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CAPÍTULO 1

CONCEITOS BÁSICOS

1.1 - INTRODUÇÃO

Quando estudamos os materiais, um de nossos objetivos principais é entender a


relação que existe entre a sua estrutura atômica e as propriedades a ela relacionadas.
Porém, deve-se ter em mente que fatores como tratamentos térmicos, elementos de liga,
processos de conformação mecânica e outros, também contribuem no que diz respeito às
características estruturais, tamanho de grão e sua forma, composição, estrutura cristalina e
transformação de fases.
No caso das transformações de fases é importante saber porque ela ocorre, com que
velocidade e quais os mecanismos envolvidos no processo.
A palavra “transformação” será tratada de forma ampla, significando qualquer
rearranjo da estrutura atômica. Isso porque, uma transformação de fase implica em um
rearranjo atômico, mas o contrário nem sempre ocorre. Para exemplificar, têm-se a
recristalização de um metal deformado. Neste caso, ter-se-á um novo arranjo atômico, com
novas posições, decorrente da energia de deformação ou da tensão aplicada. Apesar do
rearranjo atômico, a fase permanece a mesma.
Desta forma, poder-se-á definir transformação como sendo o rearranjo atômico em
um sistema de configuração metaestável para outro de menor energia livre, podendo ser
estável ou mesmo um outro sistema metaestável.

1.2 – ESTABILIDADE

Quando se pensa em estabilidade, ou instabilidade, principalmente em materiais


metálicos, a primeira idéia que nos ocorre é a da corrosão, onde o material, continuamente,
busca a sua estabilidade química. Embora não seja objeto dos nossos estudos, devemos
recordar que as características que envolvem toda essa instabilidade química são similares
às características da instabilidade micro-estrutural, ou seja, a baixa cinética de degradação,
onde as taxas de transformação são suficientemente baixas para influenciar na vida útil do
material.
Existem dois estados possíveis de instabilidade: a instabilidade, propriamente dita, e
a metaestabilidade. No primeiro estado, o sistema passa por uma fase intermediária, menos
estável e estado de energia elevado. Na situação de metaestabilidade, o sistema deriva para
uma fase mais estável e de menos energia.

Estado de Transição
G0 A

 GA = Energia Livre de Ativação


Energia Livre, G

GI
Estado Inicial

 G = Força Motriz

GF
Estado Final

Reação

FIGURA 1.1 – Mudança da Energia Livre de um átomo, ao longo da reação.

A FIGURA acima mostra um processo natural, espontâneo, onde a força motriz


para a transformação, AG, é menor que zero, ou seja, a força no estado final é menor do
que a força no estado inicial, GE > Gf.
Essa força motriz para transformação é determinada levando-se em conta uma larga
região onde os parâmetros da transformação se concentram. Todavia, a forma pela qual a
transformação ocorre, depende, e muito, de pequenas flutuações provenientes do estado
inicial. Uma situação de metaestabilidade onde a energia livre aumenta e depois diminui,
somente devido a uma infinitésima flutuação de energia, é originada de um estado inicial de
instabilidade.
Em uma transformação de fase, a energia livre de um átomo, ou grupo de átomos,
aumenta inicialmente até um máximo, para depois decrescer a um valor final. O estado que
possui o valor máximo de G é chamado de estado ativado e a diferença de energia livre
entre este estado e o estado inicial é a energia livre de ativação para a transformação Ga.
Necessário se faz que o átomo receba uma energia de ativação suficiente para
ultrapassar a barreira de transformação. Essa energia, proveniente da temperatura, é
distribuída de maneira não uniforme entre as partículas. Desta forma, a todo instante tem-
se um espectro de energia no sistema, de tal modo que as partículas com G > G*,
transformarão; enquanto que, as demais deverão “aguardar” receberem energia necessária.
Todo esse processo, também chamado de ativação térmica, mostra que reagentes e produtos
coexistem ao longo da transformação, permitindo que, em qualquer instante, possa ser
medida a quantidade transformada ou a fração transformada, y (t).
A velocidade com que essa fração transformada muda é dada pela taxa de variação
da fração transformada, ou seja, dy/dt.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, é possível calcular a probabilidade de um
átomo alcançar o estado ativado. Segundo Arrhenius, a taxa de transformação é
dependente da freqüência com a qual os átomos atingem o estado ativado, ou seja, ela é
função de:
exp (- GA/KT) ou
exp (-HA /KT) - Equação de Arrhenius (1.1)

Para se calcular o número de partículas com energia suficiente para sobrepujar a


barreira de ativação faz-se necessário, primeiramente, que o átomo receba uma energia
térmica (cinética) no mínimo igual a Ua, sendo:

GA = UA – T.SA (1.2)

A fim de que ele possa ultrapassar a barreira de potencial.


Simultaneamente, deverão ser satisfeitos os requisitos de energia térmica (entropia
térmica) e de configuração (entropia configuracional).
Assim, o cálculo da fração de átomos com energia suficiente para ultrapassar a
barreira Ua, é feito com o uso da distribuição de energia térmica entre os níveis permitidos
de energia. Sendo essa mesma distribuição àquela que minimiza a entropia térmica, por
Boltzmann pode-se calcular a fração de átomos que transformam:

Ei

kT
ni e
 Ei
(1.3)
N 
e i
kT

Sendo ni/N igual a fração de átomos com energia maior ou igual a Ua:

U A
f e kT
(1.4)

Para um sistema com V e T constantes, a equação (1.3) resume a exp (-UA/KT).


É importante lembrar que a taxa da reação é dada pelo total de partículas que
atingem a configuração final por unidade de tempo, sendo portanto, proporcional à
freqüência com que as partículas tentam se transformar, ; à fração de partículas com
U > Ua e à probabilidade, p, de que as partículas que tenham a energia necessária para
transformar, satisfaçam as demais condições, como por exemplo, geometria favorável à
reação.
Dessa forma:

U A
dy
  . p.e kT (1.5)
dt
Mais uma.
Do que foi escrito e lido anteriormente, neste trabalho, é bom lembrar, que:
- Somente uma fração de partículas pode estar em processo de transformação;
- A persistência de estados metaestáveis com alta energia de ativação;
- A velocidade de transformação, não depende de G, e sim de EA;
- É possível alterar a velocidade de reação alterando E A, por exemplo, através de
catalisadores.

1.3 – NUCLEAÇÃO

Ocorre através de um rearranjo atômico localizado (flutuação), ativado


termicamente, onde os átomos assumem novas posições na rede correspondentes às
posições da nova fase.
Nem todas as flutuações são estáveis:
- Não estáveis  são flutuações atômicas cuja extensão é inferior a um certo
tamanho crítico, pois sua ocorrência implica em um aumento da energia livre do
sistema. Este cristal instável é chamado de “embrião” e rapidamente se
desintegra na matriz.
- Estáveis  cristais da nova fase com tamanhos acima do valor crítico,
chamados de núcleos, são estáveis, pois sua formação implica em um
decréscimo da energia livre total.
A nucleação pode ser: homogênea ou heterogênea.
- Homogênea  é aquela que ocorre em uma região homogênea da fase original,
isto é, numa região livre de defeitos, impurezas ou fronteiras (as paredes de um
recipiente).
Ex.: Formação de uma gota de líquido a partir do vapor.
- Heterogênea  é aquela que ocorre em sítios preferenciais.
Nos sólidos, é muito difícil ocorrer uma nucleação homogênea, devido à presença
dos contornos de grão, discordâncias, etc. Estes locais são sítios preferenciais de
nucleação, pois a energia necessária para formar um núcleo sobre eles é pequena.
1.4 – CRESCIMENTO

É o estágio, da transformação, que se segue após a nucleação. Envolve a migração


da interface criada através da matriz.
A taxa de crescimento é dada pela taxa de migração da interface, que varia com:
- a quantidade liberada de calor latente e a forma como este calor é dissipado;
- a natureza da interface, podendo ser diferente para diferentes direções no cristal;
- a relação de orientação cristalográfica entre matriz e produto;
- o coeficiente de difusão dos átomos nas duas fases, uma vez que os átomos são
redistribuídos nas fases através da difusão;
- a natureza da interface, pois interfaces diferentes migram através de mecanismos
distintos.

1.5 – INTERFACES

Contornos de grão são importantes para o processo de recristalização


(transformação de uma matriz altamente deformada em novos grãos, livres de deformação
– não há uma nova fase no processo de recristalização).
Existem três tipos de interfaces:
- A superfície livre de um cristal (interface sólido-vapor).
- Contorno de grão (interface que divide uma mesma fase com orientações
distintas – interface do tipo -).
- Interface interfásica (interface que divide duas fases – interface do tipo -).
OBS.: As interfaces interfásicas são as mais importantes, como também as mais complexas.
1.5.1 – INTERFACES ENTRE SÓLIDOS DE UMA MESMA FASE
(CONTORNOS DE GRÃO)

FIGURA 1.2 – Em um material


policristalino unifásico, os grãos estão
dispostos em várias orientações. O tipo
de contorno de grão depende
basicamente da diferença de orientação
entre dois grãos adjacentes.

Na região do contorno, os átomos da rede cristalina estão deslocados das posições


normais (posições de menor energia); o que contribui para um aumento localizado da
energia do sistema (a energia do contorno de grão). Este aumento de energia é função do
grau de desorientação entre os grãos, ou seja, quando a desorientação é pequena, a energia
do contorno é pequena.
Como medir esta desorientação?

Eixo de Rotação
Eixo de rotação é
paralelo ao plano do
contorno – “TILT”.
FIGURA 1.3 – Mostra
Plano de Contorno
como que as redes de
dois grãos adjacentes
coincidem através da
rotação de uma das redes
em torno de um eixo.
Plano de Contorno

Eixo de rotação é perpendicular ao plano do contorno– “TWIST”.


Ø  caracteriza o grau de desorientação entre as duas redes.
Ø  PEQUENO  contorno de baixo ângulo.
Ø  GRANDE  contorno de alto ângulo.

- CONTORNOS:

- BAIXO ÂNGULO  é equivalente a um arranjo de discordâncias;


Discordâncias em cunha  desorientação do tipo “TILT”.
Discordâncias em hélice  desorientação do tipo “TWIST”.
A distância entre duas discordâncias é dada por: D = Ь/.
Onde Ь pe o vetor de Burgers.

- ALTO ÂNGULO  quando Ø é maior que 10º - 15°, o espaçamento entre as


discordâncias torna-se muito pequeno. Neste estágio, a energia do contorno é independente
da desorientação e o contorno é chamado de alto ângulo.

1.5.2 – INTERFACES INTERFÁSICAS EM SÓLIDOS

São contornos entre dois cristais adjacentes com estruturas cristalinas e/ou
composições diferentes, podendo ser classificadas em 3 classes: coerentes, semi-coerentes e
incoerentes.

- COERENTES:

Ocorre quando dois cristais possuem um “casamento” de redes perfeito no plano da


interface, de forma que as duas redes são contínuas através da interface.
Neste caso, além da distância entre os átomos na interface ter que ser a mesma em ambas as
fases, a formação de uma interface totalmente coerente requererá que o plano
interfacial, comum às duas fases, tenha a mesma configuração atômica em ambas as fases.
Isto só ocorrerá se os dois cristais estiverem orientados entre si com uma relação de
orientação muito bem definida.

Ex.: Interface hcp/fcc – a relação de orientação será:


(111)fcc//(0001)hcp.
Energias dessas interfaces são muito baixas, em geral, menores que 200mJ/m².

FIGURA 1.4 – Contornos de grão com interfaces coerentes.

- SEMI-COERENTES:

Nem sempre é possível satisfazer a todos os requisitos necessários para a formação


de uma interface coerente. Por exemplo, o espaçamento entre os átomos no plano comum
geralmente é diferente, fazendo com que a coerência só seja mantida à custa da introdução
de distorções na rede. Caso esta distorção gerada seja muito grande, a energia elástica
armazenada favorecerá a formação de discordâncias para que haja uma acomodação dos
dois planos. Estas interfaces são chamadas semi-coerentes e a energia associada a elas é da
ordem de 200-500mJ/m². É maior do que a energia associada a interfaces coerentes,
devido à contribuição das distorções.
FIGURA 1.5 – Contornos de grão com interfaces semi-coerentes.

- INCOERENTES:

Ocorre quando os cristais das fases adjacentes não guardam nenhum tipo de
orientação entre si, ou seja, o plano da interface tem uma configuração atômica muito
diferente em ambas as fases, o que não permite um bom “casamento” entre as redes. Existe
também a possibilidade de a configuração atômica no plano interfacial ser semelhante, mas
as distâncias interatômicas diferem mais de 25%. A energia associada a este tipo de
interface pode atingir valores de até 1000nJ/m².

FIGURA 1.6 - Contornos de grão com interfaces incoerentes.

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