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“Uma Peça chamada Medida por Medida” por “Shaxberd” foi apresentada na corte,
para o novo Rei James I, pelos “atores de sua Majestade” em 26 de Dezembro de 1604.
Provavelmente ela foi composta naquele mesmo ano, ou no final de 1603. A peça data do
clímax do período trágico de Shakespeare, por volta de três anos depois de Hamlet,
contemporânea de Otelo, pouco antes de Rei Lear e Macbeth. Esse período inclui pouca
comédia de qualquer tipo, e o que se tem difere marcadamente das comédias festivas de
1590. Tróilo e Créssida (cerca de 1601-1602), pairando entre sátira e tragédia,
sombriamente retrata um caso de amor impossível envolto na armadilha do impasse de
uma guerra inútil. Bem Está o que Bem Acaba (cerca de 1601-1604) relembra Medida
por Medida em seu retratar de um protagonista desmerecido que deve ser enganado a
casar-se pelo truque eticamente ambíguo da substituição de uma mulher por outra na cama
do protagonista. Medida por Medida, talvez a última dessas comédias do período trágico,
ilustra mais claramente que qualquer outra o que os críticos usualmente querem dizer por
“comédia problema” ou “peça problema.”
Sua principal preocupação não é com os triunfos do amor, como nas comédias
alegres, mas com problemas sociais e morais: “vícios obscenos” surgidos do desejo
sexual e os abusos da autoridade judicial. Imagens de doenças abundam nessa peça.
Vemos a corrupção em Viena “ferver e borbulhar / até extrapolar o ensopado” (5.1.326-
7). O protagonista Angelo, é, na maior parte da peça, um personagem profundamente
dividido, abominando seus próprios pecados perversos, compulsivamente levado a uma
tentativa de assassinato para cobrir sua lascívia pela heroína, Isabela. Os solilóquios dele
são introspectivos, torturados, focados no horror psicológico de uma mente inteligente
sucumbindo ao desejo criminal. O disfarçado Duque Vincentio, testemunhando essa
queda na depravação e desespero, não pode oferecer às vítimas pretendidas por Angelo
conselho filosófico melhor que a renúncia Cristã do mundo e de todas as suas vãs
esperanças. A tragédia é evitada apenas pela intervenção providencial e pelo duro ardil
da “Habilidade contra o vício” (3.2.270), na qual o Duque torna-se envolvido como
principal manipulador e diretor de palco. Nos casamentos finais, dois são empurrados
para o noivado contra suas vontades (Angelo e Lucio), ao passo que o casamento entre o
Duque e Isabela conflita estranhamente com os ensinamentos estoicos dele e com a
determinação prévia dela em ser freira. Assim, o final parece arbitrário; ambas justiça e
felicidade romântica são tão perigosamente alcançadas nessa peça, que parecem
inconsistentes com a injustiça e a depravação que prevalecem até o final.
Similarmente, o conselho de renúncia cristã oferecida a Claudio pelo falso frei (3.1)
é ao mesmo tempo ilusória e reconfortante. A comovente reflexão do Duque sobre a
vaidade da batalha humana é irônica mas não inválida pela nossa consciência de estarmos
assistindo uma trapaça com um propósito aparentemente benigno – o de persuadir
Claudio a ver as coisas em suas verdadeiras perspectivas. O Duque caracteriza a vida
como um sopro, um sonho “depois do sono do almoço,” uma febre de inconstância na
qual os tímidos humanos padecem irritados por aquilo que eles não têm e desprezam
aquilo que têm. Claudio responde como deve, determinado em “encontrar vida” ao
“buscar a morte” (3.1.5-43). Ele atinge essa calma, entretanto, em face a execução certa;
ironicamente, o que ele deve então aprender a superar é a desesperada esperança de viver
através da desonra de sua irmã. Claudio está despedaçado por esse teste e perversamente
implora por alguns poucos anos de uma vida culpada ao custo de vergonha eterna para si
mesmo e Isabella. Dessa experiência angustiante, ele emerge depois de um tempo com
uma melhor compreensão de suas próprias fraquezas e uma grande compaixão em relação
à fraqueza dos outros.
A leitura da peça cautelosamente otimista oferecida aqui não é, para ser claro, a
única maneira na qual ela pode ser entendida. A história de palco de Medida por
Medida ressalta muito do que é problemático e perturbador sobre ela. Para praticamente
todos os séculos dezessete, dezoito e dezenove, depois de sua produção inicial, a peça
desapareceu do teatro, apesar de uma excessiva adaptação reescrita no período da
Restauração e uma ainda mais radical releitura do século dezenove, a operática versão de
Richard Wagner chamada Das Liebesverbot (“Amor Proibido”). A peça era, parece,
muito desagradável para as audiências desses séculos, muito devota ao vício e a
ambiguidade moral. Os leitores às vezes foram avisados para manterem-se longe da peça.
Os séculos vinte e vinte e um, contrariamente, encontraram em Medida por Medida uma
dramatização persuasiva e mesmo devastadora da imperfeição humana. Em uma época
que aprendeu a desconfiar de figuras de autoridade, o Duque Vincentio pode surgir como
oficioso e sádico em sua manipulação das vidas humanas, em vez de ultimamente
benigno. O diretor Keith Hack, em Stratford-upon-Avon, em 1974, viu o Duque como
diabólico, hipócrita, altamente implicado na corrupção da cidade, e amargamente
ressentido pelos personagens os quais as vidas eram intrusivamente administradas por
ele. Algumas produções perguntaram-se se Lucio tem justificação em suas suspeitas que
o Duque é realmente um carniceiro no final das contas. O anseio de Isabella pela vida
monástica do convento é às vezes visto hoje como psicologicamente orientado pelo medo
da sexualidade mais que pela fé religiosa. Algumas produções de palco revelam a
vulgaridade do mundo de bordel de uma corrupta Viena, como por exemplo na produção
de Michael Bogdanov em Stratford, Canada, em 1985. Para Keith Hack, em 1974, a peça
era uma fábula de impressão social na esteira de Bertold Brecht. Os casamentos os quais
a peça termina são frequentemente levados a um escrutínio cético. Angelo é castigado
pela sua causticante experiência ao resolver ser um bom marido para Mariana, ou ele
rosna para ela quando é levado a casar-se com ela? Mais significantemente, talvez,
Isabella aceita a oferta surpreendente do Duque que a protegeu mas também a enganou a
acreditar que o irmão dela estava morto? Hoje em dia, começando com Estelle Kohler na
produção de John Barton em Stratford-upon-Avon em 1970, atrizes e diretores têm que
escolher; desde que à Isabella não são dadas linhas indicando sua aceitação, a atriz pode
simplesmente ficar perplexa ou pode decidir, com um gesto de oposição ou indiferença,
em não ter nada com homens. O escopo de opções é extraordinário, e ajuda a demonstrar
a maneira pela qual Shakespeare provê um difícil desafio a atores, diretores e também
plateia.