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O Período Regencial (1831 – 1840)
Revisão Textual:
Prof.ª M.ª Sandra Regina Fonseca Moreira
O Período Regencial (1831 – 1840)
OBJETIVO
DE APRENDIZADO
• Compreender o funcionamento das regências trina e una, aliadas às questões políticas entre
liberais e conservadores. A regência trina foi o governo composto por três regentes eleitos
pelos membros do Congresso, senadores e deputados, seus componentes moderados foram
escolhidos de acordo com um critério geográfico, na tentativa de acalmar as disputas pro-
vinciais. A partir de 1834, este poder foi assumido por regências unas, do padre Feijó e de
Araújo Lima, até o golpe da maioridade, que tornou o menino de 14 anos Pedro de Alcân-
tara, Imperador do Brasil. Além disso, analisaremos várias rebeliões do período regencial,
no sentido de compreender o seu principal ponto em comum: o descontentamento com
medidas autoritárias adotadas pelo poder central.
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de Campo da Honra, enquanto o agora ex-imperador desvencilhava-se
da encruzilhada e zarpava com parte de sua família de volta à Europa.
Começava uma inusitada – e imprevisível – fase da história brasileira.
(MOREL, 2003, p. 19)
Segundo Janotti, foi intensa a luta pelo controle do governo central durante o pe-
ríodo regencial.
Não havia ainda clareza quanto à ideologia dos grupos políticos que se
abrigavam sob a denominação de moderados ou liberais. Pareciam apenas
excluídos do “congraçamento liberal” aqueles que esposavam o republica-
nismo. Consequentemente, seria no desenvolver da política cotidiana da
Câmara e do governo dos regentes que se definiram os núcleos políticos
hegemônicos, consubstanciados no aparecimento dos partidos Liberal e
Conservador. (JANOTTI, 2005, p. 53)
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Ainda assim, todas as correntes falavam em moderação. Para a maioria, era o caso
de parar o “carro da revolução”. A regência trina foi formada para preencher o vago
de poder e dar uma resposta aos revolucionários mais exaltados. O triunvirato formado
pelo general Francisco de Lima e Silva, senador Nicolau Vergueiro e Marquês de Cara-
velas, José Joaquim Carneiro de Campos, governou por 60 dias.
Nestas duas províncias, era forte a presença dos exaltados, com influ-
ência entre as camadas pobres da população. A exclusão dos exaltados
do poder central e a hegemonia que seria imposta pelos moderados (em
nome do combate simultâneo ao antigo “absolutismo” e à “soberania
popular”) acarretariam outros conflitos.
O padre Diogo Feijó assumiu a pasta da Justiça, com superpoderes, sendo eleito,
em 1835, o primeiro regente uno. Durante seu governo, foi criada a Guarda Nacional,
milícia que tinha por objetivo reforçar o poder dos proprietários e senhores locais e do
poder central. Essa guarda foi criada também porque muitos soldados das forças regu-
lares estiveram envolvidos em motins e sedições, e eram vistos com desconfiança pelo
governo central.
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Imprensado por crises políticas, disputas entre os grupos dirigentes e re-
beliões que se alastravam, o padre Feijó renuncia à Regência, sendo suce-
dido em 1837 pelo pernambucano (e partidário do centralismo) Pedro de
Araújo Lima. Começa o chamado Regresso. (MOREL, 2003, p. 30-31)
Mas, como ressalta Morel, as duas leis anteriores não contemplaram totalmente a des-
centralização e os poderes locais, pois os recursos fiscais continuaram sob controle do
governo central. “Dessa maneira, [...] os possíveis avanços descentralizadores contidos no
Ato Adicional ficavam esvaziados, na medida em que continuavam faltando às províncias
os necessários recursos” (MOREL, 2003, p. 30). Dessa forma, os restauradores perderam
sua principal bandeira em 1834, com a morte do ex-imperador D. Pedro I, como duque
de Bragança em Portugal.
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As revoltas do período regencial foram marcadas por disputas pelo controle de vilas,
capitanias e favores reais. Com a Independência, disputaram palmo a palmo o poder
que se lhes apresentava de forma mais concreta (JANOTTI, 2005).
Cabanagem
A Cabanagem foi uma revolta que eclodiu em Belém do Pará, no ano de 1835, e teve
a participação de vários setores sociais. Como demonstra Luís B. S. P. Pinheiro, a histo-
riografia do movimento marcou três fases: século XIX, anos 1930 e 1960. A primeira
abordagem sobre o tema foi elaborada por Domingos Raiol, que classificou a Cabanagem
A segunda abordagem data dos anos 1930, e tem como principal elaborador Jorge
Hurley, que resgata o papel dos rebeldes e busca entender a Cabanagem a partir das
“contradições entre metrópole e colônia, enfatizando, assim, não só o caráter nativista do
movimento, como também o papel ‘heroico’ desempenhado pelos rebeldes, em especial
de algumas de suas lideranças” (PINHEIRO, 1999, p. 228). Entretanto, como demonstra
Pinheiro (1999), apesar de tentar valorizar as lideranças rebeldes, a segunda corrente
analítica, ao mesmo tempo em que destaca a figura de Eduardo Nogueira Angelim, líder
do movimento “que assumiu o governo provincial – e por isso tratado pela historiografia
precedente como ‘presidente intruso’ – ganhava o direito de figurar, pela primeira vez,
na galeria dos ex-presidentes do salão nobre do IHGPA”, valorizava, também, a figura de
Francisco José Soares d’Andréa, como ficou evidente nas comemorações dos cem anos
da Cabanagem, promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico do Pará, que escolheu a
data de 13 de maio de 1836, que remete ao período em que “os cabanos foram expulsos
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da capital da província pelas forças legais lideradas por Soares d’Andréa”. Tratava-se, por-
tanto, da glorificação não da Cabanagem, mas de sua derrota (PINHEIRO, 1999, p. 229).
A terceira abordagem tem início com a obra de Caio Prado Júnior, que abre novas
interpretações da Cabanagem a partir de uma visão crítica, que “partia da intenção de
pensar a história do movimento cabano sob a ótica da luta de classes, enfatizando como
bastante positivo o papel assumido pelas camadas populares” (PINHEIRO, 1999, p. 231).
Segundo Pinheiro, essa corrente historiográfica centrava sua análise “a partir do
paradigma da ‘revolução’, tido como molecular, já que racional e progressista”, com
esse viés de análise acabaram “produzindo imagens depreciativas que entendiam a re-
volta como um acontecimento menor, caracterizado como irracional e retrógrado”. Tais
imagens tendiam, em regra, a oscilar rapidamente da exaltação ao descrédito; da impor-
tância à impotência” (PINHEIRO, 1999, p. 233). É o caso das análises de Chiavenatto,
que vê no movimento um potencial revolucionário, e de Werneck Sodré, que enfatiza
a desorganização dos cabanos, a falta de um programa e de um partido que dirigisse o
movimento. Mas, sem dúvida, essa abordagem crítica abriu caminho para novas e mais
profundas interpretações do movimento cabano.
Novos estudos, como de Magda Ricci, demonstram a dimensão do movimento ca-
bano, que envolveu mestiços, índios e africanos, mas também boa parte de brancos,
inclusive, das classes dominantes regionais. Segundo a autora:
O pedido de Malcher para que todos voltassem a seus afazeres, ao trabalho, soou à
maioria cabana como um retorno ao status quo, ou seja, uma continuidade da condição
social anterior. No levante de 7 de janeiro, os revoltosos pregavam a morte dos portu-
gueses e maçons, identificados como os inimigos, os exploradores:
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Para piorar a situação de Malcher, os soldados milicianos estavam sem receber sa-
lários. Para tentar acalmá-los “Malcher utilizou um recurso engenhoso. O presidente
mandou reutilizar antigas moedas de cobre, chamadas de “Cuiabá”, as quais o governo
Imperial ordenara que fossem retiradas de circulação e remetidas imediatamente para a
Corte”. A medida não surtiu efeito, pois não foi possível estabelecer o valor de tal moeda,
“que estava fora de circulação no resto do Império e que renascia do Grão-Pará já infla-
cionada e fraca” (RICCI, 2006, p. 15).
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Por último, Malcher entrou em atrito com os soldados da tropa, quando tentou enviar
a maioria para fora de Belém, a pretexto de levar o novo governo para outras localidades.
Esse fato gerou um confronto entre Malcher e Francisco Vinagre, Comandante das Armas,
que passou a lutar contra o presidente da província.
Para entender o desenvolvimento do movimento cabano, a ascensão e queda de Malcher
e o aparecimento de novas lideranças, é necessário recuperar a trajetória pessoal e política
dessas pessoas. Felix Clemente Malcher atuava na região do Acará, próxima a Belém, onde
casou-se com a filha de rico proprietários de terras da família Henriques, “herdeiro de ses-
marias e descendente de conquistadores portugueses do rio Amazonas” (RICCI, 2006, p.
17). Malcher tornou-se líder liberal, foi Tenente-Coronel das Milícias e vereador em Belém.
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Ao que tudo indica, o acordo selado entre Vinagre e Angelim não satisfez a maioria.
Como demonstra Ricci, “a massa cabana começava a eleger novos líderes e ampliar
ainda mais seu foco de luta” (RICCI, 2006, p. 20).
Com a prisão de Francisco, seu irmão Antonio reuniu tropa para voltar a
Belém, numa mortandade e luta sem precedentes. Nesta segunda tomada
da capital, Antonio Vinagre foi morto em combate e Eduardo Angelim
assumiu seu lugar em plena luta. No meio deste trágico cenário de mortes,
Eduardo Angelim deu ao seu discurso de “posse” um tom religioso e, mais
do que nunca, pautado na hierarquia e na ordem constitucional, que foi
sempre a sua marca. (RICCI, 2006, p. 22)
Ao que tudo indica, a fuga de Angelim fez parte de um acordo com as tropas impe-
riais na baía do Guajará, na foz do Amazonas, para entregar a cidade ao enviado da re-
gência, general Soares de Andréa. O general legalista tomou Belém; porém, os cabanos
refugiados nas matas lutaram até 1840, quando foram derrotados. A Cabanagem foi um
movimento que reuniu várias classes e setores sociais, que tinham ideais controversos,
como demonstra Pinheiro:
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A magnitude da revolta se explicita de maneiras diversas, seja na destituição
violenta dos representantes do poder imperial; seja na inédita escolha de
três presidentes de província oriundos das hostes rebeladas; seja na radica-
lidade latente das propostas políticas veiculadas (autonomia política, forma
de governo republicano, abolição da escravatura etc.); seja, por fim, no furor
repressivo que resultou na morte de aproximadamente 40.000 pessoas em
toda a região. (PINHEIRO, 1999, p. 227)
É importante ressaltar que a maioria dos mortos eram negros, índios e mestiços, os
mais radicalizados, que ao longo das lutas perceberam que seus ideais não correspondiam
aos objetivos das lideranças que assumiram o governo da província do Grão-Pará, e por
isso foram massacrados.
A Cabanagem causou milhares de mortes, que recaíram sob a população mais simples,
por isso, na atualidade, por vezes a revolta foi retomada a partir de uma simbologia po-
lítica, quando se quis aproximar o movimento de partidos que estavam na situação. Isso
demonstra como a História é revista e utilizada enquanto um instrumento de apropriação
do passado com fins de manipulação.
A revolta malê, sem dúvida, foi organizada pelos negros islamizados, principalmente
os de língua ioruba, os nagôs. Como foi prática corrente no período da escravidão, os
negros eram trazidos de vários pontos da África. Mas em Salvador, os iorubás eram
cerca de 30 por cento da população escrava no ano do levante, numa população de
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Como demonstra Reis, não se sabe bem ao certo quais eram os planos dos revoltosos.
É possível que para os nascidos no Brasil fosse reservada a morte para alguns, a escravi-
zação para outros, sejam eles brancos ou negros. O que se sabe ao certo é que a revolta
foi organizada por negros africanos islamizados.
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A revolta havia sido planejada para começar na manhã do dia 25 de janeiro de 1835,
porém, foram denunciados e surpreendidos por uma patrulha, que foi atacada por “cerca
de sessenta guerreiros africanos. Uma pequena batalha aconteceu na ladeira da Praça
e, em seguida, os rebeldes se dirigiram à Câmara Municipal, que funcionava no mesmo
local onde funciona ainda hoje (REIS, s. d., p. 3). Os rebelados atacaram a Câmara
para libertar um dos líderes, Pacifico Licutan, que estava preso no subsolo, não por ser
identificado com a revolta malê, mas sim por dívidas de seu proprietário, que teve seus
bens penhorados, incluindo aí seu escravo. O ataque à prisão não foi bem-sucedido. “O
grupo foi surpreendido no fogo cruzado entre os carcereiros e a guarda do palácio do
governo, localizado na mesma praça” (REIS, s. d., p. 3).
[...] a Bahia malê seria uma nação controlada pelos africanos, tendo à frente
os muçulmanos. Talvez a Bahia se transformasse num país islâmico or-
todoxo, talvez num país onde as outras religiões predominantes entre os
africanos e crioulos (o candomblé e o catolicismo) fossem toleradas. De toda
maneira, a revolta não foi um levante sem direção, um simples ato de deses-
pero, mas sim um movimento político, no sentido de que tomar o governo
constituía um dos principais objetivos dos rebeldes. (REIS, s. d., p. 6)
A revolta que acabou com a morte de mais de setenta negros e com algumas baixas
nas forças repressivas, colocou medo entre a população livre da cidade, foi noticiada
na maioria das cidades brasileiras “e as autoridades submeteram a população africana
a uma vigilância cuidadosa e muitas vezes a uma repressão abusiva” (REIS, s. d., p. 4).
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[...] de todos os impostos arrecadados nas províncias, era a corte que de-
terminava qual a quantia que podia ficar no sul e qual deveria ir para o Rio
de Janeiro. Era ainda o centro que designava o governante para as pro-
víncias, geralmente um elemento de fora que não atendia aos interesses da
região. (PESAVENTO, 1985, 101-102)
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É importante ressaltar que os líderes das duas facções não radicalizaram o
A manutenção do conflito durante dez anos só foi possível porque os farrapos rece-
beram ajuda dos países platinos, com fornecimento de “armas e animais pelas fronteiras.
[...] Por outro lado, a sustentação econômica da guerra foi possível porque o charque rio-
-grandense era contrabandeado para o Brasil pelo porto de Montevidéu, como se fosse
de procedência uruguaia (PESAVENTO, 1985, p. 102). Para melhor compreensão do
movimento dos farrapos e do desfecho das hostilidades entre rio-grandenses e o império,
é importante analisar as reivindicações iniciais das lideranças farroupilhas.
Bento Gonçalves buscava nos manifestos que lançou no primeiro período abafar as
divergências entre as lideranças, dando aos manifestos um “tom épico”, conferindo “aos
homens que pegaram em armas o papel de heróis”. Para concretizar esse tom afirmava
que a província se encontrava “em uma situação de ‘caos’ e aos revoltosos caberia a instau-
ração de uma situação em que a lei e a ordem voltassem a imperar” (DORNELLES, 2010,
p. 173), para depois conclamar a todos para cumprirem os preceitos constitucionais.
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sendo que pôde apontar tanto para uma monarquia constitucional quanto para uma ideia
de forma de governo republicana, o que só ficou realmente claro no ano de 1836, quando
da Proclamação da República Rio-Grandense. (DORNELLES, 2010, p. 173)
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Segundo Pesavento, contribuíram para a assinatura do tratado de paz de Ponche
Verde, os conflitos que se avizinhavam
O imperador delegou a Luís Alves de Lima e Silva a tarefa de pacificar o Rio Grande
do Sul. Ele tinha o aval imperial para agir com violência, mas, segundo Dornelles
O tratado de Ponche Verde atendeu à maioria das reivindicações das lideranças far-
roupilhas, entre elas, destacam-se:
O resultado final da Guerra dos Farrapos corrobora a tese de que as lideranças far-
roupilhas eram em sua maioria grandes proprietários, que buscavam benefícios próprios
e controle sobre a província, não tendo por objetivo melhorar as condições de vida da
maioria do povo rio-grandense. Portanto, podemos afirmar que a Guerra Farroupilha
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foi uma revolta dos grandes proprietários contra o que entendiam como desmandos do
poder centralizado no Rio de Janeiro. A proclamação dos líderes e certa historiografia
comprometida com essas lideranças, de certo modo romantizaram a Guerra dos Far-
rapos. Uma historiografia mais atual vem contribuindo para analisar as várias fases e
vertentes, permitindo, assim, uma compreensão mais aprofundada das razões e dos
resultados do movimento.
Sabinada
A Sabinada foi uma revolta que aconteceu entre novembro de 1837 e março de 1838.
Foi um movimento de inspiração liberal e republicano liderado pelo médico mestiço Fran-
cisco Sabino Vieira, daí o nome da revolta, que contou com a participação de profissionais
liberais (médicos, advogados, jornalistas etc.), funcionários públicos, oficiais militares, co-
merciantes, artesãos e de trabalhadores de diversas profissões (sapateiros, pedreiros etc.).
Como demonstra Lopes, é possível notar na Sabinada
[...] a radicalidade política de uma camada urbana, socialmente intermediária,
que por um lado não era parte do ‘povo mecânico’, e por outro estava dis-
tante social e economicamente dos grandes proprietários que dominavam a
cena política e administrativa da província. (LOPES, 2008, p. 37)
Além da crise econômica, é necessário considerar outros fatores que levaram à to-
mada da cidade de Salvador e à declaração de independência. Um primeiro fator que
pode ser levantado foi a lusofobia. Havia na Bahia, desde a época da independência
brasileira, uma revolta da população livre de brancos, mestiços e até escravos contra o
monopólio dos portugueses sobre o comércio. Logo após a independência, constituiu-se
o movimento “mata-marotos”, que tinha por objetivo atacar portugueses comerciantes.
Como demonstra Lopes (2008, p. 40):
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Em 1831, um movimento deste tipo teve lugar na cidade de Salvador, as-
sociado à oposição a Pedro I. Neste episódio, as tropas baianas levantadas
conseguiram a demissão do comandante das armas, o português João
Crisótomo Callado. [...] A partir da abdicação, os conflitos antilusitanos
passaram a ser cada vez mais associados aos setores urbanos médios e bai-
xos da população. A elite baiana [...] demonstrou ser contrária à expulsão
dos portugueses, de cujo capital dependiam seus negócios.
Apesar dos cuidados, era preciso controlar os lusitanos, por isso “uma das primeiras
medidas revolucionárias foi, ‘por cautela’, o desarmamento dos portugueses e o recolhi-
mento de suas armas para o Estado Independente” (LOPES, 2008, p. 43). Com o cerco
da cidade promovido pela reação, Salvador ficou desabastecida, o que levou o governo
rebelde, em fevereiro de 1838, a determinar
Lopes destaca que a Sabinada, diferentemente das demais revoltas do período re-
gencial, teve como pano de fundo a insatisfação das camadas médias, que lideraram
o movimento, em relação à arrecadação tributária centralizada no Rio de Janeiro, o
que deixava, segundo as lideranças da Sabinada, as províncias em estado de miséria.
É importante ressaltar que os profissionais liberais foram duramente golpeados pela lei
tributária, que “deveria ter vigência de 1º de julho de 1837 até 30 de julho de 1838”
(LOPES, 2008, p. 51), pois a referida lei aumentava o número de contribuintes, passando
a contribuir com o fisco justamente aqueles que lideraram a Sabinada.
Ainda segundo a autora, outro fator importante que levou à revolta foi o estabele-
cimento do Código de Processo Criminal de 1834 “que se por um lado abria espaço
para a distribuição de poder no âmbito provincial, por outro lado permitia o aumento da
coerção exercida por mandatários locais junto à população” (LOPES, 2008, p. 47). O
Ato Adicional de 1834 também era criticado pelos liberais sabinos, pois “era visto como
a lei que permitiu a cobrança de taxas mais abusivas que as praticadas anteriormente
pelo Estado unitário” (LOPES, 2008, p. 53).
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A crítica principal recai sobre o poder excessivo que as classes dominantes que go-
vernam a província têm sobre as demais classes sociais e de como utilizam esse poder
para oprimir a maioria.
Segundo interpretação dos liberais baianos, o Ato Adicional não contemplou a parti-
cipação de todos os setores sociais na vida política das províncias, ou, melhor dizendo,
não possibilitou a participação dos setores médios nas Assembleias Provinciais, pois
estes, apesar de ter “algum prestígio, diploma ou casa comercial, não tinham condições
de financiar uma campanha eleitoral nos moldes praticados pelos senhores de terras e
escravos” (LOPES, 2008, p. 55).
Cerceados da participação política na Assembleia Provincial, restou aos liberais baianos
a busca pela “intervenção política paralela aos espaços institucionais da província”, o que
legitimava a “ação revolucionária, a partir da qual a Bahia passaria a ser diretamente go-
vernada pelos setores médios e letrados da cidade de Salvador, em seu próprio benefício
e não mais dos chamados ‘aristocratas’” (LOPES, 2008, p. 55).
Como demonstrado, a Sabinada teve como pano de fundo vários fatores, que ao cabo le-
varam a tomada da cidade de Salvador e à proclamação da independência. Segundo Lopes:
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Balaiada
A Balaiada, revolta que eclodiu em 1838, até 1840, na província do Maranhão,
estendo-se para o Ceará e o Piauí, está entre as revoltas do período regencial que esti-
veram ligadas a questões políticas e econômicas da época.
A revolta teve a presença de vários setores populares como vaqueiros, escravos fugitivos,
pequenos artesões, agricultores, sem-terra, desertores da Guarda Nacional, pequenos co-
merciantes, fazendeiros, ou seja, em sua composição havia pessoas com ideais distintos,
mas que se unificavam a partir da “confluência de fatores sociais (desrespeito, opressão, ex-
ploração e miséria) e de reivindicações políticas de caráter nativistas (suspensão da Lei dos
Prefeitos e Subprefeitos, expulsão do Presidente da Província, expulsão dos portugueses)”
(SANTOS, 2011, p. 11).
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A revolta teve início com as disputas entre duas facções: os bem-te-vis (liberais), que
estavam no governo do Maranhão, mas que perderam para os cabanos (conservadores),
com a ascensão dos conservadores no governo imperial, que passou a ter como regente,
Araújo Lima. As lideranças populares, como o vaqueiro Raimundo Gomes, que liderou
a tomada da cadeia de Vila da Manga, Manoel dos Anjos Ferreira, que levava o apelido
de Balaio, por ter como profissão o artesanato de palha, Ruivo, vaqueiro, Irmãos Aguiar,
pequenos fazendeiros, Cosme Bento das Chagas, preto Cosme, escravo foragido, orga-
nizaram o movimento no sertão, conquistando a vila de Caixas e cercando outras.
No final, negro Cosme, líder popular, ficou isolado e lutou junto aos escravos até a
repressão final. “D. Cosme foi enforcado em praça pública, oferecendo à população o
espetáculo de uma punição exemplar. Acabava a Balaiada” (JANOTTI, 2005, p. 55).
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Malês, cabanos, sabinos, balaios e praieiros – em sua maioria deserdados da terra
– foram alguns dos milhares de personagens anônimos que deram suas vidas pela cons-
trução do Brasil enquanto Nação. Mas ainda havia um longo caminho pela frente, a década
sem imperador definiu as forças políticas e os partidos, legitimando e mantendo as bases
da desigualdade social (MUGGIATI, 2006).
Mas havia também um uso diferente do ideário liberal naquela época, os chamados
“liberais exaltados”, que defendiam uma organização política descentralizada, mas ainda
não criticavam a desigualdade entre escravos e livres, nem entre cidadãos com ou sem
direito a voto. Era um “liberalismo conservador que legitimava as bases da desigualdade
social” (MUGGIATI, 2006, p. 87).
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O golpe que elevou à maioridade D. Pedro II tem como pano de fundo aconteci-
mentos do período regencial. O governo liberal do regente Feijó era acusado pelos con-
servadores (regressistas) de promover a desordem, pois nesse período várias rebeliões
explodiram de norte a sul do país.
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Segundo a autora, a análise de Bernardo Pereira de Vasconcelos demonstra que o
Ato Institucional de 1834, bem como o Código do Processo Criminal de 1832, eram
leis descentralizadoras e não instrumentalizavam o Estado para manter a ordem: “Sendo
assim, o governo se tornava fraco, colocando em xeque a própria existência do governo
monárquico, o que se comprovava para o ministro com o período governado pelos re-
gentes, considerado de desordem” (COSTA, 2010, p. 3).
A partir dessa análise, Bernardo Pereira de Vasconcelos se une aos regressistas, de-
fendendo que deveria ser restabelecida a autoridade do Estado.
Apesar dos esforços dos regressistas, os liberais, que perceberam no movimento re-
gressista uma oportunidade para continuarem no governo, utilizaram as manifestações
populares para exigir que a Câmara e o Senado declarassem a maioridade do imperador,
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que à época tinha apenas 14 anos. Com medo de que pudesse haver algum levante
popular, os regressistas cederam e, no dia 23 de julho de 1840, a Câmara e o Senado
declaravam a maioridade de D. Pedro II.
Com a manobra, os liberais formaram o novo ministério até 1841, período marcado
por intensas disputas com os regressistas. No período entre 1841-1842, os regressistas
conseguiram a centralização política por meio da reforma do Ato Adicional de 1834 e
do Código de Processo Criminal.
O menino imperial havia recebido um apelo oficial das mãos do regente Araújo Lima.
“Estareis sem demora no Trono, se tanto o quiserdes”, disse o regente a D. Pedro, que
respondeu com a frase que passou à História como a primeira demonstração de sua
vontade pessoal: “Quero já”. (MUGGIATI, 2006, p. 75)
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
Vídeos
Cabanagem | Eduardo Bueno
Considerações históricas e historiográficas do pesquisador Eduardo Bueno sobre a Ca-
banagem. Em janeiro de 1835, em Belém no Pará dezenas de mestiços, negros e índios
se revoltaram contra as condições econômicas miseráveis e tomaram o poder ainda que
brevemente naquela remota província, foram esmagados pelas elites políticas da época na
maior revolta de cunho popular existente no Brasil.
https://youtu.be/KVSR1N0GQk8
Revolta dos Malês
Audiovisual sobre a Revolta dos Malês, considerada uma das mais importantes rebeliões
escravas ocorridas durante as primeiras décadas do século XIX no Brasil. Produzido pelo
Centro de Memória da Bahia, unidade da Fundação Pedro Calmon / SecultBA, em virtude
dos 180 anos do referido movimento.
https://youtu.be/azPotFRPvGE
Leitura
Poder e civilização no Brasil Imperial. A Monarquia na perspectiva da História das Ideias
O ensaio trata da importância do ideal de civilização para compreender a estrutura mo-
nárquica de poder do Estado Imperial brasileiro no século XIX. O objetivo é enfatizar que
a ideia de civilização conferiu legitimidade à Monarquia e às classes sociais presentes na
Corte, durante o Primeiro Reinado, o Período Regencial e o Segundo Reinado, atuando
como um importante fator de manutenção do poder.
https://bit.ly/3jRPGLa
Revolta e Cidadania na Corte Regencial
Este artigo analisa a revolta ocorrida no teatro São Pedro de Alcantara, no Rio de Janeiro,
em setembro de 1831. Trata-se de um movimento político promovido pela facção dos libe-
rais exaltados, com participação de camadas sociais diversas. Situada no conjunto de outras
ações semelhantes, verificadas no início do período regencial, é compreendida como um
dos eixos de desenvolvimento de uma cidadania informal e de uma incipiente nacionalidade,
construídas de baixo para cima, no âmbito de um emergente espaço público de ação política.
https://bit.ly/3wqDFyK
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Referências
COSTA, M. B. C. da. Golpe Parlamentar da Maioridade: construção da ordem Imperial.
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