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CAPÍTULO 6

TRANSFORMAÇÕES MARTENSÍTICAS E EFEITO DE MEMÓRIA DE FORMA

6.1 Conceituação da martensita – evolução

A têmpera do aço foi considerada durante séculos como uma das maravilhas da natureza e
somente por volta de 1895, quando Osmond descreveu a microestrutura de um aço
temperado, o termo “martensita” foi introduzido6. Todavia, a situação de perplexidade ante
a natureza do fenômeno persistiu até a segunda década do século XX quando Bain 2
descobriu a existência de uma deformação intrínseca à transformação (“mudança de
forma”) e propôs um mecanismo pelo qual a martensita poderia ser formada com um
mínimo de deformação atômica, partindo da austenita. O mecanismo então proposto pode
ser descrito como uma deformação homogênea em que um movimento coordenado dos
átomos converte a malha de Bravais cúbica de faces centradas da austenita na tetragonal ou
cúbica de corpo centrado da martensita (Fig. 6.5). Esta deformação conhecida como
“Distorção de Bain” é parte integrante das modernas teorias cristalográficas pertinentes à
transformação martensítica3-4. A existência de distorção de malha é considerada uma
característica básica de uma classe de transformações de fases não difusionais à qual
pertence à transformação martensítica observada nos aços.

Contrastando com o desenvolvimento alcançado no campo da cristalografia2-7 os aspectos


cinéticos da transformação permaneceram carentes da racionalização até o início dos anos
50 do século passado. A idéia reinante até então era que a martensita seria o produto de
uma reação atérmica não difusional8. Todavia, com a descoberta da reação martensítica
isotérmica por Kurdjumov e Maximova9 teve início uma seqüência de investigações
sistemáticas com o objetivo de racionalizar os aspectos cinéticos da transformação10-11.
Christian12 descreveu cuidadosamente o progresso alcançado até o final dos anos 60,
apresentando uma definição da transformação martensítica, baseados fundamentalmente em
fatores estruturais e cristalográficos.

Nos anos 70 o grande desenvolvimento ocorreu na área das reações induzidas


mecanicamente e dos fenômenos de memória de forma13-14 bem como na racionalização
dos aspectos cinéticos pertinentes à nucleação e microestrutura. A definição da
transformação martensítica também foi revista, montando-se a volta de fatores cinéticos à
conceituação. Segundo Cohen, Olson e Clapp15 “a reação martensítica é uma transformação
estrutural, virtualmente não difusional, por distorção da malha de Bavais, com mudança de
forma predominantemente cisalhante e cuja cinética e morfologia são determinadas pela
energia elástica da transformação”. Nesta definição enquadra-se tanto a reação martensítica
observada nos aços como outras transformações afins, observadas em ligas de metais
nobres e certos materiais ferroelétricos.

As principais características da transformação martensítica, são:


 a fase martensítica pode ser tanto uma solução sólida substitucional como
intersticial;
 a composição química da fase martensítica é a mesma da fase matriz austenítica;
 a transformação é acompanhada por uma variação dimensional ou, sobre superfícies
polidas, pelo aparecimento de relevo;
 todo cristal de martensita possui um plano de hábito específico;
 existe uma relação de orientação cristalográfica particular entre a fase austenítica e a
martensítica.

6.2 Transformações martensíticas.

A transformação martensítica (TM) é uma transformação de fase adifusional em sólidos,


nos quais os átomos movem-se cooperativamente e freqüentemente por um mecanismo
cisalhante. Usualmente a fase matriz (uma fase de alta temperatura) é cúbica, enquanto que
a martensita (uma fase de baixa temperatura) tem uma baixa simetria. Devido a sua
natureza, a TM é algumas vezes chamada de transformação de deslocamento ou
transformação militar. Assim, sempre quando os deslocamentos relativos são pequenos,
comparados com as distâncias interatômicas, uma mudança de forma macroscópica aparece
associada com a TM, como mostra a Fig. 6.1.

martensita

fase matriz

martensita

fase matriz

Fig. 6.1. Um modelo simplificado da transformação martensítica.

A fig 6.2 é uma micrografia ótica de uma martensita típica em uma liga de Cu-Al-Ni. As
faixas hachuradas, em contraste com as lisas, são maclas, as quais mudam de direção como
mostrado esquematicamente na figura 6.3 e na textura apresentada na fig 6.4. Estas análises
mostram claramente uma mudança de forma linear associada à TM, e pode ser descrita por
uma matriz como um operador.

Fig. 6.2. Micrografia ótica de martensitas em uma liga de Cu-Al-Ni monocristalina.


Fig. 6.3. Representação esquemática de uma mudança de forma associada com a
transformação martensítica; (a) monocristal da fase matriz original, (b) superfície em relevo
devido a transformação, (c) mudança na direção da linha de deformação pré ranhurada sob
transformação martensítica.

Fig. 6.4. Textura feita por EBSD em uma liga de Cu-Al-Ni monocristalina apresentado as
diferentes direções de maclagem.
1.2 Transformações martensíticas: cristalografia.

1.2.1 Deformação descrita pela álgebra linear [Preparação matemática]

Quando uma deformação é linear, esta deformação é representada pela seguinte equação:

 x 2   a11 a12 a13  x1 


    
 y 2    a 21 a 22 a 23  y1  (6.1)
 z  a a 33  z1 
 2   31 a 32

Usando uma forma compacta, escreve-se

r2  Ar1 (6.2)

onde A representa a matriz aij. Assim, um vetor r1 é transformado no vetor r2 pela matriz A.
Já que a fase matriz e a fase martensítica apresentam diferentes estruturas, uma
transformação de coordenadas torna-se necessária. Em um caso bem geral, vamos tomar
dois sistemas de eixos representados pelos vetores a, b e c, aqui chamados de sistema
velho, e A, B e C, chamados de sistema novo. Escrevemos a Eq.6.3 e resolvendo em função
de A, B e C, escrevemos a Eq.6.4, ambas representadas no espaço direto. Entretanto, prova-
se que as equações são similares no espaço recíproco, apresentado nas Eq.6.5 e 6.6, onde
a*, b* e c* representam os vetores base do espaço recíproco, os quais correspondem a a, b
e c, e o mesmo é aplicado a A*, B* e C*.

A = s11a + s12b + s13c


B = s21a + s22b + s23c (6.3)
C = s31a + s32b + s33c
a = t11A + t12B + t13C
b = t21A + t22B + t23C (6.4)
c = t31A + t32B + t33C
A* = t11a* + t12b* + t13c*
B* = t21a* + t22b* + t23c* (6.5)
C* = t31a* + t32b* + t33c*
a* = s11A* + s12B* + s13C*
b* = s21A* + s22B* + s23C* (6.6)
c* = s31A* + s32B* + s33C*

Existem outras formas para os componentes vetoriais arbitrários no espaço direto e


recíproco, como mostrado nas Eq.6.7 e 6.8.

 x   s11 s12 s13  X 


    
 y    s 21 s 22 s 23  Y  (6.7)
 z s s 33  Z 
   31 s 32
velho A B C novo

 H   s11 s12 s13  h 


    
 K    s 21 s 22 s 23  k  (6.8)
 L  s s 33  l 
   31 s 32
novo velho

onde xyz e XYZ referem-se a rede direta (direção) e hkl e HKL a rede recíproca (plano).

Um operador também é transformado quando há uma transformação para um vetor ou um


plano, seguindo a transformação similarmente.

A  R 1 AR ou A  R AR 1 (6.9)
A  R T AR ou A  R AR T (quando R é ortogonal), (6.10)

onde
A = operador do sistema antigo;
A = operador do sistema novo;
R = matriz de rotação;
R 1 = inversa de R ;
R T = transposta de R .

Pelo fato dos operadores estarem freqüentemente referidos a fase matriz no cálculo da
cristalografia martensítica, a similaridade das transformações é sempre usada.

1.2.2 Mudança estrutural sem difusão: correspondência de rede, variante correspondente


e deformação de rede.

Para analisar como um cristal de martensita é produzido a partir de um cristal matriz sem
difusão, consideremos um exemplo típico de transformação em aço de CFC (cúbico de face
centrada) para TCC (tetragonal de corpo centrado). Na Fig. 6.5(a) podemos notar uma rede
TCC dentro de duas células CFC com o valor de c/a = 2 . Deste modo, alongando os
eixos x e y, e contraindo o eixo z, temos uma relação c/a da martensita que é
aproximadamente igual a 6. Este mecanismo foi originalmente proposto por Bain2. Embora
o mecanismo seja diferente de uma liga para outra, é sempre possível criar a martensita a
partir de uma fase matriz pela combinação do alongamento, da contração e do cisalhamento
ao longo de certas direções. Podemos escrever a matriz de transformação de rede para um
parâmetro de rede do CFC = a0 e um parâmetro do TCC igual a a e c:

 a 2 / a0 0 0 
 
B 0 a 2 / a0 0  (6.11)
 
 0 0 c / a 0 

De forma similar, a matriz de deformação da rede com relação a rede matriz é dada a
seguir:

B  R BR T
 1 / 2 1 / 2 0  a 2 / a 0 0 0 1 / 2 1 / 2 0 
   
B    1 / 2 1 / 2 0  0 a 2 / a0 0 1 / 2 1 / 2 0  (6.12)
   
 0 0 1  0 0 c / a 0  0 0 1 

Outra importante noção é a correspondência de rede, a qual está associada com a


deformação da rede. Já que a TM é uma transformação adifusional, existe uma
correspondência de cada plano e cada direção entre as fases matriz e martensítica. Para o
exemplo da Fig.6.5, é fácil associar a transformação do sistema xyz e do sistema XYZ.
Quanto a transformação, a mudança da rede ocorre, mas os índices de Miller são
invariantes, permitindo a obtenção da transformação de coordenadas.

 x   1 / 2 1 / 2 0  X   H  1 / 2  1 / 2 0  h 
         
 y     1 / 2 1 / 2 0  Y  ,  K   1 / 2 1 / 2 0  k  (6.13)
 z  0 0 1  Z   L  0 1  l 
      0
velho novo novo velho

Fig. 6.5. Mecanismo da transformação CFC-TCC (ou CCC) por Bain. xyz representam os
eixos do cristal na rede CFC da fase matriz, enquanto que XYZ representam os eixos na
martensita TCC.
     
Assim, para o exemplo da Fig.6.5, correlacionamos 101 p com 111 m , 112 p  
com 011 m e

111 p com 011m por correspondência de rede, sendo os índices p e m as fases matriz e

martensítica respectivamente.

Outra noção associada com a correspondência de rede é a variante correspondente (v.c).


Como exemplo, na Fig.6.5 correlacionou-se o eixo z com o eixo c da martensita, como
poderia ser feito também com o eixo x e y. Assim, três variantes correspondentes são
possíveis na transformação CFC-TCC.

Entre muitas mudanças estruturais martensíticas, as mais importantes são aquelas nas quais
as ligas possuem a fase , que são caracterizadas pela razão elétron/átomo (e/a)  1,5. São
ligas como Au-Cd, Ag-Cd, Cu-Al-(Ni), Cu-Zn-(Al), etc., onde suas estruturas cúbicas de
corpo centrado (CCC) ou CCC ordenada ficam estabilizadas nas TMs.

1.2.3 Cisalhamento invariante de rede e deformação por maclagem.

Por ser uma transformação de primeira ordem, a TM se processa por nucleação e


crescimento. Estando associada a uma mudança de forma como descrito anteriormente,
muitas tensões surgem em torno da martensita quando a mesma é formada a partir da fase
matriz na TM. Para aliviar estas tensões e permitir o processo de nucleação e crescimento,
há dois mecanismos possíveis; por introdução de deslizamento, ou pela introdução de
maclas, como mostrado na Fig.6.6(b) e (c), respectivamente. Estes mecanismos são
chamados de cisalhamento invariante de rede (CIR), já que nenhum dos processos muda a
estrutura da martensita. Tanto e deslizamento quanto a maclagem são necessárias para a
transformação martensítica, porém o mecanismo a ser usado vai depender do tipo de liga,
mas a maclagem é mais comum no CIR das ligas com memória de forma, as quais serão
abordadas na seção 6.5.
fase matriz martensita

Fig 6.6. Apresentação esquemática da razão pela qual o cisalhamento invariante de rede é
requerido na transformação martensítica; (a) mudança de forma na transformação
martensítica; (b) e (c) representam a acomodação do esforço por introdução de
deslizamentos (b) ou maclas (c), respectivamente.

Deste modo a maclagem é descrita em maiores detalhes como se segue. Dois cristais de
macla são geralmente relacionados por uma operação simétrica com um plano espelhado ou
um eixo de rotação. Na deformação por maclagem, uma macla é criada por um
cisalhamento próprio, enquanto que as maclas são introduzidas pela TM como
anteriormente descrito, e elas podem agir como um tipo de deformação sob tensão. Por esta
correlação as maclas têm uma relação próxima com o efeito de memória de forma. É
conveniente usar uma esfera unitária e um elipsóide resultante de um cisalhamento para
discutir a deformação por maclagem, como mostra a Fig.6.7. Neste processo de
cisalhamento, K1 e 1 representam o plano cisalhante e a direção de cisalhamento
respectivamente. Obviamente que K1 é um plano invariante e K2 é outro nesta análise. O
plano que é normal a K1 e paralelo a 1 é chamado de plano de cisalhamento, e a interseção
de K2 e o plano de cisalhamento é chamado de 2. K1, K2, 1, 2 e um cisalhamento de
maclagem s são chamados de elementos de maclagem. Inicialmente para criar uma macla
por este processo, a rede precisa ser restaurada. Para satisfazer esta condição, existem dois
casos18.
Fig. 6.7. A deformação de uma unidade esférica em um elipsóide por cisalhamento, e a
definição de K1, K2, 1, 2 e s.

No caso I, dois vetores de rede ficam sobre o plano K1, e um terceiro vetor de rede é
paralelo à direção 2. Neste caso, K1 e 2 são representados por índices racionais, e os dois
cristais de macla são relacionados por um espelho simétrico em relação ao plano K6. Esta é
chamada de maclagem do tipo I. No caso II, dois vetores de rede estão no plano K2, e o
terceiro vetor de rede é paralelo a direção 6. Neste caso, K2 e 1 são irracionais, e os dois
cristais de macla estão relacionados pela rotação de  em torno do eixo 6. Esta é chamada
de maclagem do tipo II. Em alguns sistemas cristalinos, K1, K2, 1 e 2 podem ser índices
racionais, são chamados de compostos de maclagem, e os dois cristais de maclas tem
características simétricas. Em relação às transformações de maclas como uma deformação
invariante de rede, segue:19 K1 para o tipo I de maclagem, precisa originar-se a partir de um
plano espelho na fase matriz, enquanto que 1 para o tipo II de maclagem precisa originar-
se a partir do eixo duplo cruzado na fase matriz. Os elementos de maclagem podem ser
calculados pela teoria de Bilby-Crocker,20 os quais são experimentalmente confirmados.

1.2.4 Essência da teoria fenomenológica das transformações martensíticas

O principal objetivo é obter todos os parâmetros cristalográficos para as transformações


martensíticas de forma quantitativa, tais como o plano de hábito e a relação de orientação
entre a matriz e a martensita, dentre outros. Existem duas teorias independentes que se
apresentam equivalentes, aquela desenvolvida por Wechsler-Lieberman-Read (WLR)24,25 e
a de Bowles-Mackenzie (BM)26. Por ser fisicamente de melhor compreensão abordaremos a
teoria WLR.

Tomando a matriz de deformação de forma P1 como um operador para toda a TM:

P1  1 P2 B (6.14)

onde B representa a matriz de deformação de rede para criar uma rede martensítica a partir
de uma rede matriz, P2 uma matriz de cisalhamento invariante de rede e 1 uma matriz de
rotação de rede. Nesta teoria há um foco em minimizar a energia de deformação associada
com a transformação. Fazendo P2B = F e separando F em uma matriz simétrica Fs e na
matriz de rotação  , a matriz simétrica pode ainda ser diagonalizada por uma
transformação de eixo principal, assim:

F  Fs   Fd  T (6.15)

onde Fd é uma matriz diagonal,  é uma matriz para a diagonalização e T sua transposta.
Substituindo a Eq. 6.15 na Eq.6.1, temos:

P1  1  Fd  T (6.16)

Na Eq.6.16, somente a matriz Fd não é uma matriz de rotação, e sendo uma matriz diagonal
com os termos de deformação, escrevemos:

 1 0 0
 
Fd   0 2 0 (6.17)
0 3 
 0
Considerando a distorção por Fd, há uma mudança de uma esfera unitária para um elipsóide
no sistema do eixo principal, como mostra a Fig. 6.8. Quando há uma interseção entre o
elipsóide e o plano, em geral, isso não é um plano. Entretanto, se e somente se uma das
condições a seguir for satisfeita, existirá um plano não distorcido28.

(1) Um i é igual a 1, um outro será maior que 1 e o restante menor que 1 (Ex.: 1<1,
2 >1, 3 =1);
(2) dois i's são iguais a 6.

Os dados de entrada para o cálculo de todos os parâmetros cristalográficos, tais como:


plano de hábito, relação de orientação, deformação de forma, taxa da largura de maclas,
orientação do plano de cisalhamento, etc, são os seguintes:

(1) Os parâmetros de rede da matriz e da martensita;


(2) a correspondência de rede entre a matriz e a martensita;
(3) o cisalhamento invariante da rede.

Fig. 6.8. A deformação de uma esfera unitária em um elipsóide por Fd no sistema de eixo
principal.

Toda teoria fenomenológica descrita depende de um plano invariante que, quando


deformado, consiste de um componente de cisalhamento m1p e um componente de dilatação
m1n, os quais são equivalentes às mudanças de volume na TM (V/V). Sendo assim, na
transformação termoelástica, a ser descrita, a variação de volume á muito pequena (~0,3%).
Assim, o plano invariante de deformação é muito próximo a um simples cisalhamento para
a transformação.

1.2.5 Auto-acomodação das martensitas

Anteriormente foi apresentado que a condição do plano invariante de deformação é muito


eficiente na redução de deformações associadas com a formação de um plano martensítico.
Entretanto, um componente de cisalhamento não é eliminado sob esta condição. Assim, um
segundo passo para a acomodação é necessário, sendo possível a combinação de dois ou
quatro planos de hábitos variantes, sendo chamado de acomodação da martensita.

Fig 6.9. (a) Uma micrografia de MEV típica da auto-acomodação da martensita 7R(14). (b)
Quatro variantes de planos de hábito (A, B, C, D) foram identificados por análises de
superfície. (After Murakami et al.33)

Segundo Wayman, pode-se concluir que a auto-acomodação é muito eficiente na redução


de deformações na TM. Além disso, pode-se mostrar que a auto-acomodação de duas
variantes do plano de hábito é sempre efetiva, para o tipo I de maclas ou para o tipo II,
embora a composição de um par de maclas não seja (veja ref. [33]). De fato, a morfologia
representada na Fig.6.9 corresponde ao caso de maclas do tipo I. Para a análise, propomos
um paralelogramo com uma morfologia básica, como mostra a Fig.6.10, que consiste nas
maclas do tipo I e II somente. A morfologia observada é consistente com esta proposta.

Fig. 6.10. Morfologia básica (paralelogramo morfológico) da auto-acomodação da


martensita. (After Murakami et al.33)

6.3 Transformações martensíticas: aspectos termodinâmicos

Ao descrever os aspectos termodinâmicos das transformações martensíticas, primeiro


define-se as temperaturas de transformação

Ms temperatura do início da formação da martensita;


Mf temperatura do fim da formação da martensita;
As temperatura do início da transformação reversa;
Af temperatura do fim da transformação reversa. Esta é a temperatura sobre a qual a
martensita torna-se completamente instável.

Estas temperaturas de transformação podem ser determinadas pela medida de algumas


propriedades físicas em função da temperatura, tal como a mudança da resistência elétrica
para uma liga de Fe-Ni [Fig. 6.11], já que muitas propriedades físicas mudam no início e no
fim da TM.

Visto que as TMs não estão associadas com a mudança de composição, as curvas de
energia livre de ambas as fases matriz e martensítica em função da temperatura podem ser
representadas esquematicamente como mostrado na Fig.6.12, onde T0 representa a
temperatura de equilíbrio termodinâmico entre as duas fases, e GpmMs = Gm - Gp
simboliza a força motriz para a nucleação da martensita, onde Gm e Gp representam a
energia livre de Gibbs da martensita e da fase matriz respectivamente. O mesmo argumento
aplica-se para a transformação reversa. Assim, T0 foi aproximado para ½(Ms + As). Assim,
uma mudança da energia livre de Gibbs de um sistema que está sob TM pode ser escrito
como se segue:

G = Gc + Gs + Ge = Gc + Gnc (6.19)


onde
Gc - termo originado da energia química na mudança de estrutura a partir da fase matriz
para a fase martensítica;
Gs - termo de energia superficial entre a fase matriz e a martensita;
Ge - termo de energia elástica em torno da martensita;
Gnc = Gs + Ge - termo de energia não química.
Taxa de resistência

Temperatura [K]

Fig. 6.11. Mudanças da resistência elétrica durante o resfriamento e o aquecimento de ligas


de Fe-Ni e Au-Cd, ilustrando a histerese da transformação martensítica no resfriamento, e
na transformação reversa sob aquecimento, para transformações não-termoelásticas e
termoelásticas respectivamente37.
Na maioria das TMs, Gnc é igual a Gc, o qual é um ponto essencial quando estudamos as
TMs. O superresfriamento de Ts é necessário para a nucleação da martensita, e o
superaquecimento é necessário para a transformação reversa na figura 6.12. Pela mesma
citação, Ms não é o mesmo que Mf, visto que a energia elástica em torno da martensita
resiste ao crescimento da martensita, a menos que uma força externa seja aplicada.

Fig. 6.12. Representação esquemática das curvas de energia livre para as fases matriz e
martensítica, e suas relações com as temperaturas Ms e As. Ts é o superresfriamento
requerido para a transformação.

As TMs podem ser classificadas em duas categorias, termoelástica e não-termoelástica.


Estas são mostradas na figura 6.11. No caso da liga de Au-47,5 %at Cd, a histerese de
transformação é pequena e em torno de 15 K, enquanto que na liga de Fe-30 % em massa
de Ni, ela é larga e em torno de 400 K. No primeiro, a força motriz para transformação é
muito pequena (como evidenciado pela histerese de temperatura pequena), a interface entre
a fase matriz e a martensita é muito próxima sobre resfriamento e aquecimento, e a
transformação é cristalograficamente reversível no sentido em que a martensita se reverte
para a fase matriz na orientação original. Este tipo de transformação martensítica é
chamada de termoelástica. Por outro lado, para a liga de Fe-Ni, a força motriz é muito
grande, a interface entre a matriz e a martensita é imóvel uma vez que a martensita cresce
para algum tamanho crítico, e a transformação reversa ocorre devido a renucleação da fase
matriz,38 e assim a transformação reversa não é reversível. É conhecido que o efeito de
memória de forma e a superelasticidade, a serem descritos, são características de materiais
que sofrem transformações termoelásticas.39

A noção de transformação martensítica termoelástica foi introduzida por Kurdjumov e


Khandros,40 que observaram o crescimento e a redução das plaquetas de martensita sob
resfriamento e aquecimento respectivamente, em uma liga de Cu-Al-Ni. Assim, eles
consideraram o equilíbrio termoelástico entre a energia química e a energia elástica que
resiste ao avanço da transformação. Olson e Cohen41 consideraram o equilíbrio
termoelástico mais quantitativamente e derivado da seguinte equação.

gc + 2ge = 0, (6.20)

onde gc = gm - gp é a mudança da energia livre química entre a matriz e a martensita por
unidade de volume, e ge é a energia elástica de deformação em torno da plaqueta de
martensita. A equação acima significa que metade da mudança de energia livre química é
armazenada como uma energia elástica em uma amostra. A partir desta análise, eles
mostraram que a temperatura As pode estar abaixo de T0. Assim, T0 = ½ (Ms + Af) é a
melhor aproximação para a transformação termoelástica, como proposto por Tong e
Wayman em 1974.

Quando discute-se o efeito da tensão na TM, segue-se a análise de Patel e Cohen feita em
1953. Como descrito anteriormente, a TM se processa por um mecanismo de cisalhamento,
e assim interage com a tensão aplicada. Se a tensão auxilia ou se opõe a transformação é
facilmente determinado pelo cálculo do trabalho realizado no sistema pela tensão aplicada.
Obviamente, se o trabalho é positivo, a tensão auxilia a transformação, e vice e versa.

O trabalho realizado em um sistema pela aplicação da tensão que produz a deformação de


forma é,
G s  m1p  m1n n . (6.21)

Aqui  é a tensão cisalhante ao longo do plano de hábito na direção d 1p , e n é a tensão

normal perpendicular ao plano de hábito. Por conversão, n é positivo para tração e


negativo para para compressão. m1n  V / V é negativo na maioria das TMs, exceto para o
tipo de martensitas ferrosas. Assim, o sinal do segundo termo do lado direito da Eq.6.21
depende do sinal da tensão, enquanto que o sinal do primeiro termo é sempre positivo. Este
fato deve-se ao plano de hábito variante ser escolhido dentre muitas possibilidades de
variantes (24 em geral) já que a deformação da forma acomoda a tenaão aplicada mais
eficientemente. Assim, uma tensão cisalhante sempre auxilia a transformação, mas uma
tensão normal pode auxiliar ou opor-se a ela, dependendo do sinal da tensão e da mudança
de volume associada com a transformação. Para pressões hidrostáticas p (p>0) onde o
componente cisalhante é ausente, a Eq. 6.21 torna-se G s   pm1n . Assim, o sinal de

G s dependo do sinal de m1n , em contraste com o caso uniaxial. De fato, é


experimentalmente conhecido que a pressão hidrostática auxilia a transformação para a liga
Au-Cd ( m1n  0 ),44 e se opõe para a liga Fe-Ni ( m1n  0 ),43 consistente com a equação
acima.

Um caminho alternativo para analisar o efeito da tensão na TM é o usa da relação de


Clausius-Clapeyron. A relação para uma tensão uniaxial é escrita como se segue,

d S H *
  , (6.22)
dT  T

onde  é uma tensão uniaxial,  a deformação, S a entropia de transformação por unidade


de volume e H* a entalpia de transformação por unidade de volume. Estritamente falando,
esta equação aplica-se para as temperaturas de equilíbrio, mas poderia se perfeitamente
aplicada para as temperaturas de Ms, se a força motriz para iniciar a transformação é
independente da temperatura e da tensão.
6.4 Efeito de memória de forma

O efeito de memória de forma (a ser abreviado EMF daqui por diante) é uma propriedade
única de certas ligas que apresentam a transformação martensítica. Sendo a liga deformada
em uma fase de baixa temperatura, ela recupera sua forma inicial quando devidamente
aquecida para uma temperatura crítica chamada de temperatura de transformação reversa. A
mesma liga tem uma outra propriedade única chamada de superelasticidade (SE) em uma
alta temperatura, que está associada a uma considerável deformação não-linear recuperável
(até 18%) sob carregamento e descarregamento.

6.4.1 Origem e mecanismo do efeito de memória de forma

O efeito de memória de forma é um fenômeno o qual sempre que uma a mostra é


deformada abaixo de As, ela retorna a sua forma original por virtude da transformação
reversa sob aquecimento para uma temperatura acima de Af. A deformação pode ser
proveniente de algum tipo de tensão, compressão ou flexão, etc.(ex. veja Fig. 6.13 (a-c)),16
de forma que o alongamento esteja abaixo de algum valor crítico, como será discutido na
próxima seção. A origem é explicada pela presença da transformação reversa sob
aquecimento. Como abordado de início, EMF ocorre quando as amostras são deformadas
abaixo de Mf ou em uma temperatura ente Mf e As, acima da qual a martensita começa a ser
instável. Dependendo dos regimes de temperatura, os mecanismos do EMF são sutilmente
diferentes. A seguir, descreveremos o caso anterior (T  Mf) primeiro, usando um modelo
simplificado de um mono-cristal na fase matriz, como mostrado na Fig. 6.14.17
Suponhamos resfriar um mono cristal na fase matriz (a) a uma temperatura abaixo de Mf.
Assim, martensitas são formadas de uma maneira auto-acomodativa (b) como descrito na
seção 6.2.5. neste caso, mostramos somente duas variantes coincidentes (v.c.) para a
simplificação. Neste processo, a forma da amostra não muda, já que a transformação ocorre
de uma maneira auto-acomodativa. Estas v.c. são as relatadas maclas e movem-se pouco.7,18
Assim, se alguma tensão externa é aplicada, o contorno de macla move-se para acomodar a
tensão aplicada, com mostrado em (c) ou (d), e se a tensão é alta o bastante, ela tornar-se
uma mono-variante da martensita sob tensão. Agora, quando uma amostra na Fig. 6.13(d) é
aquecida acima da temperatura Af, A transformação reversa ocorre, e se a transformação
reversa é cristalograficamente reversível, a forma original é recuperada como em (e). Este é
o mecanismo do EMF.

Fig. 6.13. Demonstração esquemática do efeito de memória de forma (a-c) e efeito de


memória de forma de duplo sentido (d-g).

Na explicação anterior, assumimos que a transformação procede somente pelo movimento


de contornos de macla, e a transformação é cristalograficamente reversível. Se uma das
condições é violada, o EMF completo não é obtido. Na realidade, aprendemos na seção
6.2.5 que as martensitas formadas são auto-acomodadas por dois ou quatro variantes do
plano de hábito, e cada variantes do plano de hábito contém maclas (ou discordâncias)
como em uma deformação invariante de rede. Assim, tratando as discordâncias à parte, as
martensitas da amostra em questão são relacionadas por maclas umas com as outras.
Fig. 6.14. Mecanismo do efeito de memória de forma; (a) monocristal de fase matriz
original, (b) auto-acomodação da martensita, (c-d) deformação na martensita ocorre por
crescimento de uma variante a custa de outra, (e) no aquecimento, para a temperatura acima
de Af, cada variante faz a reversão para a fase matriz na orientação original pela
transformação reversa.

6.4.2 Efeito de memória de forma de duplo sentido

No EMF, somente a forma da fase matriz é relembrada. Entretanto, é possível relembrar a


forma da martensita sob certas condições. Na Fig.6.13, quando a tensão aplicada é pequena,
a amostra retorna à forma original completamente pelo EMF (a-c). Entretanto, quando a
tensão aplicada é muito grande (d), deslizamentos irreversíveis ocorrem, e a forma não
retorna para aquela original mesmo após o aquecimento acima de Af [cf. (c) e (e)].
Entretanto, no próximo ciclo de resfriamento, a amostra alonga-se automaticamente como
mostrado em (f), Assim, aquecendo e resfriando repetidamente, a amostra muda sua forma
entre (g) e (f) respectivamente. A amostra agora relembra a forma de (f) no estado
martensítico. Este é chamado o efeito de memória de forma de duplo sentido (EMFDS). Do
contrário, o EMF prévio é algumas vezes chamado de efeito de memória de forma de
sentido único. A razão pela qual a amostra relembra e forma de (f) pode ser explicada como
se segue. Sob grande deformação em (d), discordâncias são introduzidas para estabilizar a
configuração da martensita. Estas discordâncias existem sempre na fase matriz após a
transformação reversa sob aquecimento, e o campo de tensões em torno delas induz a
variantes do plano de hábito particulares no resfriamento. Existem muitos tratamentos
termomecânicos, Tais como a introdução de deformação plástica,79 envelhecimento
induzido,80 ciclagem térmica,81 utilização de precipitados82,83 etc.

6.5 Comportamento elástico

Existe um fenômeno desconhecido chamado „o comportamento elástico‟. Ele foi


descoberto por Olander84 em uma liga de Au-47% at Cd (martensita ‟2) nos anos 30 do
século XX, mas sua origem continua não entendida. Quando a liga é deformada logo após a
TM, o comportamento de deformação é plástico e ela exibe o EMF. Entretanto, quando a
liga é envelhecida no estado martensítico por 14 horas ou mais, ela torna-se pseudoelástica.
Sabe-se que o comportamento ocorre por movimentos reversíveis de contornos de maclas,
91,86
mas a razão pela qual o contorno de macla torna-se reversível após o envelhecimento é
desconhecida, já que a origem e o mecanismo não são estabelecidos, e o espaço é limitado,
veja Refs [92-95] para maiores detalhes. Recentemente um novo mecanismo foi proposto
para explicar todos os aspectos do comportamento. Veja o trabalho original.115

Terminologia

Há um pequeno desentendimento sobre as terminologias entre pseudoelasticidade,


superelasticidade e comportamento elástico. Assim, antes de encerrar o capítulo, definimos
como se segue. Quando uma deformação plástica aparente recupera-se somente por
descarregamento a uma temperatura constante (ex. quando a curva Tensão-Deformação é
caracterizada por um arco fechado), é chamada de psedoelasticidade, independente da sua
origem. É um termo genérico no qual abrange o comportamento elástico e superelástico.
Quando um arco fechado origina-se de uma transformação induzida por tensão no
carregamento e a transformação reversa no descarregamento, é chamado de
superelasticidade. Se ocorrer por um movimento reversível de contornos de macla no
estado martensítico, é chamado de comportamento elástico. Estas definições são
condizentes com as descrições feitas anteriormente neste capitulo, e são diferentes para não
provocarem confusões.

Referências

1. F. Osmond, Bulletin de la Societé d‟Encouragement pour L‟Industri Nationale, 10


(1895) 480.
2. E. C. Bain, Trans. AIME, 70 (1924) 25.
3. M. S. Wechsler, D. S. Lieberman e T. A. Read, Trans. AIME, 197 (1953) 1503.
4. J. S. Bowles e J. K. Mackenzie, Acta Met. 2 (1930) 138.
5. G. V. Kurdjumov e G. Sachs, Ztsch Phys. 64 (1930) 325.
6. Z. Nishiyama, Sci. Repts., Tohoku Imp. Univ., 23 (1930) 325.
7. A. B. Greninger A. R. Troiano, Trans. AIME, 140 (1940) 307.
8. A. B. Greninger A. R. Troiano, Trans. AIME, 28 (1940) 537.
9. D. P. Maximova e G. Kurdjumov, Dokladay AN. 61 (948) 83.
10. J. F. Fisher, J. H. Hollomon e D. Turnbull, Trans. AIME, 185 (1949) 688.
11. M. Cohen, E. S. Machlin e V. G. Paranjpe, Thermodynamics im Physical
Metallurgy, ASM (1949) p. 242.
12. J. W. Christian, Mechanism of Phase Transformations in Crystalline Solids,
Institute of Metals Monograph, 33, Londres (1969) p. 129.
13. J. Perkins (Editor), Shape Memory /effects in Alloys, Plenum Press, N. York
(1975).
14. C. M. Wayman, Journal of Metals, 32 (1980) 129.
15. M. Cohe, G. B. Olson e P. C. Clapp, Anais da Conferência ICOMAT 1979, MIT,
Cambridge, Massachusetts (1979) p. 6.
16. R. W. Cahn, Acta Metal., 1 (1953) 49.
17. Continua ...

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