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Universidade Estadual de Maringá – UEM

Maringá-PR, 9, 10 e 11 de junho de 2010 – ANAIS - ISSN 2177-6350


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CONCEPÇÕES DE LITERATURA, LEITURA E LEITOR

Míriam Zafalon (PG-UEM)

A definição de literatura é um ponto que precisa ser verificado com cuidado, pois,
por séculos, esse conceito esteve atrelado apenas a concepções estéticas e morais, em
detrimento das dimensões históricas e sociais. Compagnon (2001) discute acerca das
variadas definições sobre os termos literatura e literário, desde Aristóteles até os nossos
dias. Candido (1989) afirma que a literatura e a arte são direitos aos quais o indivíduo
deve ter acesso, assim como casa, comida e saúde. Para ele, a literatura é uma
manifestação universal humana, da qual os povos precisam para sobreviver, inclusive
como forma de equilíbrio social. A literatura faz com que o indivíduo desperte para sua
humanidade, auxiliando, entre outros requisitos, na formação da personalidade de cada
um.
Segundo Candido (2006), não basta aferir a obra com a realidade exterior para
entendê-la, mas considerar os fatores sociais como participantes da estrutura, pois eles
serão decisivos para a análise literária. É inegável que a obra exprime a sociedade. A
sociologia moderna entende que a arte literária é social em dois sentidos: depende da
ação dos fatores do meio e age sobre os indivíduos produzindo novas concepções de
mundo ou reforçando neles os valores sociais. A feitura da obra está intensamente
ligada à sua repercussão, a obra só está acabada no momento em que repercute e atua.
Autor, obra e público são os três fatores essenciais da comunicação artística. Conforme
a sociedade, o tipo de arte e a perspectiva considerada é que vamos perceber qual é a
função do artista, sua posição social e os limites de sua autonomia criadora. A ação do
público é de suma importância para o artista, gerando seu reconhecimento ou sua
negação; o público é fator de ligação entre o autor e sua própria obra.
Silva e Zilberman (1990) explicam que, em seus primórdios, a literatura resumia-se
à poesia e tinha como objetivo principal a diversão da nobreza. Com o passar do tempo,
a chamada literatura passou a ter uma definição voltada à ação educativa. O que
importa ressaltar é que o texto literário nunca deixou de ter parte na formação
intelectual humana. Para Bosi (1985), toda obra de arte e, portanto, também a literatura,
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tem suas raízes afixadas na realidade. A criação literária atende à necessidade de
representação do mundo, sendo feita através do sentimento de gratuidade e de ilusão. As
manifestações artísticas são mantidas por todas as sociedades como necessidade de
sobrevivência, mostrando uma das formas de atuação sobre o mundo, traduzindo os
impulsos de comunicação.
Ainda sobre o conceito de literatura, Eagleton (1997) critica os formalistas que
afirmavam que a linguagem literária estrutura-se sob um formato especial, diferente da
linguagem cotidiana, atribuindo ao conteúdo apenas o objetivo de motivação da forma.
Eagleton expõe que a literatura fala de si mesma, que não deve ser confundida com
escrita bonita e que tem valor transitivo, pois, depende dos objetivos, das experiências e
das situações vividas pelos leitores, dos modos de produção em dado momento
histórico. A cada nova leitura (reescritura) da obra literária por variados leitores, em
tempos diferentes, novas ideologias sociais são impostas, novos sentidos e juízos de
valor são atribuídos e a literatura caminha sempre rodeada por novos e velhos conceitos
e definições. Pode-se afirmar que o texto literário retrata a atividade humana e oferece
recursos para que se possa compreendê-la, através dos valores estéticos e culturais que
essa representação pode suscitar. A educação literária, por esse prisma, contribui para a
formação individual, mantendo uma ligação entre o indivíduo e sua cultura,
demonstrando como as gerações têm abordado a valorização da atividade humana
através da linguagem.
Jauss (1994) e Iser (1999) fornecem um ponto de vista basilar: do viés receptivo,
verifica-se a apreciação de uma obra de arte por sujeitos inseridos numa realidade
histórica diferente, ou seja, dispensa-se a concepção unívoca de arte para abrir-se o
leque para as re-significações provenientes da experiência dos leitores. A partir da
junção entre os momentos do efeito (condicionado pela obra em si) e da recepção
(trazida pelo leitor em qualquer espaço ou tempo), estabelece-se a relação texto-leitor,
que vai desencadear a fruição estética.
É preciso ponderar que o ensino da literatura na atualidade sofre por causa da falta
de leitura, por um lado, e pela falta de eficiência do professor de literatura, por outro
lado. Atribui à literatura a função de formação dos leitores, que só pode ser concretizada
por intermédio das experiências suscitadas pela leitura literária. A leitura encaminha à
reflexão, estimula o diálogo, estabelece parâmetros de ligação com o mundo externo.
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Aliás, Colomer (2001) frisa que o ensino de literatura na contemporaneidade deve
primar por duas atividades básicas: promover a leitura e ensinar a ler.
A partir de sua bagagem cultural individual, o leitor pode ampliar seu horizonte de
expectativas por intermédio do contato com a obra literária, pois é capaz de encontrar
nela emoções e reflexões semelhantes àquelas que já possui em seu recôndito mundo
psicológico. Para Iser (1999), tal processo só é possível porque a obra de arte ultrapassa
os limites do mundo sócio-histórico-cultural e penetra na psicologia humana,
imunizando-se contra as transformações do tempo. É assim que se explica a grandeza da
obra machadiana e sua permanência até os dias de hoje.
A leitura literária não se faz por um processo simples: ela é mediada pelos efeitos de
temporalidade, pela inserção do não-contemporâneo e pela diferenciação do passado em
relação ao presente. Jauss (1994) usa a expressão “horizonte de expectativa” para
mostrar o ato de recepção da obra literária pelo público leitor, que já tem internalizadas
suas experiências passadas de leitura e previsões de experiências futuras.
Segundo Jauss (1994), a experiência de ler reflete um saber prévio, além de uma
certa predisposição da própria obra, que faz previsões, antecipando o horizonte de
expectativas dos leitores. Três fatores podem determinar esse horizonte de expectativa:
1. normas conhecidas ou poética imanente ao gênero; 2. relação implícita entre obra e
contexto histórico-literário; 3. oposição entre ficção e realidade. Por esses fatores se
estabelece o valor de uma obra literária: se ela apenas atender ao gosto do público, ao
“belo usual”, terá um valor menor; se distanciar dessas expectativas, contrapondo-se às
experiências conhecidas, proporcionando uma mudança de horizonte, terá um valor
maior.
Para a Estética da Recepção, há algumas obras que não exigem do receptor qualquer
mudança em seu horizonte de expectativas, enquanto outras rompem com o horizonte
conhecido, formando um conhecimento novo para o leitor. Dessa maneira, o leitor é
levado a reconhecer-se e a reconhecer as coisas do mundo, com criatividade, sem que a
obra deixe de se atualizar a cada leitura. O leitor busca na literatura a expressão do seu
mundo interior, através da manifestação do imaginário que o texto propicia. Então, a
obra literária só se concretiza por meio da intervenção do leitor, que a ativa com seu
intelecto e seu universo íntimo. Da mesma forma pensa Compagnon (2001, p. 144), que
afirma:
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O leitor é livre, maior, independente: seu objetivo é menos
compreender o livro do que compreender a si mesmo através do livro;
aliás, ele não pode compreender um livro se não se compreende ele
próprio graças a esse livro.

Nessa mesma linha de raciocínio, Abdala Junior (2003), afirma que a leitura
literária possui espaços a serem preenchidos pela imaginação do leitor; sendo assim, o
texto literário é composto por uma interessante dialética: por um lado apresenta novas
informações, por outro cria novos vazios na mente do leitor. A cada nova atualização
evocada pelo leitor, o texto literário é um novo texto, evidenciando ideias anteriores e
projetando novos e inéditos sentidos. Colomer (2001) ainda reforça que a estrutura
enunciativa de um texto pode revelar que o indivíduo é um ser em construção,
contraditório, sujeito a mudanças.
O texto literário não mostra apenas os fatos, mas a complexidade de pensamentos
que circundam e permeiam esses fatos, diferenciando o homem de cada época e de cada
lugar, envolvido em seus processos histórico-sociais. Portanto, a linguagem literária é
capaz de deixar lacunas que são preenchidas quando o leitor interage com o texto,
unindo à leitura suas experiências anteriores, “atualizando” o ato de leitura, e
aproveitando-se da plurissignificação do texto literário para executar leituras variadas.
Sobre a relação leitor/texto/vazios, Flory (1997, p.34) afirma:
É verdade que o leitor nunca poderá retirar do texto a certeza
explícita de que a sua interpretação, ou a sua compreensão, seja a
mais correta ou verdadeira. A impossibilidade da experiência alheia
faz do texto uma experiência plural que, embora possua complexos
de controle em seu sistema de combinações, precisa reservar um
lugar, dentro desse mesmo sistema, para o leitor, a quem cabe
atualizar a mensagem ficcional. Este lugar é dado pelos vazios
(Leerstellen) que se oferecem para a ocupação pelo receptor.
Configura-se, assim, a assimetria fundamental entre o texto e o leitor,
possibilitando a comunicação no processo de leitura.

Desse modo, o discurso não é individual, e não tem um fim em si mesmo: ele
“percorre”, nunca está pronto, depende dos falantes. Isso significa que a leitura promove
maneiras diversas de ver e entender o mundo; o texto, então, é uma potencialidade
significativa, mas necessita do leitor para ser potencializado. Sendo assim, o sentido só
vem à tona se o leitor for influenciado pelo texto e se se sentir despertado; os aspectos
textuais evocam um leitor real para que o horizonte de sentido desenvolvido possa agir
sobre o sujeito-leitor. A obra literária abre as portas para um leitor que tem o direito de
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construir sua visão de mundo, com todo o conjunto de significações que se possa
embutir por meio dessa leitura, e a partir disso pode haver uma revisão de conceitos e
do papel que esse leitor exerce em sua realidade. Nas palavras de Antonio Candido
(2006, p. 84):
A literatura é pois um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as
outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem,
decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é um produto
fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo,
registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos que atuam
um sobre o outro, e aos quais se junta o autor, termo essencial desse
processo de circulação literária, para configurar a realidade da
literatura atuando no tempo.

Um outro ponto sobre a leitura diz respeito aos gêneros literários. Segundo
Compagnon (2001), o gênero literário está intrinsecamente ligado à concretização da
leitura, pois ele medeia a relação entre obra e público, sendo uma categoria legítima da
recepção:
A concretização que toda leitura realiza é, pois, inseparável das
imposições de gênero, isto é, as convenções históricas próprias ao
gênero, ao qual o leitor imagina que o texto pertence, lhe permitem
selecionar e limitar, dentre os recursos oferecidos pelo texto, aqueles
que sua leitura atualizará. O gênero, como código literário, conjunto
de normas, de regras do jogo, informa o leitor sobre a maneira pela
qual ele deverá abordar o texto, assegurando desta forma a sua
compreensão. (COMPAGNON, 2001, p. 158)

O ensino da literatura, na concepção de Silva e Zilberman (1990), tem sido


substituído há algum tempo por outros meios de comunicação, pelos recursos
midiáticos, que incentivam, sobretudo, o consumo. Ainda reforça que a escola tem dado
importância em demasia aos estudos da tradição literária, sem preocupar-se o bastante
com a ampliação do horizonte de leituras dos alunos, não oportunizando
verdadeiramente a emancipação que tanto professor quanto alunos buscam durante o
processo de aprendizagem. Abdala Junior (2003) afirma que o ensino da literatura não
pode vir desvinculado da história da literatura, aproximando o antigo do atual, mas de
forma em que se perceba que, apesar da distância no tempo e no espaço, os textos ainda
continuam tendo uma certa atualidade, e o fato literário esteja sempre pronto a propor
um diálogo entre presente e passado. Sobre isso, Delgado (2001) também reforça que o
ensino da literatura não pode mais ser substituído pelos estudos de história da literatura;
a autora também conclui que o ensino da literatura tem como meta principal a formação
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de leitores e isso só pode ocorrer se a família e a sociedade também se engajarem, junto
com a escola, nesse processo de fomento da leitura.
É na experimentação de variados textos literários que a educação acontece, distante
de um ensino escolarizado da literatura, porém, perto da fruição que o contato real com
a literatura pode causar. O professor precisa agir como mediador entre a obra literária e
o educando, auxiliando na descoberta do prazer da leitura, sem que essa atividade
signifique uma obrigação que não traz interação e nem reflete o potencial educativo que
do qual a leitura literária pode refletir. Para Delgado (2001), a opção pelas obras na
íntegra e não fragmentadas como aparecem em grande parte dos livros didáticos, é de
suma importância para que os estudos literários promovam o prazer do texto.
Leite (1988) explica que na década de 80 a arte literária tinha o objetivo de fazer as
pessoas parecerem cultas, como uma espécie de enfeite. Anos depois, com a
fragmentalização da universidade em áreas totalmente segregadas, a arte literária ainda
não é compreendida, pois ela busca a totalidade, enquanto que os cursos de Letras
obrigam a ler para nota. Na verdade, a formação se faz através da mediação do
professor entre o leitor e o texto; portanto, ninguém forma ninguém. É preciso
desalienar os leitores, e, para isso, a sociedade construída sobre os atos de inércia das
pessoas precisa ser alterada. A literatura não pode ser vista como sagrada e intocável,
ela deve servir à escola do povo.
A literatura não representa mais, segundo Leite (1988), a cultura da elite. E para
Candido (1989), a literatura não deve ser privilégio de uma elite letrada; mas, para que
essa situação seja revertida, para que a estratificação social não seja fator preponderante
de impedimento da camada popular à literatura erudita, uma transformação radical
precisa ser feita. A sociedade precisa distribuir melhor a renda, tornar-se mais
igualitária, para que os textos literários possam fazer parte do cotidiano de todos.
Humanizar através do texto literário significa dar oportunidades para que todas as
classes sociais possam apreciar os grandes clássicos, a boa literatura. Segundo Candido
(1989), a literatura está intrinsecamente ligada à humanização, pois desperta as
emoções, as reflexões e o saber, características que distinguem o ser humano e o fazem
enriquecer sua visão de mundo. Mas o que se vê, é que, muitas vezes, ao invés de
humanizar, a literatura serve à manutenção do poder e à alienação dos indivíduos.
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Leite (1988) diz que a literatura deve perder seu aspecto monumental e dar uma
oportunidade ao prazer do texto. Para a autora, a literatura é feita da junção entre leitor e
texto, produzindo sentidos que nunca estão acabados, mas sim, em processo de
formação constante. A partir dos estudos de recepção literária, reflete-se sobre como o
leitor é afetado pelo livro e como ele muda da passividade para um estado ativo.
Compagnon (2001, p.149) enfatiza que a leitura só se concretiza no momento de
integração entre obra e leitor:
A literatura tem, pois, uma existência dupla e heterogênea. Ela existe
independentemente da leitura, nos textos e nas bibliotecas, em
potencial, por assim dizer, mas ela se concretiza somente pela leitura.
O objeto literário autêntico é a própria interação do texto com o leitor.

Cabe ressaltar que a teoria da recepção não anula a importância da criação literária,
ou seja, o papel do autor. No caso, as escolhas, as estratégias de construção textual e o
uso que o autor faz da linguagem revelam-se no próprio texto, bem como os aspectos
culturais, políticos, ideológicos, e os discursos, recursos essenciais para a estruturação
do texto e para estimular o leitor à interpretação.
Pode-se afirmar que a literatura em geral só se legitima, segundo a teoria
recepcional, diante da ação do leitor, embora não sejam desprivilegiados nem o trabalho
artístico do autor nem o próprio texto literário. É a submissão da tirania formalista ante
a soberania do leitor, numa clara transformação dos paradigmas literários, pois, sob o
viés da estética da recepção, o que mais interessa é o confronto entre a obra construída
pelo autor e as reconstruções elaboradas pelo leitor. O texto deixa de ser um objeto
estanque, e a leitura passa a ser um processo de reconstrução constante da obra literária,
pela intervenção do leitor. Os leitores apresentam suas expectativas, em relação a uma
obra, já maculadas por outras leituras realizadas anteriormente, especialmente aquelas
que pertencem ao mesmo gênero literário. Porém, Iser (1999) pondera que, embora o
texto utilize as experiências individuais de seus leitores, é o próprio texto que estabelece
as condições; portanto, a participação subjetiva de cada leitor é também controlada,
preenchendo os sentidos do texto com os conhecimentos já sedimentados.
Para Bosi (1985), trabalhar literariamente com a palavra significa potencializar nela
a força e a expressão que seu uso cotidiano já desgastou. Ele enfatiza que a linguagem
literária não tem como objetivo demonstrar um conteúdo pronto e acabado; ao contrário,
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projeta uma situação complexa, transitiva. Ainda sobre o aspecto linguístico, Ceia
(1999) argumenta que o texto literário é igual a todos os outros textos porque utiliza-se
das palavras, embora se torne distinto pela forma como usa uma estrutura peculiar de
linguagem. Por essa contradição, não entende a literariedade como forma de explicar a
obra literária, criticando a ideia formalista de que o texto literário privilegia a forma em
detrimento do conteúdo. Segundo ele, os professores buscam a literariedade onde ela
não está; trata-se de uma questão difícil de ser resolvida e que necessita de discussões
para o estabelecimento de alguns parâmetros que definam as diferenças entre um texto
literário e um não literário. Mas deixa claro que o texto literário é permanente e não
efêmero, conduzindo o leitor a uma catarse no momento de leitura.
É preciso analisar com profundidade um texto para definir sua literariedade. Aliás, o
modo como o texto é lido como também o sujeito que o lê vão colaborar para a
formação desse conceito. Priorizar alguns textos como efetivamente literários implica
em excluir outros, legitimando a imanência da literatura naqueles que são escolhidos. A
questão de valor é bastante questionada nesse processo de legitimação da literariedade
de uma obra literária; denominar um texto como literário vai depender de grandes
instituições como a escola e o livro didático, que definem o que é a “grande” literatura e
o que não é. A literariedade, conforme explica Abreu (2006), é um conjunto de
especificidades internas e externas; trata-se de elementos extratextuais (históricos,
sociais, culturais) que influenciam a definição de obra literária. Já para Compagnon
(2001), a literariedade da literatura se dá através da renovação da sensibilidade
linguística dos leitores, por meio de formas que desarranjam as formas habituais e
automáticas de sua percepção. Para ele, o texto literário se distingue por dois elementos
básicos: função e forma. Reafirma que a literatura encontra seu fim em si mesma e que
a linguagem literária explora o material linguístico de forma organizada, sistemática.
Observa Compagnon (2001, p. 44):
A literariedade, como toda definição de literatura, compromete-se, na
realidade, com uma preferência extraliterária. Uma avaliação (um
valor, uma norma) está inevitavelmente incluída em toda definição de
literatura e, consequentemente, em todo estudo literário.

A chamada desescolarização da literatura preconiza reconhecer o texto literário


como reflexão da experiência e experiência da reflexão e pressupõe entender os leitores
como participantes do processo de ensino-aprendizagem. O leitor transforma-se à
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medida que incorpora as novidades do texto literário ao seu horizonte de vivências.
Assumindo sua função de coautor, o leitor passa a ler realmente a obra literária,
atribuindo sentido aos textos, colocando-se em posição crítica em relação aos manuais e
à História Literária.
Vale recorrer ao texto de Iser (1989 apud LIMA, 2002), que afirma que quando o
texto diz tudo claramente ou se torna disperso deixa de instigar a curiosidade, e
consequentemente a produtividade, por parte do leitor. É possível compreender a
reflexão do teórico da recepção, pois sua afirmação incide sobre a importância do
sujeito e de sua experiência no momento da leitura-interpretação. O texto utiliza as
experiências individuais de seus leitores, mas é o próprio texto que estabelece as
condições. Se o leitor não conhece algum ou alguns esquemas evocados num texto, não
conseguirá dar plena significância ao tema, pois não será capaz de acionar todos os
elementos do repertório que são evocados. Nas palavras de Iser (1989 apud LIMA,
2002), a obra literária tem um caráter pendular, ou seja, ela oscila entre o objeto literário
real e a experiência do leitor; trata-se de uma projeção objetiva do leitor que tenta
preencher os vazios do texto.
Num mundo fragmentado, em que o ser humano deixa de trocar experiências, a
expressão pela palavra tende a ser a única forma de manter a língua nacional, mesmo
que seja uma língua culta, imposta a indivíduos heterogêneos e com habilidades
diversas para se apropriar desse código. Na escola, os indivíduos encontram um espaço
para se expressar e refletir sobre o papel que podem e devem desenvolver em sua
sociedade. Nesse contexto, o professor precisa colocar-se como mediador, abstendo-se
da neutralidade, provocando nos alunos o desejo por conhecer melhor suas próprias
potencialidades. Assim, o diálogo entre professores e alunos vai proporcionar a
verdadeira comunicação, reinventando o texto literário e o sujeito leitor a cada momento
de intimidade com o texto, promovendo a busca constante pelo entendimento e também,
pela contestação e dessacralização de uma literatura, apenas, escolarizada.
Segundo Iser (1989 apud LIMA, 2002), autor e leitor são participantes de um jogo
de fantasia, e o texto não é mais do que uma regra desse jogo. O texto oferece as
possibilidades e o leitor exercita suas capacidades em contato com a leitura. Não
importa se o texto irá ou não causar transformação no leitor; o fundamental é que
suscita no leitor a possibilidade de ver o mundo como realidade passível de observação.
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Tal observação gera a experiência estética do texto literário, oscilando entre o eu (leitor)
e o objeto (texto), criando um outro ser no sujeito, alguém que se distancia do seu
cotidiano e que pode ver a si mesmo e, assim, aproximar-se mais de si.

Referências

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Passo Fundo: UFP, 2003.
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SILVA, Ezequiel Theodoro da; ZILBERMAN, Regina. Literatura e pedagogia: ponto
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REFERÊNCIA ELETRÔNICA

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