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História do Brasil Império:

Aspectos Formativos
O Período Regencial (1831 – 1840)

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª Dra. Milena Fernandes Maranho

Revisão Textual:
Prof.ª M.ª Sandra Regina Fonseca Moreira
O Período Regencial (1831 – 1840)

• As Manobras Políticas da Regência Trina;


• As Revoltas que Abalaram o Período Regencial;
• As Disputas entre Liberais e Conservadores: O Golpe da Maioridade.


OBJETIVO

DE APRENDIZADO
• Compreender o funcionamento das regências trina e una, aliadas às questões políticas entre
liberais e conservadores. A regência trina foi o governo composto por três regentes eleitos
pelos membros do Congresso, senadores e deputados, seus componentes moderados foram
escolhidos de acordo com um critério geográfico, na tentativa de acalmar as disputas pro-
vinciais. A partir de 1834, este poder foi assumido por regências unas, do padre Feijó e de
Araújo Lima, até o golpe da maioridade, que tornou o menino de 14 anos Pedro de Alcân-
tara, Imperador do Brasil. Além disso, analisaremos várias rebeliões do período regencial,
no sentido de compreender o seu principal ponto em comum: o descontentamento com
medidas autoritárias adotadas pelo poder central.
UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

As Manobras Políticas da Regência Trina


A abdicação de D. Pedro I foi fruto do desgaste político sofrido pelo imperador. No
início de 1831, as tensões aumentaram entre o monarca e os parlamentares. Para ava-
liar o quadro político, reuniu-se o Conselho de Estado.

Entre os dez conselheiros, sete temiam ameaças da ordem e mesmo uma


revolução no Brasil, seis atribuíam o enfraquecimento do prestígio do
monarca à imprensa de oposição e cinco jogavam a responsabilidade
pelo clima político nas Três Jornadas parisienses. Seis dos conselheiros
propuseram o adiamento da próxima sessão legislativa, em tentativa de se-
renar os ânimos, e apenas o ministro da Guerra, general Tomás Joaquim
Pereira Valente, conde do Rio Pardo, defendeu o fechamento da Câmara
dos Deputados pelo imperador, sem previsão de reabertura. (MOREL,
2003, p. 17-18)

As tensões continuaram a aumentar, assim como as conspirações. O imperador iso-


lava-se entre os conservadores palacianos, identificados com os portugueses: “Entre os
dias 11 e 14 de março de 1831 eclodiram no Rio de Janeiro violentos conflitos de rua
envolvendo portugueses e brasileiros, episódio conhecido como Noite das Garrafadas”
(MOREL, 2003, p. 18).

Os conflitos entre brasileiros e portugueses aconteceram em outras províncias, como


na Bahia, “nas cenas dos Mata Marotos, quando comerciantes portugueses foram lin-
chados nas ruas e muitas casas saqueadas, em 13 de abril (a notícia da abdicação ainda
não chegara à Bahia), evento no qual se envolveu Cipriano Barata” (MOREL, 2003, p. 18).

D. Pedro I, tentando salvar a situação, formou, em 19 de março, um novo ministério.


Como a situação não melhorou, o imperador constituiu outro ministério em 5 de abril,
“integrado por cinco marqueses e um visconde, à maneira do Antigo Regime” (MOREL,
2003, p. 19).

A destituição do ministério formado, em 19 de março de 1831, levou à revolta de


parlamentares, militares e populares. O principal foco da rebelião era o Campo de San-
tana, “sede das principais unidades militares, onde começou um ajuntamento de tropas
e de civis” (MOREL, 2003, p. 19). Parlamentares como Nicolau Vergueiro, senador do
império, aderiram à rebelião. Outra figura importante que aderiu ao movimento foi “o
general Francisco de Lima e Silva, principal nome do esquema militar do imperador”
(MOREL, 2003, p. 19).

Empurrado contra a parede pelas manifestações e desgastado pelas crises anteriores:


Guerra Cisplatina, Tratado de Paz e Amizade, entre outros e, sabendo das manobras
revolucionárias, que tendiam a limitar seu poder, o imperador “isolado no palácio”,
decidiu-se pela

[...] fórmula da abdicação em nome do príncipe herdeiro, prevendo em seu


lugar uma Regência que deveria ser, retomando as palavras de Constant,
sábia e moderada em defesa da ordem, da monarquia e da dinastia. O
calendário marca 7 de abril de 1831. O Campo de Santana foi rebatizado

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de Campo da Honra, enquanto o agora ex-imperador desvencilhava-se
da encruzilhada e zarpava com parte de sua família de volta à Europa.
Começava uma inusitada – e imprevisível – fase da história brasileira.
(MOREL, 2003, p. 19)

O período que vai da abdicação de D. Pedro I até o golpe da maioridade (1831-1840)


foi marcado por disputas “de diferentes grupos em torno de projetos políticos diver-
gentes, quando não antagônicos” (GONÇALVES, 2005, p. 1). Muitas obras de arte
do início da República tinham a intenção de exaltar e rememorar os acontecimentos
do período da Monarquia, a fim de não deixar os fatos memoráveis desaparecerem do
imaginário das pessoas. Muitas delas mostravam fatos heroicos ou dramáticos, como o
exemplar abaixo, identificando a desolação do filho pela decisão do pai, ao entregar a
carta da abdicação, mesmo tempo em que já eram traçados os novos rumos do Império
por parte dos políticos do Congresso.

Figura 1 – Aurélio de Figueiredo, a abdicação do primeiro Imperador do Brasil, D. Pedro I, 1911


Fonte: Wikimedia Commons

Consumada a abdicação, as classes dominantes constituíram “um gabinete que reuniu


facções rivais das elites. Esse gabinete foi formado por Vergueiro, que representava a
revolução, pelo Marquês de Caravelas, representante da tradição e por Lima e Silva, cuja
espada servia como fiel da balança” (PANDOLFI, 2006, p. 15).

Segundo Janotti, foi intensa a luta pelo controle do governo central durante o pe-
ríodo regencial.

Não havia ainda clareza quanto à ideologia dos grupos políticos que se
abrigavam sob a denominação de moderados ou liberais. Pareciam apenas
excluídos do “congraçamento liberal” aqueles que esposavam o republica-
nismo. Consequentemente, seria no desenvolver da política cotidiana da
Câmara e do governo dos regentes que se definiram os núcleos políticos
hegemônicos, consubstanciados no aparecimento dos partidos Liberal e
Conservador. (JANOTTI, 2005, p. 53)

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Como demonstra Morel, nos dias que antecederam a abdicação e posteriormente a


ela, falava-se muito em revolução. Mas a que revolução se referiam? Para o autor, uma
pergunta estava lançada:

O que fazer com a revolução? Havia basicamente três respostas: negar


(os absolutistas e ultramonarquistas), completar e encerrar (vertente con-
servadora do liberalismo) e continuar (vertente revolucionária do libera-
lismo). Impossível era ignorá-la. Estavam em jogo o rumo da sociedade e
suas transformações. (MOREL, 2003, p. 21)

Ainda assim, todas as correntes falavam em moderação. Para a maioria, era o caso
de parar o “carro da revolução”. A regência trina foi formada para preencher o vago
de poder e dar uma resposta aos revolucionários mais exaltados. O triunvirato formado
pelo general Francisco de Lima e Silva, senador Nicolau Vergueiro e Marquês de Cara-
velas, José Joaquim Carneiro de Campos, governou por 60 dias.

Nesse período, esvaziaram as cadeias para lotá-las novamente com prisioneiros


políticos; proibiram reuniões públicas na capital; limitaram o poder executivo, dando
primazia ao legislativo e, como consequência, o Poder Moderador foi esvaziado. As
mudanças no centro do império abalaram várias províncias, como na Bahia e no Pará.
Segundo Morel (2003, p. 27):

Nestas duas províncias, era forte a presença dos exaltados, com influ-
ência entre as camadas pobres da população. A exclusão dos exaltados
do poder central e a hegemonia que seria imposta pelos moderados (em
nome do combate simultâneo ao antigo “absolutismo” e à “soberania
popular”) acarretariam outros conflitos.

No dia 17 de junho de 1831, deputados e senadores elegeram a Regência Trina,


mantendo o general Francisco de Lima e Silva, completando o triunvirato, foram eleitos
os deputados José da Costa Carvalho (Marquês de Monte Alegre) e José Bráulio Muniz.
Com a continuidade do general Francisco Lima e Silva, ficou patente “a existência de
uma militarização do poder político no período monárquico, efetivada também pela pre-
sença de um Comandante das Armas em cada província, nomeado pela administração
central e com poder de intervenção sobre as autoridades locais” (MOREL, 2003, p. 27).

A Câmara dos Deputados, como já tinha feito em 1823 (Assembleia Constituinte),


tentou mudar o quadro político, extinguindo o Poder Moderador, tornando o Império
uma monarquia federativa, acabando com a vitaliciedade dos senadores e extinguindo
o Conselho de Estado. O Senado vitalício e os conselheiros, por sua vez, eram uma
das bases políticas do exercício do poder imperial, “E o Senado brecou essas reformas,
gerando impasse” (MOREL, 2003).

O padre Diogo Feijó assumiu a pasta da Justiça, com superpoderes, sendo eleito,
em 1835, o primeiro regente uno. Durante seu governo, foi criada a Guarda Nacional,
milícia que tinha por objetivo reforçar o poder dos proprietários e senhores locais e do
poder central. Essa guarda foi criada também porque muitos soldados das forças regu-
lares estiveram envolvidos em motins e sedições, e eram vistos com desconfiança pelo
governo central.

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Imprensado por crises políticas, disputas entre os grupos dirigentes e re-
beliões que se alastravam, o padre Feijó renuncia à Regência, sendo suce-
dido em 1837 pelo pernambucano (e partidário do centralismo) Pedro de
Araújo Lima. Começa o chamado Regresso. (MOREL, 2003, p. 30-31)

O governo de Araújo Lima aumentou o poder dos grandes proprietários de terras


e escravos. A centralização política torna-se palavra de ordem. Foram reinterpretados
o Código de Processo Criminal de 1832, que dava mais poder às províncias, já que
os Juízes de Paz eram eleitos nas localidades, assim como o Ato Adicional de 1834,
que “atendia a algumas demandas descentralizadoras, como a criação de assembleias
legislativas com maior grau de autonomia e deliberação, contemplando, assim, poderes
regionais” (MOREL, 2003, p. 30).

Mas, como ressalta Morel, as duas leis anteriores não contemplaram totalmente a des-
centralização e os poderes locais, pois os recursos fiscais continuaram sob controle do
governo central. “Dessa maneira, [...] os possíveis avanços descentralizadores contidos no
Ato Adicional ficavam esvaziados, na medida em que continuavam faltando às províncias
os necessários recursos” (MOREL, 2003, p. 30). Dessa forma, os restauradores perderam
sua principal bandeira em 1834, com a morte do ex-imperador D. Pedro I, como duque
de Bragança em Portugal.

Ao mesmo tempo, o temor do “abismo da revolução” conduzia a uma


aproximação destes com os moderados, isolando os exaltados. Um dos
primeiros gestos do regente Araújo Lima foi o secular beija-mão, que
andava fora de moda. As comendas honoríficas foram restabelecidas. O
Regresso resultaria na restauração plena (e antecipada) da autoridade mo-
nárquica constitucional em 1840: o carro da revolução freava. (MOREL,
2003, p. 31)

Assim, tanto o Executivo quanto o Legislativo eram compostos, em sua maioria,


pelos regressistas, o que permitiu maior repressão às revoltas provinciais, Cabanagem,
Sabinada e Balaiada, então derrotadas, permanecendo apenas a Farroupilha. Surgiram
outros reagrupamentos políticos após 1840, com os progressistas organizando-se no
Partido Liberal, e os regressistas no Partido Conservador. Trinta anos depois, os monar-
quistas teriam que enfrentar todas as suas contradições políticas, a partir da criação do
Partido Republicano Paulista.

As Revoltas que Abalaram o Período


Regencial
As revoltas do período regencial estão ligadas ao processo de independência do Brasil,
“que vem desde as conjurações do final do século XVIII e se estende até meados do XIX,
quando se consolidou a monarquia constitucional” (DIAS, 1995, p.78). A independência
brasileira deve ser entendida como um processo

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[...] longo, penoso e violento, permeado de manifestações em várias pro-


víncias. O grito do Ipiranga constituiu-se uma forma encontrada pelas
elites para frear as ideias revolucionárias, manter a dinastia, os privilégios
do antigo sistema colonial e garantir os interesses econômicos. (DIAS,
1995, p.78)

Enquanto no Rio de Janeiro buscava-se a centralização política, as classes domi-


nantes locais lutavam para controlar o poder nas províncias. O Ato Adicional de 1834
concedeu maior autonomia para as províncias. Porém, com a derrubada de Feijó e a
ascensão de Araújo Lima, os conservadores, agora à frente do governo central, com
Bernardo Pereira de Vasconcelos na pasta da Justiça, logo tomaram

[...] medidas centralizadoras, algumas anticonstitucionais, na expectativa da


elaboração de uma lei “que interpretasse o Ato Adicional, corrigindo seus
desvios”. Detendo agora cargos na administração, passariam a reprimir
violentamente os “exaltados”, contrariando interesses de setores das elites
locais. (JANOTTI, 2005, p. 53)

As revoltas do período regencial foram marcadas por disputas pelo controle de vilas,
capitanias e favores reais. Com a Independência, disputaram palmo a palmo o poder
que se lhes apresentava de forma mais concreta (JANOTTI, 2005).

Cabanagem
A Cabanagem foi uma revolta que eclodiu em Belém do Pará, no ano de 1835, e teve
a participação de vários setores sociais. Como demonstra Luís B. S. P. Pinheiro, a histo-
riografia do movimento marcou três fases: século XIX, anos 1930 e 1960. A primeira
abordagem sobre o tema foi elaborada por Domingos Raiol, que classificou a Cabanagem

[...] como um movimento de celerados, motivada quase que exclusivamente


pelo caráter irracional e instintivo de hordas “semibárbaras” de negros,
índios e mestiços que compunham a sociedade paraense. O papel de des-
taque foi atribuído mais às autoridades repressivas, como Francisco José
Soares d’Andréa, do que aos rebeldes. (PINEHIRO, 1999, p. 228)

A segunda abordagem data dos anos 1930, e tem como principal elaborador Jorge
Hurley, que resgata o papel dos rebeldes e busca entender a Cabanagem a partir das
“contradições entre metrópole e colônia, enfatizando, assim, não só o caráter nativista do
movimento, como também o papel ‘heroico’ desempenhado pelos rebeldes, em especial
de algumas de suas lideranças” (PINHEIRO, 1999, p. 228). Entretanto, como demonstra
Pinheiro (1999), apesar de tentar valorizar as lideranças rebeldes, a segunda corrente
analítica, ao mesmo tempo em que destaca a figura de Eduardo Nogueira Angelim, líder
do movimento “que assumiu o governo provincial – e por isso tratado pela historiografia
precedente como ‘presidente intruso’ – ganhava o direito de figurar, pela primeira vez,
na galeria dos ex-presidentes do salão nobre do IHGPA”, valorizava, também, a figura de
Francisco José Soares d’Andréa, como ficou evidente nas comemorações dos cem anos
da Cabanagem, promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico do Pará, que escolheu a
data de 13 de maio de 1836, que remete ao período em que “os cabanos foram expulsos

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da capital da província pelas forças legais lideradas por Soares d’Andréa”. Tratava-se, por-
tanto, da glorificação não da Cabanagem, mas de sua derrota (PINHEIRO, 1999, p. 229).
A terceira abordagem tem início com a obra de Caio Prado Júnior, que abre novas
interpretações da Cabanagem a partir de uma visão crítica, que “partia da intenção de
pensar a história do movimento cabano sob a ótica da luta de classes, enfatizando como
bastante positivo o papel assumido pelas camadas populares” (PINHEIRO, 1999, p. 231).
Segundo Pinheiro, essa corrente historiográfica centrava sua análise “a partir do
paradigma da ‘revolução’, tido como molecular, já que racional e progressista”, com
esse viés de análise acabaram “produzindo imagens depreciativas que entendiam a re-
volta como um acontecimento menor, caracterizado como irracional e retrógrado”. Tais
imagens tendiam, em regra, a oscilar rapidamente da exaltação ao descrédito; da impor-
tância à impotência” (PINHEIRO, 1999, p. 233). É o caso das análises de Chiavenatto,
que vê no movimento um potencial revolucionário, e de Werneck Sodré, que enfatiza
a desorganização dos cabanos, a falta de um programa e de um partido que dirigisse o
movimento. Mas, sem dúvida, essa abordagem crítica abriu caminho para novas e mais
profundas interpretações do movimento cabano.
Novos estudos, como de Magda Ricci, demonstram a dimensão do movimento ca-
bano, que envolveu mestiços, índios e africanos, mas também boa parte de brancos,
inclusive, das classes dominantes regionais. Segundo a autora:

O principal alvo dos cabanos eram os brancos, especialmente os por-


tugueses mais abastados. A grandiosidade desta revolução extrapola o
número e a diversidade das pessoas envolvidas. Ela também abarcou um
território muito amplo. Nascida em Belém do Pará, a revolução cabana
avançou pelos rios amazônicos e pelo mar Atlântico, atingindo os quatro
cantos de uma ampla região. Chegou até as fronteiras do Brasil central
e ainda se aproximou do litoral norte e nordeste. Gerou distúrbios inter-
nacionais na América caribenha, intensificando um importante tráfico de
ideias e de pessoas. (RICCI, 2006, p. 6)

A revolta tem início em 7 de janeiro de 1835, quando os cabanos depõem o presi-


dente da província e aclamam Félix Clemente Antônio Malcher como novo governante,
que “depois de ter sido empossado e de ter jurado perante a Câmara servir à causa
brasileira, [...] pedia paz aos paraenses” (RICCI, 2006, p. 12).
O povo paraense aclamou Malcher governador da província, em nome de D. Pedro II,
até a maioridade do imperador. “Era a lei da ‘bravura’ e do ‘patriotismo contra o despo-
tismo regencial carioca, considerado similar ao antigo jugo português” (RICCI, 2006, p.
12). O problema, para Malcher, é que a maioria dos cabanos não se conformou em apenas
colocá-lo no governo, para ele, a luta havia sido encerrada com a deposição do presidente
da província, mas “para a maioria cabana isto não era consenso (RICCI, 2006, p. 12).

O pedido de Malcher para que todos voltassem a seus afazeres, ao trabalho, soou à
maioria cabana como um retorno ao status quo, ou seja, uma continuidade da condição
social anterior. No levante de 7 de janeiro, os revoltosos pregavam a morte dos portu-
gueses e maçons, identificados como os inimigos, os exploradores:

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Somente em agosto de 1835, durante o segundo assalto cabano a Belém, e


meses após a morte de Malcher, foi que se expandiu a chacina aos inimigos
cabanos na capital do Grão-Pará. Meu argumento aqui é o de que houve
um aprendizado de luta entre um momento e outro. Minha hipótese é a de
que uma parte significativa da experiência de classe entre os cabanos teria
surgido em sua relação com os seus líderes, dentro do processo revolucio-
nário. (RICCI, 2006, p. 13)

Os cabanos que com Malcher assinaram o documento jurado perante a Câmara, em


12 de janeiro, afirmavam que a deposição e morte do antigo presidente da província,
“Bernardo Lobo de Souza estava ligada a uma exaustão generalizada e a um governo
marcado ‘por sua prepotência e arbitrariedades’” (RICCI, 2006, p. 13). Malcher e as lide-
ranças que assinaram o documento buscavam a conciliação com o Rio de Janeiro, mas
informavam que não aceitariam interferência da regência na região e, que, portanto, não
admitiriam nenhuma indicação vinda da capital do Império.

Lembravam ainda que a prosperidade do Pará estava associada à admi-


nistração de um “benemérito e patriota cidadão” a quem tinham aclama-
do. Concluíam sua ata demarcando que este presidente governava com
o intuito de cuidar do “bem público” e não de seus interesses pessoais.
(RICCI, 2006, p. 13)

Vários fatores levaram ao descontentamento da maioria dos cabanos em relação ao


governo de Malcher. Este havia prometido cuidar do bem público, mas logo demitiu a
maioria dos funcionários, nomeando apadrinhados seus para substituir os demitidos,
aumentando os salários daqueles.

Ele ainda confiscou todo o armamento disponível, inclusive o pertencente à Marinha.


Esse confisco poderia significar armar os cabanos para resistir a futuras represálias
vindas do Rio de Janeiro, porém, é preciso lembrar que Malcher já havia solicitado aos
cabanos que voltassem à vida normal, ou seja, estava implícito que ele desejava o desar-
mamento dos revoltosos, e assim procedeu, não entregando o armamento confiscado
aos cabanos. A confusão aumentou quando Malcher deu garantias aos portugueses em
relação a suas propriedades, mas também os proibiu de vender seus negócios e levar as
riquezas para Portugal.

De uma só vez, o presidente da província desagradou portugueses e cabanos. Aqueles


porque viam-se tolhidos de administrar seus bens como melhor lhes aprouvesse, estes
porque viam seus inimigos protegidos pelo novo governante.

Para piorar a situação de Malcher, os soldados milicianos estavam sem receber sa-
lários. Para tentar acalmá-los “Malcher utilizou um recurso engenhoso. O presidente
mandou reutilizar antigas moedas de cobre, chamadas de “Cuiabá”, as quais o governo
Imperial ordenara que fossem retiradas de circulação e remetidas imediatamente para a
Corte”. A medida não surtiu efeito, pois não foi possível estabelecer o valor de tal moeda,
“que estava fora de circulação no resto do Império e que renascia do Grão-Pará já infla-
cionada e fraca” (RICCI, 2006, p. 15).

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Por último, Malcher entrou em atrito com os soldados da tropa, quando tentou enviar
a maioria para fora de Belém, a pretexto de levar o novo governo para outras localidades.
Esse fato gerou um confronto entre Malcher e Francisco Vinagre, Comandante das Armas,
que passou a lutar contra o presidente da província.
Para entender o desenvolvimento do movimento cabano, a ascensão e queda de Malcher
e o aparecimento de novas lideranças, é necessário recuperar a trajetória pessoal e política
dessas pessoas. Felix Clemente Malcher atuava na região do Acará, próxima a Belém, onde
casou-se com a filha de rico proprietários de terras da família Henriques, “herdeiro de ses-
marias e descendente de conquistadores portugueses do rio Amazonas” (RICCI, 2006, p.
17). Malcher tornou-se líder liberal, foi Tenente-Coronel das Milícias e vereador em Belém.

Em 1834, Malcher também foi perseguido e preso em sua fazenda no


Acará, um pouco antes de 7 de janeiro de 1835. Foi nesta fazenda que
conheceu outro importante clã cabano e dele foi patrão. Eduardo Fran-
cisco Nogueira, ou Eduardo Angelim, era agregado da família de Malcher.
Também os irmãos Vinagre vinham da mesma região e eram pequenos
proprietários no local. Todo este passado, somado à prisão a que fora
submetido pelo Presidente da Província, Bernardo Lobo de Sousa, cre-
denciava Malcher à liderança do movimento cabano. (RICCI, 2006, p. 18)

As disputas entre Malcher e Francisco Vinagre aumentaram quando o presidente


da província tentou demitir o Comandante das Armas, em 9 de fevereiro de 1835. A
situação piorou quando Malcher ordenou a prisão de Eduardo Angelim, antigo aliado,
as lideranças cabanas foram se afastando do presidente da província, até que acuado se
retirou fixando-se

[...] na esquadra da marinha Imperial, que se encontrava em frente de Belém,


recém-chegada do Maranhão. Seu comandante, Pedro da Cunha, tentou
convencer Vinagre a desistir da disputa de poder com Malcher, mas este,
em 20 de fevereiro, ordenou que seu navio partisse para o Maranhão,
lembrando que sua presença no Pará não vinha da parte de Pedro II, mas
apenas do desejo maranhense de possuir o Pará. (RICCI, 2006, p. 19)

Ainda em janeiro, Eduardo Angelim é libertado e faz um acordo com Vinagre, em


21 de janeiro, para resolver a questão do governo da província. Em 20 de fevereiro,
Antônio Vinagre liderou as forças militares, que assassinaram Malcher, pois seu irmão,
Francisco, estava preso por ordem do presidente da província. Com a morte de Malcher,
Francisco Vinagre tornou-se presidente da província.

Ao que tudo indica, Francisco Vinagre já se considerava presidente da província desde o


dia 21 de janeiro, quando firmou acordo com Angelim. A ata elaborada nesse dia revogou
a de 7 de janeiro de 1835, “comunicando à Regência que o recém-empossado permane-
ceria no poder até que ela fizesse nova nomeação” (RICCI, 2006, p. 20). É importante
notar que a ata do dia 21 de janeiro de 1835 “reatava laços mais estreitos com a Re-
gência imperial, na medida em que dava ao Regente poderes para nomear o próximo
Presidente da Província do Pará” (RICCI, 2006, p. 20), ou seja, Vinagre, ao assumir a
presidência, dava um passo atrás ao movimento iniciado no ano anterior.

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Ao que tudo indica, o acordo selado entre Vinagre e Angelim não satisfez a maioria.
Como demonstra Ricci, “a massa cabana começava a eleger novos líderes e ampliar
ainda mais seu foco de luta” (RICCI, 2006, p. 20).

Francisco Vinagre governou até agosto de 1835, mantendo o compromisso de entregar


a presidência da província a quem fosse indicado pela regência. Nesse mês, chegou à Belém
o emissário do Rio de Janeiro, Marechal Manoel Jorge Rodrigues. Com a entrega do cargo
por Vinagre, foram realizadas eleições para a presidência da província. Tinha-se como certa
a vitória do padre Jerônimo Pimentel, ligado a Vinagre. Porém, por poucos votos foi eleito
Ângelo Custódio, que tinha como “sede eleitoral a cidade de Cametá, baluarte da resis-
tência anticabana” (RICCI, 2006, p. 22). Francisco Vinagre, mantendo seu compromisso
de aceitar o resultado das eleições, evacuou Belém. Mas novo fato levou à tomada da
cidade. O Marechal Manoel Jorge Rodrigues mandou prender Vinagre.

Com a prisão de Francisco, seu irmão Antonio reuniu tropa para voltar a
Belém, numa mortandade e luta sem precedentes. Nesta segunda tomada
da capital, Antonio Vinagre foi morto em combate e Eduardo Angelim
assumiu seu lugar em plena luta. No meio deste trágico cenário de mortes,
Eduardo Angelim deu ao seu discurso de “posse” um tom religioso e, mais
do que nunca, pautado na hierarquia e na ordem constitucional, que foi
sempre a sua marca. (RICCI, 2006, p. 22)

“A vitória dos cabanos corroborou a aclamação de Angelim”. Num longo aprendi-


zado, as massas cabanas passaram a desconfiar de suas lideranças e a querer mandar
mais do que ser mandados. “Tomada a capital pela segunda vez, todos queriam cargos”
(RICCI, 2006, p. 23).
Segundo testemunhos da época, a desordem era geral. As lideranças cabanas recla-
mavam da falta de alimentos e armas. Muitos moradores abandonavam Belém por medo
dos roubos praticados por cabanos, que saíam da cidade com canoas cheias, tornando a
vida na cidade muito difícil. “No meio deste caos, chegou a varíola, que matou muitos ca-
banos, inclusive o Comandante das Armas de Angelim”. A autoridade de Angelim ficou
abalada quando os cabanos descobriram que o bispo, D. Romualdo Coelho, com aval
de Angelim, promovia “as fugas de vários comerciantes e antigos moradores legalistas”
(RICCI, 2006, p. 24).
A desobediência era tal que Angelim mandou “matar, surrar ou prender escravos e
homens livres pobres e tapuios que teriam ‘lavado mãos em sangue inocente’. Ao que
parece, foi essa situação que fez com que Angelim resolvesse fugir” (RICCI, 2006, p.
25). A reação imperial veio em março de 1836, com a nomeação de Francisco José de
Souza Soares de Andréa como presidente da província do Grão-Pará. O general estava
autorizado a tomar Belém e acabar com os cabanos. Desde fevereiro, quatro navios de
guerra cercavam Belém.

Ao que tudo indica, a fuga de Angelim fez parte de um acordo com as tropas impe-
riais na baía do Guajará, na foz do Amazonas, para entregar a cidade ao enviado da re-
gência, general Soares de Andréa. O general legalista tomou Belém; porém, os cabanos
refugiados nas matas lutaram até 1840, quando foram derrotados. A Cabanagem foi um
movimento que reuniu várias classes e setores sociais, que tinham ideais controversos,
como demonstra Pinheiro:

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A magnitude da revolta se explicita de maneiras diversas, seja na destituição
violenta dos representantes do poder imperial; seja na inédita escolha de
três presidentes de província oriundos das hostes rebeladas; seja na radica-
lidade latente das propostas políticas veiculadas (autonomia política, forma
de governo republicano, abolição da escravatura etc.); seja, por fim, no furor
repressivo que resultou na morte de aproximadamente 40.000 pessoas em
toda a região. (PINHEIRO, 1999, p. 227)

É importante ressaltar que a maioria dos mortos eram negros, índios e mestiços, os
mais radicalizados, que ao longo das lutas perceberam que seus ideais não correspondiam
aos objetivos das lideranças que assumiram o governo da província do Grão-Pará, e por
isso foram massacrados.

Figura 2 – Oscar Niemeyer, Memorial da Cabanagem, Belém, 1985


Fonte: Wikimedia Commons

A Cabanagem causou milhares de mortes, que recaíram sob a população mais simples,
por isso, na atualidade, por vezes a revolta foi retomada a partir de uma simbologia po-
lítica, quando se quis aproximar o movimento de partidos que estavam na situação. Isso
demonstra como a História é revista e utilizada enquanto um instrumento de apropriação
do passado com fins de manipulação.

Revolta dos Malês


A revolta conhecida como Malês eclodiu em 25 de janeiro de 1835, em Salvador,
capital da província da Bahia. O nome Malê vem de imalê, que significa muçulmano em
ioruba, língua proveniente do continente africano. Os malês eram os mulçumanos de
língua ioruba, conhecidos na Bahia como nagôs. Havia outros grupos islamizados, que
também participaram da rebelião, como os haussás.

A revolta malê, sem dúvida, foi organizada pelos negros islamizados, principalmente
os de língua ioruba, os nagôs. Como foi prática corrente no período da escravidão, os
negros eram trazidos de vários pontos da África. Mas em Salvador, os iorubás eram
cerca de 30 por cento da população escrava no ano do levante, numa população de

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

aproximadamente 65 mil habitantes, em que 40 por cento eram escravos, ou seja, os


malês eram maioria absoluta da população escrava. Além dessa população escrava, a
cidade de Salvador contava com um número expressivo de negros e mestiços livres, que
juntamente com os escravos compunham mais de 70 por cento da população.

Na Bahia, predominava a produção de açúcar, principalmente no Recôncavo. “Ali


também se plantava o fumo, que era exportado para a Europa e para a África. Na África,
o fumo era utilizado na compra de escravos” (REIS, s.d., 4). A economia de Salvador
girava em torno dessa produção.

Além do trabalho na plantação de cana-de-açúcar e fumo, os escravos eram utiliza-


dos na maioria dos trabalhos como na criação de gado, no cultivo de mandioca, e na
cidade de Salvador, principalmente como trabalhadores domésticos, exerciam ofícios de
pedreiro, sapateiro, ferreiro etc. A maioria era formada por escravos de ganho, trabalha-
vam exercendo todo tipo de ofício na cidade, como os acima, mas também como vende-
dores e transportadores de todo tipo de mercadorias. Como demonstra João José Reis:

As ocupações dos presos por suspeita de participação na revolta de 1835


refletem a variedade de atividades desempenhadas pelos escravos urbanos.
Havia entre eles lavradores, remadores, domésticos, pedreiros, sapateiros,
alfaiates, ferreiros, armeiros, barbeiros, vendedores ambulantes, carrega-
dores de cadeira, entre outras atividades. A grande maioria dos rebeldes
se empregava em ocupações tipicamente urbanas. Foram pouquíssimos os
ocupados na lavoura, por exemplo. Um ou outro tinha vindo do Recônca-
vo para participar do levante em Salvador. (REIS, s. d., p. 5)

Esses escravos tinham maior liberdade e mobilidade, o que ajudou na organização


do movimento, além da língua falada, o ioruba, que facilitava a comunicação. Ainda
segundo Reis, libertos e cativos trabalhavam juntos, exercendo as mesmas funções.
Organizavam-se em grupos de trabalho, geralmente da mesma etnia:

Assim associados enfrentavam o trabalho diário e desenvolviam laços de


amizade e solidariedade que constantemente se desdobravam em ações
políticas. Esses grupos de trabalho foram essenciais na mobilização dos
africanos para a revolta em 1835 e em outras ocasiões. (REIS, s. d., p. 6)

Como demonstra Reis, não se sabe bem ao certo quais eram os planos dos revoltosos.
É possível que para os nascidos no Brasil fosse reservada a morte para alguns, a escravi-
zação para outros, sejam eles brancos ou negros. O que se sabe ao certo é que a revolta
foi organizada por negros africanos islamizados.

Apesar de apoiados por africanos não-muçulmanos, que também entraram


na luta, os malês foram os responsáveis por planejar e mobilizar os rebeldes.
Suas reuniões — feitas nas casas de libertos, nas senzalas urbanas, nos
cantos de trabalho — misturavam conspiração, rezas e aulas em que se
exercitavam a recitação, a memorização e a escrita de passagens do Corão,
o livro sagrado do islamismo. O próprio levante foi marcado para acontecer
no final do mês sagrado do Ramadã, o mês do jejum dos muçulmanos.
(REIS, s. d., p. 6)

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A revolta havia sido planejada para começar na manhã do dia 25 de janeiro de 1835,
porém, foram denunciados e surpreendidos por uma patrulha, que foi atacada por “cerca
de sessenta guerreiros africanos. Uma pequena batalha aconteceu na ladeira da Praça
e, em seguida, os rebeldes se dirigiram à Câmara Municipal, que funcionava no mesmo
local onde funciona ainda hoje (REIS, s. d., p. 3). Os rebelados atacaram a Câmara
para libertar um dos líderes, Pacifico Licutan, que estava preso no subsolo, não por ser
identificado com a revolta malê, mas sim por dívidas de seu proprietário, que teve seus
bens penhorados, incluindo aí seu escravo. O ataque à prisão não foi bem-sucedido. “O
grupo foi surpreendido no fogo cruzado entre os carcereiros e a guarda do palácio do
governo, localizado na mesma praça” (REIS, s. d., p. 3).

A antecipação do movimento impediu a união de todos que estavam organizados para


a revolta. Os rebelados saíram pelas ruas tentando mobilizar os demais. Travaram várias
batalhas, “Mas foram barrados no quartel da cavalaria em Água de Meninos. Neste local,
deu-se a última batalha do levante, sendo os malês massacrados. Alguns que tentaram
fugir a nado terminaram se afogando” (REIS, s. d., p. 3). Segundo Reis, o movimento foi
liderado por africanos, o que leva o autor a afirmar que caso tivessem sucesso,

[...] a Bahia malê seria uma nação controlada pelos africanos, tendo à frente
os muçulmanos. Talvez a Bahia se transformasse num país islâmico or-
todoxo, talvez num país onde as outras religiões predominantes entre os
africanos e crioulos (o candomblé e o catolicismo) fossem toleradas. De toda
maneira, a revolta não foi um levante sem direção, um simples ato de deses-
pero, mas sim um movimento político, no sentido de que tomar o governo
constituía um dos principais objetivos dos rebeldes. (REIS, s. d., p. 6)

A revolta que acabou com a morte de mais de setenta negros e com algumas baixas
nas forças repressivas, colocou medo entre a população livre da cidade, foi noticiada
na maioria das cidades brasileiras “e as autoridades submeteram a população africana
a uma vigilância cuidadosa e muitas vezes a uma repressão abusiva” (REIS, s. d., p. 4).

Guerra dos Farrapos


A guerra dos Farrapos, ou revolta Farroupilha, eclodiu no Rio Grande do Sul, em se-
tembro de 1835, e foi a mais longeva do período regencial, terminando dez anos depois,
em 1845. Segundo Laura Leão Dornelles, nesse período, o Rio Grande do Sul passou
para algumas transformações. A autora divide o movimento em três fases distintas. A
primeira fase vai do início da guerra até setembro de 1836, “da deposição de Fernandes
Braga à Proclamação da República Rio-Grandense”. O segundo período, vai do final do
primeiro até maio de 1840, “da Proclamação da República Rio-Grandense à campanha
da maioridade de Dom Pedro II”, e por fim, daí até “à pacificação do Rio Grande do Sul”
(DORNELLES, 2010, p. 169).
No primeiro período, a Guerra dos Farrapos foi encabeçada por “grandes estancieiros,
charqueadores, comerciantes e representantes da cúpula militar” que, descontentes com
a política de centralização aplicada pelo Rio de Janeiro, tentaram negociar com a re-
gência. “De início, muitos líderes farroupilhas não eram republicanos nem separatistas”
(DORNELLES, 2010, p. 169), mas, vendo frustradas suas pretensões, proclamaram a
República Rio-Grandense.

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

A Revolução Farroupilha teve como fundamento os descontentamentos dos grandes


estancieiros contra a política centralizadora do Rio de Janeiro. Para esse setor das classes
dominantes rio-grandenses, a regência permitia a entrada de charque uruguaio para re-
baixar os preços do produzido por eles. Além disso,

[...] de todos os impostos arrecadados nas províncias, era a corte que de-
terminava qual a quantia que podia ficar no sul e qual deveria ir para o Rio
de Janeiro. Era ainda o centro que designava o governante para as pro-
víncias, geralmente um elemento de fora que não atendia aos interesses da
região. (PESAVENTO, 1985, 101-102)

Outra questão incomodava às lideranças farroupilhas: as guerras na região do Prata.


“O Rio Grande do Sul sempre havia contribuído com seus homens nas guerras com
os povos platinas, mas a chefia das tropas era sempre confiada a alguém de fora da
província” (PESAVENTO, 1985, p. 102). A Revolução Farroupilha teve, no princípio,
ideias federativas, mas com a manutenção da centralização imposta pelo Rio de Janeiro,
avançou para a Proclamação da República Rio-Grandense, proclamada em setembro
de 1836, um ano após o início da rebelião, setembro de 1835, e da tomada de Porto
Alegre, com a consequente deposição do presidente da província, Fernandes Braga. A
proclamação foi possível após a vitória das tropas lideradas pelo general Antônio de Souza
Neto, sobre as tropas imperiais lideradas pelo coronel João da Silva Tavares, em Bagé, na
batalha conhecida como Combate de Seival. Após a vitória, em 11 de setembro de 1836,

Neto proclamou a República Rio-Grandense. A partir desse momento, o


movimento sulista passava a ter um caráter separatista e a situação política
rio-grandense começava a mudar de uma província brasileira para um novo
Estado. A discussão agora seria acerca de um presidente para a nova Re-
pública, ao invés da substituição do governante provincial. (DORNELLES,
2010, p. 169)

Após a Proclamação da República Rio-Grandense, os farroupilhas se organizaram


e conseguiram várias vitórias contra as tropas imperiais. Bento Gonçalves foi indicado
para a Presidência da República. Esse é o período de ascensão dos farroupilhas, a partir
daí, as divergências ficaram mais evidentes entre a maioria formada por Bento Gon-
çalves, Domingos José de Almeida, José Mariano de Mattos, Antônio de Souza Neto,
Ulho Cintra, José Gomes Portinho, entre outros, e a minoria formada por Vicente da
Fontoura, David Canabarro e Onofre Pires.

Segundo Dornelles, na Assembleia Constituinte de 1842, aparecem dois projetos. O


primeiro atribuído à minoria progressista e o segundo ligado à minoria conservadora. O
projeto da minoria, além de preservar interesses pessoais de suas lideranças, propunha a
abolição da escravatura, um governo republicano e a integração latino-americana. O pro-
jeto da minoria não buscava mudanças sociais econômicas, nem a mudança do sistema
político, apenas desejando melhorias pessoais. Ainda segundo a autora, a maioria “de-
fendia um federalismo enquanto confederação de viés republicano”, propunha a indepen-
dência interna e externa do Rio Grande do Sul. “Já a minoria” (DORNELLES, 2010, p.
170) defendia o federalismo, mas mantendo a província vinculada ao império brasileiro.

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É importante ressaltar que os líderes das duas facções não radicalizaram o

[...] movimento com o intuito de preocupar-se com a distribuição de renda ou


inserção das massas nas esferas governamentais. Isso se deveu à formação
do movimento em si, composto por homens provenientes das camadas altas
da sociedade riograndense, grandes estancieiros, charqueadores, comer-
ciantes e cúpula militar. (DORNELLES, 2010, p. 171)

No terceiro período do conflito (1840-1845), entre rio-grandenses e o império, a


minoria conservadora assumiu o comando da revolta Farroupilha.

[...] haja vista o próprio afastamento de Bento Gonçalves do governo, em


agosto de 1843. A partir de 1841-42, concomitante à instauração de
Dom Pedro II como Imperador do Brasil, o poder de direção da Guerra
foi para as mãos da “minoria”, o que acabou culminando com a pacifi-
cação do conflito, no Acordo de Ponche Verde, em 28 de fevereiro de
1845. (DORNELLES, 2010, p. 171)

A manutenção do conflito durante dez anos só foi possível porque os farrapos rece-
beram ajuda dos países platinos, com fornecimento de “armas e animais pelas fronteiras.
[...] Por outro lado, a sustentação econômica da guerra foi possível porque o charque rio-
-grandense era contrabandeado para o Brasil pelo porto de Montevidéu, como se fosse
de procedência uruguaia (PESAVENTO, 1985, p. 102). Para melhor compreensão do
movimento dos farrapos e do desfecho das hostilidades entre rio-grandenses e o império,
é importante analisar as reivindicações iniciais das lideranças farroupilhas.

O manifesto lançado por Bento Gonçalves, em 1835, criticava o governo de


Fernandes Braga, acusando-o de ser retrógrado, perseguidor da oposição, antinacional
e opressor. Fica evidente a crítica à regência e não ao império.

A partir do documento de Bento Gonçalves, é possível afirmar que, nessa primeira


fase da guerra Farroupilha, não havia a proposta de separação do Rio Grande do Sul do
império brasileiro. Pode-se inferir da proclamação de Bento Gonçalves que

A insurreição que se dera contra a administração do Império é tida como


uma “consequência inevitável” dessas arbitrariedades. Os rio-grandenses
estariam “salvando” a Pátria. Estariam lutando não só por sua Província,
mas pelos demais brasileiros, o que, se pensava, lhes seria reconhecido
pela posteridade. (DORNELLES, 2010, p. 173)

Bento Gonçalves buscava nos manifestos que lançou no primeiro período abafar as
divergências entre as lideranças, dando aos manifestos um “tom épico”, conferindo “aos
homens que pegaram em armas o papel de heróis”. Para concretizar esse tom afirmava
que a província se encontrava “em uma situação de ‘caos’ e aos revoltosos caberia a instau-
ração de uma situação em que a lei e a ordem voltassem a imperar” (DORNELLES, 2010,
p. 173), para depois conclamar a todos para cumprirem os preceitos constitucionais.

Isso demonstra uma preocupação com a “constitucionalidade” do Império, mais do que


uma possível separação da Província de São Pedro do restante do Brasil. Porém, Bento
destaca um “governo ilustrado, liberal e conforme com os votos da maioria da Província”,

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

sendo que pôde apontar tanto para uma monarquia constitucional quanto para uma ideia
de forma de governo republicana, o que só ficou realmente claro no ano de 1836, quando
da Proclamação da República Rio-Grandense. (DORNELLES, 2010, p. 173)

Como afirmado anteriormente, o não atendimento das principais reivindicações das


lideranças farroupilhas levou à Proclamação da República Rio-Grandense, afirmando, a
partir daí, a proposta de separação. O movimento era tão abrangente e havia alcançado
tantos aliados, que Giuseppe Garibaldi chegou a construir dois navios, sendo que um
deles, o Farroupilha, sofreu naufrágio ao ser levado para o mar através da Lagoa dos
Patos. Garibaldi e alguns de seus homens sobreviveram e ainda participaram de vários
eventos da Guerra.

Figura 3 – Declaração do Barão de Caxias anunciando o fim da Revolução Farroupilha,


Arquivo Nacional, Fundo Caxias, doc. 288, f3, cx.810, pct. 6
Fonte: Wikimedia Commons

Porém, enfatizamos que, a partir de 1840, com o fim da regência e a declaração


da maioridade de D. Pedro II, a minoria conservadora, que buscava apenas melhorias
pessoais, assumiu a liderança do movimento, prevalecendo, a partir daí, as negociações
com o império.

Com as forças farroupilhas enfraquecidas, em 1845, a manutenção da República Rio-


-Grandense estava comprometida. A partir daí prevalece a busca pela constitucionalidade
imperial. Analisando o manifesto lançado em 28 de fevereiro de 1845, por Lucas de
Oliveira, fervoroso republicano, Dornelles demonstra a fragilidade da campanha farrou-
pilha. O manifesto saúda “o retorno do Rio Grande como província brasileira. Tendo isso
em vista, é compreensível que o discurso que apregoa o reatar de laços políticos com o
Império viesse em um tom de satisfação e orgulho da ‘repatriação’, já que voltariam a
se inserir no espaço do país como brasileiros novamente (DORNELLES, 2010, p. 175).

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Segundo Pesavento, contribuíram para a assinatura do tratado de paz de Ponche
Verde, os conflitos que se avizinhavam

[...] na região do Prata, para os quais o Império brasileiro precisava do


apoio militar do Rio Grande do Sul para obter a paz e contar com os
gaúchos do seu lado, o Império atendeu algumas das reivindicações dos
farrapos: dificultou a entrada no Brasil do charque estrangeiro, permitiu
que os gaúchos escolhessem seu governante e determinou que todos os
farroupilhas poderiam passar para o exército brasileiro com os mesmos
postos com que lutavam nas forças rebeldes. (PESAVENTO, 1985, p. 102)

O imperador delegou a Luís Alves de Lima e Silva a tarefa de pacificar o Rio Grande
do Sul. Ele tinha o aval imperial para agir com violência, mas, segundo Dornelles

[...] optou pela diplomacia, fazendo apelo ao patriotismo dos insurretos e


desenhando Manuel Oribe e Juan Manuel de Rosas, respectivamente pre-
sidentes do Uruguai e da Argentina, como reais inimigos dos sulistas. Lima
e Silva foi aclamado como “pacificador do Brasil”, agregando o título de
conde de Caxias à presidência da Província Rio-Grandense. (DORNELLES,
2010, p. 171)

O tratado de Ponche Verde atendeu à maioria das reivindicações das lideranças far-
roupilhas, entre elas, destacam-se:

1) os oficiais republicanos, a exceção dos generais, poderiam entrar para


o exército nacional;

2) os negros libertos, soldados republicanos, entrariam para o serviço


militar imperial como cidadãos livres;

3) a dívida de guerra da República seria assumida pelo Império;

4) a escolha pelos republicanos, do novo Presidente da Província;

5) ninguém seria processado por sua participação na guerra;

6) os bens e as pessoas dos insurrectos ficavam livres de ações futuras.


(HARTMANN, 2002, p. 80)

Segundo Dornelles, as cláusulas atendidas soaram

[...] em benefício das lideranças farroupilhas, e não diretamente às massas


que lutaram em suas trincheiras. As dívidas que foram pagas pelo governo
imperial não seriam as dos soldados farrapos, mas a de seus superiores.
O destino da grande parte dos escravos, que ainda estavam vivos após
o massacre que houvera em Cerro dos Porongos, também não foi o da
liberdade. (DORNELLES, 2010, p. 176)

O resultado final da Guerra dos Farrapos corrobora a tese de que as lideranças far-
roupilhas eram em sua maioria grandes proprietários, que buscavam benefícios próprios
e controle sobre a província, não tendo por objetivo melhorar as condições de vida da
maioria do povo rio-grandense. Portanto, podemos afirmar que a Guerra Farroupilha

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

foi uma revolta dos grandes proprietários contra o que entendiam como desmandos do
poder centralizado no Rio de Janeiro. A proclamação dos líderes e certa historiografia
comprometida com essas lideranças, de certo modo romantizaram a Guerra dos Far-
rapos. Uma historiografia mais atual vem contribuindo para analisar as várias fases e
vertentes, permitindo, assim, uma compreensão mais aprofundada das razões e dos
resultados do movimento.

Sabinada
A Sabinada foi uma revolta que aconteceu entre novembro de 1837 e março de 1838.
Foi um movimento de inspiração liberal e republicano liderado pelo médico mestiço Fran-
cisco Sabino Vieira, daí o nome da revolta, que contou com a participação de profissionais
liberais (médicos, advogados, jornalistas etc.), funcionários públicos, oficiais militares, co-
merciantes, artesãos e de trabalhadores de diversas profissões (sapateiros, pedreiros etc.).
Como demonstra Lopes, é possível notar na Sabinada
[...] a radicalidade política de uma camada urbana, socialmente intermediária,
que por um lado não era parte do ‘povo mecânico’, e por outro estava dis-
tante social e economicamente dos grandes proprietários que dominavam a
cena política e administrativa da província. (LOPES, 2008, p. 37)

Os revoltosos tomaram a cidade de Salvador e declararam a Bahia independente.


Entretanto, a reação se reorganizou no Recôncavo baiano, com a ajuda dos grandes
fazendeiros, tomando a cidade e pondo fim à revolta.
A Sabinada foi influenciada pela forte crise econômica que assolou a Bahia na década
de 1830. Devido a isso, teve forte participação das camadas populares, que sofria com
a carestia e a falta de gêneros de primeira necessidade. A Bahia, nesse período, era
“marcada pela desigualdade social na distribuição da riqueza”, assim como “apresentava
significativas diferenciações quanto a cor, estatuto legal e categorias sócio-ocupacionais.
Era perpassada, ainda, por questões étnico-nacionais (crioulos x africanos, portugueses x
brasileiros)” (SOARES, 1991, p. 120-121). O contexto social baiano dos anos anteriores
à revolta (1835-1836) era de

[...] profunda desigualdade social [...] associada à brutal concentração de


renda e às frequentes crises de abastecimento – o que tornava comuns
na paisagem urbana as figuras de crianças abandonadas e miseráveis de
todo tipo. Moravam também em Salvador as famílias dos mais abastados
senhores de terras e escravos da província. Dessa forma, as diferenças
entre os extremos sociais – ricos e pobres, brancos e pretos – eram cons-
tantemente reiteradas e reconstruídas. (LOPES, 2008, p. 38)

Além da crise econômica, é necessário considerar outros fatores que levaram à to-
mada da cidade de Salvador e à declaração de independência. Um primeiro fator que
pode ser levantado foi a lusofobia. Havia na Bahia, desde a época da independência
brasileira, uma revolta da população livre de brancos, mestiços e até escravos contra o
monopólio dos portugueses sobre o comércio. Logo após a independência, constituiu-se
o movimento “mata-marotos”, que tinha por objetivo atacar portugueses comerciantes.
Como demonstra Lopes (2008, p. 40):

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Em 1831, um movimento deste tipo teve lugar na cidade de Salvador, as-
sociado à oposição a Pedro I. Neste episódio, as tropas baianas levantadas
conseguiram a demissão do comandante das armas, o português João
Crisótomo Callado. [...] A partir da abdicação, os conflitos antilusitanos
passaram a ser cada vez mais associados aos setores urbanos médios e bai-
xos da população. A elite baiana [...] demonstrou ser contrária à expulsão
dos portugueses, de cujo capital dependiam seus negócios.

Esse antilusitanismo era forte entre as camadas populares, as lideranças – setores


médios – tinham cuidado com o tratamento com os portugueses, pois deles dependiam
para o abastecimento de bens de primeira necessidade e de armamentos, já que os lusi-
tanos tinham estoques de armas e munições.

Apesar dos cuidados, era preciso controlar os lusitanos, por isso “uma das primeiras
medidas revolucionárias foi, ‘por cautela’, o desarmamento dos portugueses e o recolhi-
mento de suas armas para o Estado Independente” (LOPES, 2008, p. 43). Com o cerco
da cidade promovido pela reação, Salvador ficou desabastecida, o que levou o governo
rebelde, em fevereiro de 1838, a determinar

[...] a prisão de todos os portugueses. A situação de desabastecimento da


cidade, a esta altura, já era grave a ponto de tornar secundárias as conse-
quências da fuga de capital português da cidade. Já não havia mais pos-
sibilidade de qualquer troca ou comércio, e a hostilidade recaía sobre os
portugueses com mais violência do que em tempos anteriores. (LOPES,
2008, p. 43)

Lopes destaca que a Sabinada, diferentemente das demais revoltas do período re-
gencial, teve como pano de fundo a insatisfação das camadas médias, que lideraram
o movimento, em relação à arrecadação tributária centralizada no Rio de Janeiro, o
que deixava, segundo as lideranças da Sabinada, as províncias em estado de miséria.
É importante ressaltar que os profissionais liberais foram duramente golpeados pela lei
tributária, que “deveria ter vigência de 1º de julho de 1837 até 30 de julho de 1838”
(LOPES, 2008, p. 51), pois a referida lei aumentava o número de contribuintes, passando
a contribuir com o fisco justamente aqueles que lideraram a Sabinada.

Ainda segundo a autora, outro fator importante que levou à revolta foi o estabele-
cimento do Código de Processo Criminal de 1834 “que se por um lado abria espaço
para a distribuição de poder no âmbito provincial, por outro lado permitia o aumento da
coerção exercida por mandatários locais junto à população” (LOPES, 2008, p. 47). O
Ato Adicional de 1834 também era criticado pelos liberais sabinos, pois “era visto como
a lei que permitiu a cobrança de taxas mais abusivas que as praticadas anteriormente
pelo Estado unitário” (LOPES, 2008, p. 53).

Para as lideranças da revolta, o Ato Adicional, apesar de promover certa descentra-


lização, concedendo maior poder às províncias, privilegiou as classes dominantes locais
em detrimento dos setores médios, como demonstra Lopes ao analisar fragmentos da
imprensa liberal de Salvador. Para ela a imprensa questionava

[...] se o poder conferido às províncias pelo Ato Adicional era realmente


administrado em favor da província. Seu objetivo é denunciar como um

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

espaço político como a Assembleia Legislativa Provincial, criado para


“promover a felicidade de seus representados”, fora transformado em um
veículo de opressão sobre a população, por meio de tributos e da distri-
buição parcial de privilégios. (LOPES, 2008, p. 54)

A crítica principal recai sobre o poder excessivo que as classes dominantes que go-
vernam a província têm sobre as demais classes sociais e de como utilizam esse poder
para oprimir a maioria.
Segundo interpretação dos liberais baianos, o Ato Adicional não contemplou a parti-
cipação de todos os setores sociais na vida política das províncias, ou, melhor dizendo,
não possibilitou a participação dos setores médios nas Assembleias Provinciais, pois
estes, apesar de ter “algum prestígio, diploma ou casa comercial, não tinham condições
de financiar uma campanha eleitoral nos moldes praticados pelos senhores de terras e
escravos” (LOPES, 2008, p. 55).
Cerceados da participação política na Assembleia Provincial, restou aos liberais baianos
a busca pela “intervenção política paralela aos espaços institucionais da província”, o que
legitimava a “ação revolucionária, a partir da qual a Bahia passaria a ser diretamente go-
vernada pelos setores médios e letrados da cidade de Salvador, em seu próprio benefício
e não mais dos chamados ‘aristocratas’” (LOPES, 2008, p. 55).
Como demonstrado, a Sabinada teve como pano de fundo vários fatores, que ao cabo le-
varam a tomada da cidade de Salvador e à proclamação da independência. Segundo Lopes:

Mais do que estabelecer um conceito político ao qual defender, os sabinos


pretendiam promover um regime de governo considerado mais justo para
seus pares e para a Bahia. Sua proposta era a ruptura com um quadro
político-institucional reconhecido como nocivo. Sua identidade é mobilizada
sobretudo pela noção de intervenção política radical. (LOPES, 2008, p. 59)

Insatisfeitos com a impossibilidade de participação política, os liberais baianos viram


como legítima a revolução. “Os rebeldes obtiveram êxito no confronto com o poder es-
tabelecido, pois conseguiram o fundamental apoio das tropas da cidade. Juntos, ‘tropa e
povo’ expulsaram os governantes da cidade” (LOPES, 2008, p. 64), tomando a cidade de
Salvador e governando o Estado Independente por quatro meses. Após a tomada de Sal-
vador, os revolucionários constituíram o governo, porém, sem profundas alterações, pro-
vavelmente por estarem acossados pelas tropas legalistas: “É lícito pensar que o contexto
da guerra não permitiu voos administrativos muito altos, impondo ao Estado Independente
a necessidade de compor alianças e suavizar sua radicalidade inicial (LOPES, 2008, p. 62).
Cercados pelas tropas legalistas, financiada pelos grandes proprietários rurais, por
terra e mar, e sem conseguirem grande adesão à causa revolucionária fora da cidade de
Salvador, a Sabinada foi sufocada e derrotada.
As estimativas dão conta de que mil pessoas foram mortas em combate. Algumas li-
deranças foram executadas, outras deportadas. Os que foram capturados foram julgados
e condenados por traição. Francisco Sabino fugiu para a província do Mato Grosso, onde
passou o resto de seus dias na fazenda Jacobina. Outros líderes que conseguiram fugir
juntaram-se à Revolução Farroupilha.

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Balaiada
A Balaiada, revolta que eclodiu em 1838, até 1840, na província do Maranhão,
estendo-se para o Ceará e o Piauí, está entre as revoltas do período regencial que esti-
veram ligadas a questões políticas e econômicas da época.

Quando da eclosão da Balaiada, a Província do Maranhão, em especial


o interior, vivia uma situação de profunda violência, oriunda dos recru-
tamentos indistintos, prisões indiscriminadas, trabalhos forçados. Como
reação, era comum naquele contexto o arrombamento de cadeias, fugas
de membros da Guarda Nacional, assassinatos, suicídios e tantas outras
formas de reação que a população mais humilde adotou para demonstrar
sua insatisfação, seu descontentamento contra todos aqueles que para
eles eram os culpados de sua situação. (SANTOS, 2011, p. 10-11)

A revolta começou em 13 de dezembro de 1838, quando os rebelados tomaram a


cadeia da Vila da Manga, “ocasião em que foi lançado o manifesto pelos revoltosos, ins-
pirado nas reivindicações dos liberais bem-te-vis” (SANTOS, 2011, p. 11). Os rebeldes
tomaram a vila de Caxias, assumindo o poder político da cidade.

A revolta teve a presença de vários setores populares como vaqueiros, escravos fugitivos,
pequenos artesões, agricultores, sem-terra, desertores da Guarda Nacional, pequenos co-
merciantes, fazendeiros, ou seja, em sua composição havia pessoas com ideais distintos,
mas que se unificavam a partir da “confluência de fatores sociais (desrespeito, opressão, ex-
ploração e miséria) e de reivindicações políticas de caráter nativistas (suspensão da Lei dos
Prefeitos e Subprefeitos, expulsão do Presidente da Província, expulsão dos portugueses)”
(SANTOS, 2011, p. 11).

Segundo Santos, para entender a Balaiada é necessário levar em consideração o


desenvolvimento desigual entre o litoral e o sertão. Este se desenvolveu “desarticulado
da capital, São Luís, o que favoreceu um relacionamento tenso e cheio de conflitos
entre as classes sociais do sertão e o poder da província” (SANTOS, 2011, p. 11). Os
sertanejos de várias categorias se armaram contra as autoridades provinciais, lutando
pela liberdade. A Balaiada “foi um movimento de revolta de caráter popular, e dada a
heterogeneidade de seus componentes, foi marcado pela pluralidade de características
contraditórias e diversificadas, cujos matizes são definidores de sua natureza sertaneja”
(SANTOS, 2011, p. 12).

O grupo bem-te-vi, liberais, pretenderam dirigir o movimento, manipulando os re-


voltosos, lançando manifestos por meio da imprensa, porém, segundo Janotti, sem
hipotecar-lhes apoio.

Esqueciam, porém, que fazendeiros do sertão, pertencentes ao seu próprio


partido, integravam as forças balaias. Estes seriam submetidos, no final do
movimento, pelos proprietários que conseguiram ter acesso ao aparelho
do Estado, concentrados na capital da província. Estavam-se constituindo,
sem dúvida, as classes dominantes maranhenses, eliminando da hegemonia
alguns de seus segmentos. (JANOTTI, 2005, p. 54).

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

A revolta teve início com as disputas entre duas facções: os bem-te-vis (liberais), que
estavam no governo do Maranhão, mas que perderam para os cabanos (conservadores),
com a ascensão dos conservadores no governo imperial, que passou a ter como regente,
Araújo Lima. As lideranças populares, como o vaqueiro Raimundo Gomes, que liderou
a tomada da cadeia de Vila da Manga, Manoel dos Anjos Ferreira, que levava o apelido
de Balaio, por ter como profissão o artesanato de palha, Ruivo, vaqueiro, Irmãos Aguiar,
pequenos fazendeiros, Cosme Bento das Chagas, preto Cosme, escravo foragido, orga-
nizaram o movimento no sertão, conquistando a vila de Caixas e cercando outras.

O crescimento dos balaios identificados com os setores marginalizados da sociedade


levou à aproximação de liberais e conservadores, pois estes temiam que os revoltosos, se
vitoriosos, pudessem exigir mudanças estruturais, alterando, de algum modo, o sistema
de dominação vigente. Temiam também que a aproximação dos balaios com os escravos
pudesse levar à luta pela abolição da escravatura.

A união de bem-te-vis e cabanos gerou um forte movimento de repressão. O


governo central nomeou o coronel Luís Alves de Lima e Silva (futuro Duque de Caxias)
presidente da província e comandante da repressão.

A repressão violenta de Luís Alves de Lima, enviado pelo governo central,


foi apoiada por todas as facções liberais e cabanas. Temiam os balaios
entregarem-se às forças oficiais, pois, quando os primeiros grupos se ren-
deram, ou aceitaram a proposta da anistia, foram obrigados a combater
seus próprios correligionários. O final da Balaiada foi marcado pela traição,
assassinatos, deserções, prisões e torturas, atestados nos relatórios firmados
pelo presidente. (JANOTTI, 2005, p. 55)

No final, negro Cosme, líder popular, ficou isolado e lutou junto aos escravos até a
repressão final. “D. Cosme foi enforcado em praça pública, oferecendo à população o
espetáculo de uma punição exemplar. Acabava a Balaiada” (JANOTTI, 2005, p. 55).

As classes dominantes regionais se reorganizaram, o que restou dos partidos con-


servador e liberal articulara-se “repartindo entre si não só os cargos administrativos e
burocráticos do governo provincial, como também a composição da representação ma-
ranhense na Câmara e no Senado” (JANOTTI, 2005, p. 55). À população pobre restou
vender sua força de trabalho a quem quisesse comprar, andando de vila em vila à procu-
ra de trabalho. Muitos se organizaram em bandos, vendendo proteção aos fazendeiros:
“Com a derrota dos balaios, mantiveram-se as péssimas condições de vida da população
piauiense [e maranhense] e o analfabetismo, as oligarquias rurais se fortaleceram mais
ainda” (DIAS, 1995, p. 86).

A turbulência política que marcou o período regencial, somada ao descontentamento


e miséria das regiões mais remotas e desprotegidas, detonou uma série de insurreições
em vários pontos do país.

Em Pernambuco de 1848, além da tradicional luta entre liberais e conservadores, surgia


um terceiro partido – da Praia, nome da rua em que era editado um jornal do partido. Os
rebeldes eram comandados por Pedro Ivo, o “Capitão da Praia” e realizaram um ataque
fracassado, comprometendo todo o movimento. Em 1852, o decreto de anistia para os
praieiros pôs fim a última revolta do período, já em pleno Segundo Reinado.

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Malês, cabanos, sabinos, balaios e praieiros – em sua maioria deserdados da terra
– foram alguns dos milhares de personagens anônimos que deram suas vidas pela cons-
trução do Brasil enquanto Nação. Mas ainda havia um longo caminho pela frente, a década
sem imperador definiu as forças políticas e os partidos, legitimando e mantendo as bases
da desigualdade social (MUGGIATI, 2006).

As Disputas entre Liberais e Conservadores:


O Golpe da Maioridade
O período regencial foi a prova de fogo para a sobrevivência política do Império. Além
dos sangrentos levantes que irromperam nos quatro cantos do país, os debates parlamen-
tares através da imprensa refletiam a busca de caminhos políticos no entrechoque de um
número de facções que iam do monarquismo liberal ao constitucionalismo conservador,
dividindo-se os próprios liberais entre moderados e exaltados. A Revolução de 1830,
na França, que fez o rei Carlos X abdicar, em troca de um novo monarca que realizou
várias concessões liberais, inflou os ânimos de grupos liberais no Brasil. Roberto Muggiati
(2006) apresenta um cenário interessante de reflexões com base nos embates políticos
do período regencial.

Segundo os seus escritos, os acontecimentos franceses tiveram no Brasil um efeito


de choque considerável e insuflaram os ânimos dos grupos liberais de ideias avançadas,
que queriam ir além. Desde o início dos anos 1830, tais grupos estavam se preparando
para ações contra o regime monárquico. Reunidos em sociedades secretas, como a
Sociedade dos Amigos Unidos do Rio de Janeiro, conhecidos como farroupilhas, termo
mais tarde empregado pelos revolucionários gaúchos.

O termo “farroupilha” foi empregado neste momento aos membros da Sociedade,


pois houve inspiração no modo como Cipriano Barata, deputado brasileiro nas Cortes
portuguesas, vestia-se e saía nas ruas de Lisboa, insistindo em afirmar a sua brasilidade
usando roupas maltrapilhas e chapéu de palha.

Presentes no cenário político brasileiro desde o contexto da Independência, o libera-


lismo e o conservadorismo não eram tendências excludentes, mas conviviam de forma
harmoniosa. Na Constituição, o Poder Moderador foi conjugado a um liberalismo que
assegurava direitos civis e políticos aos brasileiros livres e proprietários. No contexto da
regência, o liberalismo estava na base dos questionamentos sobre as desigualdades entre
os poderes Executivo e Legislativo.

Mas havia também um uso diferente do ideário liberal naquela época, os chamados
“liberais exaltados”, que defendiam uma organização política descentralizada, mas ainda
não criticavam a desigualdade entre escravos e livres, nem entre cidadãos com ou sem
direito a voto. Era um “liberalismo conservador que legitimava as bases da desigualdade
social” (MUGGIATI, 2006, p. 87).

Os liberais moderados assumiram o poder em 1831, com o pretexto de salvar a socie-


dade da anarquia causada por um “excesso de autoridade” personificado no poder mode-
rador. Em pouco tempo ocorreu uma cisão, os regressistas queriam o restabelecimento

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

da organização política no modelo da Constituição de 1824, enquanto os progressistas


defendiam um Legislativo mais forte no âmbito do poder central e, embora fiéis à centra-
lização, mostravam-se mais sensíveis às reivindicações de autonomia das províncias. Em
1837, com a queda do regente Feijó e sua substituição por Araújo Lima, predominou a
tendência conservadora.

A partir dos progressistas e regressistas nasceriam os partidos políticos do Segundo


Reinado, e, sob o comando conservador, se consolidaria o quadro político-partidário do
Império. Dolhnikoff (2005) sustenta que, ao contrário da visão de vários estudiosos, este
regresso conservador não significou a superação das prerrogativas conquistadas pelas
elites regionais com o Ato Adicional de 1834. O Ato conciliou tendências moderadas e
tendências exaltadas, substituindo os Conselhos Provinciais e órgãos consultivos pelas
Assembleias Provinciais Legislativas, que podiam, nos municípios, legislar sobre a orga-
nização civil, judiciária e eclesiástica, obras públicas, despesas e impostos, entre outros.
Por este Ato, a Regência Trina passou à Regência Una, na tentativa de acalmar as in-
satisfações, enfim, a maioridade de D. Pedro II foi antecipada dos 21 para os 18 anos.

Ainda segundo Dolhnikoff (2005), a unidade nacional e a Consolidação do Estado


só foram alcançadas com a ativa participação dessas elites políticas, organizadas nas
Assembleias provinciais e representadas na Câmara dos deputados, através de constante
negociação com o centro do poder, a Corte do Rio de Janeiro. Não é por acaso que
alguns historiadores se referem ao período entre 1831 e 1840 enquanto “a experiência
republicana” (MUGGIATI, 2006).

Quando D. Pedro I abdicou ao trono, foi simbolicamente importante a permanência


de um imperador menino, para a preservação do regime e integridade territorial do Im-
pério, em uma época de convulsões políticas. Diante do impasse entre duas principais
correntes – a radical, que queria uma ruptura completa com Portugal, e a moderada,
que desejava manter as tradições herdadas dos lusos – a sombra da ameaça republicana,
uma ideia começou a ganhar corpo: o da antecipação da maioridade de D. Pedro de
Alcântara. Os maioristas se avolumaram e, em 21 de julho de 1840, foi votado favora-
velmente na Assembleia o projeto de lei que proclamava D. Pedro maior aos 14 anos
(MUGGIATI, 2006).

O golpe que elevou à maioridade D. Pedro II tem como pano de fundo aconteci-
mentos do período regencial. O governo liberal do regente Feijó era acusado pelos con-
servadores (regressistas) de promover a desordem, pois nesse período várias rebeliões
explodiram de norte a sul do país.

Como demonstra Mariana Costa, ao analisar o documento “Exposição sobre o Golpe


Parlamentar da Maioridade”, de Bernardo Pereira de Vasconcelos, liberal que se converteu
ao regressismo:

O Império do Brasil, principalmente durante a regência de Feijó, passou a


viver uma desestabilização política, desencadeando diversos movimentos
sociais. Conservando diferenças entre si, estes movimentos eram enten-
didos como rebeliões que ameaçavam ao Estado e à ordem. Tais insur-
reições, quais muitos escravos participaram, colocavam em questão a
própria hierarquização social e o poder da elite. (COSTA, 2010, p. 3)

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Segundo a autora, a análise de Bernardo Pereira de Vasconcelos demonstra que o
Ato Institucional de 1834, bem como o Código do Processo Criminal de 1832, eram
leis descentralizadoras e não instrumentalizavam o Estado para manter a ordem: “Sendo
assim, o governo se tornava fraco, colocando em xeque a própria existência do governo
monárquico, o que se comprovava para o ministro com o período governado pelos re-
gentes, considerado de desordem” (COSTA, 2010, p. 3).

A partir dessa análise, Bernardo Pereira de Vasconcelos se une aos regressistas, de-
fendendo que deveria ser restabelecida a autoridade do Estado.

Para eles, era um caminho necessário a realização de reformas que re-


estruturassem o Estado e centralizando-o. Como consequência, a ideia
de golpe ganhava força, meio para instauração de uma nova política que
teria uma figura representativa deste poder. Por isso, as reformas, nas leis
e nas instituições, passavam cada vez mais a serem alvos de discussões
parlamentares. (COSTA, 2010, p. 3-4)

Para os regressistas, a desordem estava ligada à regência e, mais diretamente ao gabi-


nete liberal, liderado por Feijó, por isso defendia a elevação de D. Pedro II à maioridade.
Para eles, era necessário restabelecer a centralização do Estado, “fortalecendo a figura
do monarca. Para os restauradores, a ‘radicalização’ das ideias liberais ameaçava valores
e hierarquias, uma ordem social e política que a elite havia conquistado e que eles enten-
diam que o monarca deveria conservar (COSTA, 2010, p. 4).

Num primeiro momento, os regressistas eram minoria entre os parlamentares. Porém,


as várias manifestações sociais (revoltas) trouxeram-lhes prestígio, “convertendo-se numa
força política capaz de inaugurar um movimento direcionado por uma classe, a Classe
Senhorial” (COSTA, 2010, p. 5).

Porém, percebendo que perderiam o governo para os liberais caso a maioridade


fosse declarada, os regressistas tentam adiá-la, buscando um momento propício para
realizá-la, momento esse que os colocasse no governo que, segundo Mariana Costa,
significava colocar os grandes proprietários no comando do país.

Ao propor o adiamento, Bernardo Pereira de Vasconcelos tinha por objetivo afastar


as camadas populares que passaram a pressionar a Câmara dos Deputados pela decla-
ração da maioridade do imperador. O ministro entende que as manifestações populares
extravasavam “os espaços formais, garantidores do monopólio da discussão”. A ideia
era restringir “a participação de setores populares da sociedade” (COSTA, 2010, p. 6).

A atitude de Vasconcelos demonstra que a classe dominante buscava a elevação


da maioridade de D. Pedro II a fim de tomar o poder de Estado e, por isso, não seria
admitida a participação de setores populares na mudança que se arquitetava. Mariana
Costa (2010) afirma que a intenção de Vasconcelos era garantir a centralização política;
porém, limitando o poder do monarca, ou seja, o ministro temia o restabelecimento de
um governo absolutista, que impedisse a classe senhorial de governar.

Apesar dos esforços dos regressistas, os liberais, que perceberam no movimento re-
gressista uma oportunidade para continuarem no governo, utilizaram as manifestações
populares para exigir que a Câmara e o Senado declarassem a maioridade do imperador,

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

que à época tinha apenas 14 anos. Com medo de que pudesse haver algum levante
popular, os regressistas cederam e, no dia 23 de julho de 1840, a Câmara e o Senado
declaravam a maioridade de D. Pedro II.

Com a manobra, os liberais formaram o novo ministério até 1841, período marcado
por intensas disputas com os regressistas. No período entre 1841-1842, os regressistas
conseguiram a centralização política por meio da reforma do Ato Adicional de 1834 e
do Código de Processo Criminal.

Com a Lei de Interpretação do Ato Adicional, as Assembleias Províncias


são extintas, sendo também reformado o Código do Processo Criminal,
que atribuía maiores poderes ao Juiz de Paz: com a reforma os juízes per-
diam grandes funções e passavam a ser escolhidos pelo Imperador. Deste
modo, o Imperador ganhava mais força, mais uma vez centralizando o
poder, controlando o poder judiciário. (COSTA, 2010, p. 8)

As reformas centralizaram o poder no monarca, restaurando a autoridade do Estado.


Estava consolidado o regresso conservador, “o que garantiu a participação da classe domi-
nante no governo, fazendo valer seus interesses e exercendo o poder” (COSTA, 2010, p. 9).

Figura 4 – Félix Taunay, Retrato do Imperador D. Pedro Segundo,


com 12 anos, 1837, Museu Imperial do Brasil
Fonte: Wikimedia Commons

O menino imperial havia recebido um apelo oficial das mãos do regente Araújo Lima.
“Estareis sem demora no Trono, se tanto o quiserdes”, disse o regente a D. Pedro, que
respondeu com a frase que passou à História como a primeira demonstração de sua
vontade pessoal: “Quero já”. (MUGGIATI, 2006, p. 75)

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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Vídeos
Cabanagem | Eduardo Bueno
Considerações históricas e historiográficas do pesquisador Eduardo Bueno sobre a Ca-
banagem. Em janeiro de 1835, em Belém no Pará dezenas de mestiços, negros e índios
se revoltaram contra as condições econômicas miseráveis e tomaram o poder ainda que
brevemente naquela remota província, foram esmagados pelas elites políticas da época na
maior revolta de cunho popular existente no Brasil.
https://youtu.be/KVSR1N0GQk8
Revolta dos Malês
Audiovisual sobre a Revolta dos Malês, considerada uma das mais importantes rebeliões
escravas ocorridas durante as primeiras décadas do século XIX no Brasil. Produzido pelo
Centro de Memória da Bahia, unidade da Fundação Pedro Calmon / SecultBA, em virtude
dos 180 anos do referido movimento.
https://youtu.be/azPotFRPvGE

Leitura
Poder e civilização no Brasil Imperial. A Monarquia na perspectiva da História das Ideias
O ensaio trata da importância do ideal de civilização para compreender a estrutura mo-
nárquica de poder do Estado Imperial brasileiro no século XIX. O objetivo é enfatizar que
a ideia de civilização conferiu legitimidade à Monarquia e às classes sociais presentes na
Corte, durante o Primeiro Reinado, o Período Regencial e o Segundo Reinado, atuando
como um importante fator de manutenção do poder.
https://bit.ly/3jRPGLa
Revolta e Cidadania na Corte Regencial
Este artigo analisa a revolta ocorrida no teatro São Pedro de Alcantara, no Rio de Janeiro,
em setembro de 1831. Trata-se de um movimento político promovido pela facção dos libe-
rais exaltados, com participação de camadas sociais diversas. Situada no conjunto de outras
ações semelhantes, verificadas no início do período regencial, é compreendida como um
dos eixos de desenvolvimento de uma cidadania informal e de uma incipiente nacionalidade,
construídas de baixo para cima, no âmbito de um emergente espaço público de ação política.
https://bit.ly/3wqDFyK

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UNIDADE O Período Regencial (1831 – 1840)

Referências
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