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Parte Geral ­ Doutrina

Execução e Coisa Julgada

FERNANDO CÉSAR RIBEIRO DE OLIVEIRA
Advogado/ESP
 

SUMÁRIO:Da  coisa  julgada  formal  e  da  coisa  julgada  material;Da  coisa  julgada
como  fator  de  estabilização  social;Do  conceito  de  Justiça;Do  processo  de
execução;Embargos do devedor;A coisa julgada no processo executivo;A questão
que surge;A possibilidade de discutir­se em juízo a execução perfeita e acabada;A
possibilidade  de  acionar,  ainda  que  haja  sentença  em  processo  de
execução;Conclusão;Bibliografia.

Podemos inferir de tudo quanto já foi afirmado e sistematizado pela doutrina e jurisprudência em
nosso País que o processo de conhecimento seria o único hábil a gerar coisa julgada. Pois nele se busca
uma sentença de mérito, se exaure a busca do direito substancial das partes em lide. Busca­se
conhecer, e conhecer a fundo, as pretensões colocadas em litígio. Há nele instrução, provas do direito
alegado, dos fatos que o fundamentam; busca­se, através da jurisdição prestada pelo Estado, dizer a lei
do caso concreto. A norma genérica individualiza­se e trás na sua concreção ao caso particular, a
solução da lide, dirime o conflito entre as partes.
A coisa julgada, nos diz a melhor doutrina, só surge através de sentenças de mérito. Sentenças
definitivas. Aquelas que terminam a relação processual abordando e decidindo a substância mesma da
pretensão resistida. Sentenças seriam, na definição da doutrina, aquelas decisões do órgão judicante
que terminam com a instância, ou seja, põe um fim à relação processual. Mas isto não significa que
toda decisão que termine com o processo seja uma sentença definitiva. Ela poderá, perfeitamente,
terminar com a demanda, sem nem por isso, ter decidido quanto ao pedido em si. É o caso das ditas
sentenças terminativas, que terminam a instância sem abordarem o mérito da lide posta em questão.
Terminam com o processo e o fazem por motivos processuais, motivos de forma, procedimento ou
nulidade adjetiva. Não chegam a abordar a pretensão, propriamente dita, do autor da demanda;
pretensão esta que foi resistida pela parte contrária, e que deu origem ao litígio. Não abordam a
substância da lide, o direito material invocado pela parte, e negado pela outra, que subjaz no caso
ocorrente, e que o órgão judicante deveria abordar, buscando no ordenamento jurídico objetivo a
norma que a ele se aplicaria, dizendo a lei, e a dizendo na concretude do caso ocorrente, posto perante
o Estado e seu poder­dever de prestar justiça.
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Estas outras decisões, as de caráter terminativo, ao inverso, são as decisões dos juízes que por
terminarem com o processo também são sentenças, até por uma questão conceitual, assim o diz a
doutrina e a lei, mas são sentenças ditas terminativas, pois terminam com a instância, mas não geram
coisa julgada, justamente por não abordarem o mérito substancial posto em lide pelo autor da
demanda.
Em resumo, temos: sentenças definitivas decidem o mérito da lide, terminam com a instância, e, estas
sim, geram a coisa julgada. Somente decisões definitivas, em processo de conhecimento, é que têm o
condão de gerar a coisa julgada.
Sentenças terminativas apenas terminam com a instância, no mais das vezes, por uma razão processual
de forma adjetiva e não de fundo, deixando intocada a própria razão de ser da instância, sua pretensão
de direito material. São aspectos tais como os pressupostos processuais que não se realizaram, as
condições da ação que não aconteceram, assim, por exemplo, decretou­se serem ilegítimas as partes,
ou ilícito o objeto da ação, ou carecer a parte de interesse em agir, etc. Também configura­se a
sentença meramente terminativa quando acolhe o juízo algumas das exceções opostas por uma das
partes, tais como, as de incompetência, de impedimento ou de suspeição.

Da coisa julgada formal e da coisa julgada material
Eis aí uma distinção no interior do instituto maior da coisa julgada que pode, a primeira vista, sugerir
um certo bizantinismo, como uma questão de cunho meramente acadêmico, sem maiores implicações
práticas, mas que no entanto deveremos abordar com mais cuidado e minudência, pois sempre se deve
ter em vista que para se bem apreender um conceito, ainda mais um conceito que se erigiu em um dos
mais fortes institutos do mundo jurídico, como o da coisa julgada, teremos de esmiuçar suas diferentes
manifestações dentro da organização maior a que pertence e do papel que desempenha junto à
sociedade humana, mormente neste aspecto de fazer­se justiça, dirimir­se litígios, e dirimi­los bem,
segundo a vontade do direito objetivo.
Na lição de MOACYR AMARAL DOS SANTOS, in Primeiras Linhas de Direito Processual Civil,
temos, com razoável clareza, o sentido diferencial dos dois conceitos em toda a sua sutileza semântica:
"enquanto sujeita a recurso e pois suscetível de reforma, a sentença, em
princípio, não produz os seus efeitos regulares, principais ou secundários. É uma
situação jurídica. Enquanto sujeita a sentença a recurso não se atingiu, ainda, a
finalidade do processo, que é a composição da lide, pelo julgamento final de res
in  iudicium  deducta.  E,  assim,  o  Estado  não  satisfez  nem  ultimou  a  prestação
jurisdicional, a que está obrigado. O Estado ainda não disse, pela boca do órgão
jurisdicional,  a  palavra  final,  que  traduzirá  a  vontade  da  lei  na  sua  atuação  à
relação jurídica deduzida em juízo.
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Entretanto,  chegará  um  momento  em  que  não  mais  são  admissíveis
quaisquer  recursos,  ou  porque  não  foram  utilizados  nos  respectivos  prazos,  ou
porque não caibam, ou porque não haja mais recursos a serem interpostos. Não
será  mais  possível,  portanto,  qualquer  reexame  da  sentença.  Não  mais
suscetível  de  reforma  por  meio  de  recursos,  a  sentença  transita  em  julgado,
tornando­se  firme,  isto  é,  imutável  dentro  do  processo.  A  sentença,  como  ato
processual,  adquiriu  imutabilidade.  E  aí  se  tem  o  que  se  chama  coisa  julgada
formal, que consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão
dos prazos para recursos."
Percebemos aí, nesta lição do grande mestre MOACYR AMARAL, que a coisa julgada no seu aspecto
formal, seria por assim dizer "endógena" ao processo dentro do qual surge. E, também levando em
conta o lecionado pelo mestre processualista, que ela seria decorrente de preclusões processuais, ou
seja, do fim da possibilidade de processar­se qualquer ato ou inovação, dentro da relação processual,
pois os mesmos já estariam vedados aos agentes da relação jurídica processual, por qualquer das
razões que a isso levam. Cria­se uma imutabilidade dentro de um específico processo, por este já estar
perfeito e acabado, sob a ótica das regras exaradas no Direito Processual.
Porém, indo mais além nesta análise dos diferentes aspectos do instituto da coisa julgada, continua o
mestre processualista:
"Em  conseqüência  da  coisa  julgada  formal,  pela  qual  a  sentença  não
poderá ser reexaminada e, pois, modificada ou reformada no mesmo processo
em  que  foi  proferida,  tornam­se  imutáveis  os  seus  efeitos  (declaratório,  ou
constitutivo,  ou  condenatório).  O  comando  emergente  da  sentença,  como  ato
imperativo do Estado, torna­se definitivo, inatacável, imutável, não podendo ser
desconhecido  fora  do  processo.  E  aí  se  tem  o  que  se  chama  coisa  julgada
material,  ou  coisa  julgada  substancial,  que  consiste  no  fenômeno  pelo  qual  a
imperatividade do comando emergente da sentença adquire força de lei entre as
partes.
Pode­se  dizer,  com  LIEBMAN,  que  a  coisa  julgada  formal  e  a  coisa
julgada  material  são  degraus  do  mesmo  fenômeno.  Proferida  a  sentença  e
preclusos  os  prazos  para  recursos,  a  sentença  se  torna  imutável  (primeiro
degrau ­ coisa julgada formal); e, em conseqüência, tornam­se imutáveis os seus
efeitos (segundo grau ­ coisa julgada material)."
E seguindo esta explicação de como diferenciarmos e bem caracterizarmos tanto a coisa julgada
formal como a coisa julgada material, que, nunca será demais lembrar, não passam de faces de um
mesmo fenômeno jurídico­processual, esmiuça o mestre do Direito Processual:
"A  coisa  julgada  formal  consiste  no  fenômeno  da  imutabilidade  da
sentença  pela  preclusão  dos  prazos  para  recursos.  Dá­se  porque  a  sentença
não  poderá  ser  reformada  por  meio  de  recursos,  seja  porque  dela  não  caibam
mais recursos, seja porque estes não foram interpostos no prazo, ou porque do
recurso se desistiu ou do interposto se renunciou. E porque os recursos são atos
de  impugnação  da  sentença  no  processo  em  que  ela  foi  proferida,  a  coisa
julgada  formal  redunda  na  imutabilidade  da  sentença,  como  ato  processual,
dentro do processo."
Já quanto à coisa julgada material, aduz o mestre:
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"A  obrigação  jurisdicional  do  Estado  consiste  em  compor  a  lide,
traduzindo  na  sentença  a  vontade  da  lei  aplicável  à  espécie.  Verificando­se  a
coisa julgada formal, cumprida está aquela obrigação. A res in judicium deducta
torna­se  res  iudicata  ­  coisa  definitivamente  julgada...  da  coisa  julgada  formal
resulta  a  imutabilidade  da  sentença  no  mesmo  processo  em  que  foi  proferida,
porque a sentença se tornou ou é inimpugnável. Por isso também se diz que a
coisa julgada formal é a inimpugnabilidade da sentença no processo em que foi
proferida.  Dá­se  a  máxima  preclusão:  não  mais  é  possível  a  reforma  da
sentença no processo em que foi proferida.
Mas a essa qualidade da sentença se acrescenta uma outra que lhe dá
autoridade  além  do  processo  em  que  foi  proferida.O  comando  emergente  da
sentença se reflete fora do processo em que foi proferida, pela imutabilidade de
seus  efeitos.  A  vontade  da  lei,  que  se  contém  no  comando  emergente  da
sentença  e  que  corresponde  à  expressão  da  vontade  do  Estado  de  regular
concreta  e  definitivamente  o  caso  decidido,  tornou­se  indiscutível,  imutável,  no
mesmo  ou  em  outro  processo...o  comando  emergente  da  sentença,  tornado
imutável, adquire autoridade de coisa julgada, a impedir que a relação de direito
material  decidida,  entre  as  mesmas  partes,  seja  reexaminada  e  decidida,  no
mesmo processo ou em outro processo, pelo mesmo ou outro juiz ou tribunal."
Assim, podemos entender o instituto da coisa julgada, neste seu aspecto material, como uma extensão
dos efeitos da sentença proferida dentro de uma determinada relação processual, que, por já
encontrarem­se preclusos os caminhos de sua recorribilidade, não mais poderá ser impugnada nesta
relação processual, e que derrama esta sua característica de imutabilidade, por assim dizer, para fora do
processo em que foi prolatada, sendo que todo o entorno do mundo jurídico também deverá respeitá­la.
Fez­se lei para as partes envolvidas e não mais poderá esta decisão ser atacada por qualquer outro juiz
ou tribunal, restando tão­somente a via rescisória com seu exíguo prazo prescricional de dois anos,
para o sucumbente tentar alterar o decisum. Ou, nas palavras de MOACYR AMARAL:
"Por ter força de lei a coisa julgada material tem força obrigatória, não só
entre as partes como em relação a todos os juízes, que deverão respeitá­la."
Ou então, neste mesmo sentido e diapasão o texto de FRANCISCO RAITANE, in Prática de Processo
Civil, acrescentando também importante observação sobre até onde estender­se­iam os limites da coisa
julgada, tomada em seu aspecto tanto objetivo quanto subjetivo:
"O vínculo da coisa julgada opera não só entre as próprias pessoas que
foram  partes  no  processo  anterior,  como  também  entre  os  seus  sub­rogados,
cessionários,  ou  qualquer  sucessor  a  título  universal  ou  singular.  (LUÍS
EULÁLIO VIDIGAL, Ação rescisória dos julgados) Como acentua PONTES DE
MIRANDA, a sucessão pelo terceiro, por exemplo, estabelece contato pessoal e
a coisa julgada atinge o terceiro sucessor, quer a título universal, quer singular.
É a extensão da coisa julgada, são seus limites objetivos e subjetivos que
devem ser considerados.
O  princípio  informador  é  que  a  coisa  julgada  abrange  não  só  o  que  se
discutiu  como  também  o  que,  necessariamente,  devesse  ser  discutido:  tantum
judicatum quantum disputatum vel disputari debebat.
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PEDRO BATISTA MARTINS é bem claro neste magistério: 'Ao juiz, em
cada caso concreto, relegou a lei a importante e delicada tarefa de averiguar se
a  questão  que  se  suscita  se  acha  ou  não  implicitamente  decidida  noutro
processo.  Se  houver  revestido  a  característica  de  questão  prejudicial,  ou  de
pressuposto necessário da sentença que transitou em julgado, é claro que o juiz,
dobrando­se  diante  do  texto  expresso  do  art.  468  do  CPC,  há  de  considerá­la
protegida pela autoridade da coisa julgada.'
É a relação jurídica afirmada ou negada na decisão judicial que se lança
além do próprio processo, para ostentar os efeitos da coisa julgada. A extensão
objetiva  da  res  judicata  tem  eficácia  adversus  omnes  (ERNESTO  HEINITZ,  I
limiti  oggettivi  della  cosa  giudicata),  muito  embora  aqueles  que  são
absolutamente estranhos ao litígio não possam vir a sofrer prejuízo jurídico com
o  julgado.  São  os  elementos  objetivos,  elementos  da  causa  e  por  isso,  como
conteúdo da relação litigiosa, têm autoridade de coisa julgada. (SAVIGNY, apud
JOÃO MENDES, Direito Judiciário)
LOPES  DA  COSTA  fornece  preciosa  lição  a  respeito:  'O  domínio  da
coisa  julgada  se  estende  não  só  às  questões  discutidas  pelas  partes  e  às
questões que o juiz expressamente resolveu, como também a todas as questões
que, embora não debatidas nem expressamente decididas, sejam inconciliáveis
com a questão expressamente resolvida, diminuindo assim o bem reconhecido.'
(Direito Processual Civil Brasileiro)
Não é, portanto, a natureza da ação que dará os elementos necessários
para  que  se  afirme  ou  negue  a  formação  da  res  judicata;  são  as  relações
jurídicas  que  nela  são  debatidas  e  decididas,  com  base  nas  provas  oferecidas,
que lhe conformam o vínculo.
Vale  citar  GOGLIOLI  para  quem  quando  a  relação  jurídica  pedida  na
causa  é  idêntica  à  relação  anteriormente  julgada,  e  ambas  nascem  do  mesmo
fato, cabe a exceção de coisa julgada (Trattato teorico e pratico della eccezione
de cosa giudicata). Se numa ação demarcatória, exemplifica LIEBMAN (Decisão
e  Coisa  Julgada),  ficar  evidenciado  que  somente  a  posse  poderá  solucionar  a
controvérsia  (e  assim  for  decidido),  inegavelmente  que  este  fato  não  poderá
depois  ser  reexaminado,  pois  haverá  coisa  julgada  sobre  ele.  Ao  invés,
acentuou,  se  numa  ação  possessória  se  discutiu  e  decidiu  sobre  a  validade  de
atos  jurídicos  fundamentadores  do  pedido,  não  é  lícito,  depois,  em  nova  ação,
pretender­se  novamente  a  reabertura  de  discussão  sobre  matéria
soberanamente  julgada.  Vem  a  talhe  de  foice,  a  propósito,  essa  decisão  do
Tribunal de Mato Grosso, inserta em O Processo Civilà luz da Jurisprudência de
ALEXANDRE  DE  PAULA:  'Não  se  pode  mais  discutir  a  respeito  da
autenticidade  de  um  documento  se  foi  ela  proclamada  por  sentença  prolatada
em processo onde foi produzido. Constitui coisa julgada'."
Assim temos que a doutrina entende, com todo acerto, que não só acoberta­se com o manto da coisa
julgada aquilo que foi expressamente abordado e decidido pelo juiz no processo de conhecimento,
como também todas as questões implícitas, que fundamentaram esta decisão, e cuja negação
impediriam o próprio julgado em questão. E esta afirmação doutrinária faz­se de suma importância
para bem definirmos os reais limites da coisa julgada. Neste sentido os importantes artigos do CPC,
468 e 469 e seus incisos, bem precisando os limites objetivos da coisa julgada, in verbis:
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"Art. 468. A sentença que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de
lei nos limites da lide e das questões decididas.
Art. 469. Não fazem coisa julgada:
I ­ os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença;
II ­ a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III  ­  a  apreciação  da  questão  prejudicial,  decidida  incidentemente  no
processo;"

Da coisa julgada como fator de estabilização social
O ordenamento jurídico, como aspecto da cultura humana, como uma instituição dos homens, e dentro
da sociedade por eles criada, traz as marcas humanas, suas características antropomórficas. É próprio
do homem o conceito fundamental do Valor. O homem valora, escolhe, opta. Valor seria isto, de uma
forma mais clara e direta, o conteúdo do Querer e do Achar do homem, uma finalidade e uma escolha.
O elemento teleológico nas ações dos homens é um fator ineludível, encontrável em qualquer
sociedade, em qualquer cultura historicamente situada. E qual seria um dos valores primordiais
buscado pelos homens e suas sociedades, no devir da História, senão o valor primeiro da segurança e
da certeza nas relações interindividuais. O homem quer, precisa e escolhe sentir­se seguro, sentir que
as relações sociais perduram, trazem em si a previsibilidade, que a sociedade que formaram e que
estruturaram em inúmeras instituições, terá como uma de suas principais características a estabilidade.
Pois bem, umas das formas institucionais mais eficientes para trazer à sociedade dos homens esta
busca de estabilidade nas relações intersubjetivas, dirimindo conflitos e litígios, fatalmente surgidos
onde pessoas de índole diversa, pretensões conflitantes, interesses concorrentes, convivem, e o fazem
forçosamente, como soe acontecer nas sociedades humanas; seria um poder judicante eficiente, eficaz,
que trouxesse às pessoas a Justiça, na sua acepção de dar a cada um o que é seu, o cuique suum
tribueri do brocardo romano, e dá­lo segundo o direito subjetivo de cada qual, tendo por pano de fundo
o direito objetivo, na sua estrutura normativa e legal. E aí, a par uma estrutura física e funcional
suficiente e eficiente do Poder Judiciário, também princípios informadores do Direito, no seu aspecto
geral e de fundo, fazem­se imprescindíveis. E um destes princípios, a par outros também igualmente
importantes, tais como o do duplo grau de jurisdição, o da inafastabilidadeda jurisdição, o princípio do
contraditório, da ampla defesa, etc.; seria o fundamental conceito da coisa julgada.
Coisa julgada é o princípio da estabilidade, nas relações entre os homens, por excelência. Este é o
conceito jurídico que permite e propicia o fim dos conflitos, e um fim de uma vez por todas. Não mais
se reabre discussões, não mais se demanda onde a justiça já decidiu, e o fez de forma cabal e final.
Traz­se tranqüilidade, através deste conceito, para as relações sociais. Trata­se da paz social, um dos
valores maiores buscado pelos homens durante sua história, e buscado com afinco a ponto de por ele,
em mais de uma ocasião, já se ter sacrificado outros valores, igualmente fortes, igualmente
entranhados na consciência do homem ocidental, tais como os valores da liberdade e da autonomia das
pessoas.
46   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA
 
Este é o princípio da coisa julgada, a nortear a boa prestação jurisdicional por parte do Estado,
trazendo segurança e certeza para as relações humanas no seu âmbito jurídico. Ele traduz este Valor
maior da cultura dos homens: a estabilidade, a segurança das coisas decididas de uma vez por todas, e
de forma final. Isto gera e propicia a paz social, aquela situação de previsibilidade, onde cada qual
sabe o que pode esperar, obter e, por outro lado, prestar, obrigar­se em relação aos outros e ao todo
social.
Pois bem, ainda que esta segurança jurídica tenha um preço, e nem sempre assim tão baixo, como
acontece em relação à injustiça de se perpetuarem situações que posteriormente provar­se­iam iníquas,
mas já então acobertadas pelo instituto da coisa julgada, por já prescrito o prazo da rescisória, ainda
assim, paga­se este preço para se obter o valor maior da estabilidade nas relações intersubjetivas. Neste
sentido, mais uma vez nos reportando a MOACYR AMARAL, temos que "...todas as sentenças
definitivas, uma vez verificada a coisa julgada formal, adquirem a autoridade de coisa julgada (coisa
julgada material). Mas não se pode ignorar a possibilidade de sentenças injustas. E nem por serem
injustas deixam de fazer coisa julgada. Como isto se justifica?
A doutrina, a respeito, oferece duas ordens de fundamentos: uma de ordem política, outra de ordem
jurídica." E, para o autor in comento, o critério de ordem política seria exatamente esta busca de
estabilidade social, de relações jurídicas mais fortes e estáveis, que justificariam, até, uma possível
injustiça no caso concreto, se tal acontecesse como raras exceções, e sempre com a possibilidade da
rescisória como um possível acerto do erro jurídico cometido.
Também CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO em sua obra A Instrumentalidade do Processo, coloca
muito bem este caráter pacificador e de estabilidade social do instituto da coisa julgada:
"Além disso, a eficiência do serviço jurisdicional de pacificação depende
da firmeza das decisões, de modo a projetarem para o futuro a sua permanência
e  imunidade  a  possíveis  abalos.  Isto  conduz  à  autoridade  da  coisa  julgada
material, expressão da imunidade, que em grau maior ou menor, é indispensável
para a subsistência da própria autoridade estatal. A imutabilidade dos efeitos da
sentença constitui, portanto, nesse contexto de medidas destinadas ao equilíbrio
entre as duas forças opostas, poderoso fator em prol da eliminação definitiva do
conflito  e  da  insatisfação  que  angustia  os  sujeitos.  A  segurança  jurídica
considera­se  obtida  de  modo  irreversível,  quando  o  processo  se  findou  e  a
decisão ficou imunizada pela autoridade da res judicata (salvo os casos de ação
rescisória, que são postos pela lei em caráter de excepcionalidade e constituem,
neste jogo de forças, forma de reação da exigência de fidelidade)."
Também neste sentido FRANCISCO RAITANI, in Prática de Processo Civil, escreveu:
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA   47
 
"A  importância  da  coisa  julgada  em  relação  à  ordem  pública  pode  ser
equiparada à da prescrição. De uma e de outra depende a paz entre os homens.
Permitido o bis de eadem e não haveria paz jurídica. A controvérsia se repetiria
a  todo  momento,  sem  descanço,  de  etapa  em  etapa.  A  cada  processo  e
sentença do julgador, novo processo e sentença. À suspeita de cada erro novo,
novo esforço para a produção do conserto. A cada argüição nova do processo e
desacerto,  novo  processo  e  nova  sentença,  porque  os  vencidos  nunca  são
convencidos.  Justamente  por  isto  é  que  o  princípio  da  coisa  julgada  tornou
impossível  que  se  perpetue  a  instabilidade  das  relações  de  direito,  e,  portanto,
firmou  por  ela  a  proteção  das  sentenças  definitivas  contra  qualquer  ataque  ou
modificação.
Tanto  a  ordem  pública  é  o  fundamento  da  coisa  julgada,  de  tempos
imemoriais,  que  Cícero  nela  apoiava  a  estabilidade  do  Estado.  Status
Republicae maxime judicatis rebus continetur."

Do conceito de Justiça
Convém fazermos um parênteses aqui, para bem definirmos, ainda que rapidamente, o que deveremos
entender por uma "sentença injusta". Aí teríamos de nos reportar ao filósofo do Direito CHAÏM
PERELMAN, quando em sua alentada obra Ética e Direito, bem define os possíveis conceitos de
Justiça, não sem antes lembrar­nos que a Justiça seria o Valor social por excelência, pois se sob o
aspecto moral ou ético sempre se pode falar em uma dimensão subjetiva, interior do homem, já a
Justiça sempre se colocaria como um elo intersubjetivo, como uma relação, seja entre duas
individualidades, seja do homem posto diante de toda a sociedade.
O conceito de Justiça no entender de PERELMAN, poderia ser abordado sob seis aspectos distintos:
1. Dar a cada qual a mesma coisa. Ou seja, uma preocupação com a absoluta igualdade entre as
pessoas.
2. Dar a cada um segundo seus méritos. Aí então, teríamos a questão ética derivada desta primeira
afirmação: o que seria considerado de maior mérito social? Isto teria um aspecto absoluto ou seria
relativizado ao momento histórico em que dada sociedade se encontrasse?
3. Dar a cada um segundo suas obras. Este critério já teria uma maior objetividade, seria mais
facilmente aferível diante das realizações de cada indivíduo para com sua sociedade. Porém, sempre
um travo de incerteza, de escolha situada historicamente, restará, mesmo em se tratando de obras
realizadas num plano concreto. O que poderíamos entender por uma boa obra? O que tornaria esta
contribuição deste sujeito dado melhor do que a obra daquele outro?
4. Dar a cada um segundo as suas necessidades. E teremos aqui o sentido tão humano da compaixão,
da capacidade que cada ser humano tem de sentir junto com o outro, de repartir com ele o seu
sofrimento, de colocar­se no seu lugar, de sentir também sua carência e afligir­se com ela como se
fosse nossa. Neste específico sentido da Justiça ela se mistura muito com o aspecto moral da caridade,
do procurar minorar o sofrimento de nossos irmãos de espécie. Porém, não deixa de ter também um
aspecto jurídico, como a busca de um objetivo, de uma sociedade idealmente justa, uma meta a ser
politicamente atingida.
48   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA
 
5. Dar a cada qual segundo a sua posição. E teremos aqui a definição das sociedades aristocráticas e
seu conceito de Justiça, diferenciando as pessoas segundo categorias, e dando a cada categoria, ou
estrato social, um tratamento diferente. Um conceito de Justiça hoje um tanto quanto anacrônico,
diante do avanço das sociedades democráticas no mundo ocidental.
6. Dar a cada qual segundo o que a Lei lhe atribui. Teremos aqui o antigo brocardo dos romanos suum
cuique tribuere como a definição por excelência do que seria a Justiça, ao menos em seu sentido mais
pragmático.
E será exatamente neste sentido de Justiça conforme o exarado neste item sexto, que deveremos nos
ater quando reflexionarmos sobre o tema de nossa monografia. Isto porque os outros conceitos em que
se pode enquadrar a Justiça, sempre vão importar em um grau, mais ou menos elevado, de opção
axiológica. Opções a serem feitas em um momento anterior pela sociedade, através de seu corpo
legislativo. Escolhas de cunho político e historicamente situadas. Nosso problema já se encontra em
um momento posterior, já estamos tratando da aplicação da Justiça. E isto com este cunho
acentuadamente pragmático que a aplicação da Justiça aos casos ocorrentes forçosamente implica.
Pois bem, tendo em mente esta breve conceituação do que poderíamos entender por este termo, de
vastas implicações e de tão grande significado para a sociedade dos homens, como sói ser a Justiça,
continuaremos nossa exposição.

Do processo de execução
Previsto no Livro II, Título I e seus artigos do CPC, este processo visa a garantir ao credor de uma
obrigação que ela lhe seja efetivamente prestada. A jurisdição não tem por escopo meramente dizer o
Direito do caso concreto. Não exaure­se aí a finalidade do órgão judicante. O Estado presta a justiça
com finalidade prática, pragmática, e não meramente para fins acadêmicos ou doutrinários. Presta­se,
ou procura­se prestar, uma Justiça efetiva, que realmente dirima as lides ocorrentes, que realmente
termine com os conflitos intersubjetivos, e o faça da maneira mais rápida e eficiente possível. Evidente
que toda sentença judicial, no processo de conhecimento, de certa forma é declarativa, no sentido
amplo do termo, pois declara o direito das partes, e o faz para, a partir de direitos e obrigações
declarados incontestes pela sentença neste seu aspecto declaratório latu sensu, constituir­se novas
situações jurídicas, ou condenar­se a parte sucumbente a uma prestação (de fazer, não fazer ou de dar).
E seria justamente a partir deste aspecto condenatório da decisão judicial, que surge a obrigação para a
parte vencida de cumprir o objeto da prestação jurisdicional. E ela poderá fazê­lo espontaneamente,
ou, ao inverso, resistir ao mandamento judicial. E aí, para que todo o processo de conhecimento não
resulte em algo absolutamente inócuo, sem conseqüências práticas, sem que o direito reconhecido à
parte que venceu a demanda se torne mera teoria, de nenhum reflexo efetivo na sua esfera jurídica,
surge o processo de execução. Surge para tornar efetivo o direito declarado latu sensu na sentença
condenatória, surge para tornar realidade a condenação exarada na decisão judicial.
Neste sentido, também com muita propriedade, nos ensinou CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO em
sua obra A Instrumentalidade do Processo:
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA   49
 
"E  assim,  se  de  um  lado  ocorre  um  veto  às  pretensões  executivas  não
apoiadas  em  título  (nulla  executio  sine  titulo),  por  outro  a  existência  do  título
executivo  traz  ao  exeqüente  a  tranqüilidade  de  ter  a  sua  disposição  a  via
executiva  sem  necessidade  de  comprovar  o  crédito  alegado.  Diz­se  que  a
sentença condenatória civil é o título executivo por excelência, no sentido de que
constitui o produto de uma cognição desenvolvida em contraditório, com exame
da  pretensão  do  autor  e  conclusão  positiva  pelo  juiz,  tudo  desembocando  em
uma decisão que legitimamente expressa o exercício imperativo do poder. Mas a
técnica  legislativa  evoluiu  nesses  mil  anos  e  ao  non  est  inchoandum  ab
executione  muitas  exceções  vão  sendo  postas,  à  medida  que  a  lei  tipifica  os
títulos executivos extrajudiciais. Ao instituir títulos além da sentença condenatória
civil ordinária, age o legislador por critério de probabilidade, sabendo que sempre
algum  risco  haverá,  mas  entenendo  também  que  vale  a  pena  corrê­lo;  vale  a
pena porque as vantagens obtidas na grande maioria dos casos têm muito mais
significado  social  que  eventuais  males  sofridos  em  casos  proporcionalmente
reduzidos  ­  quanto  aos  quais,  de  resto,  fica  aberta  a  via  defensiva  consistente
nos embargos à execução."
Neste sentido, também nos ensinou MOACYR AMARAL DOS SANTOS (in Primeiras Linhas de
Direito Processual Civil):
"Também no processo de execução se contém uma relação processual,
cujos  sujeitos  principais  são  as  partes  ­  exeqüente  e  executado  ­  e  o  juiz.
Entretanto, enquanto na relação processual de conhecimento domina o princípio
do contraditório, a relação processual de execução, que se inicia com a petição
de execução e se completa com a citação do executado, não se informa, se não
de  modo  bastante  atenuado,  por  aquele  princípio.  Na  execução,  formada  a
relação processual, as atividades coativas se desenvolvem contra o executado,
que  não  pode  impedi­las,  não  lhe  cabendo  senão  o  poder  de  exigir  que  se
realizem na conformidade e nos limites da lei. Conquanto parte, o executado se
encontra  na  posição  de  sujeição  às  atividades  jurisdicionais  executórias,
impregnadas da vis coativa que as caracteriza.
Na verdade, poderá o executado resistir à pretensão executória, opondo­
lhe  embargos,  ensejando  o  contraditório.  Este,  entretanto,  se  apresenta  no
processo  dos  embargos,  e  não  no  de  execução,  em  face  do  qual  aquele  é  um
processo incidente. (LIEBMAN)"
A ação de execução caracteriza­se, assim, como uma ação satisfativa, ou seja, que busca satisfazer a
pretensão da parte vencedora da demanda. É uma ação que forçosamente pressupõe um direito líquido
e certo da parte exeqüente, isto porque não discute­se mais, nem admite­se a possibilidade de fazê­lo,
o direito substancial que encontra­se por trás do processo executivo. Este já foi objeto de instrução
exaustiva em sede de ação de conhecimento, ou então provém de instrumentos declarados pela lei
como incontestes, ainda que fruto de uma presunção legal iures tantum, do direito da parte exeqüente.
50   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA
 
Aqui caberia uma observação interessante quanto à sistemática do antigo CPC, o de 1939: por aquele
diploma legal dividia­se o processo de execução em dois ritos diferentes, segundo o título do qual
proviesse o direito do exeqüente. Caso tratasse­se de uma sentença condenatória, prolatada após
regular processo de conhecimento, portanto de um título judicial a ser executado pela parte, seguir­se­
ia o rito denominado executivo, onde não mais poder­se­ia discutir, em sede de embargos, o mérito do
direito exeqüendo substancial, ou dos fatos que o embasaram. Isto porque já haviam sido discutidos no
anterior processo de conhecimento, quando então surgiu a coisa julgada, este instituto retrocomentado,
o qual não mais permitiria que se reabrisse questões já definitivamente decididas pela justiça. Já ao
tratar­se dos títulos executivos extrajudiciais, assim definidos aqueles elencados em lei, teríamos o rito
executório, o qual difriria do anterior por permitir que se discutisse, em sede de embargos do devedor,
o direito material subjacente ao título executado, pois o mesmo por não ter provindo de uma ação de
conhecimento, em nenhum momento de sua gênese teve os seus termos e conteúdo tornados
intangíveis pelo princípio da coisa julgada. Já com o advento do novo CPC, esta diversificação de
ritos do processo de execução restou superada, pois agora, pelo nova sistemática processual, não mais
admite­se procedimentos diversos na execução. Seja o título exeqüendo judicial ou extrajudicial, o rito
processual será o mesmo, aquele exarado a partir do Livro II, Título I, do CPC.

Embargos do devedor
São uma ação própria, autônoma, ainda que incidente ao processo de execução. E caracterizam­se
como uma ação de conhecimento, na qual procura­se desconstituir o título executivo. Tratar­se­ia,
dentro desta ótica, de uma ação na qual se buscaria a prolação de uma sentença constitutiva negativa,
buscando o embargante, com isto, descaracterizar o título executivo. Pois bem, como restaria a questão
da coisa julgada nesta sede de embargos, tendo em vista as duas origens diversas dos títulos
executivos, uns títulos judiciais, provenientes de sentença prolatada em processo de conhecimento,
outros instrumentos, assim declarados pela lei como de força executiva?
O CPC aborda esta questão pragmaticamente: nos arts. 741 e 745 dispõe sobre a extensão das matérias
de defesa a serem argüidas em sede de embargos. E o faz tendo em vista de onde provém os títulos
executivos, se título judicial ou extrajudicial. In verbis:
"Art.  741.  Na  execução  fundada  em  título  judicial,  os  embargos  só
poderão versar sobre:
I ­ falta ou nulidade de citação no processo de conhecimento, se a ação
lhe correu à revelia;
II ­ inexigibilidade do título;
III ­ ilegitimidade das partes;
IV ­ cumulação indevida de execuções;
V ­ excesso da execução, ou nulidade desta até a penhora;
VI  ­  qualquer  causa  impeditiva,  modificativa,  ou  extintiva  da  obrigação,
como pagamento, novação, compensação com execução aparelhada, transação
ou prescrição, desde que supervenientes à sentença;
VII  ­  incompetência  do  juízo  da  execução,  bem  como  suspeição  ou
impedimento do juiz;"
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Resta­nos claro, pelos próprios termos do art. 741, que em nenhuma das hipóteses mencionadas
encontra­se a discussão quanto ao mérito da decisão anteriormente prolatada em sede de processo de
conhecimento. E isto porque sobre tal decisão revestiu­se o conceito da coisas julgada. Foi prolatada
uma decisão de mérito, e uma decisão de mérito em processo de conhecimento; fez­se, portanto,
segundo a lei, a coisa julgada, e sobre ela não mais poder­se­á discutir, muito menos em sede de
embargos à execução. As alternativas levantadas pelo artigo trasladado são questões de forma,
processuais, ou então exceções, como as de incompetência do juízo, ou mesmo as de impedimento ou
suspeição do juiz. Em nenhum momento permite a lei que se aborde, e rediscuta­se, os fatos
constitutivos do crédito, ou o direito alegado pelas partes, questões substanciais já discutidas e decidas
no processo de conhecimento anterior que originou o título judicial.
Isto posto, vejamos agora o que diz a lei quanto à amplitude da defesa, no que concerne aos embargos
do devedor, quando o título exqüendo for um título extrajudicial:
"Art. 745. Quando a execução se fundar em título extrajudicial, o devedor
poderá alegar, em embargos, além das matérias previstas no art. 741, qualquer
outra que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento."
Temos aqui uma defesa permitida muito mais ampla, irrestrita, com a mesma extensão das defesas
deduzidas nos processos de conhecimento. Isto porque em sede de embargos do devedor temos uma
ação autônoma, e uma ação de conhecimento.
Este é o ponto: estamos diante de uma verdadeira ação de conhecimento. O próprio direito, e seus
fundamentos fáticos, poderão ser contestados. Os títulos executivos extrajudiciais nunca estiveram
antes sob o crivo da jurisdição, este poder do Estado gerador da coisa julgada. Portanto, quanto a eles,
os títulos assim chamados extrajudiciais, tudo pode ser discutido. Não há limites na contestação de sua
validade: tem­se o autêntico processo de conhecimento, em toda sua extensão, gerador também da
coisa julgada, que ainda não surgiu no que tange a estes títulos, e que poderá exsurgir agora, em sede
de embargos do devedor.

A coisa julgada no processo executivo
O processo executivo, no âmbito de sua precípua finalidade, tem como objetivo satisfazer o crédito do
autor. E satisfazê­lo da maneira mais cabal e completa possível. É um processo com objetivo
marcadamente satisfativo, que não preocupa­se com o possível direito material subjacente à pretensão
da parte. Melhor dizendo, preocupa­se na medida em que subentende como válidos os títulos que
embasam a execução, mas não os discute a fundo, assume serem eles válidos, e o faz porque assim diz
a lei. CPC, art. 585:
"São títulos executivos extra­judiciais:
I  ­  a  letra  de  câmbio,  a  nota  promissória,  a  duplicata,  a  debênture  e  o
cheque;
II  ­  a  escritura  pública  ou  outro  documento  público  assinado  pelo
devedor; o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas;
o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela defensoria
pública, ou pelos advogados dos transatores;
52   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA
 
III ­ os contratos de hipoteca, de penhor, de anticrese e de caução, bem
como  de  seguro  de  vida  e  de  acidentes  pessoais  de  que  resulte  morte  ou
incapacidade;
IV ­ o crédito decorrente de foro, laudêmio, aluguel ou renda de imóvel,
bem como encargo de condomínio desde que comprovado por contrato escrito;
V  ­  o  crédito  de  serventuário  de  justiça,  de  perito,  de  intérprete  ou  de
tradutor  quando  as  custas,  emolumentos  ou  honorários  forem  aprovados  por
decisão judicial;
VI  ­  a  certidão  de  dívida  ativa  da  Fazenda  Pública  da  União,  Estado,
Distrito Federal, Território e Município, correspondentes aos créditos inscritos na
forma da lei;
VII ­ todos os demais títulos a que, por disposição expressa, a lei atribuir
força executiva;..."
Porém esta é uma presunção iures tantum, que sempre poderá ser elidida diante de instrução bem
comprovada nos embargos do devedor. Já quanto aos títulos judiciais não há mesmo porque discuti­
los, pois já o foram no processo de conhecimento condenatório, e o foram exaustivamente, gerando a
coisa julgada.
Também os embargos do devedor geram a coisa julgada ao serem conhecidos e decididos de uma vez
por todas, quando da sua oposição pelo executado. Neste momento, aquilo que não se discutiu antes,
discute­se agora: o direito material subjacente aos títulos de crédito apresentados para excussão, o
negócio jurídico que os originou, sua validade intrínseca, sua validade formal, os vícios da vontade
que emitiu as cambiais ou firmou o contrato, etc.
Resumindo, diríamos que a coisa julgada, com todas as suas profundas implicações, nas duas ocasiões
surgiu, mas o fez em momentos diferentes: quando proveniente de títulos judiciais, fez­se a coisa
julgada já em um primeiro momento, quando do processo de conhecimento condenatório, que originou
o título executivo. Porém, quando proveniente de títulos extrajudiciais a coisa julgada só irá infirmar­
se em sede de embargos do devedor, quando, em vista da amplitude da defesa permitida pelo art. 745
do CPC, poderá este abordar de modo mais profundo o próprio negócio jurídico subjacente ao título
exeqüendo, questionar seus pressupostos, validade, vícios que porventura o inquinem de nulidade, bem
como as exceções que, no momento, houver por bem alegar, tais como incompetência do juízo,
suspeição ou impedimento do juiz; além de eventual fato impeditivo, modificativo ou extintivo do
direito do exeqüente, etc.
Poderíamos, com as devidas cautelas, traçar um paralelo entre os dois artigos do CPC de 1973, o de
número 741 e o de número 745, com os dois antigos ritos do código de 1939, os quais eram
informados pela origem dos títulos a serem executados, dependentes de serem eles títulos provindos de
uma sentença judicial, quando então teríamos o rito executivo, ou, ao inverso de um título extrajudicial
com força executiva, quando então teríamos o procedimento executório. Isto porque já então se levava
em conta a profundidade e extensão da defesa a ser deduzida em sede de embargos do devedor,
podendo esta ser muito mais ampla no caso de títulos extrajudiciais, justamente porque aí ainda não
surgira o instituto da coisa julgada, vedando a abordagem de assuntos relativos ao mérito do direito
subjacente ao título exeqüendo. O paralelo, grosso modo, seria tal que:
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À antiga ação executória, com toda a sua limitação de defesa, fruto do instituto da coisa julgada
impedindo uma abordagem mais exaustiva das matérias fáticas subjacentes ao título, corresponderia o
exarado no art. 741 do atual CPC, também com toda a sua limitação defensiva, e também tendo como
pressuposto a coisa julgada em relação a fatos do mérito do direito exeqüendo.
À antiga ação executiva, com uma probabilidade de defesa ampla e extensa, corresponderia o atual art.
745 do CPC, amplitude esta derivada, em ambos os casos, de não haver limitação às matérias a serem
deduzidas nos embargos do devedor, em se tratando do artigo do código atual, ou nas matérias
defensivas no antigo rito executivo. Isto porque tais títulos extrajudiciais originaram­se da lei, e não
foram, em nenhum momento de sua gênese, fruto de decisão judicial prolatada após processo de
conhecimento, vale dizer: não encontra­se por trás deles, em nenhuma fase de seu iter formativo, a
sentença judicial que gera a coisa julgada.
Andou bem o legislador processual, contudo, em reunir em um só procedimento os diferentes títulos
executivos, pois com isto obteve­se economia e simplificação processuais, a par, em vista do paralelo
acima abordado, manterem­se a intocabilidade da coisa julgada, como próprio preceito constitucional
que é, ainda porque erige­se ela em esteio da segurança jurídica, desdobrando­se como um dos pilares
do Valor maior da estabilidade dos institutos sociais, bem como da previsibilidade nas relações
intersubjetivas.

A questão que surge
Do exposto teremos que no processo executivo, propriamente dito, não surge a coisa julgada. Isto
porque tem ele um caráter meramente satisfativo, buscando dar ao credor aquilo que a Justiça já
decidiu ser a ele devido. Não há discussão de mérito, não há declaração de uma relação jurídica, de
caráter constitutivo, por parte do órgão jurisdicional, mas tão­somente um agir do Estado, que, por
assim dizer, substitui o devedor inadimplente, assumindo o lugar da sua vontade renitente, para, em
seu lugar, prestar aquilo que o Poder Judiciário já decidiu ser direito do credor.
54   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA
 
Isto não significa que em nenhum momento da ação de execução, tomada em seu sentido amplo,
compreendendo todo o seu desenrolar, e não apenas seu momento específico como execução
propriamente dita, não teremos o surgimento da coisa julgada. Tal acontecerá quando do oferecimento
dos embargos do devedor. Cumpre aqui que façamos uma distinção entre a execução fundada em título
extrajudicial, da execução fundada em título judicial. Quanto a segunda, diríamos que a coisa julgada
surgiu em outro momento processual da relação jurídica. Surgiu quando do processo de conhecimento
que embasou o título executivo. Nele discutiu­se o mérito da pretensão resistida posta diante do juízo.
Nele questionou­se a relação de direito material entre as partes, quando o Estado, via seu órgão
jurisdicional, disse o Direito, declarou a norma objetiva e abstrata aplicvel à espécie ocorrente in
concreto. Foi aí, portanto, que se fez a coisa julgada, neste momento processualmente anterior ao
processo de execução propriamente dito, mas com seus efeitos estendidos a ele, pois não mais poderá
ser reaberta a discussão de matéria de mérito já decidida, ainda que em momento processual anterior,
acobertada que estará ela pelo manto de intangibilidade das coisas definitivamente decididas pela
justiça.
Já em se tratando de títulos executivos extrajudiciais, o caso é diferente. Não aconteceu nenhum
conhecimento por parte do órgão judicante, em outro processo prévio, da relação jurídica substancial
entre as partes. Tão­só temos determinados instrumentos, documentos, contratos ou cambiais,
arrolados necessariamente em lei, aos quais se confere o título de executoriedade imediata, sem
necessidade de processo de conhecimento prévio, nem de condenação. Em nenhum momento desta
gênese do instrumento executivo houve azo para que surgisse o princípio da coisa julgada. Quando da
ação executiva em si, fundada em título extrajudicial, não aconteceu ainda e, previamente, qualquer
decisão da Justiça quanto à relação de direito material subjacente ao título exeqüendo. Não aconteceu,
porém acontecerá. E o momento em que surgirá o conhecimento do mérito do direito material da parte
que alega tê­lo, quando então o Estado, através do órgão que enfeixa e representa seu poder judicante,
dirá a Lei, dirá sua vontade para o caso oorrente, será quando dos embargos do devedor.
E aí a razão desta amplitude muito maior concedida à defesa do executado quando em sede de
embargos do devedor, em se tratando de títulos extrajudiciais. Neste momento abordar­se­á o mérito da
questão, poderá o executado questionar o próprio direito material do exeqüente. E desta discussão, em
novo processo, pois é disto que se trata, uma nova relação processual encetada entre as partes, as
mesmas partes da execução é certo, mas ainda assim em uma nova relação processual, nesta sede de
embargos surgirá, também e mais uma vez, a coisa julgada. Pois aí então terá a Justiça conhecido da
lide, da pretensão de direito material do exeqüente, em autêntico processo de conhecimento, já que é
disto que se trata, quando em sede de embargos à execução: processo de conhecimento, com seu
corolário típico, a coisa julgada.
Porém, neste instante poderemos questionar: e quando o executado não se defende? Quando ele não
interpõe embargos, e aceita, por desídia, omissão ou mesmo por conformar­se com a execução, que ela
corra solta e se complete? Não teríamos, portanto, em nenhum momento desta execução não
embargada o surgimento da coisa julgada. Pois, claro está, que em nenhum instante desta execução
chegou­se a discutir a validade em si do título exeqüendo, ou do negócio jurídico que o embasou. Não
prestou­se jurisdição de conhecimento, não manifestou­se o Estado, através deste seu Poder a ele
inerente, em relação ao direito material que fez surgir o título exeqüendo. Assim, teríamos uma
execução perfeita sob o aspecto formal, pronta, acabada e realizada, mas sem que, nem por isso,
tivesse surgido a coisa julgada. A execução perfez­se, o bem do executado foi penhorado, praceado e
arrematado; o exeqüente, através da alienação forçada do patrimônio do devedor, teve seu crédito
plenamente satisfeito. Porém, em nenhum momento deste iter, fez­se a coisa julgada. Tivemos, isso
sim, uma preclusão em nível de procedimento. Ou seja, findou­se uma fase processual, precluiu para o
executado o direito processual de apresentar embargos do devedor, e, deste modo, discutir a execução,
e mais, discutir mesmo, no âmbito deste processo executivo, a relação jurídica material que originou o
próprio título exeqüendo. Aconteceu, sem dúvida, a preclusão processual, foi terminada e perfeita a
invasão do patrimônio do devedor, e a satisfação do crédito do credor, às custas deste patrimônio.
Afinal, é justamente isto que visa o processo executivo: uma satisfação da pretensão insatisfeita do
credor.
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA   55
 
Porém, a coisa julgada em nenhum momento surgiu, o fato jurídico que a faz nascer faltou na hipótese
em questão: não houve processo de conhecimento, não prolatou­se sentença condenatória (os atos
jurídicos que a fazem surgir).

A possibilidade de discutir­se em juízo a execução perfeita e acabada
Agora nos encontraremos com uma questão que de certa forma é de fundamental relevância para que
possamos bem determinar até onde vão as implicações em nível prático, processual, desta diferença
entre execuções que durante seu iter originaram ou não a coisa julgada. Quando ao se excutir um título
extrajudicial, o executado opõe embargos do devedor à pretensão do Autor, então, sem sombra de
dúvida, teremos abordado judicialmente, com as devidas peculiaridades de cada caso, e com a ampla
possibilidade de defesa que a lei concede ao executado, o mérito do caso sub judice. Em se tratando de
títulos extrajudiciais sempre há esta extensão maior das argumentações da defesa, como exarado no
art. 745 do CPC. E isto, justamente, por não ter ainda acontecido na formação destes títulos o
conhecimento judicial da relação jurídica que os embasaram. Não houve o esgotamento da via judicial
para conhecer­se o mérito do direito que subjaz ao título contestado na sua legitimiade pelo devedor.
Portanto, neste caso de títulos extrajudiciais, surgirá a coisa julgada quando da oposição dos embargos
do devedor. É neste preciso instante do desenrolar da execução que teremos uma ação de
conhecimento, autônoma, como soe ser os embargos do executado, ainda que apensados aos autos do
processo principal (mas sempre em autos apartados e próprios). Poderemos concluir que seja nos
processos executivos com origem em títulos extrajudiciais, seja em processos executivos originados
em títulos judiciais, sempre exsurgirá o princípio da coisa julgada, tornando intangível o já decidido de
uma vez por todas pela Justiça.
Mas, então, poderemos perguntar: sempre teremos a coisa julgada em ação de execução? Haverá
situações em que não surgirá neste tipo de processo este princípio fulcral do Direito? E nas situações
em que o executado não oferecer embargos? Está aí uma situação perfeitamente possível e, em se
tratando de execução fundada em título extrajudicial, certamente não teríamos o surgimento da coisa
julgada em nível de execução.
Pois senão, vejamos: no caso de uma execução fundada em título judicial, proveniente de uma
sentença obtida em processo de conhecimento, sem sombra de dúvida, teríamos já esgotada qualquer
via judicial para reabrir a questão da validade em si do título. No caso houve um julgamento de mérito,
decidiu­se quanto ao objeto do litígio das partes contendoras. Dirimiu­se a lide através de uma
sentença declarativa latu sensu, ou seja, declarou­se a norma do caso concreto, da situação fática e
ocorrente. Buscou­se no ordenamento jurídico, posto de um modo geral e abstrato, a norma específica
que tutelaria a pretensão resistida pelo réu e levada pelo autor da demanda a juízo.
56   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA
 
Um processo típico de conhecimento, gerando a coisa julgada, decorrente de uma sentença
condenatória, obtida neste processo. A fase executiva, por assim dizer, não teria ela mesma a
capacidade de induzir a coisa julgada, a qual foi obtida em uma fase anterior, em outro processo, mas
que embasou a execução e, portanto, ainda assim trouxe para esta execução "as portas fechadas", o não
mais discutir, que caracteriza a coisa julgada.
Já em se tratando dos títulos extrajudiciais, a coisa julgada seria obtida dentro do próprio processo de
execução, justamente em sede de embargos do devedor, como antes comentado. Então teríamos a
seguinte situação: nos dois casos aventados, seja na execução de título judicial, seja na execução de
título extrajudicial, a coisa julgada far­se­ia presente; com a diferença que no primeiro caso, dos títulos
judiciais, ela teria surgido em um processo anterior, de conhecimento, cuja sentença condenatória
decorrente teria originado o título exeqüendo. Já no segundo caso, no processo de execução fundado
em título extrajudicial, a coisa julgada, por assim dizer, seria endógena a este processo, teria surgido
em seu bojo mesmo, no momento em que discutiu­se a validade do título quando dos embargos do
devedor.
Porém, aí surgirá a questão: e quando o executado mantiver­se inerte, quando ele não embargar a
execução?

A possibilidade de acionar, ainda que haja sentença emprocesso de
execução
Entendemos, diante do retroexposto, perfeitamente cabível que se procure o Poder Judiciário para que
ele se manifeste quanto a qualquer questão de mérito respeitante ao negócio jurídico que embasou o
título extrajudicial, ainda que a respeito dele já tenha ocorrido e terminado a execução forçada. E isto,
bem entendido, fora do âmbito da ação rescisória.
Claro está, contudo, que tal só será possível quando o executado não tiver oposto embargos do devedor
em sede de execução. Pois somente assim não caracterizar­se­ia um processo de conhecimento, como
soe ser a interposição de embargos e, portanto, não teríamos a coisa julgada com sua intangibilidade
decorrente.
A execução, quando tratar­se de execução fundada em título extrajudicial, não passa de um processo
tipicamente satisfativo do Direito do autor, e se não houve a interposição de embargos por parte do
devedor, não há como falar­se em processo de conhecimento, e muito menos no seu corolário maior: a
formação da coisa julgada, com toda sua implicação de intangibilidade jurídica, exceção feita à ação
rescisória com seu exíguo prazo prescritivo de dois anos.
E, ainda aprofundando mais a questão da não­oposição de embargos por parte do executado, temos a
relevante questão desta inoponibilidade ser decorrente da absoluta falta de recursos do devedor. É de
todos sabido que para se embargar uma execução, seja ela fundada em título judicial ou extrajudicial,
se faz necessário tornar seguro o juízo. Tem­se que dar em penhora tantos bens quantos bastem para
garantir a execução. E nem sempre encontra­se o executado em condições materiais de fornecer esta
garantia.
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA   57
 
É de se esperar que, senão na maioria ao menos em grande parte dos casos ocorrentes, todo aquele que
chega ao ponto de sofrer uma execução forçada sobre seu patrimônio, não encontra­se,
eufemisticamente falando, no "melhor da sua saúde econômico­financeira". Em muitas ocasiões,
portanto, teremos a situação ingrata e mesmo injusta de um executado, através de um título qualquer
extrajudicial, ainda que tendo razão em seus argumentos, ainda que tendo a possibilidade jurídica de
fazer valer seu Direito, não poder fazê­lo na prática, pois totalmente impedido diante de sua situação
econômica: a falta de bens ou dinheiro com que tornar seguro o juízo mediante a penhora, quando só
então teria acesso processual à oposição dos embargos.
Pois bem, neste exemplo acima referido, como ficaria a situação deste pretenso executado, impedido
por penúria econômica de fazer valer seu Direito diante do credor, obstado a ele o caminho da Justiça.
Alguns poderiam argumentar com a panacéia da ação rescisória, um remédio processual criado
justamente com o fito de impedir a solidificação de situações injustas, mesmo quando revestidas da
perenidade jurídica do instituto da coisa julgada.
Porém, sabemos nós que a ação rescisória só é admissível em nosso Direito em certas e determinadas
situações, segundo um juízo de admissibilidade exarado em numerus apertus no art. 485 do CPC. In
verbis:
"A  sentença  de  mérito,  transitada  em  julgado,  pode  ser  rescindida
quando:
I ­ se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do
juiz;
II ­ proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III ­ resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida,
ou de colusão entre as partes a fim de fraudar a lei;
IV ­ ofender a coisa julgada;
V ­ violar literal disposição de lei;
VI ­ se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo
criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
VII ­ depois da sentença o autor obtiver documento novo, cuja existência
ignorava,  ou  de  que  não  pode  fazer  uso,  capaz,  por  si  só,  de  lhe  assegurar
pronunciamento favorável;
VIII  ­  houver  fundamento  para  invalidar  confissão,  desistência  ou
transação, em que se baseou a sentença;
IX  ­  fundada  em  erro  de  fato,  resultante  de  atos  ou  de  documentos  da
causa;..."
São estas, e tão­somente estas, as razões que autorizam o sucumbente a intentar a ação rescisória.
Sabemos que no mais das vezes muitos outros motivos podem concorrer para que um título
extrajudicial perca sua legitimidade jurídica. E mesmo quanto ao negócio jurídico que o embasou,
sempre poderá acontecer de estar eivado de vícios vários, seja quanto ao aspecto formal, e que seja
imprescindível à validade do ato por imposição legal, seja por algum vício substancial, ou mesmo
algum vício da vontade que originou o ato jurídico em si.
58   RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA
 
Neste mesmo diapasão bem colocou o jurista HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, em seu Processo
de Execução, quando tirou algumas conclusões de suma relevância em relação à questão abordada:
"a)  O  processo  de  execução  não  é  de  índole  contraditória  e  não  se
destina a nenhum julgamento de mérito;
b)  A  coisa  julgada  material  é  fenômeno  específico  das  sentenças  de
mérito,  isto  é,  daquelas  que  solucionam  ou  compõem  o  litígio  de  pretensão
contestada  (acertamento),  ficando  sua  força  ou  eficácia  restrita  ao  elemento
declaratório do julgado;
c) Só ocorre, portanto, coisa julgada no processo de conhecimento;
d)  A  eficácia  ou  autoridade  de  coisa  julgada  só  atinge  resultado  prático
na  execução  quando  esta  é  embargada  pelo  devedor,  porque,  então,  os
embargos que são procedimentos de cognição, culminam em uma sentença de
mérito;
e)  A  execução  não  embargada  não  contém  nenhum  acertamento
jurisdicional  sobre  o  direito  material  de  crédito  do  promovente.  Equipara­se  em
seu  resultado  ao  adimplemento.  É  mero  pagamento  forçado.  Sujeita­se,
portanto, às regras comuns de validade do pagamento;
f)  Se  a  execução  de  título  extrajudicial  não  embargada  foi  injusta,  por
inexistência  do  direito  material  do  exeqüente,  o  que  houve  foi  pagamento
indevido e ao devedor será lícito o manejo da ação de repetição do indébito, na
forma do art. 964 do Código Civil;
g) Esta ação de enriquecimento sem causa limita­se às relações jurídicas
entre devedor e credor e não tem a força de uma anulatória da execução, pois,
esta,  em  termos  processuais,  não  apresenta  vícios.  Por  isso,  nenhum  prejuízo
acarretará a terceiros e deixará incólume a eficácia dos atos executivos como a
arrematação e a remição;
h)  A  tese  da  estabilidade  ou  imutabilidade  dos  efeitos  da  execução  não
embargada em tempo hábil, conquanto engenhosa, não encontra apoio nem na
lei, nem nos princípios gerais do direito processual ou material;
i)  A  preclusão  é  fenômeno  específico  do  direito  formal  e  atua  apenas
internamente no processo onde se deu a perda da oportunidade de exercer uma
faculdade  processual  da  parte.  Não  pode,  em  boa  técnica,  impedir  à  parte  o
exercício de outras pretensões em outros processos de objeto e forma distintos.
A expressão preclusão pro iudicato, contém, pois, uma contraditio in adjecto, ou
uma enorme impropriedade jurídica, por dar à preclusão a força e a autoridade
da  coisa  julgada,  de  tal  modo  que,  a  se  aceitar  esta  estranha  tese,  nenhuma
diferença se consegue entrever entre a res iudicata e a preclusão pro iudicato;
j) De lege ferenda, seria conveniente regular ou solucionar o problema da
execução injusta, por lei expressa, através de uma ação especial, com requisitos
especificados pelo legislador e sujeito a prazo decadencial pequeno, ad instar da
ação rescisória da sentença de mérito."
RDC Nº 7 ­ Set­Out/2000 ­ DOUTRINA   59
 

Conclusão
Ora, quão iníqua seria a ordem jurídica, distanciada da autêntica eqüidade, se não mais abrisse a
possibilidade para o executado discutir e rever o título que propiciou a expropriação forçada de seu
patrimônio. O processo executivo aconteceu e foi formalmente válido, todas suas etapas cumpriram­se
de maneira concorde com a lei processual, porém se em nenhum instante aconteceu uma decisão de
mérito prolatada pelo poder judiciário, porque não permitir que se discuta, e se discuta por inteiro, a
questão de fundo, a própria validade do título extrajudicial e o negócio jurídico subjacente que o
propiciou, exaustivamente, e em sede de ação autônoma, uma ação de conhecimento?
Se não aconteceram os embargos do devedor na execução, teríamos tido tão­somente uma preclusão
processual quanto aos atos processuais propriamente ditos, preclusão das fases processuais da própria
execução aparelhada, a qual por estar formalmente perfeita não poderia mais ser reaberta ou discutida.
Não assim quanto ao mérito do título extrajudicial que a propiciou, pois quanto a ele nada se discutiu
em juízo, não surgiu nenhum processo de conhecimento para que se decidisse eventual direito do
devedor.
Assim, seria até mesmo uma violação do preceito constitucional exarado no art. 5º, XXXV, da Magna
Carta, quando decreta que a Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
Direito, o não­reconhecimento do direito de acionar o Poder Judiciário, por parte do devedor
sucumbente em processo de execução, quanto a eventual direito seu, impeditivo, modificativo ou
extintivo do título que deu azo à desapropriação forçada de seu patrimônio, ainda que esta tenha
acontecido através de um processo executivo já terminado e formalmente perfeito.
Em resumo, torna­se perfeitamente possível intentar­se uma ação de conhecimento para derrubar­se
um título extrajudicial, ainda que o mesmo tenha sido objeto de uma ação de execução, formalmente
perfeita e já terminada, mas onde, durante a lide, não se ofertou embargos do devedor, seja por que
razão for, e portanto restou injulgado o negócio jurídico subjacente ao título exeqüendo. Não há
necessidade de recorrer­se à ação rescisória, pois não formou­se a coisa julgada na simples execução,
tão­somente cumpriu­se fases processuais, a respeito das quais tivemos a preclusão, o que de nenhuma
forma confunde­se com o conceito de coisa julgada.

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