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Faça melhor
Criar mais valor… ao criar e entregar mais valor
*Ao longo deste livro faremos referência a diversos termos que se tornaram bastante conheci-
dos na comunidade lean. Se precisar consultar definições que vão além das nossas explicações,
recomendamos The Lean Lexicon, Lean Enterprise Institute (LEI), Cambridge, MA, 2003 (em
inglês). Para mais informações básicas, consulte também o site do LEI, www.Lean.org.
*A França tem uma longa experiência com o lean. A Toyota instalou uma de suas fábricas trans-
plantadas no norte do país e ensinou seu sistema de produção aos fornecedores locais (processo
que Michael estudou na sua pesquisa de doutorado). Por consequência, os aspectos mais orien-
tados à produtividade do lean são muito bem conhecidos na indústria automotiva francesa. Por
outro lado, a França tem um histórico de relações trabalhistas negativas e sindicatos hostis ao
lean. Os executivos franceses também acreditam obstinadamente no excepcionalismo francês
e relutam em investigar qualquer coisa que fuja da tradição cartesiana, de cima para baixo, da
administração francesa. Dan, Orry e Michael, com a ajuda de Godefroy Beauvallet, criaram um
projeto universitário para compartilhar e comparar práticas lean na França, e Jacques foi um dos
primeiros CEOs a participar, com a ambição firme de aprender o pensamento lean para liderar o
seu próprio grupo industrial de uma maneira diferente.
*Estes são os cinco princípios que Dan introduziu com Womack em A Mentalidade Enxuta nas
Empresas.
nos dará uma vantagem competitiva? Acreditamos que essa visão geral precisa
ser comparada constantemente com a realidade das operações. Qual é a condi-
ção atual? Quais são as lacunas entre a realidade atual e o que estamos tentando
entregar para os nossos clientes com base na nossa estratégia? Essas lacunas nos
mostram no que deveríamos trabalhar a seguir.*
John Shook, veterano da Toyota e um dos líderes intelectuais do lean, acre-
dita que o pensamento lean é uma abordagem à estratégia fundamentalmente
diferente do pensamento convencional (como representado e promovido, por
exemplo, pela maioria das escolas de administração e programas de MBA). No
cerne do pensamento lean, vemos um jeito diferente de pensar sobre o desen-
volvimento das capacidades que moldam e são moldadas pela estratégia, sobre
a função dos líderes e gestores que a produzem e sobre a relação entre pensar e
agir. Os pensadores tradicionais no mundo dos negócios afirmam que a estra-
tégia é independente das operações e da organização, e muito mais importante
do que elas, pois estas são consideradas questões prosaicas de como os gestores
executam o plano estratégico. A estratégia é o que separa a vitória da derrota
(medida pelos resultados financeiros), tudo mais sendo uma decisão mecânica
subserviente a ela. O pensamento lean, radicalmente oposto a essa ideia, afirma
que uma molda a outra.
Na abordagem tradicional à estratégia, o líder define as mudanças de alto
nível, que, por sua vez, são disseminadas pela organização por meio de proje-
tos ou sistemas. As mudanças criam problemas disruptivos para equipes que
agregam valor, problemas que elas então resolvem (ou não) da melhor maneira
possível, muitas vezes gerando grandes custos operacionais e muita inconveni-
ência para os clientes.
A mudança radical proposta por uma estratégia lean implica que, ao con-
frontar sua intuição estratégica para obter fatos reais e em primeira mão, vivi-
dos nos locais dos clientes, nos locais de trabalho e nos fornecedores, o líder
expresse na forma de desafios os problemas de alto nível que a organização pre-
cisa resolver para prosperar, enquadre a direção de melhoria para resolver tais
problemas e espere que cada equipe contribua com mudanças controladas para
desenvolver novas soluções, sustentadas por um sistema de aprendizagem lean
integrado ao trabalho cotidiano. Essa abordagem cria mudanças tanto abruptas
quanto graduais sem perturbar as operações ou a experiência do cliente, além
de envolver os funcionários ainda mais no seu próprio trabalho e na relação
deste com a satisfação do cliente.
*Somos gratos a Jeff Liker pela sua contribuição para as nossas ideias, especialmente nesta pas-
sagem.
Cabe ressaltar que uma estratégia lean é uma abordagem de negócio supe-
rior: ela claramente produz vantagens drásticas, medidas por indicadores con-
vencionais como tempos de ciclo e índices de defeitos, uso de capital investido
e valor gerado pela empresa. Na nossa experiência, as empresas que se compro-
metem totalmente com o lean têm desempenho drasticamente superior ao das
suas concorrentes a longo prazo.
Uma estratégia lean melhora o fluxo de produtos e serviços de alta quali-
dade como forma de descobrir o que o valor significa de fato para os clientes e
onde nossa entrega de valor é melhor do que a da concorrência. Uma estratégia
lean também envolve todas as equipes na formação de maneiras melhores de
trabalhar e descobrir soluções inovadoras ao desenvolver o talento e a paixão
de todos os funcionários. No nosso sistema, ela realiza o seguinte (Figura 1.1):
•• Trabalha e adapta objetivos continuamente às condições externas (encon-
trar e enfrentar)
•• Melhora as condições internas ao disponibilizar e aumentar recursos e
competências (enquadrar e desenvolver)
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s
lho
De
ria
•• Alcança seu objetivo ao apoiar e/ou orientar pessoas na sua relação com o
trabalho (alavancagem dos recursos internos) e ao enfocar o trabalho na
direção dos clientes (alavancagem das condições externas).
•• O lean nos ensina sobre a inovação contínua usando o sistema de apren-
dizagem para descobrir oportunidades de análise de valor (incrementar o
valor em produtos e serviços atualmente em produção) e engenharia de
valor (incrementar o valor em produtos e serviços que estão em desenvol-
vimento) para desenvolver, simultaneamente, capacidades de engenharia,
produção e cadeia logística e gerar inovações revolucionárias (que transfor-
mam seus setores) a partir do kaizen baseado em equipes.
O objetivo é aprender a reagir às novas demandas dos clientes mediante
um fluxo mais rápido de valor para fortalecer as competências de todos os fun-
cionários, de modo a liberar capacidade e introduzir produtos e serviços novos
e melhores mais rapidamente do que a concorrência.
Apesar de todos os sucessos do lean, vimos que muitas empresas não con-
seguiram adotar o pensamento lean, pois se esforçaram demais em copiar a
Toyota. Elas adaptam as práticas às próprias organizações, mas não entendem
os pressupostos fundamentais por trás delas e, logo, não enxergam seu propósi-
to básico. No início da década de 1950, a Toyota era uma montadora falida no
Japão pós-guerra. Seus líderes estavam obcecados com a ideia de fabricar o pri-
meiro automóvel de passageiros japonês. Estavam igualmente obcecados pela
autossuficiência: queriam projetar e construir seu próprio carro, não comprar
projetos de empresas americanas e europeias, e fariam tudo por autofinancia-
mento (ou seja, sem depender dos bancos que haviam forçado demissões em
massa para a empresa não fechar as portas em 1951). Eles perceberam que nun-
ca conseguiram competir em termos de custos em larga escala, como faziam as
montadoras americanas.
Eles também perceberam que seria preciso introduzir variedade para sa-
tisfazer a concorrência acirrada em seu mercado doméstico, com uma abor-
dagem mais frugal aos investimentos, pois queriam permanecer financeira-
mente independentes. Eles não tinham o volume ou o capital necessário para
construir linhas de montagem dedicadas, alimentadas por estoques comple-
tos, mas percebiam que os sistemas industriais baseados em eficiências locais
poderiam se tornar gigantescamente ineficientes com a introdução da varie-
dade e da complexidade. Mais do que isso, os líderes da Toyota percebiam
que os vastos desperdícios que enxergavam ao seu redor nas operações não
nasciam dessa ou daquela prática, mas de uma mentalidade equivocada.
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equivocado.
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Sistema de gestão
Foco
Sistema de aprendizagem
–
CEO Gerente médio Operador
podia levar várias horas, isso parecia uma insanidade completa em termos
de perda de tempo de produção. A ideia era que os japoneses aumentassem
a produtividade, mas em vez disso pareciam criar novos custos a cada opor-
tunidade.
4. Os engenheiros da Toyota também solicitaram um quadro de produção
horária, mantido pelos próprios operadores, que anotariam cada problema
resultante de perdas de produção. Esses registros seriam analisados, proble-
ma por problema, junto aos engenheiros.
Esse primeiro experimento demonstrou ser um estudo de mal-entendidos.
Primeiro, os engenheiros do fornecedor não entenderam os requisitos logísti-
cos da Toyota e simplesmente trabalharam a contragosto, sem entender o por-
quê. O fornecedor estava convencido de que a Toyota queria ver os detalhes da
linha e usar essas informações para imediatamente negociar o preço das peças,
apesar da empresa nunca ter pedido dinheiro por toda a ajuda que prestara
durante dois anos. Depois, os engenheiros do fornecedor imaginaram que a
Toyota os ensinaria processos avançados “toyotistas”, enquanto os engenheiros
da Toyota os guiavam por uma lista de dificuldades técnicas dos seus próprios
processos. Alguns pontos se transformaram em questões políticas delicadas.
No início, por exemplo, todas as trocas (setups) de ferramenta eram realizadas
pelos poucos especialistas presentes nas instalações. O gerente da fábrica nun-
ca permitiria que o tempo precioso de um operador de setup fosse gasto em
uma célula minúscula, que representava menos de 2% da produção total. Os
engenheiros de fabricação demoraram meses para se comprometer com trocas
de ferramenta simples para que os operadores pudessem executá-las de forma
autônoma, como acabou ocorrendo.
Um mal-entendido impactante surgiu em torno dos benefícios esperados
para o fornecedor. Com o passar dos meses, ficou evidente que a Toyota estava
assumindo o controle parcial da linha para alcançar os níveis de qualidade e
produtividade esperados. O problema surgiu quando o fornecedor supôs que
poderia codificar o que fosse aprendido nessa linha “modelo” e aplicar as ideias
pré-prontas ao resto da empresa. Um pouco disso certamente aconteceu (as
chamadas “alterações triviais”), mas não era nada disso que a Toyota tinha em
mente.
Durante todo o experimento, o sensei visitava a linha com o VP bimes-
tralmente. Em retrospecto, a linha parecia ser um instrumento para ensinar
o pensamento lean ao VP, especialmente a importância da gestão visual e do
envolvimento dos funcionários, além da lógica just-in-time. Os engenheiros
do fornecedor viam a linha como piloto para uma “linha modelo” que, após
finalizada, poderia ser reproduzida em todo o grupo industrial como uma “me-
lhor prática” a ser seguida (e mais: obedecida). Na verdade, eles não estavam
entendendo nada: o sensei estava usando aprendizagem na prática para ensinar o
VP a pensar diferente sobre a eficiência da produção.
Financeiramente, o que a Toyota queria? O aumento de produtividade de
30% na linha seguia sendo a meta do fornecedor (não foi algo solicitado pela
Toyota). Quatro anos após o início desse experimento, quando o novo mo-
delo foi lançado e a lanterna foi redesenhada, houve uma economia de custo
de 27% na sua produção, sendo que a Toyota dividiu essa economia com o
fornecedor. O trabalho árduo de resolver problemas para se produzir níveis
radicalmente melhores de entrega, qualidade e produtividade na linha (análise
de valor) era, na verdade, a fonte de informações (após uma briga feia com
os engenheiros de produto do fornecedor, que não enxergavam a relevância
das sugestões dos operadores ou mesmo a contribuição dos engenheiros de
fabricação para os seus próprios projetos) para reduzir o custo total da peça
radicalmente (engenharia de valor). O fornecedor acabou por entender que a
melhoria contínua local leva a um entendimento melhor sobre a peça, que é o
segredo para a verdadeira eliminação de desperdícios na fase de projeto (pois a
maioria dos custos de qualquer produto é fixada quando ele é projetado).
Logo no início, os engenheiros do fornecedor criaram um “mapa” para co-
dificar o que estavam trabalhando com a Toyota, na esperança de disseminá-lo
para outras áreas. A seguir, definiram oficinas específicas de uma semana para
dar início às outras células, praticamente ignorando o plano de ação da Toyota
de instalar um sistema puxado de logística e comunicação com os operadores.
Em vez disso, eles se concentraram em calcular o conteúdo de trabalho, ba-
lancear as linhas e reduzir os movimentos dos operadores dentro da linha. A
melhoria do fluxo contínuo através das linhas de produção entre muitos locais
diferentes teve um impacto inicial espetacular, mas logo o progresso empacou.
As áreas como um todo não conseguiram se beneficiar dessas melhorias tanto
quanto deveriam. Foi só quando Freddy Ballé se tornou CEO de outro forne-
cedor de autopeças que, ainda orientado pela Toyota, ele percebeu que o tra-
balho de melhoria contínua começava após a oficina inicial, quando a equipe
se comprometia com a melhoria contínua: era a própria natureza contínua do
esforço que mudava o jeito das pessoas pensarem.
Freddy aprendeu várias lições importantes com essa experiência. A primeira
foi que antes é preciso melhorar alguma coisa para descobrir qual é o problema
de verdade, pois essa é a única maneira de descobrir o que realmente precisa
ser aprendido. Na célula de iluminação, por exemplo, percebeu-se que a pri-
meira coisa a aprender era como consertar problemas com plásticos e controlar
*Na época, Michael estava tão convencido quanto os engenheiros do fornecedor que os en-
genheiros da Toyota estavam consultando um livro secreto de “melhores práticas” da Toyota e
nunca se convencia com a sua resposta perplexa de que apenas resolviam um problema após o
outro, à medida que os encontravam. Um dia, exasperado pela insistência de Michael, o líder dos
engenheiros da Toyota exclamou: “Nós temos uma regra de ouro: desenvolvemos pessoas antes
de desenvolver peças”.
sign organizacional e que, apesar dos princípios de altíssimo nível estarem evi-
dentes por todas as partes, os detalhes de cada solução eram bastante diferentes
entre si. Desde o primeiro momento, quando Dan escreveu A Mentalidade
Enxuta nas Empresas ao lado de Jim Womack, a sensação era de que os enge-
nheiros da Toyota não raciocinavam do mesmo jeito que os seus concorrentes.
Aliás, outro dos primeiros livros sobre o STP, de autoria de Benjamin Coriat, se
intitula Pensar pelo Avesso. Finalmente entendemos que a verdadeira revolução
do lean era cognitiva, não organizacional. Os engenheiros da Toyota haviam
desenvolvido um jeito diferente de analisar as questões de negócio, um jeito
diferente de inventar soluções e um jeito diferente de trabalhar com pessoas.
As mudanças organizacionais que estávamos observando não passavam de uma
consequência desse jeito diferente de pensar.
O que a Toyota inventou foi uma maneira diferente de enfrentar desafios,
uma estratégia adaptável para crescer em mercados turbulentos e penosos, por
meio do desenvolvimento sistemático de uma vantagem competitiva a partir
do desenvolvimento das pessoas. Ela reconheceu que todos os ativos físicos em
suas mãos não faziam nada sozinhos e que as pessoas eram os únicos recursos
capazes de reconhecer condições anormais e criar contramedidas para trabalhá-
-las. Ela também percebeu que quanto mais investia em ensinar suas pessoas
a reconhecer e resolver problemas, melhor a empresa seria capaz de atender
às necessidades dos seus clientes a custos menores. Na prática, ela entendeu
que a vantagem competitiva sustentada depende das pessoas, e não de algumas
pessoas, mas de todas.
Nos próximos capítulos, mostramos como o pensamento lean é uma estra-
tégia pessoal para mudar a sua maneira de pensar e ter mais sucesso ao enfren-
tar desafios. A seguir, compartilhamos como ensinar a estratégia lean a terceiros
para transformar competências individuais em capacidades de negócio. Por
fim, na terceira seção, discutimos como transformar isso em ação e melhorar
o desempenho da empresa em todos os níveis, produzindo mais vendas, me-
lhor fluxo de caixa, menos custos, investimentos mais inteligentes e inovação
sustentada.