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Morfologia do Português
Universidade Aberta
2007
CAPÍTULO 1. SOBRE MORFOLOGIA 7
Objectivos 9
1.1 Definições de Palavra 10
1.2 Análise Morfológica e Formação de Palavras 1
1.2.1 Composicionalidade e lexicalização 22
1.2.2 Palavras possíveis, existentes e atestadas 26
1.2.3 Produtividade e bloqueio 27
1.3 A Morfologia na Gramática 29
1.4 Os Estudos de Morfologia 31
Tópicos de Recapitulação Geral 32
Exercícios 35
Leituras Complementares 36
7
8
Objectivos
9
Morfologia não é um termo exclusivo dos estudos linguísticos: a
botânica, a zoologia ou a geografia são algumas outras ciências que
compreendem estudos desta natureza. Em sentido lato, morfologia remete
para o conhecimento das formas, cabendo a cada domínio científico a
explicitação de quais são as formas que constituem o seu objecto de
estudo: a botânica poderá, então, reclamar para si, por exemplo, o estudo
da ‘morfologia das fanerógamas’, a zoologia tratará, entre outras, da
‘morfologia das aranhas’ e a geografia ocupar-se-á, por exemplo, da
‘morfologia urbana’.
10
poderá suscitar dúvidas. A etimologia de palavra relaciona-a com
Esta margem de dúvida é a forma grega PARABOLE, que também
suficiente para concluir está na origem do cognato parábola. Do
que a intuição dos falantes significado original (i.e. ‘comparação’)
não oferece um grau de só a segunda será herdeira, pela
fiabilidade razoável, comparação verbal que estabelece com
devendo a análise uma dada sequência de factos, mas há
linguística enunciar outros cognatos, como parola, parolar,
parlar ou palrar que mostram uma maior
critérios rigorosos que
proximidade do actual valor semântico
permitam identificar
de palavra.
qualquer palavra de Curiosamente, a correlata forma
qualquer língua, ou seja, masculina (i.e. parolo) adquiriu um valor
que permitam explicitar o depreciativo que terá estado relacionado
conhecimento intuitivo dos com um modo de falar menos
falantes nativos e prestigiado, mas a actual interpretação já
esclarecer as suas dúvidas perdeu essa memória.
neste domínio.
11
Esta transcrição respeita a grafia usada pelo autor, mas a grafia não
condiciona a interpretação do oral: na sequência do verso dans le sang et
sur la peau, geme pode ser compreendido como j’aime; tal como a
sequência d’accord que sucede a já é madrugada não pode deixar de
poder ser ouvida como acorda; e marée, bâteaux permite o
reconhecimento como m(e) arrebatou. A segmentação do contínuo sonoro
exige, pois, a identificação da língua em que é gerado, ou seja, é preciso
reconhecer o sistema linguístico a que um dado contínuo sonoro pertence
para conseguir identificar as palavras que o constituem.
queria [a mala]SN
queria [amá-la]F
12
Vejamos, então, que saberes requer a operação de segmentação de
um enunciado.
13
b. no = em o
c. ministro-sombra
conferência de imprensa
gostei deste ensaio e também gostei daquele artigo. Não sei se gostei
mais dum / de um se doutro / de outro / do outro
14
regista os operadores:
(8) a. INESPERADAMENTE
MINISTRO-SOMBRA
CONVOCAR
CONFERÊNCIA DE IMPRENSA
FINAL
DEMITIR-SE
b. O
UMA
E
EM
SINGULAR
PRETÉRITO PERFEITO
3ª PESSOA-SINGULAR
15
as suas possibilidades de ocorrência nas configurações aceites pelas
condições sobre hierarquização dos constituintes, segundo as quais o
constituinte temático deve associar-se ao radical para formar um tema e os
sufixos de flexão devem associar-se ao tema para formar uma palavra. No
Português, a estrutura morfológica básica11 pode, então, ser representada
da seguinte forma12:
(9) PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
TEMÁTICO
bel o s
maravilh]os
PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
TEMÁTICO
livr o s
livr]eir
PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
TEMÁTICO
lig a va mos
des]lig
16
PALAVRAS ESTRUTURAS
(10)
ÁTOMOS SINTÁCTICOS LEXEMAS
FONOLÓGICAS MORFOLÓGICAS
inesperada
ministro-sombra
o
inesperadamente
se
demitiu
final
no
e
imprensa
de
conferência
uma
convocou
inesperadamente INESPERADAMENTE inesperadamente
mente
o ministro o o
uma uma
uma conferência
CONFERÊNCIA DE
conferência
conferência de IMPRENSA
de
imprensa
de imprensa
imprensa
e e
em
e no final FINAL no
o
final final
demitiu
demitiu-se DEMITIR-SE demitiu-se
se
17
Do ponto de vista da ortografia, as palavras são sequências
semanticamente interpretáveis e delimitadas por espaços em branco ou
sinais de pontuação. Estas unidades podem coincidir com algumas das
unidades que os diversos níveis de análise linguística identificam como
palavras, mas também existem muitos casos de discordância.
No que diz respeito à relação com a fonologia, pode observar-se a
ortografia das sequências verbo-clítico. Note-se que a convenção
ortográfica é distinta nos casos de próclise e de ênclise, reconhecendo
graficamente duas unidades onde a fonologia identifica apenas uma:
(i) lhe disse [ʎɨdisɨ]
disse-lhe [disɨʎɨ]
Mas a inversa também é verdadeira no que diz respeito a algumas
palavras complexas onde a ortografia reconhece uma única palavra e a
fonologia encontra duas:
(ii) claramente [klaɾɐ] [mẽtɨ]
geofísica [ʒɛɔ] [fizikɐ]
Quanto às discordâncias entre a sintaxe e a ortografia, por um lado,
dizem respeito a todos os já referidos casos de contracção:
(iii) de+outro doutro
em+uma numa
Por outro, há casos em que a sintaxe encontra uma única palavra e a
ortografia distingue várias, recorrendo ou não ao uso de um sinal
gráfico específico (i.e. o hífen) para dar conta da atomicidade
sintáctica:
(iv) copo de água (no sentido de festa de casamento)
livre-trânsito
Quanto à variação na ortografia de sequências que a morfologia
reconhece como palavras, ela diz particularmente respeito ao uso do
hífen em palavras complexas, frequentemente motivada pela
lexicalização de algumas destas palavras:
(v) previsão
pré-campanha
sociologia
sócio-cultural
18
(11) PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
TEMÁTICO
Por outro lado, a existência de flexão não pode ser confundida com
a existência de variação. Também nem todas as palavras admitem variação
- há palavras variáveis e palavras invariáveis - mas a variação pode ser
realizada pelo constituinte temático, como se verifica em alguns contrastes
de género (cf. 12a), ou por flexão, como sucede com o contraste nominal
de número (cf. 12b) e os contrastes verbais de tempo-modo-aspecto
pessoa-número (cf. 12c):
(12) a. bel]RADJ o
bel]RADJ a
mestr]RN e
mestr]RN a
doutor]RN Ø
doutor]RN a
b. belo]TADJ
belo]TADJ s
mestre]TN
mestre]TN s
c. canta]TV va s
canta]TV va mos
canta]TV sse s
canta]TV sse mos
19
A configuração (11) descreve plenamente a estrutura das palavras
simples (e.g. claro, sistema ou ligar), palavras em que a relação entre a
forma, o significado e as propriedades gramaticais que lhes estão
associadas é uma relação arbitrária e imprevisível. Estas palavras possuem
um único radical, que é uma unidade lexical inanalisável, e sufixos que o
especificam morfológica e morfo-sintacticamente, variando nas suas
categorias de flexão:
(13) clar o cf. claro
sistem a s cf. sistemas
lig RADICAIS
a ESPECIFICADORES
r ESPECIFICADORES
cf. ligar
SIMPLES MORFOLÓGICOS MORFO-SINTÁCTICOS
RADICAL CONSTITUINTE
COMPLEXO TEMÁTICO
(15) PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
DERIVADO TEMÁTICO
BASE SUFIXO
clar ific a r
clar ific a dor Ø
20
PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
MODIFICADO TEMÁTICO
PREFIXO BASE
des lig a r
re des-lig a r
PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
COMPOSTO TEMÁTICO
RADICAL RADICAL
ec o sistem a
micr o ec-o-sistem a
MORFOLOGIA
DERIVAÇÃO
AFIXAÇÃO
FORMAÇÃO DE MODIFICAÇÃO
RADICAIS
COMPLEXOS
MORFOLÓGICA
COMPOSIÇÃO
MORFO-SINTÁCTICA
21
Nas palavras complexas, a relação entre a forma, o significado e
as propriedades gramaticais que lhe estão associadas é uma relação
motivada e previsível. Pelo menos no momento em que são geradas, já que
a permanência no léxico pode afectar qualquer um destes aspectos,
alterando apenas um deles ou uma combinação de vários.
Consequentemente, é importante referir que os processos de formação de
palavras disponíveis numa dada língua se baseiam no modelo das
estruturas morfológicas existentes nessa língua, mas não em todas. A
distinção crucial faz uso do conceito de composicionalidade: apenas as
estruturas composicionais podem ser consideradas como base dos
algoritmos de formação de palavras que possuem um índice de
produtividade significativo.Vejamos, então, no que consiste esta
propriedade de composicionalidade e como se caracterizam as estruturas
que a não possuem, passando, seguidamente à distinção entre palavras
possíveis, existentes e atestadas, ao cálculo da produtividade e à
intervenção de factores de bloqueio na formação de palavras.
22
por sua vez, deriva do radical do adjectivo gord(o/a), por intervenção do
sufixo –ur(a), que gera nomes de qualidade parafraseáveis pela expressão
‘nome da propriedade do que é X’, e X, uma vez mais, remete para a forma
derivante. São as palavras composicionais que permitem identificar as
propriedades dos constituintes morfológicos e estabelecer configurações
gramaticais para a formação de novas palavras.
23
Uma palavra como portuguesmente exemplifica um outro tipo de
lexicalização. Neste caso, tanto a base (i.e. português) quanto o sufixo (i.e.
–mente) são formas atestadas no Português. O que aqui se verifica é a
violação de uma restrição de selecção do sufixo: -mente selecciona
adjectivos invariáveis e a forma feminina dos adjectivos variáveis. Sendo
português um adjectivo variável (cf. português / portuguesa), a forma
composicional deveria ser *portuguesamente. Esta, que é uma forma
possível, não existe porque é bloqueada pela existência de
portuguesmente, um advérbio formado muito provavelmente num
momento em que os adjectivos em –ês eram invariáveis (o que ainda se
verifica em alguns casos, como cortês).
24
Em (19a) O processo de lexicalização não afecta
verifica-se a intervenção apenas estruturas morfológicas, como as
de um processo de palavras complexas que acabam de ser
haplologia que consiste referidas. Pode também afectar unidades
na supressão de uma das sintácticas como aquelas que estão na base
sílabas de um afixo que é de expressões como brincos de princesa,
foneticamente idêntica pés de galinha ou velho mundo. A
ou muito próxima da lexicalização é, nestes casos, estritamente
semântica, mas se se considerarem palavras
sílaba seguinte ou da
como demão, fidalgo, aguardente ou
anterior. (cf.
clarabóia, conclui-se que que a
femini(ni)smo, lexicalização de expressões sintácticas
gratui(ti)dade, pode também afectar a sua realização (cf.
her(da)deiro, de mão, filho de algo, água ardente, clara
inven(ta)tivo ou bóia, mal me quer).
tragi(co)comédia). A Estes são casos tradicionalmente tratados
forma de base destas como compostos, mas estas formas não são
palavras truncadas (i.e. geradas por formação de palavras, resultam
bondad-, caridad- e da intervenção de um processo de registo
maldad-) é mais difícil no léxico de uma convenção particular
de reconhecer do que nos entre uma forma, um significado e uma
função gramatical. A lexicalização de
casos em que a sua
expressões sintácticas também está
forma não sofre presente em casos como maria vai com as
modificações (cf. outras, esticar o pernil, levar a água ao
cuidadoso). Em (19b), a seu moinho, para lá do sol posto ou lugar
lexicalização é ao sol, que são, por vezes, designadas
desencadeada pelo como expressões idiomáticas.
desaparecimento de um
domínio de acentuação: é o que se verifica nos casos de previsão,
ecologia, corrimão ou matacão mas não em casos equivalentes como pré-
campanha, ecossistema, corre-corre ou mata-ratos.
25
mesmo o reconhecimento da palavra complexa a partir do conhecimento
dos seus constituintes morfológicos. Em suma, trata-se de um fenómeno
de mudança linguística.
26
dificilmente são reconhecidas pelos falantes de uma língua como palavras
existentes.
27
produtiva; o mesmo se verifica com a formação de avaliativos em –inho
ou –inha. No entanto, tanto um quanto o outro conhecem restrições (cf.
*gordamente, *peruinho). Este é um parâmetro de avaliação subjectivo e
inquantificável.
28
(22) altiv-ez clar-eza
avid-ez dur-eza
limpid-ez fri-eza
pequen-ez riqu-eza
29
The generative grammar of a language (where ‘generative’ means
nothing more than ‘explicit’) is a theory that is concerned with (...) those
aspects of form and meaning that are determined by the ‘language
faculty’, which is understood to be a particular component of the human
mind. [...] The nature of this faculty is the subject matter of a general
theory of linguistic structure that aims to discover the framework of
principles and elements common to attainable human languages; this
theory is now often called ‘universal grammar’ (UG).
(24)
Estrutura sintáctica
Tema …
Radical = Núcleo …
morfológico
Quanto à fonologia, trata-se de um módulo que determina a
realização fonética das unidades que constituem os enunciados
linguísticos, em função das suas propriedades fonológicas inerentes e da
sua integração em sequências. Consequentemente, a fonologia opera sobre
as unidades geradas pela morfologia e pela sintaxe, mas também fornece
informação necessária ao processamento morfológico, como, por exemplo,
30
a que se relaciona com os fenómenos de alomorfia18.
31
interessantes e compensadoras. E eu teria prazer e orgulho em ter
discípulos que nos ajudassem a resolver problemas ainda pendentes.
PALAVRA
RADICAL CONSTITUINTE
TEMÁTICO
32
Esta é a estrutura morfológica que descreve plenamente as
palavras simples do Português, ou seja, as palavras cujo constituinte
temático é formado por um único constituinte morfológico. A gramática
das línguas naturais dispõe, no entanto, de diversos processos de
formação de palavras, responsáveis pelo aparecimento de novas
palavras. Alguns desses processos têm uma natureza morfológica, gerando
palavras complexas. Neste caso, o radical é formado por mais de um
constituinte morfológico, que pode ser uma base (radical, tema ou palavra)
e um afixo (prefixo ou sufixo), se se tratar de uma estrutura de afixação
(derivação ou modificação), ou dois (ou mais) radicais, se for uma
estrutura de composição (morfológica ou morfo-sintáctica).
MORFOLOGIA
modificação
formação da
palavra por composição
especificação
morfo-sintáctica = morfológica
flexão
morfo-sintáctica
33
A existência de uma palavra complexa é frequentemente afectada
por fenómenos de natureza formal ou semântica, como as assimilações
fonéticas, o desrespeito pelas propriedades gramaticais dos constituintes
ou as alterações do significado. A intervenção de um ou mais destes
fenómenos provoca um efeito de erosão na palavra complexa, conduzindo
à sua lexicalização, ou seja, à perda da informação sobre a sua estrutura
interna, e, em última análise, à sua progressiva transformação em palavra
simples. As palavras lexicalizadas podem ser analisadas
morfologicamente, mas não podem determinar padrões de formação de
palavras.
34
Exercícios
abre-latas mini-prato
cantássemos mordomia
clareza olhos
esclarecer reavaliação
livralhada sintoma
35
Leituras Complementares
ARONOFF, M. E ANSHEN, F.
1998 Morphology and the lexicon: lexicalization and
productivity
Spencer e Zwicky (1998: 237-247)
BASÍLIO, M.
2004 Formação e Classes de Palavras no Português do Brasil
São Paulo: Contexto
ROSA, M. C.
2000 Introdução à Morfologia
São Paulo: Contexto
SPENCER, A. E ZWICKY, A.
1998 The Handbook of Morphology
Oxford: Blackwell
VILLALVA, A.
1994 Estruturas Morfológicas. Unidades e Hierarquias nas
Palavras do Português
2000 Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian
36
Capítulo 2. O Léxico do Português
37
Objectivos
38
A identificação do conjunto de palavras que constitui o léxico de
uma língua é uma tarefa difícil de cumprir. Num livro intitulado
Catalogue des Idées Reçues sur la Langue, Marina Yaguello (1988: 87)
afirma o seguinte1:
Les mots de la langue constituent (...) un ensemble aux contours
incertains. On ne peut pas dénombrer les mots d'une langue. Tout au
plus peut-on donner un ordre d'idée. La diversité des registres,
l'abondance des argots et jargons spécialisés, le fait que certains mots
tombent en désuétude tandis que de nouveaux mots sont crées tous les
jours rendent tout décompte arbitraire.
39
conceitos como neologismo e arcaísmo. Dado que os capítulos seguintes
se dedicam exclusivamente às questões morfológicas, veremos aqui que
também existem recursos não-morfológicos de formação de palavras,
sendo o empréstimo um dos mais relevantes.
40
Os vestígios lexicais do superstrato árabe são mais abundantes. Os
exemplos seguintes mostram que estes empréstimos incorporam
frequentemente um determinante com a forma al- (cf. 3a) ou esta mesma
forma modificada por assimilações fonéticas desencadeadas pela palavra
que precede, ocorridas na língua de origem (cf. 3b, 3c e 3d), ou outros
tipos de alteração fonética (cf. 3f e 3g):
(3) a. AL-QATIFA > alcatifa
AL-QUFFA > alcofa
41
A etimologia é uma disciplina que procura informação acerca da
história das palavras, até encontrar o seu étimo, que é a forma mais
antiga da palavra, de que há conhecimento.
O confronto da palavra com o seu étimo mostra, por vezes, alterações
que não são meramente linguísticas. O nome de alguns meses do ano,
por exemplo, preserva a memória de calendários já abandonados: é o
caso de Setembro, o sétimo mês do ano romano, Outubro, o oitavo,
Novembro, o nono e Dezembro, o décimo.Noutros casos, a distância
fonética entre o étimo e a forma contemporânea só se compreende à luz
de uma qualquer reinterpretação. Esse pode ser o caso de alfinete,
proveniente do Árabe AL-HILÂL, mas talvez contaminado pela forma de
fino, que é uma das suas propriedades (note-se que em Castelhano a
forma cognata é alfiler).
Etimologia popular é o nome dado a hipóteses etimológicas
fantasiosas, geralmente associadas a uma história curiosa e plausível,
mas que não encontra confirmação na observação dos dados
conhecidos. É o que se verifica, por exemplo, com a filiação do
adjectivo sincero na expressão SINE CERA (‘sem cera’), que aludiria a
um episódio sobre a qualidade de vasos em cera. Esta hipótese não é
confirmada por etimologistas respeitados como Ernout e Meillet,
autores de um dicionário etimológico do Latim.
2.2 A Neologia
(5) penicilina
Substância formada no crescimento de certos fungos, com acentuada
acção antibiótica, descoberta pelo inglês A. Fleming, em 1928, e obtida
em 1941, pelo australiano Howard Florey e pelo alemão Ernst Chain.
XX. Do lat. cient. penicillina, do nome científico do fungo Penicillium
notatum.
42
formada a pertir do radical latino PENICILL(IUM) e –in, um sufixo
semelhante ao sufixo português –ina, responsável pela formação de nomes
como propriedade de substância (cf. acromatina, dextrina), ou como efeito
da substância (cf. morfina, ocitonina, narcotina, pepsina).
43
2.3 Recursos Não-morfológicos na Formação de Palavras
44
Estórias Abensonhadas, de Mia Couto
(…) Estava já eu predisposto a escrever mais uma crónica quando
recebo a ordem: não se pode inventar palavra. (...) Siga-se o código e
calendário das palavras, a gramatical e dicionárica língua. Mas ainda,
a ordem era perguntosa: 'já não há respeito pela língua-materna?'
Não é que eu tivesse a intenção de inventar palavras. (...) Mas a ordem
me deixou desesfeliz. (...) sou um homem obeditoso aos mandos.
Resumo-me: sou um obeditado. [...) Nunca ponho três pontos que é para
não pecar de insinuência. (...) Agora acusar-me de inventeiro, isso é
que não. Porque sei muito bem o perigo da imagináutica. Às duas por
triz basta uma simples letra para alterar tudo. (...) Entijole-se o homem
com tendência a imaginescências.
Voltando à língua fria: não será que o português não está já feito,
completo, made in e tudo? Porquê esta mania de usar os caminhos,
levantando poeira sem a devida direcção? Estrada civilizada é a que tem
polícia, sirenes serenando os trânsitos. Caso senão, intransitam-se as
vias, cada um conduzindo mais por desejo que por obediência. (...) Por
causa dessas contribuições dispérsicas que chegam à língua sem
atestado nem guia de marcha. (...) E montavam-se postos de controlo,
vigilanciosos.(...) Uma espécie de milícia da língua, com braçadeira, a
mandar parar falantes e escreventes. (...) E mesmo antes da resposta, eu,
arrogancioso:
- Não pode passar. Deixa ficar tudo aqui no posto.
(...) a vida é uma grande fábrica de imagineiros e há muita estrada para
poucos vigilentos.
45
(8) cocorócocó nome masculino = voz do galo
cricri nome masculino = voz do grilo
gluglu nome masculino = voz do perú
piopio nome masculino = ave
miau nome masculino = gato e voz do gato
46
diferentes em diferentes países, ou a onomatopeia é tão convencional e
arbitrária quanto qualquer outro signo linguístico:
(11) Portugal ão ão
Brasil au-au
França whou whou
Alemanha vow vow
Estados Unidos da América ruf ruf
47
(15) diamantermita diamante + térmita
insinuência insinuação + insolência
nadáguas nádegas + águas
noivadiagem noiva + vadiagem
palidiscuro pálido + escuro
suspentreme suspende + treme
vigilentos vigilantes + lentos
48
diesel - ‘derivado do petróleo’, de Rudolf Diesel, engenheiro alemão que
inventou o motor alimentado por este combustível
49
prima que é o papel receberam nomes distintos, como carta, que começa
por designar uma ‘folha de papel preparada para receber a escrita’, mas
ganha novos significados, de sinónimo de ‘missiva, mensagem’, a
documento de identificação de uma qualidade, como se verifica em carta
de condução. Nesta última acepção é o aumentativo cartão (cujo
significado original é o de folha de papel mais espessa) que ganha relevo,
surgindo na denominação de documentos, como o cartão de crédito,
cartão de eleitor, cartão de utente ou cartão de contribuinte. Mas se a
carta recebe uma marca que prova a autenticidade de uma proveniência
passa a ser um bilhete, como o bilhete de identidade que exibe um selo
branco; se vinha dobrado em dois era um diploma, e se autorizava o
exercício de uma actividade passava a chamar-se alvará.
facho fascista
agito agitação
50
Note-se que, de um modo geral, os nomes assim criados são
masculinos e não admitem contraste de género (cf. um china / ?uma
china), ou admitem a existência desse contraste, mas só permitem que seja
realizado sintacticamente (cf. um comuna / uma comuna). Nos restantes
casos, o truncamento não é seguido de qualquer alteração formal e
preserva o valor de género da forma de base (cf. um heli(cóptero) / uma
manif(estação)):
(21) def deficiente
expo exposição
heli helicóptero
manif manifestação
prof professor(a)
51
(23) Quim = Joaquim Lena = Helena
Nando = Fernando São = Conceição
Zé = José Tina = Cristina
52
SIC Sociedade Independente de Comunicação
SOREFAME Sociedades Reunidas de Fabricações Metálicas
VARIG Viação Aérea Rio Grandense
UN United Nations
ONU Organização das Nações Unidas
53
d.C. depois de Cristo
PJ Polícia Judiciária
RTP Radiotelevisão Portuguesa
TVI Televisão Independente
Note-se que as siglas podem ser ambíguas. PS, por exemplo, pode
significar post scriptum ou Partido Socialista, PC remete para Partido
Comunista e também para computador pessoal (personal computer), APL
pode significar Administração do Porto de Lisboa, Associação dos
Produtores de Leite ou Associação Portuguesa de Linguística e PSP tanto
identifica a Polícia de Segurança Pública como a PlayStation Portable. A
polissemia é uma propriedade de muitas palavras, geralmente resolvida
pelo contexto, mas a proliferação do uso das siglas não deixa, em muitas
circunstâncias, de ser geradora de situações de dificuldade de
comunicação.
54
obs. observação
p&b preto e branco
Pç. Praça
Pç.ª Praça
R. Rua
55
A expansão da comunicação electrónica é responsável pelo
aparecimento de um grande número de abreviaturas, ainda que muitas
vezes se trate da abreviação de expressões de outras línguas:
(37) bjs beijos
fds fim de semana
LOL riso (de ‘laughing out loud’)
2.4 Os Empréstimos
56
(38) Vai terminar esta prosa
estamos na década de Salomé
será o apocalipse ou a torneira
a pingar no bidé?
É meio-dia, dia de feira
mensal em Vila Nogueira
Estamos na década do bricolage
Diz um jornal que um emigra
morreu afogado em Mira
antes da data
do mariage
Estamos na Europa
Civilizada
já cá faltava
uma maison
Pour la Patrie
plo Volkswagen
acabou-se a forragem
Viva o Patron!
Já tem destino esta terra
vamos mudar para o marché aux puces
o tempo das ceroilas está no fio
agora só de trousses
Saem quarenta mil ovos moles
Vilar Formoso
é logo ali
Faz-se um enxerto
com mijo de gato
sola de sapato
voilà Paris!
Aos grandes Super-Mercados
chega a cultura num bi-camion
Camões e Eça vendem-se enlatados
lavados com "champon"
A fina flor do entulho
largou o pêlo ganhou verniz
Será o Christian Dior o manageiro
a mandar no País?
Estamos na Europa
do "estou-me nas tintas"
Nada de colectivismos
Chacun por si, meu
e chacun por soi
57
Português tomando como base a realização fonética da palavra na língua
de origem ou a sua forma gráfica. Os empréstimos que transitam
directamente são empréstimos directos, como os seguintes:
(39) Castelhano: mantilla Português: mantilha
Francês: fantoche Português: fantoche
58
línguas. Por esta razão, e ainda porque a matriz estético-ideológica o
propiciava, o recurso ao Latim para a adopção de novas palavras, os
chamados latinismos, particularmente durante o Renascimento18 é muito
visível no léxico do Português. Esta estratégia é responsável pela
ocorrência de palavras cuja forma não é muito distinta da do seu étimo
latino e pela modificação na forma de palavras já anteriormente presentes
no léxico do Português:
(43) a. aluno < ALUMNU-
aplauso < APPLAUSU-
infinito < INFINITU-
reduzir < REDUCERE
vicioso < VITIOSU-
59
Encontra-se frequentemente uma classificação das formas divergentes
que caracteriza a sua entrada no Português como tendo ocorrido por via
popular ou por via erudita. Esta caracterização pode induzir em erro.
Na verdade, o que ela pretende captar são localizações temporais
distintas: as palavras que entram na língua por via popular são as
palavras que fazem parte do léxico do Português desde a formação
desta língua, ou antes do Renascimento, grosso modo até ao século
XIII; as palavras que se considera terem entrado por via erudita são
empréstimos tomados ao Latim a partir do Renascimento.
O recurso ao léxico do Latim continua a estar disponível, em
particular na formação de compostos pertencentes a terminologias
científicas e técnicas, como fratricida ou piscicultura. Mais frequente,
neste domínio, é, porém, o recurso ao léxico do Grego Antigo, com
empréstimos que recebem o nome de helenismos:
(45) dentalgia
electrotecnia
ergonomia
fotografia
hidrocefalia
idolatria
sociometria
teleologia
(46) a. Castelhanismos 21
chiste 1543 chiste
airoso 1552 airoso (de aire ‘ar’)
moreno 1561 moreno (de moro ‘mouro’)
neblina 1660 neblina
palito 1720 palito (de palo ‘pau’)
lantejoula 1789 lentejuela
guerilha 1836 guerrilla
bandarilha 1871 banderilla (de bandera ‘bandeira’)
cabecilha 1881 cabecilha
boina 1899 boina
cavalheiro caballero (de caballo ‘cavalo’)
60
b. Provençalismos e Galicismos
abandonar XIII abandonner (de bandon ‘poder’)
dama XIII dame
jóia XIII joyau
monge XIII monge
franja 1507 frange
chefe 1545 chef
bilhete 1611 billet (de bille ‘bola’)
comboio 1654 convoi (de convoyer ‘ir pela estrada’)
crêpe 1704 crêpe
terrina 1764 terrine de terre
blusa 1871 blouse
croquete 1871 croquette (de croquer ‘estalar’)
fétiche 1873 fétiche
governamental 1881 gouvernemental (de gouvernement)
montra 1899 montre (de montrer ‘mostrar’)
soutien XX soutiens-gorge
lingerie 1931 lingerie
tailleur 1933 tailleur
envelope 1938 enveloppe (de envelopper ‘envolver’)
palmier 1938 palmier
maquilhar 1941 maquiller 'pintar (o rosto)’
liseuse 1949 liseuse
boîte 1961 boîte
croissant croissant
filete filet (de fil ‘fio’)
réveillon réveillon
c. Italianismos
balcão 1360 balcone
tenor XV tenore
piloto 1438 piloto
fachada 1548 facciata (de faccia ‘face’)
grotesco 1548 grottesco (de grotte)
contralto 1573 contralto
sentinela 1571 sentinella
soneto 1587 sonetto (de son ‘som’)
aguarela 1615 acquarella
charlatão 1643 ciarlatano (de ciarlare ‘falar’)
ópera 1698 opera 'obra'
bússola 1712 bussola
terceto 1789 terzetto
atitude 1817 attitudine
pitoresco 1833 pittoresco ‘relativo a pintor’
piano 1858 pianoforte
violoncelo 1858 violoncello
fiasco 1872 fiasco 'frasco de vidro'
pizaria XX pizzeria
61
d. Empréstimos provenientes de línguas africanas
banana de uma língua falada na Guiné
berimbau do Quimbundo, língua falada em Angola
cacimba do Quimbundo
carimbo do Quimbundo
cubata do Quimbundo
samba do Quimbundo
senzala do Quimbundo
zumbi do Quimbundo
62
líder 1900 leader
golo 1904 goal
flirt 1909 flirt
craque 1913 crack
check-up 1921 checkup
marketing 1960 marketing
andebol XX handball
know how XX know-how
lobby XX lobby
must XX must
penalti XX penalty
63
E de noite drag queen
64
palavras em permanente tensão. Ou seja, o léxico do Português integra,
sistematicamente neologismos e, também sistematicamente, converte
algumas palavras em arcaísmos. Neste capítulo foram referidos alguns
processos não-morfológicos de formação de palavras, bem como a
importação de palavras que dá origem a diversos tipos de empréstimos.
ibero germâni
matriz latina
chaparro co
substrato ganso
mediterrâni s árabe
co alcatifa
camurça LÉXICO DO
proto- superstrato
PORTUGUÊ
basco s
S
esquerdo arcaísmos
neologismo coita
s
dialectalismo
s
processos ervilhana
morfológicos de latinismo
formação de palavras óculo
empréstim
afixação os helenism
composiçã
o
o
idolatria
castelhanism
o línguas
processos não- neblina africanas
morfológicos de senzala
formação de palavras italianism
o línguas
invenção sentinela ameríndia
bezidróglio amálgama
analfabruto s
galicism chocolate
onomatop
acroními o línguas
eia envelope
miar a asiáticas
eponímia prec xaile
jaquinzinh siglação anglicism
o adn o
truncamen abreviação pudim
to obs.
manif
65
Exercícios
abacate cobarde
alcunha diletante
alecrim fatia
alfaiate ganadaria
alfândega granizo
almofada jasmim
ananás javali
background maionese
bandido queque
biombo robe
burlesco tanga
cachimbo tertúlia
canja vagão
clube zero
66
10. Encontre cinco epónimos, cinco palavras formadas por amálgama,
cinco acrónimos, cinco siglas, cinco palavras formadas por
truncamento, cinco palavras onomatopaicas. Procure explicar
como se formou cada uma destas palavras.
11. Que hipocorístico corresponde ao seu nome próprio? E na sua
família que outras palavras deste tipo são geralmente usadas?
Procure identificar o processo de formação de cada uma dessas
palavras.
12. Como caracteriza a relação entre as palavras traição e tradição.
Identifique cinco outros casos do mesmo tipo.
13. Identifique cinco arcaísmos.
14. Procure um significado lexical que seja transmitido dialectalmente
por diferentes palavras.
67
Leituras Complementares
CORREIA, M. E LEMOS, L. S. P.
2005 Inovação Lexical em Português
Lisboa: Colibri
PIEL, J.M.
1976 Origens e estruturação histórica do léxico português
1986 Estudos de Linguística Histórica Galego-Portuguesa (9-16)
Lisboa: Imprensa-Nacional – Casa da Moeda
www.instituto-camoes.pt/CVC/hlp/biblioteca/origens_lex_port.pdf
Para Consulta
AURÉLIO ET AL.
2004 Novo Dicionário Eletrônico Aurélio
Rio de Janeiro: Positivo
CUNHA, A.G.
1996 Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua
Portuguesa
Rio de Janeiro: Nova Fronteira
HOUAISS ET AL.
2001 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa
Rio de Janeiro: Objetiva
VAZA, A. E AMOR, E.
2006 Novo Dicionário da Língua Portuguesa
Lisboa:Verbo
68
69
Capítulo 3. Unidades Lexicais e Constituintes Morfológicos
70
71
Objectivos
o família de palavras
o paradigma lexical
72
O léxico1, que é uma das componentes da gramática das línguas
naturais, pode ser caracterizado como uma base de dados onde se
armazena toda a matéria-prima que vai dar corpo a qualquer expressão
linguística e nomeadamente às estruturas morfológicas. Mas de que
matéria-prima se trata? Como são as unidades lexicais? E como é feito o
seu registo? A resposta mais imediata é a de que as unidades lexicais são
palavras, mas, como veremos em seguida, esta é uma resposta que não
basta à análise morfológica.
73
se relacionam entre si, o que condiciona a sua integração em estruturas
morfológicas e controla a sua projecção em estruturas sintácticas,
restringindo os possíveis contextos de inserção. Esta informação é
idiossincrática, ou seja, não pode ser derivada nem calculada a partir de
nenhuma outra informação e inclui, pelo menos, propriedades sintácticas,
morfológicas, semânticas e fonológicas. Note-se que esta distinção é
precária, dado que as informações associadas às unidades lexicais têm
frequentemente uma natureza compósita, combinando propriedades de
diferentes tipos. Vejamos, então, como se caracterizam as unidades
lexicais, distinguindo as suas propriedades inerentes, ou seja, as
propriedades com que cada unidade lexical se integra numa dada estrutura,
das suas propriedades de selecção, ou seja, das propriedades que
determinam o tipo de estrutura que pode acolher cada unidade lexical. Na
descrição que se segue, e sempre que possível, as propriedades das
unidades lexicais serão codificadas através de uma notação formal que
utiliza traços binários, em que o valor negativo especifica a forma não-
marcada6.
O termo que tradicionalmente designa as unidades de análise das
palavras é morfema. Sabe-se, no entanto, que a definição clássica de
morfema como a menor unidade portadora de significação, que é a
definição de Hockett (1958), é problemática para a análise morfológica
(como foi assinalado, por exemplo, por Aronoff 1976), dado que nem
todas as unidades que integram as palavras são unidades portadoras de
significado. É o que se verifica, por exemplo, com a vogal temática que
integra a generalidade das formas verbais (e.g. cantar, bebêssemos,
fugira), ou com a vogal de ligação (e.g. insecticida, insectólogo).
A redefinição do conceito de morfema como qualquer elemento que
participa na construção de uma palavra, por exemplo, poderia resolver o
problema, mas é uma solução equívoca, porque mantém o nome,
alterando a definição. É por essa razão que se torna preferível chamar
constituinte morfológico a cada uma das unidades que integram uma
estrutura morfológica.
74
A sequência comum a estas três palavras é teatr-; o que resta (i.e. –
o, –al, –inho) são sequências recorrentes em muitas outras palavras do
Português, como gat–o, invern–al e ded–inho, que, por sua vez, vêem esta
segmentação confirmada por comparação com outras palavras
parcialmente idênticas, como gat–a, invern–ia e ded–ada:
(3) teatr-o gat-o gat-a
teatr-al invern-al invern-ia
teatr-inho ded-inho ded-ada
75
processos de formação de palavras10. As categorias sintácticas que aqui
consideraremos, por serem as únicas que permitem a formação de novas
palavras, são adjectivo (ADJ), nome (N) verbo (V) e advérbio (ADV).
Utilizaremos a codificação11 que faz uso dos traços [±N] e [±V], excepto
no que diz respeito aos advérbios, categoria que esta classificação não
contempla:
b. gato[s]
cantá[va] [mos]
76
c. treatr[al]
bebí[vel]
d. ded[inh]o
[re]começar
77
Os restantes radicais, afixos derivacionais e índices temáticos são
especificados quanto à classe temática.
(10) RADICAIS RADICAIS RADICAIS
ADJECTIVAIS ADVERBIAIS NOMINAIS
TEMA EM -a nov- (a) acim- (a) fal- (a)
TEMA EM -o nov- (o) ced- (o) ded- (o)
TEMA EM -e lev- (e) tard- (e) pent- (e)
TEMA ∅ maior- (∅) devagar- (∅) sal- (∅)
ATEMÁTICOS ruim- já- chá-
78
(14) RADICAIS ADJECTIVAIS SUFIXOS DE
ADJECTIVALIZAÇÃO
VARIÁVEIS INVARIÁVEIS VARIÁVEIS INVARIÁVEIS
TEMA EM -a grossa careca perigosa acolhedora
TEMA EM -o grosso perigoso
TEMA EM -e grande abafante
TEMA ∅ útil acolhedor amável
ATEMÁTICOS bom ruim ----- ----- -----
79
(16) Xvel = ‘que pode ser Xdo’ e.g. bebível = ‘que pode ser bebido
reX = ‘voltar a X’ e.g. refazer = ‘voltar a fazer’
80
As unidades lexicais são ainda portadoras de informações
idiossincráticas de outra natureza, como a etimológica, que permite
identificar radicais neoclássicos, codificndo-os, por exemplo, do seguinte
modo:
(19) duz [+latino] e.g. conduzir
antrop [+grego] e.g. antropologia
81
Uma outra restrição de natureza sintáctica diz respeito à estrutura
de selecção categorial, que permite especificar a categoria sintagmática
dos argumentos seleccionados por uma unidade lexical:
17
(22) a. amar [ ___ SN] e.g. O Romeu amava a Julieta
b. gostar [ ___ SP] e.g. O Romeu gostava da Julieta
18
c. fumar [ ___ (SN)] e.g. O Pedro fuma (cachimbo)
d. sorrir [ ___ ] e.g. O Pedro sorriu
82
(24) a. morrer <[+animado] _ > e.g. O Pedro morreu
A tartaruga morreu
19
*O relógio morreu
b. construir <[+humano] _ [-animado]> e.g. O Pedro construiu uma casa
O Pedro construiu *um rato
O Pedro construiu *um amigo
c. conversar <[+humano] _ [+humano]> e.g. O Pedro conversou com a Maria
O Pedro conversou *com o disco
O Pedro conversou *com o rato
O Pedro conversou *com a flor
*O livro conversou com a Maria
*O rato conversou com a Maria
*A flor conversou com a Maria
d. encomendar <[+humano] _ [-humano]> e.g. O Pedro encomendou um carro
O Pedro encomendou um rato
O Pedro encomendou *um amigo
83
Nos restantes casos, a forma do sufixo é –eza (e.g. beleza, dureza, pureza,
riqueza). A representação do sufixo deve integrar essa informação:
(27) [[[≥2V]RADJ [ez]]RN [∅]]TN
[[[1V]RADJ [ez]]RN [a]]TN
3.2 Radicais
84
em –ose). A distinção entre radicais vernáculos e radicais neoclássicos
permite, pois, distinguir os radicais que podem ocorrer quer em palavras
simples (e.g. peix(e)), quer em palavras complexas (e.g. peix(ada)), dos
radicais que só podem ocorrer em palavras complexas (e.g. pisc(icultura),
icti(ofobia)).
85
Como vimos há pouco, a categoria sintáctica dos radicais
vernáculos22 é determinada pela categoria sintáctica das palavras simples
em que ocorrem, qualquer que seja a forma flexionada considerada:
(31) a. [‘seku]ADJ
86
[‘sɛku]V
87
O professor é um homem velho
*Professor é um homem velho
O professor que chegou hoje é um homem velho
professores
88
Os nomes comuns são ainda caracterizáveis como contáveis ou
massivos, distinção que também encontra justificação em contrastes
morfo-sintácticos24, como os seguintes
(39) a. uma cadeira / duas cadeiras
um vinho / *dois vinhos
3.2.1.2 Género
89
(43) Este bolo está delicioso.
Este aluno está reprovado.
Este problema é fácil de resolver.
Este polícia multou-me.
masculino
Este pente está partido.
O Infante D. Henrique nasceu no Porto.
Este bar está aberto até tarde.
O professor atrasou-se.
Este chá está muito forte.
O avô está a chegar.
90
da generalidade das línguas românicas (à excepção do Romeno26) acabou
por torná-lo extremamente precário, dado que todos os nomes que referem
entidades inanimadas tiveram de inscrever-se ou na classe dos nomes que
referem entidades de sexo feminino, ou na classe dos nomes que referem
entidades de sexo masculino27.
91
Em relação aos radicais de nomes animados, convém distinguir os
que referem seres humanos de todos os outros. Regra geral, a referência a
entidades humanas distingue o género masculino do feminino,
estabelecendo um nexo entre o primeiro e sexo masculino e entre o
segundo e sexo feminino:
(47) aluno aluna
doutor doutora
monge monja
homem mulher
conde condessa
cônsul consulesa
papa papisa
vendedor vendedeira
92
exemplo, no contraste entre a designação da função de embaixadora e o
título atribuído à mulher do embaixador, que é a embaixatriz.
93
ausência ( )30, em combinação com o seu valor de género (masculino,
feminino ou subespecificado):
94
(53) gar -e gares garezinha
lugar-Ø lugares lugarzinho
halter -e halteres halterezinho
mister-Ø misteres misterzinho
estor -e estores estorezinho
motor-Ø motores motorzinho
95
e tardozes). A distinção vem da realização fonética da consoante final do
radical que, no caso dos nomes de tema -Ø, mostra que o /z/ está em final
de palavra, sendo realizado como [S], como em [kÃ'baS],['gaS], ['teS] ou
[tÃr'd S], e no caso dos nomes de tema em –e mostra que o /z/ não o está,
sendo realizado como [z], como em ['bazö], ['gazö], ['tEzö] ou ['d zö].
96
b. Latim AVELLANA avelã-s [Ãvö'lÃ)] avelã-zinha
Francês ÉCRAN ecran-s [E'kRÃ)] ecran-zinho
35
sel(a)-im selim-s [sö'li)] selin-zinho
Latim DÓNUM dom-s ['do)] don-zinho
Grego NÉON néon-s [nE'o)] neon-zinho
bod(e)-um bodum-s [bu'du)] bodun-zinho
c. Neerl. CABBELIAU bacalhau-s [bÃkÃ'´aw] bacalhau-zinho
Latim REUS, REI réu-s ['{Ew] reu-zinho
Latim LYCEUM liceu-s [li'sew] liceu-zinho
Japonês BONSAI bonsai-s [bo)'saj] bonsai-zinho
Latim REX REGIS rei-s ['{Ãj] rei-zinho
Latim BOS,BOVIS boi-s ['boj] boi-zinho
Grego HEROS herói-s [e'R j] heroi-zinho
? chui-s ['Suj] chui-zinho
• Latim GERMÁNUS irmão-s [iR'mÃ)w)] irmão-zinho
Árabe HARAM harém-s [a'RÃ)j)] harem-zinho
• Inglês JURY júri-s ['ZuRi] juri-zinho
Inglês JOCKEY jóquei-s ['Z kÃj] joquei-zinho
Latim BENEDÍCTIO bênção-s ['be)sÃ)w)] bênção-zinha
Francês PAYSAGE paisagem-s [paj'zaZÃ)j)] paisagem-zinha
• Grego ÍRIS íris-s ['iRiS] iris-zinha
Latim LÁPIS lápis-s ['lapiS] lapis-zinho
Árabe AR-RÁ'IS arrais-s [Ã'{ajS] arrais-zinho
Grego ÁTLAS atlas-s ['atlÃS] atlas-zinho
Grego HUPHÉN hífen-s ['ifÃnö] hifen-zinho
Latim SÌLEX sílex-s ['silEksö] silex-zinho
Inglês SCRIPT script-s ['skRiptö] script-zinho
Inglês LINK link-s ['li)kö] link-zinho
97
3.2.2 Propriedades dos radicais adjectivais
98
presentes ou ausentes. Esta informação pode ser formalizada pelo traço [±
graduável]:
(59) car [+GRADUÁVEL] e.g. caríssimo, carozinho, super-caro
sulfuric [-GRADUÁVEL] e.g.*sulfuriquíssimo,*sulfuricozinho, *super-sulfúrico
99
as do singular e da terceira do plural do presente do indicativo, todas as
formas do presente do conjuntivo e a segunda do imperativo44:
(61) *falo *fala fali, falisse …
*fales *falas faliste, falisses …
*fale *fala faliu, falisse …
falimos *falamos falimos, falíssemos …
falis *falais falistes, falísseis …
*falem *falam faliram, falissem …
100
(63) (nós) cumprimentamo-nos
(vós) cumprimentais-vos
(vocês, eles) cumprimentam-se
101
3.2.4 Propriedades dos radicais adverbiais
*aciminha
*claramentíssimo
*super-não
3.3 Afixos
102
b. poderoso = poder BASE oso SUFIXO
claramente = clara BASE mente SUFIXO
banalidade = banal BASE idade SUFIXO
infantilizar = infantil BASE izar SUFIXO
(70) insect-í-voro
insect-ó-fago
103
tipos de sufixos temáticos: a vogal temática se se trata de um sufixo
temático verbal, e os índices temáticos48 se se trata de sufixos temáticos
nominais, ou seja, associados a bases adjectivais ou nominais. Para além
destes dois tipos de sufixos temáticos, integra-se nesta classe a vogal de
ligação. Os sufixos temáticos não têm qualquer relevância sintáctica ou
semântica.
104
A vogal temática dos verbos da primeira conjugação é
invariavelmente –a, mas a situação nas segunda e terceira conjugações é,
em circunstâncias
específicas, Na formação do particípio passado dos verbos
diferente. No da segunda conjugação, a vogal temática –e
particípio passado, não é realizada como [e] à semelhança do que
por exemplo, a vogal se verifica nas formas arrizotónicas, ou seja,
temática da segunda nos casos em que a vogal temática é tónica, (cf.
conjugação, tal como beb[e]r, beb[e]ste, beb[e]ramos beb[e]mos,
a da terceira, é –i (cf. beb[e]ssemos, beb[e]rmos), nem como [ö],
bebido, fugido) – realização que ocorre tipicamente quando a
vogal temática é átona, ou seja nas formas
chamemos-lhe a
rizotónicas (cf. beb[ö]s) e nas formas
vogal temática do resultantes de um processo de gramaticalização
passado. do auxiliar (cf. beb[ö]rei, beb[ö]ria), mas como
[i], o que se verifica no imperfeito do indicativo
Por outro
e no particípio passado (cf. beb[i]a, beb[i]do).
lado, a flexão de
Nos dois primeiros casos, a realização fonética
segunda e terceira é fonologicamente explicável, sendo a elevação
pessoas do singular e centralização da vogal [e] determinada pelo
do presente do processo geral que afecta as vogais átonas, mas
indicativo dos à elevação da vogal que ocupa uma posição
verbos da terceira tónica não pode ser atribuída uma causa
conjugação mostra fonológica que não seja aleatória. A causa não é
uma vogal temática totalmente conhecida, mas o efeito é o do
centralizada (cf. esbatimento do contraste entre os verbos da
fog[ö]s, fog[ö]), segunda e os da terceira conjugações, (cf.
idêntica à da bebia, fugia, bebido, fugido).
segunda conjugação
(cf. beb[ö]s, be[ö]b[ö]). Chamemos-lhe a vogal temática do presente.
105
exemplo, são agramaticais. Pode, assim, concluir-se, que alguns sufixos
derivacionais, como –dor, seleccionam o tema do infinitivo (cf. 73a), que
outros sufixos, como –vel, seleccionam o tema do passado (cf. 7b), e que
outros ainda, como –ncia, seleccionam o tema do presente (cf. 73c):
(73) a. dominador
regedor
conferidor
b. dominável
regível
conferível
c. dominância
regência
conferência
106
que exibem vestígios de índices temáticos distintos dos anteriormente
considerados, o que pode ser comprovado pela sua ausência em formas
derivadas:
(75) –as maric-as mariqu-inhas
mecen-as mecén-ico
traquin-as traquin-ice
(76) insect-í-voro
insect-ó-fago
107
classificados como latinismos – nestes casos, a vogal de ligação é –i– (cf.
77b):
(77) a. sóci[o] cultural
b. insect[ó]fobo
insect[i]cida, insect[i]voro, insect[i]forme, insect[i]cultura
(79) Tempo-Modo-Aspecto 1ª C 2ª C e 3ª C
Imperfeito –va –a
Indicativo Mais-que-
–ra
perfeito
Presente –e –a
Conjuntivo Imperfeito –sse
Futuro –re
Infinitivo –re
Gerúndio –ndo
Particípio –do
1ª -----
singular
Pessoa-Número
2ª –s
3ª -----
1ª –mos
plural
2ª -is (des)
3ª –m
Amálgama Tempo-Modo-Aspecto
108
Presente do indicativo Perfeito do indicativo
1ª –o –i
singular
Pessoa-Número
2ª –s –ste
3ª –u
1ª –mos –mos
plural
2ª –is –stes
3ª –m –ram
109
como uma base para a verificação de concordância e não como factor de
limitação da interpretação semântica.
110
Como se pode verificar no quadro seguinte, o infinitivo
corresponde à forma não-marcada, dado que recebe exclusivamente
especificações com valor negativo.
MAIS-QUE-PERFEITO + - + - +
INDICATIVO
PERFEITO + - + - -
IMPERFEITO + - + +
PRESENTE + - - +
IMPERATIVO + + - +
FUTURO SIMPLES + + - -
CONDICIONAL + + + -
CONJUNTIVO
IMPERFEITO - + + +
PRESENTE - + - +
FUTURO - + - -
INFINITIVO - - - -
GERÚNDIO - - - +
PARTICÍPIO - - + -
111
há sufixos que admitem maior variação, podendo associar-se a diferentes
categorias sintácticas ou a diferentes categorias morfológicas (como o
sufixo –izar):
112
automat RN (o) automat]iz RV (ar)
113
verbalização e permitem também caracterizar as propriedades gramaticais
e semânticas dos derivados deadjectivais, denominais e deverbais. Quanto
à formação de nomes:
114
SUFIXOS DE NOMINALIZAÇÃO
DEADJECTIVAL
FEMININOS MASCULINOS
RADICAL
cegu-eira baix-aria
pacat-ez, magr- clar-idade voluntari-ado
eza escur-idão amador-ismo
sabedor-ia ampl-itude azed-ume NOMES LOCATIVOS
velh-ice brav-ura
calv-ície
clar-eira
QUALIDA
SUJEITO EVENTIVOS
DE RELACIONAIS
cotovel-ada bag-aço
general-ato profission-al cebol-ada
empres-ário peixeir-ada
portugal-idade simbol-ismo
QUANTID ferr-eiro LOCATIVOS pap-eira
maquin-ista
RADICAL NOMINAL
ADE nab-iça
DENOMINAL
laranj-al amigdal-ite
ESPÉCIES livr-aria vir-ose
papel-ada
folh-agem VEGETAIS berç-ário
vasilh-ame terr-eiro
laranj-eira abad-ia
HIPÓNIMOS
cas-ario FEMININOS MASCULINOS
formul-ário pessegu-eiro can-il
arvor-edo peit-aça pen-acho
berr-eiro OBJECTOS forn-alha fac-alhão
pen-ugem molh-anga flor-ão
colher-ada ded-al son-eca cas-ebre
hosti-ário beij-oca fit-ilho
torn-eira dent-ola fest-im
chuv-eiro dent-uça escad-ote
pedinch-ão(ona) acost-agem
RADICAL
INFINITIVO
saí-da
NOMES LOCATIVOS
abana-dela belisca-dura
corre-dor(a) ferve-dor bebe-douro
varre-dela morde-dura
descobri-dor(a) transferi-dor sumi-douro
sacudi-dela investi-dura
ajuda-nte observa-tório
destina-tário
descende-nte dormi-tório
prepara-tivo
pedi-nte
TEMA
fugi-tivo(a)
activa-ção
PASSADO
absolvi-ção
convida-do(a)
repeti-ção
convenci-do(a)
acompanha-mento
argui-do(a)
aborreci-mento
cumpri-mento
PRESEN
115
Quanto à formação de adjectivos:
116
acomoda–tício, afirma–tivo, explora–tório), dado que têm
tipicamente uma interpretação activa, dos sufixos que se
associam ao tema do passado (cf. acentua–do, explorá–
vel), cuja interpretação é tipicamente passiva:
SUFIXOS DE ADJECTIVALIZAÇÃO
DEADJECTIVAL
ADJECTIVAL
RADICAL
fratern-al
belic-ista
ADJECTIVOS RELACIONAIS
abad-engo(a) aliment-ício(a)
RADICAL NOMINAL
mani-aco(a)
ferr-enho(a) febr-il
DENOMINAL
desastr-ado(a)
chil-eno(a) vicent-ino(a)
jud-aico(a)
aveir-ense algarv-io(a)
ambient-al, exempl-ar
agoir-ento(a) israel-ita
alentej-ano(a)
chin-ês(a) alarm-ista
beir-ão(ã)
animal-esco(a) med-onho(a)
partid-ário(a)
lisbo-eta ansi-oso(a)
tem-ático(a)
europ-eu(eia) minh-oto(a)
aventur-eiro(a)
metód-ico(a) cabel-udo(a)
RADICA L
expuls-ivo(a)
desdenh-oso(a)
alaga-diço(a)
move-diço(a)
namora-deiro(a) sumi-diço(a) acomoda-tício(a)
DEVERBAL
INFINITIVO
amacia-nte
destruí-dor(a) absorve-nte defini-tório(a)
segui-nte
PASSADO
acentua-do(a) prepará-vel
abati-do(a) sofrí-vel
feri-do(a) falí-vel
117
Quanto à formação de verbos:
SUFIXOS DE VERBALIZAÇÃO
DEADJECTIVAL
ADJECTIVAL
barat-ear
RADICAL
obscur-ecer
solid-ificar
facil-itar
agil-izar
DENOMINAL
guerr-ear
NOMINAL
RADICAL
favor-ecer
alv-ejar
class-ificar
rubor-izar
ferv-ilhar
cusp-ilhar
RADICA L VERBAL
murmur-inhar
DEVERBAL
escrev-inhar
cusp-inhar
namor-iscar
lamb-iscar
chup-itar
dorm-itar
fal-ocar
118
Neste domínio dos sufixos derivacionais falta referir–mente, que é
o único sufixo de adverbialização e é também o único sufixo que
selecciona não um radical ou um tema, mas sim uma palavra
integralmente especificada. É por esta razão que os advérbios em –mente
exibem duas sílabas tónicas (embora, do ponto de vista prosódico, o
acento da direita seja dominante) e a sua base adjectival mostra todas as
características de um adjectivo, ocorrendo no feminino se não for
invariável (cf. 88a), exibindo modificação se as suas propriedades e a
vontade do locutor se conjugarem para que ela ocorra (cf. 88b) e
mostrando a realização fonética própria de uma palavra autónoma, caso
haja alomorfia sensível a esse factor (cf. 88c):
(88) a. l[E]ve]mente
n[ ]va]mente cf. n[u]v]idade
*n[ ]vo]mente
b. novissima]mente
c. sensivel]mente cf. *sensibil]mente, sensibil]idade
b. in[feliz] ADJ
in[verdade] N
in[deferir] V
119
O que sobretudo caracteriza estes afixos é o facto de não
determinarem as propriedades gramaticais das palavras em que ocorrem,
afectando, exclusivamente, a semântica da base:
120
sufixos avaliativos (como –inho/a) que se associam a radicais e formam
radicais modificados, cujas propriedades gramaticais são, em tudo,
idênticas às da sua base; há depois os sufixos Z-avaliativos (como –
zinho/a), semelhantes aos anteriores, mas que se associam a palavras (e
não a radicais), formando palavras modificadas; e há, por último, os
prefixos avaliativos (como super-), que se podem associar a radicais ou a
palavras:
(91) a. Base = RN [-o, -FEMININO] Base = RN [-a, +FEMININO]
retrat] inh] o] moldur] inh] a]
retrat] o] zinh] o] moldur] a] zinh] a]
super] retrat] o] super] moldur] a]
Base = RN [- , -FEMININO]
∅ Base = RN [- , +FEMININO]
∅
121
retratinho, tribinho) e de tema em –a (moldurinha, probleminha),
independentemente do seu valor de género, que também é determinado
pela base: retratinho e probleminha são nomes masculinos, tal como as
suas bases; moldurinha e tribinho são nomes femininos tal como as suas
bases. Quando a base é de tema em –e ou de tema –∅, as formas
modificadas que incluem um sufixo avaliativo, tal como todas as formas
que incluem um sufixo Z-avaliativo são formas de tema em –o, quando são
masculinas (cf. alfinetinho, retratozinho, alfinetezinho, etc.) e são formas
de tema em –a quando são femininas (cf. maldadinha, moldurazinha,
maldadezinha, etc.).
3.3.3.2 Prefixação
122
(93) ab(s)- abusar, abstracção
ad(s)- admirar, adstringente
de- decrescer, deduzir
ex- exonerar, excluir
in- informar, injectar
pro- proclamar, progredir
b. OPOSIÇÃO
anti] bacteriano = que combate o que é bacteriano
contra] curva = curva na direcção oposta
des] montar = desfazer o que foi montado
c. REPETIÇÃO
re] começar = voltar a começar
d. LOCALIZAÇÃO ESPACIAL
circum] navegação = navegação em volta de X
retro] escavadora = escavadora de colher invertida
sobre] loja = local por cima de uma loja
sub] cave = local por baixo de uma cave
e. LOCALIZAÇÃO TEMPORAL
pós] graduação = ciclo de estudos posterior à graduação
pré] adolescência = período anterior à adolescência
f. QUANTIFICAÇÃO
bi] campeão = campeão duas vezes
mono] carril = (via que possui) um carril
tri] gémeo = cada um de três gémeos
123
Parece haver casos em que o prefixo altera alguma das propriedades
gramaticais da base. É o que se verifica com a prefixação que ocorre
em alguns verbos e que altera a subcategorização desses verbos:
O produtor pensou no problema Ele acreditou no ministro
O produtor repensou o problema Ele desacreditou o ministro
Ele gostou da Maria Ele insistiu em falar
Ele desgostou a Maria Ele desistiu de falar
Ele concordou com a Maria Ele confiou na Maria
Ele discordou da Maria Ele desconfiou da Maria
Ele recordou a Maria
Provavelmente, todos estes verbos prefixados estão lexicalizados, não
havendo registo de qualquer caso produtivo e composicional em que a
prefixação afecte sistematicamente a sua base desta forma.
(96) a. in [evitável]ADJ
in [eficaz] ADJ
in [completo] ADJ
b. bem [educado] ADJ
bem [dizer] V
c. contra [intuitivo] ADJ
contra [revolução] N
contra [argumentar] V
Note-se que alguns prefixos que integram uma sílaba tónica (cf.
97a) e outros são formas átonas (cf. 97b). A distinção é relevante porque
geralmente as formas geradas pelos prefixos tónicos não permitem formar
palavras derivadas, enquanto que com prefixos átonos, a relação com
formas derivadas existe:
(97) a. anti-caspa
circum-navegação
contra-curva
mono-carril
pós-graduação
pré-adolescência
retro-escavadora
sobre-loja
124
b. a-normal a-normal-idade a-normal-mente
des-honesto des-honest-idade des-honest-íssimo
des-montar des-montá-vel des-monta-dor
im-puro im-pur-eza im-pur-ificar
re-utilizar re-utiliza-ção re-utilizá-vel
125
c. *des sentir
*des aceder
*des ler
*des suportar
126
(101)
+N, +V SUF +N, +V
Adjectivos: ±feminino Sufixos de
±feminino
±plural adjectivalização:
±plural
+ N , -V SUF +N, -V
Sufixos de
Nomes: ±feminino ±feminino
nominalização:
±plural ±plural
-N , + V SUF -N, +V
Verbos: ±TMA Sufixos de
±TMA
verbalização:
±PN ±PN
127
Alguns destes princípios fazem apelo a instrumentos da análise
morfológica, outros recorrem a critérios sintácticos e outros ainda fazem
apelo a propriedades semânticas. Vejamos aqueles que são relevantes para
a análise morfológica.
A distinção entre classes abertas e fechadas é uma distinção relevante
quer no domínio da lexicologia, quer para a morfologia. Em termos
gerais, uma classe aberta integra um determinado conjunto de
elementos de uma mesma categoria, mas pode vir a integrar outros
elementos nessa mesma categoria. Uma classe fechada, pelo contrário,
é uma classe que integra um conjunto finito de elementos de uma dada
categoria, sem que, em princípio, esse conjunto possa vir a integrar
novos elementos.
As classes dos nomes, dos adjectivos e dos verbos são classes abertas.
A associação de um sufixo de nominalização a uma base nominal,
adjectival ou verbal é suficiente para fornecer à classe dos nomes um
novo elemento. A classe das preposições, pelo contrário, é uma classe
fechada: não há mecanismos de criação de novas preposições, ainda
que, de um modo assistemático e imprevisível seja possível, por
conversão, por exemplo, atribuir a categoria preposição a uma palavra
pertencente a outra classe.
A relevância morfológica da distinção entre classes abertas e fechadas
prende-se com o facto de os processos de formação de palavras
alimentarem exclusivamente as classes abertas, pelo que são
caracterizáveis como processos de nominalização, adjectivalização e
verbalização. Nesta, como noutras circunstâncias, os advérbios em –
mente apresentam características particulares. Com efeito, no domínio
dos advérbios, este tipo também constitui uma classe aberta.
128
(103) form-
a form osear form ável
bem form ado form azinha
bi form e form azona
con form ação form inha
con form ar form ita
con form ável form oso
con form e form osura
contra-in form ação fórm ula
de form ação form ulação
de form ador form ular
de form ar form ulário
de form ável form ulável
de form idade in form ação
desen form ar in form ante
desin form ação in form ar
desin form ar in form ativo
dis form e inde form ável
en form ar in form al
f[o]rm a in form almente
f[ ]rm a mal form ação
form ação mal form ado
form ado multi form e
form ador re form a
form al re form ado/a
form alidade re form ar
form alismo re form atório
form alista re form ismo
form alização re form ista
form alizar re form ulação
form alizável re form ular
form almente trans form ação
form ando trans form ador
form ão trans form ar
form ar trans form ável
form atação tri form e
form atar uni form e
form ativo uni form ização
form ato uni form izar
form atura uni form izável
129
(104)
formazinha
forma
formazona
formalização
formalizador
formalizaTV
formalizante
formalizável
formalismo
formal
formalista
formRN formalidade
formalmente
informal informalmente
forminha
formita
formosamente
formos-RADJ formosura
formosíssimo
fórmula
130
3.5.2 Paradigmas lexicais
b. Substituição da base
c. Supressão do afixo
Ø fazer leve Ø
re zinho
131
Tópicos de Recapitulação Geral
UNIDADES
LEXICAIS
radicais constituintes
morfológicos
afixos terminais
palavras
lexicalizadas
expressões sintácticas
lexicalizadas especificação
propriedades propriedades
inerentes de selecção
sintácticas
morfológicas
semânticas
fonológicas
132
Quanto aos constituintes morfológicos, vimos as principais
propriedades dos diversos tipos de radicais e de afixos que podem ser
relembrados da seguinte forma:
cali(grafia)
CONSTITUINTES bel(o)
neoclássicos (insecti)cid(a)
MORFOLÓGICOS nunc(a)
vernáculos livr(o)
radicais
(livr)o - (trib)o cant(ar)
afixos
(cas)a - (map)a
especificadores índice
(pent)e - (lent)e
temático
(mar)Ø - (paz)Ø
constituinte
vogal (cant)a(r)
temático
temática (beb)e(r) - (beb)i(do)
(fug)i(r) - (fug)i(do)
sufixos de vogal de (bi)o(diversidade)
flexão ligação (bacter)i(cida)
(livro)s
nominal número
(novo)s
pessoa-número (cantava)mos
(maravilh)os(o)
predicadores
adjectivalização (repeti)tiv(o)
(clara)ment(e)
adverbialização
sufixos (clar)idad(e)
derivacionais (colher)ad(a)
nominalização
(continua)ção
(clar)ific(ar)
verbalização (cristal)iz(ar)
modificadores
(dorm)it(ar)
prefixos des(fazer)
133
Exercícios
134
considerados em abstracto, são ambíguos. É o caso do radical
sec-, por exemplo, que pode ser um radical adjectival (cf.
seco/a), um radical nominal (cf. seca) ou um radical verbal (cf.
secar). Identifique um outro radical, um índice temático, uma
vogal temática, um sufixo de flexão e um sufixo derivacional
que sejam lexicalmente ambíguos e desambigue-os,
integrando-os em estruturas relevantes.
10. Considere os dois seguintes conjuntos de palavras e comente a
relação que se pode estabelecer entre os sufixos que as
integram:
consultório afogadiço
comedouro segregatício
observatório
11. Construa uma família de palavras que integre o radical corp-.
12. Organize esta família de palavras tendo em consideração as
relações morfológicas que os seus membros estabelecem entre
si.
13. Considere a palavra reunificável. Segmente-a e integre cada
dos seus constituintes num paradigma lexical morfológico que
contenha, pelo menos, cinco formas distintas.
14. Como caracteriza o paradigma definido pelo sufixo –os(o/a)?
135
Leituras Complementares
MATEUS, M. H. M. ET AL
2003 Gramática da Língua Portuguesa
5ª edição revista e aumentada (Capítulo 25.4)
Lisboa: Editorial Caminho
RIO-TORTO, G. M.
1998 Morfologia Derivacional. Teoria e Aplicação ao Português
Porto: Porto Editora
Para Consulta
MorDebe
www.portaldalinguaportuguesa.org
136
137
Capítulo 4. A estrutura morfológica
138
139
Objectivos
núcleo
especificador
complemento
modificador
o as convenções de percolação;
140
Uma estrutura morfológica bem-formada é uma palavra. Mas como
se define uma estrutura morfológica bem-formada? Nos capítulos
anteriores foram já feitas algumas referências às configurações que, no
Português, caracterizam as palavras simples e os diversos tipos de palavras
complexas. Vejamos agora como se obtêm estas configurações.
Y Z
A atribuição de uma função gramatical a cada um dos
constituintes que ocupam posições estruturais é decorrente desta análise
das palavras como estruturas linear e hierarquicamente organizadas. Em
cada nível de ramificação de um nó X é necessário identificar o ramo
dominante, ou seja o núcleo, e o ramo subordinado, cuja função
gramatical é determinada conjuntamente pelas propriedades do núcleo e
pela posição que ocupa na estrutura4. A definição de núcleo morfológico,
de que a presente análise faz uso, requer uma verificação da partilha de
141
propriedades entre a palavra, que corresponde à projecção máxima do
núcleo, e o constituinte que detém primeiramente essa função, ou seja, o
radical5. O tema corresponde ao primeiro nível de projecção do núcleo,
sendo gerado por adjunção6 de um especificador morfológico, que é o
constituinte temático (i.e. índice temático ou vogal temática), ao radical.
Por último, a palavra é gerada por adjunção de um especificador morfo-
sintáctico, que é o complexo de sufixos de flexão, ao tema. O uso que
aqui se faz do termo especificador permite definir os constituintes que
ocupam essas posições como adjuntos subcategorizados, respectivamente,
pelo radical e pelo tema. No Português, a estrutura morfológica das
palavras simples é, pois, a seguinte:
(2)
PALAVRA
TEMA FLEXÃO =
especificador morfo-sintáctico
RADICAL = CONSTITUINTE TEMÁTICO =
núcleo especificador morfológico
142
ramifica podendo integrar um radical e um afixo ou dois ou mais radicais,
distinção que opõe a afixação à composição. Ora, a relação entre os
constituintes que integram um radical complexo pode ser quer uma relação
de complementação, quer uma relação de modificação, quer uma relação
de coordenação:
COMPLEMENTAÇÃO
Relação típica da derivação. O núcleo, que é o sufixo derivacional, ocupa
uma posição final relativamente ao complemento seleccionado, que é a
base derivante e pode ser um radical, um tema ou mesmo uma palavra.
(4)
PALAVRA DERIVADA
RADICAL CONSTITUINTE
DERIVADO TEMÁTICO
COMPLEMENTO = NÚCLEO =
= SUFIXO
= PALAVRA DERIVACIONAL
TEMA FLEXÃO
RADICAL CONSTITUINTE
TEMÁTICO
143
MODIFICAÇÃO
O núcleo, que é um radical ou uma palavra, pode ser modificado por um
prefixo ou por um radical, à sua esquerda, ou por um sufixo à sua direita.
RADICAL CONSTITUINTE
MODIFICADO TEMÁTICO
PREFIXO RADICAL
MODIFICADOR MODIFICADO
NÚCLEO = SUFIXO
= PALAVRA MODIFICADOR
TEMA FLEXÃO
RADICAL CONSTITUINTE
TEMÁTICO
144
COORDENAÇÃO
Relação típica da composição morfológica. Só há relações de
coordenação entre radicais.
(6)
PALAVRA COMPOSTA
RADICAL CONSTITUINTE
COMPOSTO TEMÁTICO
TEMA FLEXÃO
145
4.1 Vazios morfológicos
146
O que se verifica, neste caso, é que a ausência de informação é
interpretada como uma ocorrência do valor padrão8 para a categoria em
questão, identificando, assim, a forma do singular como forma não-
marcada na categoria de número.
147
(13) [[[nad]RV [a ]]TV [[ ]TMA [mos]PN]FLEX]V = nadamos
[[[nad]RV [a ]]TV [[sse]TMA [ ]PN]FLEX]V = nadasse
[[[nad]RV [a ]]TV [[ ]TMA [ ]PN]FLEX]V = nada
148
à sua direita (e.g. as cores), no segundo afixam-se ao radical à sua
esquerda (e.g. cordas).
TV FM
RV VT TMA PN
i a = ía
i a s = ías
i a mos = íamos
i a is = íeis
i a m = iam
TV FM
RV VT TMA PN
i s = *is (= vais)
i mos = *imos (= vamos)
i des = ides
149
(20)
V
TV FM
RV VT TMA PN
4.2 Flexão
150
Português, os mais flagrantes relacionam-se com a variação em género11 e
em grau.
151
especificação de género lexicalmente A oposição temática -o/-a
determinada e semanticamente remete, em alguns casos,
irrelevante, ou seja, ainda que se trate de para uma expressão de
nomes masculinos ou femininos, estes cardinalidade, em que o
nomes não podem variar em género nome de tema em -o é
porque não referem uma entidade quantificado como uma
sexuada: unidade e o de tema em –a
corresponde a um
(23) problema N[-FEM] colectivo:
olho N[-FEM]
ovo ova
pente N[-FEM]
fruto fruta
bar N[-FEM]
chá N[-FEM] Trata-se de casos em que
um mesmo radical latino
tesoura N[+FEM]
deu origem às duas formas:
tribo N[+FEM]
lente N[+FEM] OV]UM, -I
paz N[+FEM] OV]A, -ORUM
pá N[+FEM]
152
muito pouco frequentes e os segundos exclusivos dos chamados nomes
epicenos, ou seja, dos nomes que (à semelhança dos sobrecomuns)
possuem um único valor de género12 que, quer seja masculino quer seja
feminino, tem uma interpretação genérica. A sua interpretação pode ser
desambiguada pela adjunção dos modificadores macho ou fêmea (cf. 26b):
(26) a. jogral-esa
abad-essa
mestr-ina
gal-inha
pap-isa
b. leopardo N[-FEM]
[leopardo-macho] N[-FEM]
[leopardo-fêmea] N[-FEM]
zebra N[+FEM]
[zebra-macho] N[+FEM]
[zebra-fêmea] N[+FEM]
153
de-dois (e.g. -ista, -nte); por outro lado, a conversão de nomes masculinos
em nomes comuns-de-dois é talvez o processo mais popular de obtenção
de novos contrastes de género (cf. o/a sargento). Estes nomes são
lexicalmente subespecificados quanto ao género, mas a sintaxe precisa,
quase sempre de uma especificação positiva, mesmo que essa
especificação seja o masculino com valor genérico:
(28) a. atleta
jornalista
concorrente
154
sendo até predominantemente gerados por recursos sintácticos: o sufixo -
íssimo13 (e também -érrimo, embora este sufixo seja menos produtivo) é
responsável pela formação do superlativo absoluto sintético (cf. 31a), mas
a sintaxe gera o superlativo absoluto analítico, os superlativos relativos (de
superioridade e inferioridade) e os comparativos (de igualdade,
superioridade e inferioridade) (cf. 31b), bem como outras quantificações
(cf. 31c):
(31) a. frequentíssimo
frequentérrimo
b. muito frequente
o mais frequente
o menos frequente
tão frequente quanto/como
mais frequente do que
menos frequente do que
c. bastante frequente
igualmente frequente
nada frequente
relativamente frequente
155
[±plural]15, encontram-se A flexão de número não é a única
em distribuição operação morfológica relacionada com
complementar: os cardinalidade. A formação de nomes
adjectivos e os nomes ou colectivos, como eleitorado, casario ou
são especificados com o arvoredo, e a formação de palavras como
valor singular por ausência unissexo, bianual, tridimensional,
de qualquer sufixo quadrigémeo, tetravô, penta-campeão ou
específico, ou são decilitro exemplificam outros recursos
morfológicos que envolvem
especificados como plural
quantificação.
pela adjunção do sufixo -s:
(34) livro livros
raro raros
156
foneticamente idêntico à consoante que o precede, as duas formas acabam
por ser idênticas e consequentemente ambíguas:
(38) simples]RADJ ]TADJ simples]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] simples]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu]
[‘si)plöS] [‘si)plöS]
157
estes radicais tendam a deixar de ser formas de tema em –o e passem a
atemáticas (mantendo eventualmente um alomorfe de tema em –o,
seleccionado por processos de formação de palavras, como se verifica em
casos como sanidade ou manual):
(41) san]RADJ o]TADJ sano]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] sano]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu]
são]RADJ ]TADJ são]TADJ [ ][-plu] ] ADJ[-plu] são]TADJ [s][+plu] ]ADJ[+plu]
[‘sÃ)w)] [‘sÃ)w)S]
158
acolhimento na prescrição gramatical, razão pela qual alguns autores
admitem mais do que uma forma de plural para palavras terminadas em –
ão. Percebe-se, aliás, que a hesitação pode ser provocada por uma tensão
entre a motivação etimológica e a pressão paradigmática que privilegia –
ões (cf. anãos, anões; corrimãos, corrimões; vilãos, vilões) e percebe-se
também que é esta última a forma que tende a ter maior sucesso (cf.
verãos, verões). Noutros casos, a escolha múltipla oferecida pela
prescrição gramatical não tem qualquer justificação que não seja o
resultado de um processo de hipercorrecção (cf. refrães, refrãos; aldeães,
aldeãos, aldeões; anciães, anciãos, anciões ou sultães, sultãos, sultões).
Há, por último, casos idênticos aos anteriores, ou seja, casos em que a
etimologia da palavra não legitima a formação do plural em –ões (cf.
cidadão), a prescrição gramatical não a sanciona (cf. cidadãos), mas o uso
tende a consagrá-la (cf. *cidadões).
159
O carácter obrigatório da flexão em número é aparentemente posto
em causa pelos nomes próprios, que, por definição, designam entidades
únicas, não pluralizáveis (por vezes chamados singularia tantum). No
entanto, a restrição não vale nos casos em que é possível interpretar o
plural como identificação de vários sujeitos portadores de um dado nome
próprio – deste modo, é possível falar da dinastia dos Filipes, dos
Almeidas como membros da família Almeida, ou das Marias, como
metáfora de mulheres. A restrição é, pois, semântica e não morfológica.
160
(45) flor flores
florzinha florezinhas
caracol caracóis
caracolzinho caracoizinhos
leão leões
leãozinho leõezinhos
pão pães
pãozinho pãezinhos
[[caracóis]N zinhos]N
[[leões]N zinhos]N
[[pães]N zinhos]N
161
obrigatória e exclusivamente porque estes compostos têm uma estrutura
sintáctica e não morfológica.
(48) V=β+δ
TV[CONJ= ]
α Flexão=β+δ
RV[CONJ= ]
α VT TMA=β PN=δ
162
O facto de o sufixo de tempo-modo-aspecto associar informação
sobre a atitude do locutor relativamente ao seu enunciado e sobre a
localização temporal da situação que ele descreve29 não é semanticamente
motivado – trata-se de uma amálgama morfológica de três categorias
morfo-semânticas que, embora possam estar relacionadas, são
independentes:
(50) canta – va – mos pretérito imperfeito do indicativo
canta – sse – mos pretérito imperfeito do conjuntivo
163
(53) cantava bebia fugia
cantavas bebias fugias
Indicativo
cantávamos bebíamos fugíamos
pretérito imperfeito
cantáveis bebíeis fugíeis
cantavam bebiam fugiam
cantasse bebesse fugisse
cantasses bebesses fugisses
Conjuntivo
cantássemos bebêssemos fugíssemos
pretérito imperfeito
cantásseis bebêsseis fugísseis
cantassem bebessem fugissem
cantarei beberei fugirei
cantarás beberás fugirás
cantará beberá fugirá
Futuro simples
cantaremos beberemos fugiremos
cantareis bebereis fugireis
cantarão beberão fugirão
cantaria beberia fugiria
cantarias beberias fugirias
Condicional cantaríamos beberíamos fugiríamos
cantaríeis beberíeis fugiríeis
cantariam beberiam fugiriam
Gerúndio cantando bebendo fugindo
Particípio passado cantado bebido fugido
164
(54)
165
Há, no Português, dois paradigmas de flexão verbal cuja estrutura
não pode ser descrita pela representação apresentada em (48). Trata-se do
futuro simples e do condicional. Como é sabido, estes dois conjuntos de
formas resultam de um processo de gramaticalização de construções
perifrásticas que, de algum modo, ainda hoje subsistem, e que consistiu
em justapor algumas formas do verbo haver (ou apenas partes dessas
formas) ao infinitivo impessoal de qualquer verbo – para formar o futuro
juntam-se as formas do presente do indicativo de haver (truncando o
radical, nos casos em que ele está presente), e, para formar o condicional,
juntam-se as formas do imperfeito do indicativo de haver (sendo o radical,
neste caso, sempre truncado):
(55) a. nadar hei cf. hei-de nadar
nadar hás cf. hás-de nadar
nadar há cf. há-de nadar
nadar (hav)emos cf. havemos de nadar
nadar (hav)eis cf. haveis de nadar
nadar hão cf. hão-de nadar
b. falaria falar-lhe-ia
falarias falar-lhe-ias
falaríamos falar-lhe-íamos
falaríeis falar-lhe-íeis
falariam falar-lhe-iam
166
(57) Falar-lhe-emos ainda hoje.
Já não lhe falaremos hoje.
Penso que lhe falaremos ainda hoje.
167
(59) V
TV Flexão
RV VT TMA PN
TV Flexão
RV VT TMA PN
fal a rei/rás/rá/remos/reis/rão
168
(60) 1ª pessoa do singular = o locutor
2ª pessoa do singular = o interlocutor
3ª pessoa do singular = um sujeito ausente da enunciação
1ª pessoa do plural = o locutor e mais alguém
2ª pessoa do plural = o interlocutor e mais alguém (excepto o locutor)
3ª pessoa do plural = dois ou mais sujeitos ausentes da enunciação
169
A distinção só é feita no presente do indicativo (cf. canto/cante),
no perfeito do indicativo (cf. cantei/cantou) e no futuro simples (cf.
cantarei/cantará), ou seja, nos casos em que há amálgama de tempo-
modo-aspecto e pessoa-número. Esta ambiguidade entre as formas de
primeira e terceira pessoas do singular não pode deixar de ser relacionada
com um outro fenómeno que afecta a segunda pessoa. Trata-se do caso das
formas de segunda pessoa habitualmente identificadas pelos pronomes
você e vocês37 e que correspondem a uma forma de tratamento diferente da
que está associada às formas pronominais tu e vós: você ocorre num
registo mais formal ou mais distante do que tu e vocês ocorre num registo
menos formal ou menos distante do que vós. A necessidade de considerar
estas formas de um ponto de vista morfológico advém do facto de elas
recorrem às formas verbais de terceira pessoa e de, por essa via, assim se
estabelecer uma nova fonte de ambiguidade: à indistinção entre a primeira
e a terceira pessoas do singular, junta-se a da segunda. No plural a
ambiguidade afecta a segunda e a terceira.
(63) Imperfeito do indicativo: eu/você/ele cantava bebia fugia
Mais-que-perfeito do indicativo: eu/você/ele cantara bebera fugira
Presente do conjuntivo: eu/você/ele cante beba fuja
Imperfeito do conjuntivo: eu/você/ele cantasse bebesse fugisse
Futuro do conjuntivo: eu/você/ele cantar beber fugir
Infinitivo flexionado: eu/você/ele cantar beber fugir
Condicional: eu/você/ele cantaria beberia fugiria
Imperfeito do indicativo: vocês/eles cantava bebia fugia
Mais-que-perfeito do indicativo: vocês/eles cantara bebera fugira
Presente do conjuntivo: vocês/eles cante beba fuja
Imperfeito do conjuntivo: vocês/eles cantasse bebesse fugisse
Futuro do conjuntivo: vocês/eles cantar beber fugir
Infinitivo flexionado: vocês/eles cantar beber fugir
Condicional: vocês/eles cantaria beberia fugiria
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