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dossiê

ÁGIL &
ANTIFRÁGIL
Quais são as bases da vantagem competitiva no cenário de negócios em que

estamos entrando? Cada vez mais empresários, do Brasil e do mundo,

destacam dois pontos: a empresa precisa ser capaz de encaminhar ações

decisivas rapidamente e deve ter um tipo muito especial de proteção que

a faça, diante de crises e acontecimentos negativos, sair melhor

e mais fortalecida. No vocabulário gerencial, a empresa tem de ser ágil e antifrágil.

O primeiro artigo deste Dossiê explica os dois caminhos e traz à luz

sua complementaridade; o segundo detalha os aspectos necessários

de estratégia, organização e liderança; o terceiro apresenta os

frameworks ágeis; e o quarto “abrasileira” a antifragilidade com

seu criador, Nassim Taleb, em uma entrevista exclusiva.

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O monstro mitológico de várias cabeças hidra é associado à


antifragilidade por Nassim Taleb; ele se fortalece na dificuldade,
porque, cada vez que perde uma cabeça, nascem-lhe duas. Já a
fênix representa, neste Dossiê, a agilidade – a ave vive em etapas,
voa rápido até quando carrega elefantes e é ligada
ao veloz Hermes, o deus de asas nos pés

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No mundo VUCA, as empresas têm
de ser como a mitológica fênix – no
sentido da rapidez – e também como
a hidra, que ganha duas cabeças

DO ÁGIL sempre que perde uma e se fortalece


nas crises | por Ricardo Lacerda

AO ANTIFRÁGIL
“Existem três tipos de clientes da Netflix: um Incontáveis fatores levaram a Netflix a crescer ver-
grupo gosta da conveniência da entrega gratuita em tiginosamente e a Blockbuster a sumir do mapa. Ne-
casa; outro aprecia o acesso a uma ampla seleção de nhum deles, no entanto, foi tão fundamental quan-
filmes da nouvelle vague e de Bollywood; e o terceiro to a capacidade de interpretar um mundo cada vez
curte a barganha de assistir a dez ou mais filmes por mais volátil, incerto, complexo e ambíguo – cenário
US$ 18 ao mês. Precisamos manter os três públicos que, em inglês, é resumido pela sigla VUCA – e a
felizes, porque, quanto mais a pessoa usa a Netflix, adaptação rápida ao que acontece. Cunhado pelo
mais ela quer permanecer conosco.” Exército norte-americano para lidar com conflitos
O ano era 2005, e a Netflix ainda não oferecia no Oriente Médio nos anos 1990, o acrônimo extra-
streaming de vídeo; resumia-se a uma empresa de polou os círculos militares para deixar sua marca no
locação de DVDs pelo correio. Mas, naquele de- meio corporativo.
poimento para a revista Inc., seu fundador, Reed A Netflix soube fazer essa interpretação e se adap-
Hastings, parecia saber exatamente o que fazer tar; a Blockbuster não. Empresas como Google e
para transformar a marca em uma potência do en- Amazon dificilmente chegariam ao nível de exce-
tretenimento mundial. A própria criação da Net- lência que têm hoje se não tivessem líderes com ca-
flix, em 1997, está vinculada à premissa do foco pacidade de interpretar o VUCA e se adaptar.
total no cliente. Enquanto a maioria das organizações insiste em
Hastings vislumbrou o negócio depois de ser planejamentos estratégicos de longo prazo e aposta
obrigado a pagar US$ 40 por devolver com atraso o todas as suas fichas em teorias como as cinco for-
VHS de Appolo 13 em uma Blockbuster. Em apenas ças de Porter ou a matriz SWOT –, Netflix, Goo-
dois anos, a base de usuários da Netflix já contava gle e Amazon aceitaram que a não linearidade dos
com 239 mil pessoas. fatos veio para ficar e vivem plenamente o mundo
O resto da história você conhece. O envio de DVDs VUCA. Fazem isso sendo rápidas para se adaptar
pelo correio ficou obsoleto, mas, antes, a Netflix mi- ao que acontece a sua volta. Fazem isso reduzindo
grou para o streaming. Já a Blockbuster, que chegou a as fragilidades que, ante acontecimentos fortuitos,
ter 9 mil lojas nos Estados Unidos, pediu concordata poderiam levá-las ao colapso.
em 2010. Uma década antes, havia tido a chance de Um número crescente de empresas tem com-
comprar 49% da Netflix por US$ 50 milhões e recu- preendido que viver o mundo VUCA significa
sado. E, quando resolveu criar uma solução própria tomar duas decisões: tornar-se ágil, como o desen-
de filmes online, era tarde. Hoje a Netflix tem mais de volvimento de software, e antifrágil, como prega
100 milhões de assinantes e valor de mercado supe- o ensaísta e matemático libanês-americano Nas-
rior a US$ 60 bilhões, e a Blockbuster é insignificante. sim Taleb, que é professor de engenharia de risco

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da escola politécnica da University of New York. O MOVIMENTO


O ágil é rápido para se adaptar porque divide seus ÁGIL, ORGANIZADO
projetos em diversas etapas e faz cocriação com o
cliente em todas elas. O antifrágil não apenas tem POR UM GRUPO DE
uma estrutura que resiste bem às crises, mas sai
fortalecido delas. Taleb recorre, inclusive, à mito-
PROGRAMADORES EM
logia grega para representar a antifragilidade: an- UTAH, EM 2001, ENTERROU
tifrágil é a hidra, que, ao perder uma cabeça, ganha
duas e fica mais poderosa, muito superior à fênix,
O GERENCIAMENTO
que, quando renasce das cinzas, volta igualzinha EM CASCATA
ao que era antes.
Este Dossiê se apropria das metáforas de Taleb man-
tendo a hidra associada à antifragilidade e conectan-
do a fênix à agilidade – a ave vive em etapas, pois
morre e renasce, voa rápido e era ligada ao deus Her-
mes na Grécia antiga, representada em seus templos. phones, tablets e computadores de última geração.
Simbolicamente, no mundo VUCA, é preciso ser Não foram só os primórdios da qualidade total; ali
fênix e hidra ao mesmo tempo, conceitos cuja com- nasciam a flexibilidade extrema, o compartilhamento
plementaridade é cada vez mais visível. do risco e a busca da melhoria contínua e incessante.
Uma coisa é compreender tudo isso; outra, bem Em fevereiro de 2001, quando o mundo já se mos-
diferente, conseguir mudar nessa direção. trava extremamente volátil, um grupo de progra-
madores se reuniu em um resort nas montanhas de
Wasatch, em Utah, EUA. O objetivo não era aprovei-
A AGILIDADE tar a estação de esqui do local, e sim criar um fórum
para repensar os rumos da indústria de tecnologia.
Ao fim de dois dias de encontro, aqueles 17 homens
A concepção de ágil remete ao adjetivo que de- de nomes conhecidos no segmento lançariam o do­
nota mover-se com velocidade, mas o transcende. cumento Agile Manifesto, traduzido no Brasil como
Do inglês agile (pronuncia-se “ajaiel”), os métodos Manifesto do Desenvolvimento Ágil de Software.
ágeis são a marca registrada do desenvolvimento Em sua essência, o movimento defendia a desco-
de software, que é uma prática de gerenciamento berta e o compartilhamento de melhores práticas
de projetos em empresas de tecnologia. para o desenvolvimento de software. Sabia que seria
O que nem todos sabem é que as origens da filo- preciso promover a valorização das relações huma-
sofia ágil remontam ao chão de fábrica da indústria nas e a colaboração com o cliente e reduzir o rigor
automobilística norte-americana, algo que logo característico dos planejamentos de longo prazo e
seria empregado e aprimorado pelas montadoras das negociações contratuais.
japonesas. A principal delas foi a Toyota, criadora Isso foi uma pá de cal sobre décadas de gerencia-
da filosofia lean de gestão, orientada à mitigação do mento de projetos no modelo em cascata, em que
desperdício. A empresa popularizou o sistema kan- o desenvolvimento era feito de modo sequencial,
ban, um modelo visual de abastecimento baseado sustentado pela tríade ortodoxa de planejamento,
em anotações em cartões coloridos, uma espécie de execução e teste. O envolvimento do cliente, antes
precursor dos post-its. restrito à primeira e à última etapa, agora seria bem
Seguindo os mandamentos do lean, as equipes da mais frequente. Os métodos ágeis incluíam proje-
Toyota valiam-se do kanban para horizontalizar a co- tos conduzidos por equipes independentes e com a
municação muito antes da massificação dos smart­ ajuda de frameworks, espécies de templates.

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tipo de empresa que tem o ágil no core business, que
não aceita esperar nada para gerenciar seu negó-
cio”, explica Waengertner. No caso da Amazon, as
equipes independentes são as próprias plataformas
independentes sobre as quais ela se movimenta, que
lhe permitem atender o consumidor de qualquer
parte do mundo com muita rapidez.
O problema é que, passados 16 anos do Agile Ma-
nifesto, boa parte das organizações de fora dos se-
tores de tecnologia ainda não adotou a mentalida-
de ágil. E, ao mesmo tempo, o mundo se tornou
VUCA, trazendo novos e complexos desafios.

A ANTIFRAGILIDADE
“A grande diferença dos métodos ágeis é que eu Uma das características do mundo VUCA são os
faço um projeto sem saber qual será o produto final; fatos imprevisíveis, capazes de transformar a socie-
sei meu compromisso com o objetivo final e vou in- dade de um dia para o outro, como foi o ataque
serindo o cliente em cada etapa do projeto para de- terrorista de 11 de setembro de 2001. Eles foram
finir a próxima”, detalha Pedro Waengertner, pro- chamados pelo matemático Taleb de “cisnes ne-
fessor da ESPM-SP e cofundador da aceleradora gros” no best-seller A lógica do cisne negro, que, em
de startups Ace. 2006, profetizou a crise econômica de 2008 tanto
O manifesto dos desenvolvedores explica por do ponto de vista dos estragos nos mercados de de-
que as organizações da área de tecnologia foram as rivativos como da perspectiva da quebradeira no
pioneiras na proliferação dos métodos ágeis e tem mercado imobiliário norte-americano.
parte da culpa por empresas como Netflix, Google A maneira de abordar os cisnes negros é a anti-
e Amazon brilharem tanto. “A Amazon vai além: é o fragilidade, como explica Taleb em outro best-seller,

Luiz Fernando Roxo, CEO da consultoria Pedro Waengertner, professor de agile


Zeneconomics e apresentador do programa marketing da ESPM-SP e líder da
Os antifrágeis, disponível no YouTube aceleradora de startups Ace

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A ANTIFRAGILIDADE E O BRASIL
POR RICHARD RYTENBAND

Em meio a uma nova rodada de turbu- 1. CENTRALIZAÇÃO


lências, muitos se perguntam por que o
Brasil ainda não deu certo. Estaria o País Qualquer forma de centralização, seja
eternamente condenado a sofrer com na natureza ou em processos criados pelo
altos e baixos na política e na economia? homem, é frágil. Um ponto central trans-
A resposta não é tão simples. Requer ir mite erros para todo o sistema, assim
muito além da teoria econômica tradi- como sua remoção implica a quebra de
cional e do binômio político esquerda- toda a rede. Já um sistema descentraliza-
-direita que ainda prevalece nas leituras do tende a se fortalecer com os erros lo-
de cenário. calizados que não comprometem o todo e
se tornam cada vez mais fortes.
O mundo real é complexo, cheio de in-
terdependências difíceis de detectar, em
que as partes se transformam, inter- 2. INTERVENCIONISMO INGÊNUO
ferem, cooperam e competem entre si.
Esses sistemas complexos criados pelo A medicina apresenta o conceito de ia-
homem tendem a desenvolver cascatas trogenia, situação em que os efeitos co-
e cadeias descontroladas de reações que laterais de determinado tratamento ex-
diminuem (ou eliminam) a previsibilida- cedem os próprios danos da doença. E é
de, além de gerarem o superdimensiona- exatamente isso, a iatrogenia, que o inter-
mento dos acontecimentos. vencionismo ingênuo provoca no mundo
real. De posse cada vez mais de informa-
Exatamente por essa razão, é hora de ções, o interventor acredita que conhe-
recorrermos às contribuições da nova ce as relações de causa e efeito em um
ciência das redes complexas e ao traba- mundo complexo e com isso está apto a
lho do filósofo Nassim Taleb, autor do “consertar” o que julga estar errado.
conceito de antifragilidade. Levando em
conta esse repertório, é possível classi- Na Hong Kong dos anos 1960, Sir John
ficar as economias em frágeis e antifrá- James Cowperthwaite, secretário das Fi-
geis. O segundo grupo não só é resisten- nanças, caminhou na direção oposta do in-
te a choques e momentos de incerteza,
como também se beneficia com o caos – o
inverso do frágil, que colapsa nesse caso.

OS FATORES DE FRAGILIDADE

Neste Dossiê, Taleb diz que o Brasil, do


ponto de vista cultural, não está tão distan-
te quanto pensa da antifragilidade [veja na
página 54]. O que pode aproximá-lo mais
rapidamente? Identificar o que fragiliza as
economias em geral nos ajuda a responder:

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tervencionismo, com ações que surtiram 5. FALTA DE PELE EM RISCO
efeitos rapidamente. Durante o período,
sem políticas corretivas do governo britâni- A noção de colocar a pele em risco, em
co, a população que vivia na pobreza extre- inglês skin in the game, refere-se à ética
ma caiu de 50% para 15% e os salários reais em que as pessoas assumem tanto as van-
subiram 50%. Atualmente, Hong Kong tem tagens como as desvantagens por seus
um dos maiores PIBs per capita do planeta. atos. Justamente em economias frágeis
há setores e grupos protegidos que não
3. DÍVIDA são responsabilizados por suas ações, fi-
cando apenas com as vantagens, e assim
Toda dívida é frágil, seja de governos, tomam decisões com base na pele dos ou-
empresas ou famílias. O endividamento tros em risco. Isso causa uma transferên-
remove qualquer margem de manobra e cia de riscos e desvantagens para todos,
redundância, tornando o devedor um alvo no sentido de que a sociedade paga a conta
fácil dos membros da família da desor- por decisões de pequenos grupos, que li-
dem. Ele se torna uma espécie de escravo, teralmente não estão com a própria pele
vulnerável a imprevistos e mudanças de em risco. A ética da pele em risco torna as
rotas. O contrário é verdadeiro: quem tem decisões na sociedade mais responsáveis.
recursos em meio à desordem se torna o
maior beneficiário das oportunidades A FAMÍLIA DA DESORDEM
que surgem nesses momentos.
Retomando a questão inicial, por que o
Brasil ainda não deu certo? Por sua fra-
4.ESTRUTURA PRODUTIVA gilidade. Ele precisa reverter o quanto
DE BAIXA COMPLEXIDADE antes esses cinco pontos: descentralizar
o poder, reduzir o intervencionismo in-
Produzir castanhas de caju ou chips de gênuo e a dívida, diversificar a estrutu-
computador, soja ou carros, bananas ou ra produtiva e abraçar a ética da pele em
tablets faz toda diferença. A capacidade risco, tornando a economia antifrágil.
de uma economia produzir bens e servi- Enquanto isso não se materializar, so-
ços demonstra o estoque de conhecimento freremos sempre que formos visitados
e know-how daquela sociedade. As econo- pelos membros da família da desordem.
mias frágeis se concentram na produção
de produtos básicos, com baixa comple-
xidade, enquanto as antifrágeis têm uma
estrutura produtiva diversificada e capaz
de se adaptar rapidamente a qualquer
Economista, mestre em
nova necessidade. Quanto maiores o co-
psicologia da educação
nhecimento e o know-how acumulados
pela PUC-SP e com
por uma sociedade, maior a facilidade de MBA em gestão financeira
desenvolver novos produtos e serviços e e mercado de capitais pela
melhores os postos de trabalho criados. FGV, Richard Rytenband
apresenta o programa
Os antifrágeis, que pode ser
visto no YouTube.

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Acompanhe o que Amy Edmondson disse
sobre o mundo VUCA no Fórum HSM:
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A CHILLI BEANS, QUE VEM


CRESCENDO DURANTE A
CRISE, PROMOVEU UMA
DESCENTRALIZAÇÃO, COMO
PREGA A CARTILHA DA
ANTIFRAGILIDADE

tiplos (para não haver dependência extrema), baixo


endividamento (o que reduz a exposição e permite
Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos, em que ele aproveitar oportunidades) e uso reduzido de recursos
dissemina a ideia de que é possível usar o limão mais e pouco desperdício (o conceito de lean da Toyota).
ácido, azedo e ressecado para fazer uma deliciosa li- Há exemplos de antifragilidade made in Brazil,
monada. Segundo Taleb, podemos ficar muito mais segundo Rytenband, como a Chilli Beans. “Foi a
fortes após o caos proporcionado por uma situação única empresa de óculos que cresceu na crise, uti-
extrema. A crise de 2008, por exemplo, levou go- lizando uma estratégia totalmente descentraliza-
vernos, organizações e pessoas do mundo inteiro à da, cortando custos e diversificando a produção”,
falência, mas trouxe lições que tornaram o sistema comenta o economista. Ao sentir a queda no fluxo
financeiro como um todo mais robusto. de grandes shopping centers, a marca apostou em
Como as empresas podem aplicar na prática a cidades do interior, reduziu a produção de itens
teoria de Taleb? Um dos caminhos mais assertivos premium e apostou em modelos populares.
é remover o máximo de fragilidades que afetam o Resultado: enquanto o segmento de óculos de sol
negócio – ou mesmo a vida das pessoas envolvidas. deve encolher 10% em 2017, a Chilli Beans projeta
Em outras palavras, é preciso adotar a chamada crescer 7,4%, chegando a uma receita de R$ 650 mi-
“via negativa”, em que 90% dos problemas podem lhões. “Nossa marca tem um enorme apelo a poten-
ser solucionados com um único movimento – ex- ciais franqueados, e a demanda de novas franquias se
cluindo os excessos. manteve mesmo nessa época de dificuldades”, afir-
Outro pilar da antifragilidade é o comporta- ma seu fundador, Caito Maia.
mento empreendedor. “Todo empreendedor co-
meça o negócio com chances negativas, indo con-
tra a probabilidade. É o sujeito que corre riscos em
UNINDO AS PONTAS
prol do todo, o que é fundamental para a antifra-
gilidade”, explica Luiz Fernando Roxo, CEO da Agilidade e antifragilidade têm em comum os
consultoria Zeneconomics e especialista no tema, princípios de descentralização, empreendedoris-
que apresenta o programa Os antifrágeis com o eco- mo e muito mais. Na verdade, mesmo não havendo
nomista Richard Rytenband, no YouTube. comprovação científica disso, como seria preferível
A antifragilidade se faz também com diversifi- para Taleb, elas são complementares. Confira, nas
cação de lideranças, como acrescenta Rytenband, páginas a seguir, o que sua empresa precisa fazer
além da existência de redundâncias, clientes múl- para ser ágil e antifrágil neste mundo VUCA.

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AVANÇO
RÁPIDO
Conheça um
caminho alternativo,
baseado em uma
forma inovadora de
enxergar a gestão COMO ABORDAGEM
| por Jonas Ridderstrale
e Julian Birkinshaw
ESTRATÉGICA

Quais são as bases da vantagem competitiva na acabamos assistindo a um debate sem fim e a uma
era ágil, o cenário de negócios em que estamos tendência de privilegiar as evidências racionais em
entrando? Muitos analistas afirmam que o fator detrimento da intuição. Desse modo, as empresas
predominante é o poder de reunir e utilizar infor- parecem ficar estacionadas enquanto o mundo em
mações. Erik Brynjolfsson e Andrew McAffee, por volta delas acelera cada vez mais.
exemplo, argumentam se tratar de uma “segunda Alguns executivos, atentos a esse cenário, estão
era das máquinas”, em que a tecnologia da infor- adotando uma abordagem que chamamos de
mação será o motor do progresso humano. Já o Mc- “avanço rápido” (fast forward, no original em inglês):
Kinsey Global Institute considera que o imenso vo- colocar ênfase em ações decisivas, antes mesmo de
lume de dados com potencial para afetar os negó- fazer análises detalhadas. Para tanto, eles se sentem
cios (chamados de big data) é “a próxima fronteira confortáveis em confiar nas convicções emocionais,
da inovação, da competição e da produtividade”. juntamente com os julgamentos mais racionais.
Nós temos uma visão diferente. Acreditamos que Um bom exemplo de abordagem de avanço rápi-
o big data é um aspecto superestimado. À medi- do é a Amazon, que desafiou todas as regras estabe-
da que as informações se tornarem cada vez mais lecidas sobre as organizações se concentrarem em
onipresentes e os custos de busca tenderem a zero, suas competências essenciais. Como o próprio fun-
eles não proporcionarão um diferencial para as- dador da empresa, Jeff Bezos, costuma dizer, “cer-
sumir a dianteira. Além disso, a sobrecarga de in- tas decisões podem ser tomadas com base em aná-
formações sobre as pessoas leva a menor grau de lises, e essas são as melhores decisões! Infelizmente,
atenção, a maior confusão e a um processo de to- há também todo um conjunto de decisões que não
mada de decisão mais precário. Nas organizações, podem ser traduzidas em uma equação matemáti-
ca”. No segundo grupo de decisões estão algumas
de suas grandes apostas em novos negócios, como
Jonas Ridderstrale é autor do best-seller Funky business o Kindle e a Amazon Web Services.
e já foi considerado um dos cinco maiores gurus de Mais do que mergulhar em longas e demoradas
management da Europa. Julian Birkinshaw é professor da
análises, as empresas que praticam o avanço rá-
London Business School e autor de 25 ferramentas de
pido promovem a ação e a experimentação. Seus
gestão (ed. HSM). Juntos, escreveram Fast forward: make
líderes sabem quando devem “ouvir” os dados e
your company fit for the future, no qual se baseia este artigo.
quando decidir com base na intuição.

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DOIS IMPERATIVOS Estratégia. A abordagem clássica da estratégia


é pensar em decisões em cascata: “O que queremos
Nossa aposta é que, na era ágil, dois imperativos alcançar?”, “Em que área vamos atuar?”, “Como
estratégicos serão dominantes: vamos ter sucesso?”. Tal lógica costumava ser ra-
zoavelmente efetiva em um ambiente estável, mas,
• Terão vantagem as empresas que se moverem para um mundo complexo, de mudanças rápidas,
rapidamente para a frente, pela capacidade de é sistemática e lenta demais. Precisamos virá-la de
adotar ações decisivas – por exemplo, para apro- cabeça para baixo. Percepções baseadas na intera-
veitar oportunidades quando elas surgirem, testar ção com os consumidores levam à reflexão e à cons-
novas ofertas para os consumidores e fazer grandes trução de sentido, e isso alimenta a estratégia geral.
apostas quando for necessário.
• Como ação sem direção é algo perigoso, terão Organização. O modelo gerencial da era in-
mais vantagem ainda as organizações que tam- dustrial era burocrático, com a coordenação das
bém desenvolverem convicção emocional para atividades acontecendo com base em regras e pro-
canalizar tais ações de maneira efetiva. São as cedimentos predeterminados e no respeito à posi-
empresas de gestores que “ouvem” seu raciocínio ção hierárquica de cada indivíduo envolvido. Na
intuitivo e criam senso de propósito para cola- era da informação, a meritocracia foi favorecida,
boradores e clientes. Isso já acontece: na guerra com a coordenação das atividades baseando-se em
entre as marcas mais “técnicas” (Samsung e Toyo- ajustar as partes com interesses próprios – mais do
ta, por exemplo) e as mais “emocionais” (Apple e que a posição hierárquica, valia o conhecimento
BMW), em qualquer setor de atividade, é o segun- de cada um.
do grupo que geralmente consegue as margens de Acreditamos que, no modelo que está surgindo, é
lucro mais altas. preciso adotar a chamada adhocracia. Nesse caso,
o que importa é a ação de cada indivíduo, princi-
Esses imperativos gêmeos (ações decisivas e con- palmente se for apoiada pela convicção emocional,
vicção emocional) têm múltiplas consequências: e a coordenação entre as atividades se dá em torno

A EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO
ÊNFASE

AÇÃO ADHOCRACIA
“AÇÃO É
PODER“
CONHECIMENTO
MERITOCRACIA
“CONHECIMENTO
É PODER“

BUROCRACIA
“CARGO É
CARGO
PODER“

ERA INDUSTRIAL ERA DA INFORMAÇÃO ERA ÁGIL TEMPO

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de oportunidades externas. Equipes multifuncio- luxo de trabalhar de maneira tradicional e adotar
nais por projeto são tipicamente adhocráticas. um estilo “de cima para baixo”. No entanto, se uma
Na última década, o banco holandês ING, que empresa está apoiada em ações decisivas e convic-
conta com 52 mil funcionários em todo o mundo, em- ção emocional, precisa assegurar que todos os seus
barcou em um ambicioso programa de transforma- funcionários tenham os meios, a motivação e a possi-
ção que começou pela simplificação (e eliminação) bilidade de serem empreendedores, ou seja, de bus-
de processos internos para alcançar a digitalização. car oportunidades onde quer que estas apareçam.
Os 3,5 mil colaboradores da sede já estão orga- Isso cria uma nova pressão sobre os líderes, para que
nizados segundo o princípio da “agilidade”, tra- desempenhem seu papel de modo adequado, seja
balhando em “esquadrões” de nove pessoas cada articulando uma direção clara para a equipe, seja
um, que se concentram em atender a necessidades estabelecendo um ambiente de trabalho em que as
específicas dos usuários, com liberdade para deter- pessoas podem experimentar com segurança novas
minar o fluxo de trabalho e até o espaço físico em ideias, seja proporcionando os recursos necessários.
que atuam. O foco está na ação, encaminhada de Daqui em diante, os líderes terão de ser ambi-
maneira flexível e com ritmo acelerado. destros – entregando resultados e aumentando a
O modelo já vem dando retorno em índices de eficiência das operações de hoje, e investindo no
satisfação dos clientes e de engajamento dos funcio- que renderá amanhã.
nários e na relação entre custo e ganho financeiro.
Nem toda adhocracia é boa; há também a má. A
boa se baseia no conhecimento e é orientada por
hipóteses, e um exemplo dela seria a Wikipedia. A
UMA NOVA
má é a que prega a ação pela ação, levando a esfor- LINGUAGEM
ços duplicados e a erros desnecessários; seria o caso
de um romance escrito pela multidão, que viraria É preciso entender a mudança de era, que, muito
um Frankenstein. repentina, talvez esteja passando despercebida: es-
Há que se dizer ainda que uma dose de burocra- tamos migrando da era da informação para a era
cia e de meritocracia continua sendo necessária, ágil – ou exponencial. Trata-se de uma mudança
mas a adhocracia é que domina a organização. radical. Quem adotar os novos princípios de estra-
tégia, organização e liderança – e uma nova lingua-
Liderança. Nos modelos baseados na burocra- gem de acordo com eles – abrirá caminho para o
cia ou na meritocracia, os líderes podem se dar ao avanço rápido de sua companhia.

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EXECUÇÃO
EM PEDAÇOS
Em mercados cada vez mais voláteis, o mandamento, agora, é utilizar
frameworks ágeis para retalhar cada projeto e reduzir o risco
| por Robson Pandolfi

Ninguém, exceto Ele (para os crentes), tem con- O anteriormente útil pode ficar inútil, e a chance de
trole sobre tudo. Pense em uma viagem: mesmo no isso ocorrer aumenta em países como o Brasil, em que
verão, você pode até carregar um casaquinho para as empresas são castigadas por insegurança jurídica e
viajar. Mas, se for preciso precaver-se contra todas as descontinuidade de políticas públicas.
variações climáticas possíveis, a carga será tão pesada Só que o mundo do software se rebelou contra
que talvez não valha a pena sair de casa. isso e criou a filosofia ágil, que parte da noção de
Até o início dos anos 2000, era mais ou menos mínimo produto viável – o MVP –, definidor dos re-
assim o gerenciamento de projetos de desenvolvi- quisitos mínimos para uma primeira versão do pro-
mento de software. Mesmo que não soubesse que duto. A partir daí surgem melhorias incrementais,
funcionalidades seriam úteis, o cliente tinha de pre- agregando novas funções. A lógica BDUF (sigla em
ver tudo o que poderia ser necessário um dia (talvez). inglês de grande design desde o início, em tradução
O produto era desenvolvido obedecendo a uma se- livre) deu lugar à EDUF (design suficiente no iní-
quência, que levava meses ou anos, e só era lança- cio). A novidade estabeleceu um antes e um depois
do quando a última etapa estava concluída – e nem na indústria de software.
sempre atendia às necessidades iniciais de quem o Como quase tudo virou projeto nas empresas, es-
encomendara. Era um modelo em cascata, no qual palhou-se por elas. “Em vez de nos concentrarmos
se desperdiçava cerca de 40% do orçamento. no produto, olhamos para a engenharia de valor”,
Algo similar acontece com os negócios hoje, e a explica Carlos Tristacci, gerente de agile services
prova são os ciclos orçamentários: em um ano se pro- da Meta, desenvolvedora de soluções de tecnologia
grama o que será executado no próximo exercício. da informação com operações em vários estados do
País. Exemplos de organizações que adotam méto-
dos ágeis no Brasil vão da TV Globo ao Ministério
da Justiça.
“PEDIMOS DESCULPAS, Por isso, ajustes e erros viraram parte do processo.
“Costumamos dizer que pedimos desculpas, não pe-
NÃO PEDIMOS PERMISSÃO” dimos permissão”, afirma Alexei Villas Boas, diretor
de tecnologia da ThoughtWorks Brasil, consultoria
ALEXEI VILLAS BOAS,
norte-americana de TI que opera há sete anos no País
DA THOUGHTWORKS BRASIL
e segue a filosofia ágil em todas as suas áreas. Por isso,
colaboração é a palavra-chave. “Falamos mais em

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dossiê

ENTENDENDO OS FRAMEWORKS ÁGEIS


SCRUM Criado por Ken Schwaber e Jeff Sutherland, o scrum se tornou o método-padrão de gestão
de projetos ágeis de software. Um dos motivos é sua simplicidade: ele é formado por um
pequeno conjunto de práticas que pode ser adaptado a inúmeras situações. A palavra de
ordem do scrum é planejar menos para entregar mais. Em vez do planejamento completo
de todas as etapas do método waterfall, em cascata, no scrum o planejamento é feito em
pequenas etapas, conhecidas como sprints. O cliente (ou project owner) só especifica
os objetivos, cabendo à equipe de desenvolvimento decidir como o produto será
desenvolvido. Os times devem ter seis pessoas em média.

LEAN Conhecido como Sistema Toyota de Produção, o lean foi criado no Japão com o objetivo
central de maximizar o valor para o cliente e minimizar desperdícios. Isso é feito, por
exemplo, com uma produção just-in-time, em que se fabrica apenas o que o cliente quer
e se controla a produção por meio do kanban. Isso significa promover o fluxo contínuo
de produção, buscar erro zero, implementar processos de análise em todas as etapas e
corrigir os problemas já em sua origem. E o estoque é reduzido. Seus métodos inspiraram
metodologias como o scrum e o extreme programming.

KANBAN Também criado nas fábricas da Toyota, o kanban (cartão, em japonês) foi incorporado
nos métodos ágeis por permitir uma gestão eficiente dos recursos. O método faz uso de
quadros ou murais (geralmente com post-its) para que todos possam visualizar o fluxo
de trabalho da equipe, permitindo que os bloqueadores e as pendências de cada tarefa
sejam facilmente identificados e resolvidos. Essencialmente, o quadro é dividido em três
partes: to do, in progress e done (a fazer, em andamento e feito). No entanto, dependendo
da complexidade de um negócio ou projeto, o fluxo de trabalho pode ser adaptado, com a
inclusão de outras etapas. Há ferramentas virtuais que imitam o kanban, como o Trello.
O método é usado frequentemente em conjunto com o scrum, já que ambos pregam a
transparência nos processos, concentram-se na entrega de valor, exigem a divisão dos
projetos em etapas e se baseiam em equipes auto-organizáveis.

SAFE Acrônimo de scaled agile framework, o SAFe se baseia em princípios do scrum, do XP e do


lean. A principal diferença é a escala: enquanto o scrum é voltado para pequenas equipes
(os times), esse framework foi desenvolvido para permitir a gestão ágil de vários times ou
até mesmo da empresa inteira.

FAMÍLIA DE Criada por Alistair Cockburn, a metodologia Crystal é, na verdade, uma família de
METODOLOGIAS metodologias, que abarca Crystal Clear, Crystal Yellow, Crystal Orange, Crystal Red
CRYSTAL e Crystal Maroon, variando de acordo com a complexidade do projeto. Trata-se de
uma abordagem mais voltada para a gestão de pessoas, e seu foco é a interação entre
os membros da equipe, que têm diferentes talentos e habilidades – e, portanto, são
necessários processos específicos para cada um. Cockburn desenvolveu a metodologia
com base em alguns princípios, como efetividade e otimização do tempo da comunicação
cara a cara, perda de desempenho das pessoas ao longo do tempo e variação de
produtividade de acordo com o dia e o ambiente. Enquanto o scrum prega a organização
em times com uma média de seis pessoas (podendo chegar a nove), as metodologias
Crystal apoiam times com até cem membros.

GROWTH HACKING Essa versão da filosofia ágil foi criada por Sean Ellis para o marketing, uma das áreas das
empresas que mais têm sofrido com a complexidade reinante e que mais precisam se
adaptar às mudanças no entorno. Adaptações do growth hacking pululam na gestão de
marketing, como Startup Pyramid, Pirate Metrics (ou AARRR) e Lean Analytics Stages.
Além disso, surgiram outros frameworks, focados na gestão de diferentes canais: The ICE
Store, The Bullseye Framework, The Hook Model e STEPPS. Cada um prega diferentes
métodos para gerenciar projetos, mas a lógica é a mesma: dividir para conquistar.

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Nos métodos ágeis, post-its permitem a
todos visualizar o fluxo de trabalho

propósito do que em decisões transmitidas de manei-


ra hierárquica”, diz Villas Boas.
O potencial de essa mistura de ciclos curtos, cola- em pauta dá-se o nome de histórias de usuários, que
boração, erros e ajustes virar uma bagunça é muito são priorizadas de acordo com seu potencial de valor.
grande. Ou seria, se a filosofia não fosse aplicada Tais histórias são escritas na linguagem do cliente,
por meio de templates, que são os frameworks – evitando jargões técnicos. A regra é ser o mais claro,
ou métodos. Há no mercado vários frameworks, prático e ágil possível.
geralmente adaptados de acordo com o perfil do Todas as práticas do scrum são direcionadas ao
projeto e a necessidade do cliente. contato permanente entre todos os envolvidos na
criação do produto, incluindo os clientes. “A inte-
ração entre os indivíduos é mais importante do que
SCRUM & CIA. seguir um processo rígido, e a colaboração entre o
cliente e o time tem mais ênfase do que a negociação
de contratos e as especificações detalhadas demais”,
Em 1986, surgiu um framework que seria o grande afirma Eduardo Guerra, ex-professor do Instituto
responsável por popularizar a filosofia ágil. O scrum Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e autor de uma
lançava suas bases como um bem-sucedido conceito série de cursos sobre métodos ágeis.
de gerenciamento de projetos, apoiando-se na teoria A comunicação frequente proporcionada pelo
de times compactos e no esforço concentrado para scrum minimiza muito o insucesso. Não se trata
projetos específicos. De tão popular, já apareceu até de desenvolver produtos mais rapidamente, e sim
na série de TV Silicon Valley, da HBO. E o modelo teve de fazer uma adaptação mais veloz a possíveis mu-
várias adaptações, como o scaled agile framework, ou danças de cenário, o que requer comunicação. A
SAFe, que unifica conceitos do scrum e do método cada sprint é feita uma avaliação para saber se a
extreme programming (XP), exclusivo para software. funcionalidade está de acordo com o que foi enco-
No scrum, o desenvolvimento de um projeto se di- mendado – isso é chamado de teste de aceitação.
vide em pequenos ciclos, que duram de duas a qua- Se não estiver tudo certo, cria-se uma nova história
tro semanas e são conhecidos como sprints. A cada de usuário. Essa tarefa é colocada na escala de prio-
sprint se definem as funcionalidades a serem abor- ridades e retorna ao backlog. Quando tudo está nos
dadas. A lista de atividades é denominada backlog, conformes, o time parte para o próximo sprint.
e aquelas que têm menor prioridade vão para a pro- Detalhe: a palavra final é sempre do cliente, conhe-
duct backlog – onde ficam as aplicações que serão cido na linguagem do scrum como product owner –
trabalhadas em outro momento. Às funcionalidades ou seja, dono do produto. “Como há feed­back contí-

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dossiê

Ver o fluxo ajuda a identificar e resolver


mais facilmente os gargalos das tarefas

nuo do cliente, o risco de o projeto estar fora do que


ele espera é muito menor”, observa Tristacci.
De fato, poucos setores foram tão impactados com
a revolução digital quanto o marketing. Antes pau-
GROWTH HACKING tado por projetos grandes e onerosos, hoje o foco do
segmento está em dar uma resposta rápida às mu-
E FAMÍLIA CRYSTAL danças no mercado – e às demandas dos clientes.
Além disso, em vez de simplesmente atender a uma
Em 2010, Sean Ellis, CEO da Qualaroo, empre- lista de demandas de outras áreas, agora o marke-
sa focada em encontrar oportunidades de mercado ting é participante ativo das decisões estratégicas –
com base em dados de tráfego de sites, cunhou a saindo da lógica das campanhas para se embrenhar,
expressão “growth hacker”. O termo designava o inclusive, no desenvolvimento de produto.
profissional de marketing com talento para encon- Contudo, a agilidade também já chegou aos recur-
trar caminhos escaláveis, reprodutíveis e sustentá- sos humanos, por meio do framework Crystal, criado
veis que dessem suporte ao crescimento de algum por Alistair Cockburn, um dos idealizadores do mo-
negócio. Era a filosofia ágil chegando ao marketing. vimento ágil, em 2000. Cockburn desenvolveu a me-
A lógica é semelhante à da engenharia de valor todologia com base em princípios como otimização
ágil. Aqui, tudo o que não tem impacto direto no cres- do tempo da comunicação cara a cara, perda de de-
cimento do produto é deixado de fora. “Um growth sempenho das pessoas ao longo do tempo e variação
hacker eficaz tem a disciplina para seguir um pro- de produtividade de acordo com o dia e o ambiente.
cesso growth hacking, de escolher e testar ideias, e
é analítico o suficiente para saber quais precisam
ser mantidas e quais devem ser cortadas”, escreve
Ellis no blog Startup Marketing. Muitos frameworks
MAIS COMPLEXIDADE
surgiram sob o guarda-chu­va do growth hacking,
como o STEPPS, desenvolvido pelo professor da Problemas simples têm baixo potencial de retor-
Wharton School Jonah Berger, e o Bullseye, cada no para a empresa. A recomendação é escolher pro-
vez mais usado no Brasil. blemas complexos, mais promissores no que se refe-
“Os processos de marketing estão bem mais acele- re a lucros. Para lidar com eles, basta quebrá-los em
rados, e ligá-los a métodos ágeis nos permite respon- tarefas menores, testá-las repetidamente e mudar o
der com velocidade e assertividade ao que o público que não funcionar, organizando tudo isso com frame­
quer e ao que a empresa necessita”, diz Natália Me- works para que não vire mais uma complexidade. Eis
nhem, head de marketing da ThoughtWorks Brasil. a filosofia ágil, é simples assim.

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dossiê

54 hsm management edição 124


“O BRASIL ESTÁ MENOS LONGE DA
ANTIFRAGILIDADE
DO QUE IMAGINA”
Explicando em detalhe seu conceito, Nassim Taleb adianta o próximo
livro e sugere mudanças para o Brasil | por Adriana Salles Gomes
Como definiu um analista brasileiro, 2016 foi um dade, se o trânsito se tornasse antifrágil, o carro extra
ano em que Nassim Taleb superou Warren Buffett. melhoraria a mobilidade na tal rua.
A comparação se deveu à preponderância de even- Quanto mais os sistemas tentam remover a aleatorie-
tos aleatórios e da desordem no mundo, conceitos dade do ambiente e se proteger das agressões externas,
caros ao matemático e analista de risco libanês radi- mais frágeis eles ficam. Um exemplo disso são os pais
cado nos Estados Unidos. A razão do financista da superprotetores, que fragilizam os filhos.
Berkshire Hathaway teria perdido espaço. Agora Taleb está aprofundando o assunto em um
O ano de 2017 também está tendo momentos de novo livro, Skin in the game, que enfatiza a necessidade
caos. No Brasil, a denúncia dos empresários da JBS de correr riscos e responder por eles para desenvolver
contra o presidente Michel Temer, em maio, che- antifragilidade. Empreendedores, que sofrem as con-
gou a ser chamada de cisne negro – outro conceito sequências dos riscos que tomam, são assim.
de Taleb – por sua tamanha imprevisibilidade. Os Em entrevista exclusiva a HSM Management,
fundos multimercados chegaram a perder 18% do Taleb antecipa ideias de Skin in the game, explica o es-
valor em um único dia. sencial da estratégia antifrágil, avalia a fragilidade dos
Taleb jogou os holofotes sobre a aleatoriedade em países e o futuro e aplica seus conceitos à vida pessoal.
2007 e, passados quatro anos, propôs a abordagem da Em relação ao Brasil, ele diz ser otimista, mas critica
antifragilidade, que permitiria a pessoas e organiza- os gestores brasileiros por verem no ex-presidente dos
ções se beneficiarem do caos. Muitos dos sistemas que EUA Barack Obama um bom modelo de liderança.
conhecemos hoje são frágeis, e ele ilustra isso com o
trânsito: às vezes, um único carro que entra em uma
rua basta para triplicar o tempo gasto em percorrê-la;
é um resultado desproporcional, assimétrico – na ver-
A PRÓPRIA PELE
Um amigo brasileiro contou a Taleb uma história
SAIBA MAIS SOBRE NASSIM TALEB que ele nunca esqueceu. Havia um índice elevado de
Quem é: Ensaísta libanês-americano, estatístico e professor queda de helicópteros em determinada empresa. Do
de engenharia de risco da New York University, fez sua dia em que os profissionais da manutenção foram
independência financeira como trader na crise de 2008.
colocados para voar neles em diante, houve uma re-
Livros: Está escrevendo a “saga” Incerto, em que investiga a
dução substancial dos acidentes. O mesmo aconte-
aleatoriedade, a incerteza, o risco e a decisão, apoiando-se em
ceria se colocassem engenheiros para dormir sob as
várias ciências. Os títulos já publicados são A lógica do cisne
pontes que constroem ou obrigassem agricultores a
negro, Antifrágil, Fooled by randomness e The bed of proscrutes.
comer o que plantam – levar as pessoas a arriscar a
Família no Brasil: É primo de Josefina Jordan, a grande dama do
própria pele é o que faz com que aprendam a lidar
segundo governoVargas, e da bailarina e coreógrafa Dalal Achcar.
com riscos que vêm do aleatório e ser antifrágeis.

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OBAMA NÃO É BOM Em Skin in the game, que tem rascunhos disponíveis
na internet, o especialista lembra que as religiões
MODELO DE LÍDER já impunham esse engajamento de seus fiéis havia
muito tempo – essa era a função dos sacrifícios. Taleb
A edição 2017 da pesquisa Carreira dos
mostra a foto de um altar que viu ao visitar um templo
sonhos, publicada na HSM Management n. 123
extra, revela que o ex-presidente dos Estados da cidade síria de Maalula, em que há um resquício
Unidos Barack Obama é um dos líderes mais de sangue, para dizer que até os cristãos (primitivos)
admirados pela comunidade empresarial exigiam sacrifícios de animais, não só os pagãos
brasileira. Obama aparece como o segundo
O problema das empresas, em sua visão, é que
líder mais citado pela alta liderança do País
(perdendo só para Jorge Paulo Lemann) e como quem cuida dos riscos nelas são os gestores de risco,
o terceiro pela média gerência (atrás de Lemann não os tomadores de risco. Estes, que arriscam a pró-
e Silvio Santos). pria pele, têm a vantagem da assimetria informacio-
No entanto, Nassim Taleb desaprova o
nal, ou seja, têm muito mais informações sobre aquilo
modelo, citando quatro razões principais:
(1) a tendência a fazer intervenções – no caso, nos em que se envolvem do que os outros. De todo modo,
assuntos internacionais, (2) o fato de proteger funcionários em geral costumam arriscar mais a pele
bancos e outros empresários em dificuldades do que, por exemplo, fornecedores terceirizados.
em vez de fazê-los responder por seus atos,
Com o livro, Taleb quer mudar a noção de risco
(3) as tentativas de centralização e (4) o excesso
de regulamentação no mercado doméstico. que a maioria das pessoas tem. “Há muita confusão”,
As intervenções fariam de Obama um líder escreve ele. “Coisas voláteis não são necessariamente
irresponsável, segundo Taleb. “Eu culpo Obama arriscadas, assim como cair nem sempre é arriscado:
pela guerra na Síria, por exemplo”, diz.
cair da cadeira pode ser algo bom; cair do 22º andar
Já a prática de proteção constituiria um
desserviço à sociedade, por enfraquecer o é que não é. O que importa no risco é evitar a ruína.”
princípio de arriscar a pele, e também seria
questionável eticamente, uma vez que
beneficiou de advogados ricos a banqueiros
do Goldman Sachs. Quanto à centralização,
o Medicaid foi uma tentativa de promovê-la,
ESTRATÉGIA CONVEXA
desrespeitando o princípio de independência
dos estados que rege a federação dos A estratégia que as empresas devem adotar para se
Estados Unidos e que é tão importante
beneficiar da desordem, na visão de Taleb, é a conve-
para a antifragilidade. Por fim, o excesso
de leis e regulamentações só dificultaria xa. O nome vem do gráfico que cruza investimento e
o empreendedorismo das pessoas, que é o retorno em cada projeto [veja página ao lado]; a curva
melhor caminho para um país antifrágil. convexa é a que tem menos investimento e retorno ili-
Isso significa que Donald Trump é um bom
mitado, enquanto a côncava, “retranqueira” no risco,
modelo de líder? “Não necessariamente.” O
matemático pede que se ignore o “Trump do corresponde a mais investimentos e limita o retorno.
Twitter” e aponta os fatores que justificaram A convexidade existe quando se corre maior risco
sua eleição como uma busca de antifragilidade: ao investir, apostando em um retorno muito maior. In-
a propensão a desregular e a simplificar, a
vestimentos de pesquisa e desenvolvimento e de ven-
disposição de evitar intervencionismo e uma
atmosfera mais amigável aos negócios. ture capital são tipicamente convexos. Como Taleb
Para Taleb, o líder antifrágil ideal é o escreve, “as propostas convexas devem ser abraçadas,
presidente da Suíça. “Você pode perguntar e as côncavas, evitadas como se fossem pragas”.
o nome dele nas ruas de Genebra ou Zurique
É preciso haver ainda a opcionalidade, ou seja,
que ninguém saberá .” Ele faz os líderes locais
funcionarem; aliás, um time de liderança muitas opções disponíveis em relação aos negócios,
coeso, em que uns confiem nos outros, é em quantidade e em qualidade. A opcionalidade é
fator de antifragilidade, bem como a clareza que viabiliza outra prática de antifragilidade reco-
da comunicação deles. Já de trabalho em
mendada: atuar com base em tentativa e erro.
equipe esse líder não precisa cuidar. “Não
existe teamwork; é só buzzword. Há talentos Taleb compartilha as regras básicas da estratégia
individuais atuando com coordenação. As antifrágil: (1) minimizar dívidas; (2) garantir que ne-
pesquisas sobre isso não têm validez científica.” nhum produto ou mercado concentre mais de 10%

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INVESTIMENTO

INVESTIMENTO
ESTRATÉGIA
CÔNCAVA

ESTRATÉGIA
CONVEXA
RETORNO

RETORNO

da receita total; (3) assegurar que nenhum negócio entendem bem o que é risco. O problema é outro: o fra-
imponha sozinho mais do que 10% das perdas; (4) casso não é socialmente aceito; isso é que tem de mudar.”
garantir que nenhum contrato seja uma prisão no Para Taleb, o Brasil tem uma veia empreendedora
longo prazo – é obrigatório haver saídas; (5) ter um similar à que se vê no sul da Itália, região que pode
planejamento de longo prazo com comprometimen- ser descrita como antifrágil. “As raízes latinas fazem
to de curto prazo; (6) possuir sempre um plano B; e com que o Brasil esteja menos longe da antifragilidade
(7) ter muitos subcontratados, produzindo em casa do que imagina.” O governo brasileiro pode acelerar
só o mínimo necessário. “Isso faz a empresa ter mais isso promovendo descentralização; o benchmark é a
a ganhar do que a perder com a aleatoriedade”, diz. Suíça, que decide tudo no nível local – apenas o exér-
Um dos conceitos mais contraintuitivos da antifra- cito, o banco central, o sistema legal e algumas ques-
gilidade é a redundância, que muitos gestores veem tões constitucionais são federais. “Já Brasília é o maior
como desperdício. Não é preciso ter dois funcionários experimento de centralização que o mundo já viveu.”
para a mesma função, mas é aconselhável que duas ou As grandes organizações – mais frágeis, mais su-
mais pessoas saibam desempenhá-la (o que pode ser jeitas a catástrofes – foram impostas ao Brasil, mas,
obtido, por exemplo, com job rotation ou um tercei- culturalmente, o País é muito mais afeito às peque-
rizado). O mesmo vale para a redundância de ativos. nas empresas e ao empreendedorismo. “Agora que
A via negativa se destaca: saber o que é falso é mais os produtos são mais software que hardware – no
valioso do que saber o que é verdadeiro, já que ele não carro elétrico, o número de peças despencou de 30
voltará a ser verdadeiro; da mesma forma, é mais im- mil para 3 mil –, acabou a vantagem de tamanho das
portante saber o que não fazer do que aquilo a fazer. empresas.” Mas, para o empreendedorismo voltar
Kent Beck, coautor do Agile Manifesto, tem abor- a prevalecer aqui, talvez leve uma geração, estima.
dado a antifragilidade. E o que Taleb acha da filoso- Taleb não se preocupa com nossa economia de
fia ágil? Ele se exime de responder por não ter expe- commodities – “commodities sempre serão necessá-
rimentos científicos sobre a agilidade. rias e agregar valor é possível”. Nem acha que a inte-
ligência artificial nos prejudicará especialmente. “A
IA vai atingir em cheio os países que oferecem mão de
obra barata ao mundo, como a China”, diz. Para ele,
O BRASIL E O FUTURO o risco da IA não é o do aumento de desempregados
– “vão inventar novas funções” –, e sim a crescente
“Correr riscos, opcionalidade, tentativa e erro são o desigualdade entre os que têm ideias e os que não têm.
que fazem os EUA serem líderes em inovação e influen-
ciarem o mundo”, diz o matemático, mas isso estaria
concentrado em polos tech como o Vale do Silício.
Taleb não é particularmente otimista em relação aos
VIDA PESSOAL
EUA. “Sou pessimista mesmo sobre o Japão e a Europa
em geral, exceto a Suíça e os países mediterrâneos. Sou Taleb busca a antifragilidade até no nível pessoal
otimista em relação a países que convivem bem com o – por exemplo, faz jejuns eventuais para estressar o
caos, como a Rússia e o Brasil”, afirma. Mas e o risco, tão corpo e prepará-lo para crises. Sua maior lição nessa
necessário à antifragilidade? O que ele faria para os bra- área? Não depender das opiniões alheias. “Lutei a vida
sileiros correrem mais riscos? “Acho que os brasileiros toda para ser dono de mim mesmo; vale a pena.”

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