários norte-americanos, se
arrastando inicialmente para os bancos de investimentos, as seguradoras e os
mercados financeiros, enfim, a crise se espalhou rápido pela economia dos Estados
Unidos e atinge, atualmente, a Europa e o Japão. Os desdobramentos são para a
economia global, que entra em recessão.

Lordon (2007) destaca o fato de a bolha especulativa nos mercados financeiros ser
muito próxima à fraude, que requer a atração e a entrada constante de novos
investidores para manter o mercado em alta e a ilusão de que ganharão sempre.

O segredo é a adesão especulativa por meio de produtos financeiros de alta


rentabilidade que atraem aplicadores cada vez mais comuns e numerosos, porém
cada vez menos esclarecidos. Para prolongar o crescimento do mercado imobiliário
norte-americano, se possível eternamente, era necessário que as famílias fossem
levadas a procurar o mercado de empréstimos hipotecários, seduzidas pelo sonho
norte-americano da propriedade.
A criatividade do sistema fez com que surgissem as hipotecas de segunda linha
(subprime mortgages) com beneficiários de duvidosa capacidade de pagamento.
Mesmo que existam dificuldades de honrar os empréstimos, os tomadores e os
emprestadores avaliam que o imóvel poderá ser vendido com valorização para uns
e comissão para outros, honrando assim o pagamento da hipoteca.

A criatividade do mercado financeiro para se desfazer do risco aumentou


consideravelmente com a liberalização financeira e a falta de regulamentação do
mercado. Os bancos ficam com os lucros e socializam os possíveis prejuízos. Assim,
os novos produtos financeiros, como os derivativos - absolutamente sem regulação
e controle do Estado -, levaram os bancos dos EUA a se livrar do problema de
créditos de duvidosa liquidação (empréstimos imobiliários), que ficam registrados
nos balanços, por meio da securitização das dívidas.

Os investidores institucionais, entre eles os fundos de pensão que devem honrar o


pagamento de aposentadorias, são alguns dos clientes desses produtos, que,
apesar do alto risco, oferecem elevado retorno, obviamente quando tudo vai bem.
Os investidores fazem isso por meio de fundos de investimentos aplicados em
diversos mercados, visando diminuir riscos e reduzir eventuais prejuízos ao mesmo
tempo (hedge funds).

Mas na crise o contágio será global. O pacote dos produtos derivados do mercado
imobiliário prometendo elevado retorno foi vendido no mercado financeiro
globalizado, encontrando-se nas mãos de inúmeros portadores. Porém o início da
história está no mundo real, ou seja, nos créditos imobiliários que devem ser
honrados.

A crise financeira se instala primeiro nos bancos; a partir disso, há uma grande
perda e o colapso tem seu início. Com a globalização financeira, a situação não se
limita às fronteiras norte-americanas, uma vez que a securitização dos títulos gerou
créditos espalhados em vários mercados financeiros no mundo. Quando a crise se
instala, todo o discurso e a defesa da eficiência do mercado, da privatização, da
desregulamentação se "desmancham no ar", chamem o Estado, ou melhor, o fundo
público para socializar os prejuízos. Rapidamente o discurso da eficiência dos
mercados parece ter sido esquecido.

Uma amostra que a crise econômica global ainda não se esfacelou pode ser
encontrada nas dificuldades expostas recentemente pelos países europeus, que
compõem o chamado PIIGS: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Esses
países europeus apresentam elevada dívida pública, e há dúvidas no mercado
financeiro internacional da capacidade de honrar o pagamento. A Itália e a Grécia
têm dívidas que superam o tamanho do Produto Interno Bruto (PIB). A moeda da
União Europeia, euro, vem sofrendo forte desvalorização frente ao dólar, e diversos
analistas veem risco para o sistema bancário da Europa. É importante observar que
a moeda é unificada, mas os títulos públicos são nacionais.

As regras da União Europeia definidas pelo Tratado de Maastricht impõem o teto de


3% sobre o déficit público.5 Esse limite não vem sendo respeitado por alguns
países, como a Alemanha, que tem déficit acima 6% do PIB. Contudo, os países do
PIIGS apresentam déficit entre 10% e 12,7% do PIB - como é o caso da Grécia -, e
devido à menor robustez dessas economias existe o risco de default.

A situação se agravou a partir da crise financeira que fez elevar ainda mais o déficit
público no Sul da Europa, pois, na tentativa de tirar a economia da recessão, esses
países aumentaram seus gastos públicos para socorrer o capital, principalmente os
bancos. Hoje, com o aperto do crédito, o endividamento da economia e o
"descontrole" fiscal aliado à baixa competitividade da região, coloca se em risco o
prolongamento da crise econômica mundial. O paradoxo é que a "receita" neoliberal
capitaneada pelo FMI, que aprofundou a crise atual do capital, ressurge das
"cinzas" e aparece nas políticas econômicas adotadas há pouco pelos países
europeus, notadamente o ajuste fiscal e o corte nos gastos sociais. Está em curso
uma nova onda conservadora no cenário mundial.

Hoje é importante notar que a liberalidade financeira, os instrumentos de curto


prazo (como novos produtos financeiros) de sustentação dos lucros das empresas e
de proteção dos portfólios do setor bancário privado, as políticas de geração de
déficit e a criação da nova dívida pública trazem consequências danosas e
expectativas nada animadoras para o futuro desses países.

A tendência é de um brutal corte de direitos e de conquistas sociais, sobretudo no


campo da seguridade social. O que está em jogo é a avaliação que o mercado fará,
particularmente o capital portador de juros, acerca da direção da política fiscal, do
endividamento público e da redução do déficit externo. O corolário poderá ser o
arrocho fiscal com seus efeitos colaterais: recessão, redução do salário e do
emprego nos setores público e privado.

O capital portador de juros está localizado no centro das relações econômicas e


sociais da atualidade e da atual crise financeira em curso no capitalismo
contemporâneo. Os juros da dívida pública pagos pelo fundo público ou a conhecida
despesa "serviço da dívida" do orçamento estatal (juros e amortização) são
alimentadores do capital portador de juros por meio dos chamados "investidores
institucionais" que englobam os fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação,
sociedades de seguros, bancos que administram sociedades de investimentos.

Tudo isso agrava-se diante da crise dos países europeus, que, oprimidos pela
dívida, poderão minar a economia do continente como um todo, situação que,
persistirá por anos. Esses países deverão fazer pesados pagamentos de juros para
honrar as suas dívidas, limitando os gastos em outras áreas e a expansão de
despesas orçamentárias com políticas públicas que efetivem direitos, que poderiam
ajudar a impulsionar suas economias.

Para Pochmann (2004), nos países capitalistas desenvolvidos no segundo pós-


guerra privilegiou-se a redistribuição da renda gerada por meio dos fundos
públicos, com tributação sobre os mais ricos e transferências dos recursos dos
fundos para os mais pobres. O Estado social não tratou apenas de disponibilizar
serviços sociais e garantir renda aos pobres, mas tratou principalmente de retirar
das forças de mercado o monopólio da expansão econômica e da gestão sobre a
força de trabalho.

Pela primeira vez, os ricos passaram a pagar impostos, especialmente com o


mecanismo da progressividade sobre a renda e patrimônio, assim como a
população pauperizada passou a ser beneficiada tanto pelo acesso aos serviços
públicos básicos (educação, saúde, transporte e moradia) como pelos programas de
garantia de renda para estudo (bolsa de estudos), aposentadoria (inatividade por
velhice), situação de invalidez ocupacional (pensão para deficientes físicos e
mentais e doenças profissionais) e condição de desemprego (seguro desemprego).

Em resumo, consolidou-se uma nova estrutura secundária (fundo público) de


redistribuição da renda, que veio a se sobrepor à já existente estrutura distributiva
primária constituída pela própria dinâmica capitalista. Enquanto os ricos passaram a
ser tributados consideravelmente (impostos sobre a renda, patrimônio e herança),
foi possível formar fundos públicos capazes de financiar a transferência de renda
para a população de menor rendimento, permitindo reduzir a pobreza, o
desemprego e a desigualdade social no centro do capitalismo mundial (Pochmann,
2004).

Contudo este não é o caso do Brasil. O fundo público no nosso país historicamente
favoreceu a acumulação de capital e apresenta características regressivas, tanto no
lado do financiamento tributário, quanto na destinação dos recursos. Em uma única
frase é possível definir as características do orçamento público no Brasil: financiado
pelos mais pobres e trabalhadores e apropriados pelos ricos.

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Historicamente, o financiamento tributário no Brasil é regressivo, ou seja, feito por


tributos indiretos que incidem sobre o consumo, sendo que a tributação direta fica
limitada à tributação sobre os salários. Essa situação piorou de 1995 para os dias
atuais, devido às alterações realizadas na legislação tributária infraconstitucional,
que modificaram a reforma tributária realizada na Constituição Federal (CF) de
1988.

A nossa pesquisa (Salvador, 2010) revela que a CF determina uma série de


princípios norteadores da política tributária. Assim, por exemplo, o imposto de
renda deverá obedecer, entre outros critérios, ao da progressividade. Além disso, o
Estado deve respeitar o princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, III, §
1º), e os tributos sobre bens e serviços não devem ser cumulativos. A Constituição,
em 1988, estabeleceu um conjunto de princípios tributários (eles ainda estão lá
escritos) que constituíam uma base importante para edificação de um sistema
tributário baseado na justiça fiscal e social. A começar pela solidariedade que está
subjacente a todos os princípios tributários: a isonomia, a universalidade, a
capacidade contributiva, a essencialidade. A tributação deve ser, preferencialmente,
direta, de caráter pessoal e progressiva.

A CF estabelece ainda que os contribuintes e os consumidores sejam esclarecidos


acerca dos impostos que incidem sobre mercadorias e serviços. Até hoje, esse
preceito não foi regulamentado e não está sendo cumprido. O parágrafo 1º do art.
145 estabelece que os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a
capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte. No art. 150 fica assegurada a isonomia
tributária ao proibir o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em
situação equivalente.

Ao longo do governo FHC foi sendo alterada, paulatinamente, a legislação


infraconstitucional, solapando ou tornando nulos os princípios básicos da reforma
tributária realizada na Constituição de 1988, agravando as distorções e, sobretudo,
aprofundando a regressividade do sistema tributário brasileiro. As modificações
realizadas nos anos neoliberais no Brasil constituem verdadeira contrarreforma
tributária, conduzida de forma sorrateira.

As modificações ocorreram nas leis ordinárias e nos regulamentos tributários, que


transferiram para a renda do trabalho e para a população mais pobre o ônus
tributário, alterando o perfil da arrecadação. Hickmann (2003) observa que as
mudanças foram no sentido de viabilizar o processo de mundialização do capital
financeiro, sob a batuta do Fundo Monetário Internacional (FMI) e facilitando o livre
fluxo de recursos financeiros, e, com isso, permitir a realização de sucessivos
superávits primários de forma a cumprir o ajuste fiscal acertado com o organismo
multilateral.

A contrarreforma tributária sorrateira iniciada no governo FHC e continuada no


governo Lula destruiu os artigos constitucionais dos princípios tributários, via
mudanças na legislação infraconstitucional. Solapou o artigo 150, pois os lucros e
dividendos recebidos pelos sócios capitalistas estão isentos de imposto de renda
desde 1996. A título de exemplo, das 23,5 milhões de declarações de ajuste de
imposto de renda do ano-base de 2006 (exercício de 2007), apenas 5.292
contribuintes apresentaram rendimentos tributáveis acima de R$ 1
milhão.6 Paradoxalmente, o número de milionários no país não para de crescer.
Conforme revelou o levantamento da The Boston Consulting Group (BCG), o Brasil
tinha, em 2008, 220 mil milionários, uma expansão de 15,7% em relação ao ano
anterior (Wiziack, 2008). A fortuna desses milionários está estimada em
aproximadamente US$ 1,2 trilhão, o que equivale a praticamente metade do PIB
brasileiro. Para o BCG, milionários são aqueles que têm mais de US$ 1 milhão
aplicado no mercado financeiro. Os juros têm tributação exclusiva e bem menor
que os trabalhadores assalariados.

No governo Lula foi editada a Medida Provisória (MP) n. 281 (15/2/2006),


reduzindo a zero as alíquotas de IR e da (extinta) CPMF para "investidores"
estrangeiros no Brasil. As operações beneficiadas pela MP são cotas de fundos de
investimentos exclusivos para investidores não residentes que possuam no mínimo
98% de títulos públicos federais. Novamente, os grandes beneficiados pela
benevolência tributária do Estado brasileiro são os bancos. Após a MP n. 281, vem
crescendo o interesse dos bancos estrangeiros com filiais no Brasil em emitir bônus
indexados em reais no exterior. Eles emitem títulos em reais fora do país pagando
juros abaixo do Depósito Interfinanceiro (DI) e depois ingressam com esses
recursos como investidores estrangeiros no Brasil, comprando títulos públicos que
pagam DI. Assim, ganham a diferença realizando uma operação de arbitragem
(Lucchesi, 2006). Essa é mais uma modificação da legislação que fere a isonomia
tributária entre as diferentes espécies de renda, conforme a Constituição Federal. A
legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital,
que são tributados com alíquotas inferiores aos demais rendimentos (Hickmann,
2002).

A Lei n. 11.033, de 21/12/2004, promoveu significativas alterações no tratamento


tributário das aplicações financeiras, favorecendo os aplicadores do mercado
financeiro e da Bolsa de Valores. Com isso, a alíquota do IR sobre os ganhos
líquidos auferidos em operações realizadas em Bolsas de Valores, de Mercadorias,
de Futuros e assemelhadas, foi reduzida de 20% para 15%. Além disso, estão
isentos do IR os ganhos líquidos auferidos por pessoa física em operações no
mercado à vista de ações, cujo valor das alienações realizadas em cada mês seja
igual ou inferior a R$ 20 mil para o conjunto de ações.

Em linhas gerais, as principais tendências que marcam as modificações no


financiamento tributário no Brasil após 1994 são: a) aumento da regressividade da
carga tributária com a maior incidência de tributos sobre o consumo de bens e
serviços; b) apesar da baixa participação da renda dos salários sobre o total da
renda nacional da economia, a tributação direta no Brasil tem se limitado e incidido
cada vez mais sobre a renda dos assalariados, usando como mecanismo a não
correção integral pela inflação da tabela do IR; c) tratamento diferenciado da
tributação das rendas no país, violando o princípio da isonomia tributária ao tratar
com critérios diferenciados a renda do capital (lucros, dividendos e juros) e do
trabalho, pois há concentração cada vez maior de imposto sobre a renda dos
trabalhadores assalariados; e d) maior beneficiamento do sistema financeiro pelas
modificações ocorridas nas legislações tributárias do período recente, o que faz com
que, assim, seja proporcionalmente menos tributado que os trabalhadores e outros
setores da economia (Salvador, 2010).

Estudo realizado com base na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, de


1996, revela que, no Brasil, quem ganha até dois salários mínimos gasta 26% de
sua renda no pagamento de tributos indiretos, enquanto o peso da carga tributária
para as famílias com renda superior a trinta salários mínimos corresponde apenas a
7% (Vianna et al., 2001). Com base nos dados da Pesquisa de Orçamento Familiar
(POF) do IBGE de 2002 03, estima-se que as famílias com renda de até dois
salários mínimos arcam como uma carga tributária indireta de 46% da renda
familiar, enquanto aquelas com renda superior a 30 salários-mínimos gastam 16%
da renda em tributos indiretos (Zockun, 2005). O resultado é uma carga tributária
regressiva, o que significa que o Estado brasileiro é financiado, em grade parte,
pelas classes de menor poder aquisitivo e pelos trabalhadores, com a população de
baixa renda suportando uma elevada tributação indireta. Pochmann (2008)
também destaca, com base nos dados da POF do IBGE 2002-03, que o décimo mais
pobre da população sofre uma carga total equivalente a 32,8% da sua renda,
enquanto o décimo mais rico, apenas 22,7%.

Essa estrutura regressiva do sistema tributário repercute no financiamento da


seguridade social. Um olhar sobre o financiamento seguridade social, no período de
2000 a 2007, identificando as bases econômicas de incidência tributária (renda,
consumo e patrimônio), que compuseram o custeio das três políticas da
seguridade, revela uma estrutura tributária regressiva, confirmando as
características presentes no sistema tributário brasileiro. O resultado apresentado,
com base na média anual das fontes de financiamento da seguridade social, no
período de 2000 a 2007, em valores constantes, revela que os tributos diretos
responderam por 30,87%, dos quais somente 6,88% referem se à tributação direta
da renda do capital. Isto significa que os próprios beneficiários da seguridade social
pagam direta ou indiretamente seus benefícios (Salvador, 2010).

Mandel (1990) argumenta que no capitalismo tardio há uma tendência inevitável de


que o Estado incorpore um número crescente de setores produtivos e reprodutivos
às condições gerais de produção que financia. Sem essa socialização dos custos,
esses setores não seriam nem mesmo remotamente capazes de satisfazer as
necessidades do processo capitalista de trabalho. Com isso, ocorre o uso crescente
do orçamento do Estado para o financiamento de pesquisas e dos custos do
desenvolvimento, e as despesas estatais são destinadas a financiar ou subsidiar
grandes projetos industriais.

O fundo público não pode ser considerado o antivalor, como afirma Chico de
Oliveira. O fundo público está presente na reprodução do capital (Salvador, 2010):

1) Como fonte importante para a realização do investimento capitalista. No


capitalismo contemporâneo, o fundo público comparece por meio de subsídios, de
desonerações tributárias, por incentivos fiscais, por redução da base tributária da
renda do capital como base de financiamento integral ou parcial dos meios de
produção, que viabilizam, como visto anteriormente, a reprodução do capital.

2) Como fonte que viabiliza a reprodução da força de trabalho, por meio de salários
indiretos, reduzindo o custo do capitalista na sua aquisição. Além disso, é a força
de trabalho a responsável direta, no capitalismo, pela criação do valor.

3) Por meio das funções indiretas do Estado, que no capitalismo atual garante
vultosos recursos do orçamento para investimentos em meios de transporte e
infraestrutura, nos gastos com investigação e pesquisa, além dos subsídios e
renúncias fiscais para as empresas.

4) No capitalismo contemporâneo, o fundo público é responsável por uma


transferência de recursos sob a forma de juros e amortização da dívida pública para
o capital financeiro, em especial para as classes dos rentistas.

Portanto, o fundo público participa indiretamente da reprodução geral do capital,


seja por meio de subsídios, negociação de títulos e garantias de condições de
financiamento dos investimentos dos capitalistas, seja como elemento presente e
importante na reprodução da força de trabalho, única fonte de criação de valor na
sociedade capitalista.

Em um mundo capitalista dominado pela globalização financeira, é importante


analisar os desdobramentos dessa nova face da crise para o Brasil. A moeda
brasileira, que tem seguido a variação dos preços das commodities, tende a se
depreciar enquanto persistirem as incertezas na economia global. O movimento
esperado é que os investidores financeiros ou, melhor dizendo, os especuladores
financeiros retirem recursos dos países emergentes para se refugiarem no dólar e
em títulos do governo americano, dificultando o financiamento do balanço de
pagamentos do Brasil.

Esse movimento já é sentido no Brasil, cuja apreciação da moeda norte-americana


é superior a 8% neste ano. Ou seja, a situação econômica de alguns países
europeus cria pânico nos mercados e encarece o dólar no Brasil. Caso ocorra uma
desvalorização ainda maior do real, poderá haver alguma consequência
desagradável para a economia brasileira, decorrente do encarecimento do crédito
externo, da pressão inflacionária e das dificuldades a ser enfrentadas pelos
produtos brasileiros que são exportados para a Europa. Convém atentar para o
desdobramento sobre os bancos de capital estrangeiro com matriz nos países
europeus e agências no Brasil, uma vez que o sistema financeiro se
internacionalizou de forma considerável nos últimos anos.

O Brasil não foi poupado da crise financeira internacional, contudo, foi um dos
últimos atingidos e um dos primeiros a sair dela. Isto por diversos motivos, entre
eles menor endividamento comparado com as economias mais ricas do planeta e
por ser grande produtor de commodities, que cresceram consideravelmente no
segundo semestre de 2009, puxada pelas importações da China (hoje o maior
parceiro comercial do Brasil).

Além disso, o volume de operações de crédito fechou 2009 com novo recorde, após
crescer por dez meses consecutivos. De acordo com dados divulgados pelo Banco
Central, o estoque total de dinheiro emprestado cresceu 1,6% em dezembro em
relação ao mês anterior e chegou ao valor recorde de R$ 1,41 trilhão. No ano, o
crescimento foi de 14,9%. Contudo, essa situação poderá indicar problemas futuros
de endividamento das famílias.

Associada à expansão do crédito destaca se o potencial do consumo interno


proporcionado pelas políticas sociais no campo da seguridade social: previdência e
assistência social. Essas políticas, que têm sido alvo permanente de ataques do
neoliberalismo, transferem renda para mais de 39 milhões de pessoas. Em 2009,
foram pagos 15,5 milhões de benefícios no Regime Geral de Previdência Social
(RGPS) aos trabalhadores urbanos; 7,9 milhões aos trabalhadores rurais; 3,4
benefícios assistenciais (BPC e RMV); e, 12,3 milhões de famílias receberam o
benefício do Programa Bolsa Família (PBF). Esses benefícios foram responsáveis
pela injeção de R$ 257,2 bilhões na economia em 2009, o que garantiu a
continuidade do consumo, independentemente da renda advinda do trabalho, e são
importantes conquistas da cidadania brasileira na Constituição de 1988. 7

No âmbito das políticas monetárias e fiscais, o governo brasileiro agiu rápido no


socorro ao grande capital, especialmente o financeiro. Considerando as medidas de
combate à crise, que não têm impacto direto no caixa do governo (orçamento
público), o montante de recursos que foi despendido alcançou R$ 475 bilhões.
Nesse valor estão, sobretudo, as medidas adotadas no campo da política
monetária, destacadamente as mudanças nas regras do depósito compulsório,
leilões com dólar e a linha de troca de moeda com o Federal Reserve (FED), que
somaram R$ 284 bilhões. Com isso, o Banco Central socorreu os bancos mais uma
vez.

A flexibilização nas regras dos depósitos compulsórios foi também uma


oportunidade para que algumas instituições financeiras pudessem elevar os
recursos que têm em caixa com a venda de ativos para os maiores bancos. De
forma que o fundo público no Brasil atuou no âmbito das políticas monetárias no
sentido de liberar recursos para as instituições financeiras, sem quaisquer
contrapartidas de manutenção ou ampliação de postos de trabalhos e dos direitos
sociais. A rapidez e a agilidade do fundo público brasileiro usadas para socorrer o
mercado financeiro são mais uma amostra da influência dos bancos no domínio da
agenda econômica do nosso país.

No campo política fiscal, as medidas adotadas pelo Brasil foram bem mais
modestas. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou, em março de
2009, que o Brasil foi o país que teve em 2008 o menor gasto relativo, entre os
aqueles que integram o G-20, em medidas para reduzir o impacto da crise
financeira global. De acordo com a OIT, o Brasil gastou o equivalente a 0,2% do
PIB em incentivos fiscais, ficando com o pior desempenho entre os 32 países que
também anunciaram recursos. A Organização conclui, com base nas medidas contra
a crise anunciadas por 32 países, que o montante destinado a pacotes de estímulo
chegou a US$ 1,19 trilhão, mas que apenas 1,8% do total foi investido em ações de
proteção social e somente 9,2% das despesas foram destinadas a promover o
emprego. Portanto, o conservadorismo fiscal no Brasil é bem mais rígido que
alhures.

Mesmo com a crise de 2009, diante da qual que se esperava uma atitude mais
ousada do governo brasileiro para a expansão de gastos com direitos que
protegessem os cidadãos da instabilidade econômica, o governo optou por fazer um
superávit primário efetivo do setor público de 1,93% do PIB, ou seja, já
descontando o resultado dos investimentos do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC).

Esse resultado implica forte restrição na ampliação das despesas orçamentárias


destinadas a garantir direitos da seguridade social. Esse resultado financeiro
superavitário foi também garantido pelas medidas extraordinárias tomadas pelo
governo federal no fim de 2009 para elevar as receitas fiscais, como o recolhimento
de depósitos judiciais e a antecipação de dividendos da Eletrobrás.

A pressão pelo ajuste nas contas públicas deverá recair sobre as despesas sociais,
particularmente do orçamento da seguridade social. Aliás, essa situação fiscal
deverá ser tema dominante na pauta econômica da eleição presidencial deste ano,
com setores conservadores defendendo a realização de déficit nominal zero para o
próximo governo. Para este ano, as declarações do secretário do Tesouro Nacional,
Arno Augustin, é que o governo vai cumprir a "meta cheia" do superávit primário
de 3,3% do PIB em 2010, sem abater investimentos do PAC como em 2009. E de
acordo com o secretário deve ocorrer queda nominal das despesas públicas, após a
elevação de 15% no ano passado.

Em relação às despesas públicas, é importante dizer que se constitui um mito a


afirmação que há um descontrole nas despesas com pessoal, pois os gastos
públicos com ativos, aposentados e pensionistas, que representavam 5,36% do PIB
em 1995, reduziram-se para 4,76% em 2009, conforme dados da Secretaria do
Tesouro Nacional (STN). Além disso, as despesas com saúde e educação estão bem
abaixo dos padrões internacionais dos países do OCDE. Assim como a Previdência
Social está distante da universalização no Brasil, pois metade dos trabalhadores
ativos está fora do sistema.

Uma questão importante a ser destacada é que as medidas de desonerações


tributárias adotadas para combater a crise afetaram o financiamento do orçamento
da seguridade social, enfraquecendo a capacidade deste orçamento para cobrir com
suas receitas exclusivas as despesas previdenciárias, de assistência social e de
saúde.

De acordo com a Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), ao longo de 2009,


o desempenho da arrecadação tributária em relação a 2009 encolheu 3,05%. Em
termos reais, em valores deflacionados pelo IPCA, o equivalente a uma perda de R$
21,5 bilhões. Os tributos que mais contribuíram para essa queda de arrecadação
foram a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a
contribuição social para o PIS/Pasep, que são fontes importantes no financiamento
da seguridade social brasileira, respondendo por 49% do declínio da arrecadação
tributária em 2009.

Essa queda na arrecadação da Cofins e do PIS/Pasep é atribuída pela Receita


Federal a uma conjunção de fatores relacionados, em grande parte, à crise
econômica. Em decorrência da crise ocorreu uma piora dos indicadores
macroeconômicos, que influenciaram diretamente a arrecadação tributária, entre
eles a produção industrial, a lucratividade das empresas e a queda no volume geral
de vendas no varejo no ano de 2009 em relação a 2008. E, destacadamente, as
desonerações tributárias estimadas em R$ 24,9 bilhões.

Acontece que o orçamento da seguridade social continua perdendo recursos de


suas fontes tributárias "exclusivas" devido à transferência de recursos para o
orçamento fiscal por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU). A DRU
transforma os recursos destinados ao financiamento da seguridade social em
recursos ficais para a composição do superávit primário e, por consequência, a sua
utilização em pagamento de juros da dívida.

O "Relatório resumido da execução orçamentária do governo federal e outros


demonstrativos" divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, com dados de
2009, revela que a DRU desviou do Orçamento da Seguridade Social para o
Orçamento Fiscal o montante de R$ 39,2 bilhões. Já foram surrupiados desde 2000
mais de R$ 300 bilhões da seguridade social.

Além disso, com os recursos da seguridade social o governo também paga os


benefícios previdenciários dos servidores públicos federais que, por princípios
constitucionais, não incluiriam esse tipo de gasto. Apesar de legítimas, as despesas
com inativos e com pensionistas da União devem pertencer ao Orçamento Geral, o
qual é financiado por tributos, e não por recursos exclusivos da política de proteção
social. A União transferiu para a responsabilidade do orçamento da seguridade
social um estoque de gastos com aposentadorias e pensões dos servidores públicos
federais que deveriam ser honrados pelo caixa do orçamento fiscal.8 As despesas
com inativos e pensionistas da União pagas com recursos da seguridade social
superam R$ 50 bilhões, o que representa 15% do montante gasto nas funções
orçamentárias de previdência, assistência social e saúde.

Esse quadro pode delinear maior pressão por uma nova "reforma" na Previdência
Social e por cortes no orçamento social do governo no próximo mandato
presidencial. Com a volta do ataque dos conservadores aos direitos da seguridade
social, especialmente na Previdência Social, como a instituição da idade mínima, o
fim da vinculação dos benefícios com o salário mínimo e as mudanças nas regras
das pensões, entre outros. O falso argumento do déficit da Previdência Social que
insistentemente tem sido anunciado pelos profetas do caos (Fagnani, 2008) deve
ser o tom do debate político e econômico. Os profetas do caos não mostraram
nenhuma preocupação com o "equilíbrio" fiscal, quando o Banco Central voltou a
aumentar a taxa básica de juros da economia no primeiro semestre deste ano.
Aliás, caso seja confirmada a previsão do mercado financeiro que o aumento da
taxa básica de juros chegue 11,75% neste ano, haverá um aumento de, no
mínimo, R$ 8 bilhões nas despesas do governo em 2010 e R$ 12,1 bilhões no
próximo ano (Khair, 2010). No final de abril a dívida pública alcançou R$ 1,9
trilhão, sendo que 36% dela está atrelada à Selic (taxa de juros básica da
economia). Aqui reside o verdadeiro "rombo" das contas públicas brasileiras, pois o
pagamento de juros e a amortização da dívida pública compromete 30% do
orçamento público brasileiro. No período de 2000 a 2009, o Fundo Público
transferiu o equivalente a 45% do PIB produzido em 2009 para os rentistas, o que
seria suficiente para o governo federal custear a educação durante 40 anos, se
mantido o mesmo valor gasto 2009. Ou ainda pagar por sete anos os benefícios
previdenciários para mais de 23 milhões de aposentados e pensionistas.

Como demonstrado neste artigo, o fundo público no Brasil é financiado de forma


regressiva. Nesse sentido, uma verdadeira reforma tributária garantidora de
direitos passa por alterações no sistema tributário, visando assegurar o caráter
progressivo e redistributivo dos tributos que promova a justa distribuição de renda
e de riqueza. A Proposta de Emenda Constitucional n. 233/2008, em tramitação no
Congresso, deve ser rechaçada, pois sepulta o financiamento das políticas sócias.
torna-se necessário elevar a participação dos tributos diretos, ampliando a
progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), tributando os lucros,
dividendos e juros; instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) previsto na
Constituição Federal de 1988 como de competência da União.

No tocante ao financiamento das políticas sociais, é necessário restabelecer,


imediatamente, as bases de financiamento dos direitos sociais assegurados pela
Constituição. Para tanto é fundamental:

a) Extinguir a DRU e carrear a totalidade desses recursos para a área social, em


respeito aos princípios inaugurais da Carta de 1988.

b) Aplicação integral dos recursos do orçamento da seguridade social na seguridade


social em cumprimento aos artigos 194 e 195 da Constituição Federal.

c) Elaboração dos orçamentos da seguridade social, fiscal e das estatais, de forma


segregada, conforme o art. 165 da Constituição Federal.

d) Assegurar bases sustentadas de financiamento do Sistema Único de Saúde


(SUS), com a regulamentação da Emenda Constitucional n. 29.

e) Assegurar que, a médio prazo, parte da capitalização do Fundo Soberano que


está sendo constituído com recursos das taxas e royalties da exploração do pré-sal
seja canalizada para o financiamento de programas sociais visando o combate à
pobreza e a concentração da renda.

Em relação ao sistema de seguridade social, é urgente o cumprimento dos artigos


195 e 59 (Atos das Disposições Constitucionais Provisórias) da CF, que tratam da
responsabilidade do Poder Público na "organização da seguridade social". O
cumprimento da Constituição Federal exige que o planejamento das ações da
seguridade seja realizado forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde,
pela Previdência Social, pela assistência social e pelo seguro-desemprego. No
entanto, desde o final dos anos 1980, em desacordo com a Constituição, governos
optaram pelo caminho da fragmentação. Recriar o Conselho Nacional de Seguridade
Social (extinto em 1998) com a responsabilidade de coordenar o planejamento
integrado das ações dos setores que integram a seguridade social, bem como pelo
controle social sobre as fontes e usos do orçamento da seguridade social. Além da
ampliação dos direitos para proteger o trabalhador face a gama variada de
ameaças que o afetam, com destaque para os riscos clássicos incapacitantes do
trabalho % que se potencializam na atual crise do capital %, ainda não atendidos
pela proteção da seguridade social, principalmente a universalização dos direitos da
Previdência e da assistência social.

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Questões

1) O serviço social, no Brasil, emerge em meados da década de 1930 e as


condições que particularizam o exercício profissional são uma concretização da
dinâmica das relações sociais vigentes na sociedade, em determinadas
conjunturas históricas. Neste sentido, com base nas formulações de Iamamoto,
assinale a alternativa correta.

a) Como o trabalho do assistente social se insere numa relação de compra e


venda de mercadorias em que sua força de trabalho é assalariada, a sua
prática profissional não exclui os traços básicos de uma profissão “liberal”.

b) O serviço social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na


divisão social do trabalho, por meio da institucionalização da ajuda e da
filantropia, no contexto de constituição e expansão do proletariado e da
burguesia industrial.

c) Dentre as organizações institucionais que midiatizam o exercício profissional,


cabe às organizações não governamentais uma posição de destaque por ser,
tradicionalmente, um dos maiores empregadores de assistentes sociais no
Brasil.
d) A atuação do assistente social é necessariamente polarizada pelos
interesses da classe burguesa e da classe trabalhadora, tendendo a ser
cooptada pela classe que busca acessar os seus direitos sociais via políticas
sociais para a satisfação de suas necessidades básicas.

2) Na agenda contemporânea do serviço social brasileiro, a questão social é


ponto saliente, incontornável e praticamente consensual. Diante do exposto,
assinale a alternativa correta.

a) Na atualidade, a forma como o Estado brasileiro, via políticas


governamentais, combate a pobreza vincula-se a medidas que questionam a
ordem econômico-social estabelecida.

b) O pensamento conservador naturaliza as expressões imediatas da questão


social e as concebe como um desdobramento de características inelimináveis
de toda ordem social e a ação sobre as mesmas ocorre na perspectiva de uma
ação moralizadora.

c) Na atualidade, as propostas imediatas para enfrentar a questão social no


Brasil centram-se em políticas sociais focalizadas como mecanismo de
redistribuição da riqueza socialmente produzida e de construção do consenso
necessário ao regime político e economicamente democrático.

d) O serviço social tem na questão social a base de sua fundação enquanto


especialização do trabalho e a concepção de questão social predominante na
literatura do serviço social brasileiro é aquela vinculada à perspectiva
sociológica compreendida enquanto disfunção ou ameaça à ordem e à coesão
social.

3) O projeto ético-político profissional hegemônico no serviço social brasileiro,


na atualidade, é historicamente datado, sendo correto afirmar que
a) foi construído por sujeitos coletivos, possível pelo posicionamento crítico
homogêneo dos assistentes sociais brasileiros em relação ao serviço social
tradicional.
b) sua operacionalização supõe o reconhecimento das condições sócio-
históricas que circunscreve o trabalho do assistente social enquanto
trabalhador assalariado que obstaculiza e impede a autonomia profissional.
c) sua construção é fruto e expressão de um amplo movimento de lutas pela
democratização da sociedade e do Estado no Brasil, com a forte presença das
lutas operárias que impulsionaram a crise da ditadura do grande capital.
d) os componentes devem estar coerentemente articulados e envolvem uma
imagem ideal da profissão, os valores que a legitimam, sua função social e
seus objetivos, conhecimentos teóricos, saberes interventivos, normas e
práticas e a necessidade da profissão legitimar-se perante os interesses do
empregador.

4) O debate sobre a relação teoria e prática avançou consideravelmente na


década de 1980, entretanto, ainda persiste em alguns segmentos da categoria
profissional dos assistentes sociais o dilema de que “na prática a teoria é
outra”. Neste sentido é correto afirmar, a partir da perspectiva histórico-crítica,
que
a) a prática é a fonte imediata da teoria e tem preponderância na relação
indissociável estabelecida entre ambas.
b) a teoria é a reconstrução, pelo pensamento, do movimento do real,
apreendendo as suas contradições, tendências e determinações.
c) por se tratar de uma profissão eminentemente interventiva, a prática
profissional do assistente social não prioriza a apropriação de teorias sociais.
d) para conhecer os fenômenos sociais, o assistente social manipula variáveis
empíricas por meio de instrumentos e técnicas e produz o conhecimento
teórico necessário para a intervenção profissional.

5) Segundo Behring e Boschetti (2006), a leitura das políticas sociais segue


três perspectivas de análise. Assinale a afirmativa incorreta.
a) A perspectiva idealista parte do pressuposto metodológico segundo o qual o
sujeito se sobrepõe ao objeto.
b) A perspectiva idealista tem um princípio de tipos ideais típico do positivismo,
cujo pressuposto é a ênfase nos indivíduos em detrimento da estrutura
constituída de valores e hábitos socialmente construídos.
c) A perspectiva funcionalista tem como pressuposto metodológico tratar os
processos sociais como fatos sociais, como coisas que devem ser tratadas
isoladamente para não atrapalhar o desenvolvimento harmônico da sociedade.
d) A perspectiva marxista, cuja referência é o materialismo histórico dialético,
recusa a utilização de enfoques restritivos e unilaterais e não compreende a
sociedade capitalista distanciada da contradição entre o capital e o trabalho.

6) É no desenvolvimento das forças produtivas em sua relação com as lutas de


classes e como esse processo rebate na modernização das instituições
jurídico-políticas em que estão inseridos os assistentes sociais que se
materializam tendências teórico-políticas que consubstanciam os projetos
profissionais em disputa. É correto afirmar que esse processo no âmbito da
racionalidade formal-abstrata exige
a) a atribuição de um papel central à dimensão teórico-metodológica na
definição dos instrumentais e técnicas profissionais.
b) a prioridade no estabelecimento da centralidade aos instrumentos e técnicas
para qualificar as respostas às requisições profissionais.
c) o estabelecimento de uma intrínseca relação entre teoria e prática, em um
processo dialético, para a leitura das demandas profissionais.
d) a legitimação de uma dimensão ideo-política vinculada às demandas da
classe trabalhadora em sua tensão com as requisições institucionais.

7) O Plano Diretor da Reforma do Estado elaborado pelo Ministério da


Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), em setembro de 1995,
historicamente, orientou, no Brasil, a reconfiguração do papel do Estado a partir
de uma reforma gerencial que se baseou na descentralização, tendo em vista a
qualidade e produtividade do setor público. Sobre o pressuposto que norteia o
referido plano, assinale a alternativa correta.
a) A descentralização para o setor público não-estatal de serviços como
educação e saúde.
b) A ampliação da ação estatal por meio das parcerias público-privadas e
autonomia aos estados e municípios.
c) O patrimonialismo como princípio de organização gerencial, garantindo o
Estado como regulador das relações sociais.
d) A diversificação das formas de associativismo civil e de mecanismos de
controle social na organização dos serviços.

8) O processo de implementação da seguridade social, pós-Constituição


Federal de 1988, vem sendo tensionado pelo ajuste neoliberal, submetendo-a à
lógica do ajuste fiscal, que assegura
a) uma dualidade discriminatória entre os que podem e os que não podem
pagar pelos serviços.
b) a focalização dos serviços, tendo em vista a garantia equitativa dos direitos
sociais de cidadania.
c) um sistema de proteção social progressivo para atender ao aumento da
demanda por benefícios e serviços.
d) a ampliação da ação estatal via organizações sociais, descentralização e
participação popular via conselhos.

9) É sabido que a fundação do Serviço Social como profissão dá-se pela


instituição de um espaço sócio ocupacional legitimado pela ampliação das
expressões da questão social, que torna-se evidente na sociedade capitalista
na idade dos monopólios. Ancorado no pensamento de Netto (2001) analise as
afirmativas abaixo, sobre a questão social.
I. O termo “questão social” surgiu na Inglaterra visando assim designar
o fenômeno do pauperismo.
II. A questão social, na ortodoxia marxista resulta da difculdade do
indivíduo em atender a suas necessidades sociais.
III. Não existe nova questão social mas temos a emergência de novas
expressões da questão social que é insuprimível sem a superação da
ordem do capital.
IV. O marxismo defende que a questão social é inerente a essa
sociedade, podendo ser suprimida por meio de uma ação
moralizadora.
V. Para o embate e a eliminação da questão social não é necessário
tocar nos fundamentos da sociedade burguesa.
Estão corretamente relacionadas ao pensamento de Netto (2001) sobre a
questão social, as afirmativas:
a) I e III, apenas
b) I e II, apenas
c) II e III, apenas
d) III e IV, apenas
e) I e V, apenas

10) Leia as afirmativas a seguir:


I. Para Behring (2008), no Brasil os direitos duramente conquistados no
texto constitucional foram submetidos à lógica do ajuste fiscal.
II. No Brasil, segundo Behring (2008), o financiamento da seguridade
social tende a ser “pró-cíclico e regressivo”.
III. De acordo com Behring (2008), a carta constitucional garante a
desresponsabilização da família e das organizações sem fins
lucrativos na atenção as demandas sociais.
IV. No Brasil, como pontua Behring (2008), tivemos uma Reforma
Previdenciária conclusa e que ampliou o acesso de vários segmentos
sociais.
V. Behring (2008) nos coloca que temos, nas políticas sociais, a
focalização que assegura acessos pobres apenas aos comprovada e
extremamente pobres.

Estão corretas as afirmativas:


a) I, II e III, apenas
b) II, III e IV, apenas
c) III, IV e V, apenas
d) I, IV e V, apenas
e) I, II e V, apenas

GABARITO

1 ) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA A)


Considera-se que para Iamamoto (1982), o Serviço Social emerge quando o
Estado responde, por meio de serviços e políticas sociais, as expressões da
questão social; o assistente social tende a ser cooptado pela classe burguesa;
e, o maior empregador de assistentes sociais é o Estado. Fonte: IAMAMOTO,
M. e CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil. 21. ed. São
Paulo: Cortez, 2008.

2) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA B) Ressalta-se que


os sujeitos governamentais que implementam as políticas sociais não
problematizam a ordem burguesa; a perspectiva predominante na literatura é a
histórico-crítica; e, políticas focalizadas não distribuem riquezas. Fonte:
NETTO, José Paulo. Cinco Notas a Propósito da “Questão Social”. IN: Revista
Temporalis, Brasília, nº3, 2001.

3) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA C) Ressalta-se que


o posicionamento crítico em relação ao Serviço Social tradicional não é
homogêneo; o projeto ético- -político profissional deve legitimar-se perante a
sociedade e a categoria profissional; e, a autonomia profissional é sempre
relativa. Fonte: NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético político do
Serviço Social frente à crise contemporânea. In: CFESS;CEAD/UNB (Org).
Crise Contemporânea, questão social e Serviço social. Capacitação em Serviço
Social e política social. Brasília: CEAD/UNnB,1999.

4) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA B) É correto


afirmar que para a perspectiva histórico-crítica, a prática não é a fonte da
teoria; a prática profissional do assistente social não ocorre sem os
fundamentos teóricos; e, a manipulação de variáveis empíricas não produz
conhecimento teórico. Fonte: SANTOS, Claudia Mônica. Na prática a teoria é
outra? Mitos e dilemas na Relação entre teoria, prática, instrumentos e técnicas
no Serviço Social. Ed. Lúmen Juris, 2010.

5) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA B) A perspectiva


idealista não se filia ao positivismo e os tipos ideais vinculam-se à perspectiva
da sociologia compreensiva. Fonte: BEHRING, Elaine R. e BOSCHETTI,I.
Política Social, Fundamentos e história. SP: Cortez, 2006.
6) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA B) Nessa
perspectiva, a dimensão teórico-metodológica na definição dos instrumentais e
técnicas profissionais assume um papel, ora secundário, ora abstrato, em uma
ruptura com a realidade concreta. A racionalidade formal-abstrata provoca uma
cisão entre teoria-prática, conferindo maior ênfase aos processos empíricos em
detrimento de fundamentos teóricos. A racionalidade formal-abstrata reproduz
a ideia de neutralidade científica em relação às lutas entre as classes sociais e
reforça a defesa das requisições institucionais para a manutenção da ordem
estabelecida. Fonte: GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade do Serviço
Social. 8.ed. São Paulo: Cortez, 2010.

7) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA A) Considera-se


que o plano não defende ampliação das ações estatais e muito menos a
autonomia dos municípios no financiamento e gestão das políticas públicas; o
plano de reforma do Estado questiona e nega o patrimonialismo como princípio
organizativo do Estado em defesa de uma concepção gerencial e
modernizadora deste; e, a proposta de reforma do Estado prioriza o mercado e
nega as formas de controle social pela sociedade. Fonte: BEHRING, Elaine.
Brasil em contra-reforma. Desestruturação do Estado e perda de direitos. São
Paulo: Cortez, 2003.

8) JUSTIFICATIVA DA ALTERNATIVA CORRETA: (LETRA A) Ressalta-se que


a focalização não possibilita garantia equitativa dos direitos sociais e sim
fragmentação na oferta dos serviços; assegura um sistema de proteção social
regressivo, sobretudo no que se refere a reforma tributária; e, a criação das
organizações sociais provoca o enxugamento da ação estatal e,
consequentemente, diminuição da participação popular. Fonte: BEHRING,
Elaine. Brasil em contra-reforma. Desestruturação do Estado e perda de
direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

9) C

10) C

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