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Rosângela Motta
Liedi Bernucci
Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
Departamento de Engenharia de Transportes
Valéria Cristina de Faria
Décio de Rezende Souza
Grupo CCR
José Fernando Leal
Quimigel – Divisão Química
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados de um estudo laboratorial e a aplicação em campo de uma mistura asfáltica
morna, introduzindo assim este novo tipo de tecnologia na Concessionária NovaDutra. Tal técnica permite não
só reduzir o consumo energético, mas também a emissão de poluentes, o que pode ser incluído em projetos para
comercialização de créditos de carbono. A mistura morna foi produzida com diminuição de 25ºC, em relação à
mistura asfáltica em temperatura convencional, com o uso de um aditivo surfactante. No estudo de laboratório
comparou-se o comportamento da mistura morna com a mistura a quente, por meio de ensaios de resistência à
tração por compressão diametral e deformação permanente, além de verificação da habilidade de compactação e
dano por umidade induzida. Os resultados mostraram que a mistura morna apresentou comportamento
satisfatório, comparável à mistura convencional. Já em pista, a mistura morna foi aplicada em um trecho
experimental de 300 metros na Rodovia Presidente Dutra, tendo sido preparada do mesmo modo que uma
mistura a quente, com exceção do uso do aditivo e da redução da temperatura de usinagem, além da
compactação que também foi realizada da maneira convencional. O controle tecnológico indicou valores de
volume de vazios e de espessura dentro das especificações. No mais, foram extraídos corpos de prova de pista
para testes posteriores de resistência à tração por compressão diametral, cujos resultados também se mostraram
satisfatórios. Por fim, foram ainda executados levantamentos das condições funcionais e estruturais do
pavimento, por meio da verificação de irregularidade, macrotextura, microtextura e deflexões, que por sua vez
também apontaram valores dentro do aceitável.
1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos a preocupação com o meio ambiente tem sido cada vez mais evidente e o
setor rodoviário tem procurado seguir esta mesma tendência, desenvolvendo novas
tecnologias no âmbito da pavimentação com o objetivo de contribuir neste aspecto. Dentro
deste contexto, surgiram as misturas asfálticas mornas (em inglês, Warm Mix(es) Asphalt –
WMA), que visam reduzir as emissões de poluentes e reduzir o consumo energético. As
misturas mornas se referem a um grupo de tecnologias que vêm sendo desenvolvidas desde à
década de 90, com o intuito de diminuir a temperatura de produção e aplicação em cerca de
30°C ou mais, em relação às misturas a quente convencionais, mantendo-se o mesmo
comportamento destas últimas (Prowell e Hurley, 2007).
A literatura em geral indica que tal redução de temperatura com as misturas mornas pode
trazer importantes benefícios como:
Menor emissão de poluentes atmosféricos: As temperaturas mais baixas geram
menores quantidades de poluentes lançados ao ar, não só porque são emitidos menos vapores
e fumos de asfalto durante a mistura em usina e a aplicação em campo, mas também porque
parte do combustível que seria utilizado na usinagem deixa de ser queimado (Prowell e
Hurley, 2007). Dentro deste contexto, a iniciativa de se diminuir as emissões de poluentes
poderia então ser inserida em projetos para a obtenção de créditos de carbono, e a venda
destes passaria ser um atrativo competitivo para as misturas mornas (Olard, 2008);
Melhoria do ambiente de trabalho na pavimentação: Com o uso de misturas mornas
os operários de pavimentação ficam menos expostos às emissões asfálticas, sendo este um
fator positivo para a sua saúde. Além disso, os trabalhadores passam a ter um ambiente de
trabalho com temperatura mais amena e com redução de odores (Newcomb, 2006; Prowell e
Hurley, 2007);
Diminuição do consumo energético: Como a temperatura de produção das misturas
mornas é mais baixa que as misturas a quente, há uma redução da quantidade de combustível
necessário no processo usinagem (Newcomb, 2006; Prowell e Hurley, 2007);
Menor envelhecimento do asfalto: A usinagem é uma fase onde ocorre grande parte do
envelhecimento do ligante (Bernucci et al., 2008) e, deste modo, a diminuição da temperatura
nesta etapa pode levar a uma menor oxidação do asfalto, reduzindo o endurecimento da
mistura, aumentando a resistência à fadiga e elevando a durabilidade do pavimento em longo
prazo (Newcomb, 2006; Prowell e Hurley, 2007);
Uso de maiores quantidades de material fresado: Como a quantidade de material
fresado em uma mistura reciclada normalmente é limitado (até cerca de 25%) devido à
questão da temperatura, o emprego de misturas mornas pode favorecer a adição de maiores
percentuais (Olard, 2008; Prowell e Hurley, 2007).
Menor dificuldade de aplicação em épocas ou locais de clima muito frio e Maior
habilidade de transporte por longas distâncias: O emprego de misturas mornas pode ser
favorável nas situações em que há grande preocupação com a queda significativa de
temperatura da mistura, que acarretam em dificuldades de compactação e em perda de
material, uma vez que a taxa de esfriamento é dada pela diferença de temperatura entre a
mistura asfáltica e o meio ambiente. Neste caso, a mistura produzida em temperatura mais
baixa esfria sob uma taxa menor, possuindo menor gradiente térmico que uma mistura mais
quente (Newcomb, 2006; Prowell e Hurley, 2007).
Para que seja possível fabricar misturas asfálticas em temperaturas mais baixas que aquelas
convencionais a quente, normalmente empregam-se aditivos químicos, que são inseridos no
ligante ou na mistura, e/ou faz-se uma alteração do processo de usinagem para a produção de
asfalto espumado com água (Prowell e Hurley, 2007).
2.1. Materiais
100
Curva granulométrica do estudo
Porcentagem passante [%]
80 Faixa C DNIT
60
40
20
0
0,0 0,1 1,0 10,0 100,0
abertura das peneiras [mm]
Figura 1 - Curva granulométrica
No que se refere à dosagem, primeiramente foi feita a da mistura a quente, por método
Marshall (NBR 12891, 1993), tendo sido realizada no laboratório da concessionária. Neste
projeto de mistura, para um volume de vazios de 4,2%, o teor de ligante indicado foi de 5,0%.
A partir da dosagem da mistura a quente, considerou-se que a mistura morna seria produzida
com a mesma configuração de materiais, mas com redução do aquecimento dos agregados
(para diminuição da temperatura de usinagem) e utilização do aditivo para mistura morna.
Nesta pesquisa foi usado o aditivo surfactante líquido Gemul XT14, em uma taxa de 0,3%
(em relação à massa de asfalto), introduzido e misturado ao ligante antes da usinagem.
A densificação foi avaliada em laboratório por meio do volume de vazios (VV), obtido por
pesagem hidrostática (AASHTO T166, 2007) de corpos de prova das misturas morna e a
quente (moldadas em compactador Marshall com 75 golpes por face), onde em cada caso
foram preparados quatro corpos de prova.
A Tabela 2 apresenta o VV das misturas morna e a quente, juntamente com o desvio padrão
(dp). De modo complementar, foi feita uma análise de variâncias (ANOVA) para determinar
se a mistura morna seria considerada estatisticamente igual ou diferente da mistura de
referência.
Nesta pesquisa a RT foi avaliada por meio de ensaio de carregamento estático a 25°C,
seguindo as recomendações da NBR 15087 (2004), com corpos de prova Marshall das
misturas morna e a quente, sendo que em cada caso foram preparados quatro corpos de prova.
Com efeito, o resultado demonstrou que a RT da mistura morna foi inferior ao da mistura a
quente devido à diferença de VV (gerada na moldagem). Contudo, caso o VV de ambas fosse
semelhante, a RT também seria análoga.
Por outro lado, quando há a comparação com a RT mínima apontada em DNIT ES031 (2006),
verifica-se que a mistura morna apresentou valor bastante acima daquela, indicando bom
comportamento nesta propriedade mecânica.
Para cada mistura asfáltica (morna e a quente) foi utilizado um par de corpos de prova em
forma de placas (cada qual com 5 cm de espessura × 18 cm de largura × 50 cm de
comprimento), que foram moldadas em mesa compactadora francesa, segundo descrito na
especificação EN 12697-33 (2003b).
5%
0%
100 1000 10000 100000
Ciclos
Ciclos
100 300 1.000 3.000 10.000 30.000
Deformação permanente [%]
Mistura a quente 1,6 2,1 2,6 3,2 3,9 4,7
Mistura morna 1,3 1,7 2,3 3,0 4,0 5,3
Figura 2 - Resultado de deformação permanente em trilha de roda
Nesta pesquisa a resistência ao dano por umidade induzida das misturas morna e a quente foi
avaliada por meio da AASHTO T283 (2007), tendo-se optado pela condição de ensaio mais
severa, onde os corpos de prova condicionados à água são submetidos a uma etapa de
congelamento.
Com a realização deste teste, a norma DNIT ES031 (2006) determina que a resistência retida
à tração (RRT) mínima deve ser de 0,7 (ou seja, a perda máxima de resistência deve ser de
30% após o condicionamento, em relação ao valor de referência).
Já quanto às deflexões, estas foram obtidas com equipamento Falling Weight Deflectometer
(FWD) e indicaram valores entre cerca de 10 e 35 × 10-2 mm (considerados baixos), que
foram inferiores à deflexão máxima admissível calculada de 41,3 × 10-2 mm.
Por fim, a irregularidade longitudinal foi levantada com perfilômetro laser para a
determinação dos índices QI (Quociente de Irregularidade) e IRI (International Roughness
Index). Segundo o Manual de Restauração de Pavimentos Asfálticos do DNIT (2006), o
pavimento deve apresentar um QI e um IRI de, no máximo, 35 cont/km e 2,7 m/km,
respectivamente, para ter um conceito bom quanto à irregularidade longitudinal. Nesta
pesquisa, os valores de QI e de IRI se situaram aproximadamente entre 25 e 100 cont/km e
entre 2,0 e 7,5 m/km, nesta ordem.
A mistura morna foi preparada na usina de asfalto Serveng Barueri (gravimétrica), tendo sido
fabricada do mesmo modo que uma mistura convencional, com exceção da temperatura e da
introdução do aditivo surfactante no tanque de ligante previamente à usinagem (sendo
mantido sob agitação até o momento da utilização).
A usinagem da mistura morna pôde ser efetuada a 135°C, com redução de temperatura de
25°C m relação a uma mistura a quente (como em laboratório). Ao final, os agregados
aparentavam estar bem envolvidos pelo ligante.
Em pista, a execução do trecho experimental com a mistura morna se deu sob uma
temperatura ambiente de cerca de 15°C, ao longo de pouco mais de 300 m. Da Figura 3 à
Figura 5 têm-se algumas imagens desta obra, cuja compactação foi realizada do mesmo modo
que seria com uma mistura convencional a quente (método executivo), mas com temperatura
de aproximadamente 120°C.
Com relação ao GC, a norma DNIT ES031 (2006) determina que este deve se situar entre 97 e
101%. Com isto, nota-se que a mistura morna alcançou tal objetivo.
Por fim, verificou-se também que a RT se manteve em um mesmo patamar até após quase um
ano da execução do trecho experimental.
100
TRECHO QI antes da obra
90 EXPERIMENTAL QI depois da obra
80 QI admissível
70 IRI antes da obra
QI [cont/km]
IRI [m/km]
60 IRI depois da obra
50 IRI admissível
40
30
20
10
0
225,000
225,100
225,200
225,300
225,400
225,500
225,600
225,700
225,800
225,900
226,000
Local [km]
Figura 6 - Resultado de QI e IRI antes e após a execução do trecho experimental
Observa-se que o novo revestimento trouxe melhoria das condições de irregularidade, que
apresentava pontos acima do admissível antes da obra, tanto de QI quanto de IRI.
Nesta pesquisa os levantamentos foram feitos em alguns pontos do trecho experimental, bem
como no revestimento antigo (localizado antes do segmento de mistura morna) para
comparação, cujos resultados médios são apresentados na Tabela 7.
Nota-se que a macro e a microtextura do trecho experimental foi classificada como média, o
que decorre da graduação densa usada, não havendo relação com o tipo de asfalto empregado.
Neste caso, o uso de uma granulometria com alguma descontinuidade seria interessante para
aumentar a rugosidade do pavimento e, por consequência, a aderência.
3.7. Deflexões
Após oito meses da execução do trecho experimental foi feito um novo levantamento de
deflexões com equipamento FWD, cujos resultados são apresentados na Figura 7, juntamente
com os valores obtidos antes da obra.
100 TRECHO
EXPERIMENTAL
80
Deflexão antes da obra
Deflexão [0,01mm]
20
0
225,000
225,100
225,200
225,300
225,400
225,500
225,600
225,700
225,800
225,900
226,000
Local [km]
Figura 7 - Resultado de deflexões com FWD antes e após a execução do trecho
experimental
Por outro lado, de modo a introduzir esta nova tecnologia de pavimentação na Concessionária
NovaDutra, esta mistura morna foi então aplicada em campo, na Rodovia Presidente Dutra. A
produção da mistura em usina e a execução em pista não indicaram dificuldades executivas
adicionais e ocorreram do mesmo modo que seria com uma mistura convencional.
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