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A definição de literatura é um ponto que precisa ser verificado com cuidado, pois,
por séculos, esse conceito esteve atrelado apenas a concepções estéticas e morais, em
detrimento das dimensões históricas e sociais. Compagnon (2001) discute acerca das
variadas definições sobre os termos literatura e literário, desde Aristóteles até os nossos
dias. Candido (1989) afirma que a literatura e a arte são direitos aos quais o indivíduo
deve ter acesso, assim como casa, comida e saúde. Para ele, a literatura é uma
manifestação universal humana, da qual os povos precisam para sobreviver, inclusive
como forma de equilíbrio social. A literatura faz com que o indivíduo desperte para sua
humanidade, auxiliando, entre outros requisitos, na formação da personalidade de cada
um.
Segundo Candido (2006), não basta aferir a obra com a realidade exterior para
entendê-la, mas considerar os fatores sociais como participantes da estrutura, pois eles
serão decisivos para a análise literária. É inegável que a obra exprime a sociedade. A
sociologia moderna entende que a arte literária é social em dois sentidos: depende da
ação dos fatores do meio e age sobre os indivíduos produzindo novas concepções de
mundo ou reforçando neles os valores sociais. A feitura da obra está intensamente
ligada à sua repercussão, a obra só está acabada no momento em que repercute e atua.
Autor, obra e público são os três fatores essenciais da comunicação artística. Conforme
a sociedade, o tipo de arte e a perspectiva considerada é que vamos perceber qual é a
função do artista, sua posição social e os limites de sua autonomia criadora. A ação do
público é de suma importância para o artista, gerando seu reconhecimento ou sua
negação; o público é fator de ligação entre o autor e sua própria obra.
Silva e Zilberman (1990) explicam que, em seus primórdios, a literatura resumia-se
à poesia e tinha como objetivo principal a diversão da nobreza. Com o passar do tempo,
a chamada literatura passou a ter uma definição voltada à ação educativa. O que
importa ressaltar é que o texto literário nunca deixou de ter parte na formação
intelectual humana. Para Bosi (1985), toda obra de arte e, portanto, também a literatura,
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tem suas raízes afixadas na realidade. A criação literária atende à necessidade de
representação do mundo, sendo feita através do sentimento de gratuidade e de ilusão. As
manifestações artísticas são mantidas por todas as sociedades como necessidade de
sobrevivência, mostrando uma das formas de atuação sobre o mundo, traduzindo os
impulsos de comunicação.
Ainda sobre o conceito de literatura, Eagleton (1997) critica os formalistas que
afirmavam que a linguagem literária estrutura-se sob um formato especial, diferente da
linguagem cotidiana, atribuindo ao conteúdo apenas o objetivo de motivação da forma.
Eagleton expõe que a literatura fala de si mesma, que não deve ser confundida com
escrita bonita e que tem valor transitivo, pois, depende dos objetivos, das experiências e
das situações vividas pelos leitores, dos modos de produção em dado momento
histórico. A cada nova leitura (reescritura) da obra literária por variados leitores, em
tempos diferentes, novas ideologias sociais são impostas, novos sentidos e juízos de
valor são atribuídos e a literatura caminha sempre rodeada por novos e velhos conceitos
e definições. Pode-se afirmar que o texto literário retrata a atividade humana e oferece
recursos para que se possa compreendê-la, através dos valores estéticos e culturais que
essa representação pode suscitar. A educação literária, por esse prisma, contribui para a
formação individual, mantendo uma ligação entre o indivíduo e sua cultura,
demonstrando como as gerações têm abordado a valorização da atividade humana
através da linguagem.
Jauss (1994) e Iser (1999) fornecem um ponto de vista basilar: do viés receptivo,
verifica-se a apreciação de uma obra de arte por sujeitos inseridos numa realidade
histórica diferente, ou seja, dispensa-se a concepção unívoca de arte para abrir-se o
leque para as re-significações provenientes da experiência dos leitores. A partir da
junção entre os momentos do efeito (condicionado pela obra em si) e da recepção
(trazida pelo leitor em qualquer espaço ou tempo), estabelece-se a relação texto-leitor,
que vai desencadear a fruição estética.
É preciso ponderar que o ensino da literatura na atualidade sofre por causa da falta
de leitura, por um lado, e pela falta de eficiência do professor de literatura, por outro
lado. Atribui à literatura a função de formação dos leitores, que só pode ser concretizada
por intermédio das experiências suscitadas pela leitura literária. A leitura encaminha à
reflexão, estimula o diálogo, estabelece parâmetros de ligação com o mundo externo.
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Aliás, Colomer (2001) frisa que o ensino de literatura na contemporaneidade deve
primar por duas atividades básicas: promover a leitura e ensinar a ler.
A partir de sua bagagem cultural individual, o leitor pode ampliar seu horizonte de
expectativas por intermédio do contato com a obra literária, pois é capaz de encontrar
nela emoções e reflexões semelhantes àquelas que já possui em seu recôndito mundo
psicológico. Para Iser (1999), tal processo só é possível porque a obra de arte ultrapassa
os limites do mundo sócio-histórico-cultural e penetra na psicologia humana,
imunizando-se contra as transformações do tempo. É assim que se explica a grandeza da
obra machadiana e sua permanência até os dias de hoje.
A leitura literária não se faz por um processo simples: ela é mediada pelos efeitos de
temporalidade, pela inserção do não-contemporâneo e pela diferenciação do passado em
relação ao presente. Jauss (1994) usa a expressão “horizonte de expectativa” para
mostrar o ato de recepção da obra literária pelo público leitor, que já tem internalizadas
suas experiências passadas de leitura e previsões de experiências futuras.
Segundo Jauss (1994), a experiência de ler reflete um saber prévio, além de uma
certa predisposição da própria obra, que faz previsões, antecipando o horizonte de
expectativas dos leitores. Três fatores podem determinar esse horizonte de expectativa:
1. normas conhecidas ou poética imanente ao gênero; 2. relação implícita entre obra e
contexto histórico-literário; 3. oposição entre ficção e realidade. Por esses fatores se
estabelece o valor de uma obra literária: se ela apenas atender ao gosto do público, ao
“belo usual”, terá um valor menor; se distanciar dessas expectativas, contrapondo-se às
experiências conhecidas, proporcionando uma mudança de horizonte, terá um valor
maior.
Para a Estética da Recepção, há algumas obras que não exigem do receptor qualquer
mudança em seu horizonte de expectativas, enquanto outras rompem com o horizonte
conhecido, formando um conhecimento novo para o leitor. Dessa maneira, o leitor é
levado a reconhecer-se e a reconhecer as coisas do mundo, com criatividade, sem que a
obra deixe de se atualizar a cada leitura. O leitor busca na literatura a expressão do seu
mundo interior, através da manifestação do imaginário que o texto propicia. Então, a
obra literária só se concretiza por meio da intervenção do leitor, que a ativa com seu
intelecto e seu universo íntimo. Da mesma forma pensa Compagnon (2001, p. 144), que
afirma:
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O leitor é livre, maior, independente: seu objetivo é menos
compreender o livro do que compreender a si mesmo através do livro;
aliás, ele não pode compreender um livro se não se compreende ele
próprio graças a esse livro.
Nessa mesma linha de raciocínio, Abdala Junior (2003), afirma que a leitura
literária possui espaços a serem preenchidos pela imaginação do leitor; sendo assim, o
texto literário é composto por uma interessante dialética: por um lado apresenta novas
informações, por outro cria novos vazios na mente do leitor. A cada nova atualização
evocada pelo leitor, o texto literário é um novo texto, evidenciando ideias anteriores e
projetando novos e inéditos sentidos. Colomer (2001) ainda reforça que a estrutura
enunciativa de um texto pode revelar que o indivíduo é um ser em construção,
contraditório, sujeito a mudanças.
O texto literário não mostra apenas os fatos, mas a complexidade de pensamentos
que circundam e permeiam esses fatos, diferenciando o homem de cada época e de cada
lugar, envolvido em seus processos histórico-sociais. Portanto, a linguagem literária é
capaz de deixar lacunas que são preenchidas quando o leitor interage com o texto,
unindo à leitura suas experiências anteriores, “atualizando” o ato de leitura, e
aproveitando-se da plurissignificação do texto literário para executar leituras variadas.
Sobre a relação leitor/texto/vazios, Flory (1997, p.34) afirma:
É verdade que o leitor nunca poderá retirar do texto a certeza
explícita de que a sua interpretação, ou a sua compreensão, seja a
mais correta ou verdadeira. A impossibilidade da experiência alheia
faz do texto uma experiência plural que, embora possua complexos
de controle em seu sistema de combinações, precisa reservar um
lugar, dentro desse mesmo sistema, para o leitor, a quem cabe
atualizar a mensagem ficcional. Este lugar é dado pelos vazios
(Leerstellen) que se oferecem para a ocupação pelo receptor.
Configura-se, assim, a assimetria fundamental entre o texto e o leitor,
possibilitando a comunicação no processo de leitura.
Desse modo, o discurso não é individual, e não tem um fim em si mesmo: ele
“percorre”, nunca está pronto, depende dos falantes. Isso significa que a leitura promove
maneiras diversas de ver e entender o mundo; o texto, então, é uma potencialidade
significativa, mas necessita do leitor para ser potencializado. Sendo assim, o sentido só
vem à tona se o leitor for influenciado pelo texto e se se sentir despertado; os aspectos
textuais evocam um leitor real para que o horizonte de sentido desenvolvido possa agir
sobre o sujeito-leitor. A obra literária abre as portas para um leitor que tem o direito de
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construir sua visão de mundo, com todo o conjunto de significações que se possa
embutir por meio dessa leitura, e a partir disso pode haver uma revisão de conceitos e
do papel que esse leitor exerce em sua realidade. Nas palavras de Antonio Candido
(2006, p. 84):
A literatura é pois um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as
outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem,
decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é um produto
fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo,
registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam
um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo essencial desse
processo de circulação literária, para configurar a realidade da
literatura atuando no tempo.
Um outro ponto sobre a leitura diz respeito aos gêneros literários. Segundo
Compagnon (2001), o gênero literário está intrinsecamente ligado à concretização da
leitura, pois ele medeia a relação entre obra e público, sendo uma categoria legítima da
recepção:
A concretização que toda leitura realiza é, pois, inseparável das
imposições de gênero, isto é, as convenções históricas próprias ao
gênero, ao qual o leitor imagina que o texto pertence, lhe permitem
selecionar e limitar, dentre os recursos oferecidos pelo texto, aqueles
que sua leitura atualizará. O gênero, como código literário, conjunto
de normas, de regras do jogo, informa o leitor sobre a maneira pela
qual ele deverá abordar o texto, assegurando desta forma a sua
compreensão. (COMPAGNON, 2001, p. 158)
Cabe ressaltar que a teoria da recepção não anula a importância da criação literária,
ou seja, o papel do autor. No caso, as escolhas, as estratégias de construção textual e o
uso que o autor faz da linguagem revelam-se no próprio texto, bem como os aspectos
culturais, políticos, ideológicos, e os discursos, recursos essenciais para a estruturação
do texto e para estimular o leitor à interpretação.
Pode-se afirmar que a literatura em geral só se legitima, segundo a teoria
recepcional, diante da ação do leitor, embora não sejam desprivilegiados nem o trabalho
artístico do autor nem o próprio texto literário. É a submissão da tirania formalista ante
a soberania do leitor, numa clara transformação dos paradigmas literários, pois, sob o
viés da estética da recepção, o que mais interessa é o confronto entre a obra construída
pelo autor e as reconstruções elaboradas pelo leitor. O texto deixa de ser um objeto
estanque, e a leitura passa a ser um processo de reconstrução constante da obra literária,
pela intervenção do leitor. Os leitores apresentam suas expectativas, em relação a uma
obra, já maculadas por outras leituras realizadas anteriormente, especialmente aquelas
que pertencem ao mesmo gênero literário. Porém, Iser (1999) pondera que, embora o
texto utilize as experiências individuais de seus leitores, é o próprio texto que estabelece
as condições; portanto, a participação subjetiva de cada leitor é também controlada,
preenchendo os sentidos do texto com os conhecimentos já sedimentados.
Para Bosi (1985), trabalhar literariamente com a palavra significa potencializar nela
a força e a expressão que seu uso cotidiano já desgastou. Ele enfatiza que a linguagem
literária não tem como objetivo demonstrar um conteúdo pronto e acabado; ao contrário,
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projeta uma situação complexa, transitiva. Ainda sobre o aspecto linguístico, Ceia
(1999) argumenta que o texto literário é igual a todos os outros textos porque utiliza-se
das palavras, embora se torne distinto pela forma como usa uma estrutura peculiar de
linguagem. Por essa contradição, não entende a literariedade como forma de explicar a
obra literária, criticando a ideia formalista de que o texto literário privilegia a forma em
detrimento do conteúdo. Segundo ele, os professores buscam a literariedade onde ela
não está; trata-se de uma questão difícil de ser resolvida e que necessita de discussões
para o estabelecimento de alguns parâmetros que definam as diferenças entre um texto
literário e um não literário. Mas deixa claro que o texto literário é permanente e não
efêmero, conduzindo o leitor a uma catarse no momento de leitura.
É preciso analisar com profundidade um texto para definir sua literariedade. Aliás, o
modo como o texto é lido como também o sujeito que o lê vão colaborar para a
formação desse conceito. Priorizar alguns textos como efetivamente literários implica
em excluir outros, legitimando a imanência da literatura naqueles que são escolhidos. A
questão de valor é bastante questionada nesse processo de legitimação da literariedade
de uma obra literária; denominar um texto como literário vai depender de grandes
instituições como a escola e o livro didático, que definem o que é a “grande” literatura e
o que não é. A literariedade, conforme explica Abreu (2006), é um conjunto de
especificidades internas e externas; trata-se de elementos extratextuais (históricos,
sociais, culturais) que influenciam a definição de obra literária. Já para Compagnon
(2001), a literariedade da literatura se dá através da renovação da sensibilidade
linguística dos leitores, por meio de formas que desarranjam as formas habituais e
automáticas de sua percepção. Para ele, o texto literário se distingue por dois elementos
básicos: função e forma. Reafirma que a literatura encontra seu fim em si mesma e que
a linguagem literária explora o material linguístico de forma organizada, sistemática.
Observa Compagnon (2001, p. 44):
A literariedade, como toda definição de literatura, compromete-se, na
realidade, com uma preferência extraliterária. Uma avaliação (um
valor, uma norma) está inevitavelmente incluída em toda definição de
literatura e, consequentemente, em todo estudo literário.
Referências